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Giselle Ferreira:

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Alice rides again

Alice rides again

Só nos 3 primeiros meses de 2023, o DF registrou 9 feminicídios, o que levou a secretária da Mulher a mobilizar o governo em torno de uma força tarefa

Afrente da Secretaria da Mulher do Governo do Distrito Federal, Giselle Ferreira trabalha em sintonia fina com a vice-governadora Celina Leão, que substituiu interinamente Ibaneis Rocha durante o período em que ficou afastado por decisão do Supremo Tribunal Federal. Professora e servidora de carreira da Secretaria de Educação, Giselle conseguiu mobilizar o GDF para lançar mais 200 ações que têm como foco principal o combate à violência à mulher, como forma de comemorar o Dia Internacional da Mulher no último dia 8 de março.

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Confira a entrevista da secretária Giselle com a nossa colunista da revista Plano B, Adriana Vasconcelos.

No mês da mulher, o GDF, tendo uma mulher mais uma vez à frente da gestão, inovou com o lançamen- to de mais de 200 ações que têm como foco principal o combate à violência em um trabalho conjunto de várias secretarias?

Giselle Ferreira - Eu me sinto acolhida, porque essa é uma pauta que não é tem que ser apenas secretária da Mulher, mas é uma pauta de toda a sociedade e a sensibilidade da nossa governadora em exercício, Celina Leão ( a entrevista foi dada antes da volta de Ibaneis ao cargo) fez isso. Ela entendeu o que a gente tinha que fazer. A gente tinha de colocar algum plano mais emergencial em prática, porque como pode uma capital federal ter registrado 9 feminicídios só nos 3 primeiros meses de 2023? O que é um feminicídio? Uma mulher ser morta pelo motivo de ser mulher. Isso é muito grave.

Nessa rede de proteção que montamos envolvemos 11 secretarias, o Ministério Público, o Tribunal de Justiça, a

Defensoria Pública e o terceiro setor. Agora nós colocamos também a Câmara Legislativa, a Câmara Federal, Senado e o Ministério da Mulher, porque a pauta da mulher só vai sair das páginas policiais quando a sociedade se envolver. E se envolver com ações. Eu percebi que tinha um monte de gente correndo, mas cada um para o seu lado. Não tinha uma coordenação. Sou professora de formação e sempre gostei de trabalhar com planejamento estratégico, organização.

Foi aí que surgiu a ideia de fazermos esse planejamento para o mês de março e fizemos um calendário único e, assim, lançamos o ‘Março Mais Mulher’. Trata-se de uma força tarefa de 45 dias e que vai ser continuada. Teremos no mínimo uma ação por dia, que serão de curto, médio e longo prazo.

Já entregamos à Câmara Legislativa o protocolo ‘Por todas elas’, seguindo aquela questão do protocolo da Espanha, que foi aplicado naquele caso do jogador Daniel Alves, com objetivo de envolver toda a sociedade também para proteger a mulher.

Depois de muitos anos, a Secom fez a campanha ‘A denúncia salva’. Aquilo ali foi um pedido nosso, no sentido de a Secom nos escutar, escutar quem está lá na ponta. Porque já tivemos várias campanhas, mas eles não nos escutaram. Muitos costumam dizer que a mulher vítima de violência morre, porque não denuncia. Falam da mulher, mas ninguém fala do homem. Mas por que que a mulher não denunciou? É só ela que teria de procurar ajuda? O vizinho não escutou, ninguém da família? 70% das mulheres vítimas de feminicídio não procuram ajuda. Ah, ela não procurou, é porque ela queria morrer. A gente tem que saber porque ela não procurou ajuda. Mas a denúncia pode sim salvar. Tivemos 16.000 ocorrências policiais ano passado.

Quando você fala que denuncia salva, isso quer dizer que todos têm obrigação de ajudar quando veem ou percebem que uma mulher está sob ameaça de agressão?

Giselle - Exatamente. Na nossa propaganda lembra que quando você escuta um som alto reclama com o síndico, com vizinho. Por que não se incomoda quando uma mulher pede socorro? Como ocorreu, aliás, na Asa Norte mesmo, onde teve uma senhora escutou uma mulher pedindo socorro, mas acabou indo dormir. Qual foi resultado? A mulher morreu. Na semana passada, dois vizinhos impediram um feminicídio. Um em Ceilândia e outro lá no Gama. A sociedade tá começando acordar. Então aí eu vou para a televisão e chamo o assassino de covarde. E outra coisa, digo que aqui no DF ele vai estar preso. No mínimo 20 anos de cadeia. Eu vou pra televisão e falo isso, falo para ele escutar que não vai ter impunidade.

Vocês têm planos de levar essa luta para dentro das escolas? Porque as crianças reproduzem muitas vezes comportamentos que vêem dentro de casa, na sociedade. Esse é um caminho viável, de trabalhar as futuras gerações para combate à violência?

Giselle – É a saída. Não tem outra. Para gente lidar com o homem agressor, agora, é a punição, não tem jeito. Também investimos da sensibilização, para esse grupo refletir. Mas a saída para mudar a sociedade é a escola. É a formação da criança que vai garantir a mudança.

Eu costumo lembrar em minhas palestras que a gente conseguiu implantar o cinto de segurança, quando levou o tema para escola, e o menino entrava dentro carro e cobrava do pai o uso do cinto. Assim, a criança vai começar a cobrar respeito à mãe. Por isso montamos o ‘Lei Maria da Penha vai a escola’, com várias palestras. Eu mesma estou indo a pelo menos uma escola por dia para levar a discussão.

Qual a outra saída? A qualificação profissional. A mulher tem de sair desse ambiente de vulnerabilidade, onde o homem é provedor da casa. Semana passada visitei uma sala de aula só com mulheres eletricistas, 20 ao todo, uma parceria com o Sindicato da Construção Civil. Precisamos saber o que o mercado está precisando para que essas capacitações tenham efetividade. Fizemos também uma parceria com o Sindhosbar (Sindicato Patronal de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília) porque quase todo estabelecimento tem hoje uma brinquedoteca no restaurante e bar. Então, não é melhor ter uma monitora que fez uma qualificação? Assim fizemos um curso de capacitação para atender essa demanda e a maioria já deu depoimento dizendo que já tinha emprego.

Já pensaram em criar uma agência de emprego voltada exclusivamente para mulheres sob ameaça ou com medidas protetivas, que identifique a necessidade do mercado e aí a partir crie os cursos?

Giselle - A minha secretaria tem atuado de forma transversal. Já estou em parceria que a Secretaria de Trabalho, justamente reservando uma quantidade de vagas, tanto de capacitação como de emprego para mulheres. Ainda não estou conseguindo fazer tudo exclusivo, mas vamos chegar lá. Mas estamos avançando nas cotas.

O governo federal aproveitou o mês da mulher para lançar um projeto que garanta salário iguais para homens e mulheres. Como GDF, pretende lidar com isso?

Giselle - Eu passei 12 anos no Legislativo e sei exatamente a importância de leis como essa, porém o mais importante é sua implementação. Sancionar essa lei, eu acho importante, mas o que eu achei mais importante foi que o governo federal falou que vai fiscalizar. Aqui no Distrito Federal, nós vamos implementá-la. Eu tenho 136 leis sancionadas pela Câmara Distrital que não foram implementadas, voltadas as mulheres, mas que nós vamos implementar. Inclusive 2, agora, que nós estamos fazendo de pronto, que é a do aluguel social que aquelas mulheres em situação de vulnerabilidade. Elas vão receber um aluguel social para por um período, para sair do ambiente de violência. Outra que vamos fazer também é em relação aos órfãos do feminicício.

Realmente muito importante essa iniciativa do GDF de garantir um salário mínimo para os órfãos do feminicídio. De 2015 para cá, foram mais de 280 crianças ficaram órfãs.

Giselle – É o que registra o Mapa do Feminicídio: de 2015 a novembro de 2022. Só esse ano foram 10, então esse número subiu 297. O feminicídio é uma falha do estado, né? Então é mínimo que a gente pode fazer, pois muitos desses crimes são cometidos por companheiros dessas mulheres, que acabam na cadeia, isso quando não se matam também. É uma tragédia total. Então nossas ações serão no sentido de implementar as leis e cobrar a sua aplicação. Além de atender a questão financeira, para que a mulher possa sair da situação de vulnerabilidade por 2 viés: seja através do aluguel social e depois também colocando ela no mercado de trabalho E divulgando muito o acolhimento que ela pode ter na Casa da Mulher Brasileira. Neste caso, quero estar muito mais próxima da Secretaria de Educação do que da Secretaria de Segurança Pública.

Acredito muito no trabalho da nossa Secretaria de Segurança, mas ela age diante dos fatos. Eu tenho que agir antes. Qual é a nossa missão? A prevenção na escola, na qualificação, na informação. Quero colocar as mulheres para o mercado de trabalho e para que elas possam usufruir disso, vão precisar de creches para colocar os filhos.

Creche, aliás, é uma das demandas prioritárias da maioria das mulheres que estão no mercado do trabalho. Como o GDF está trabalhando para atender isso?

Giselle - O estado não dá conta sozinho, precisa de parcerias, por isso já temos o cartão creche, parcerias com entidades. E estamos pensando em fazer uma grande creche dentro da UnB, diante da grande demanda que temos, que será de excelência. Precisamos estar muito atentos com essas políticas voltadas para as mulheres.

Diante desse aumento expressivo de feminicídios no DF, que colocam o Distrito Federal no 7o lu- gar entre os mais violentos para as mulheres, como você enxerga participação feminina em espaços de Poder? Qual a diferença que ela faz quando ocupa esse espaço? Que mensagem deixaria para outras mulheres que também já pensaram em ingressar na vida pública?

Giselle – Primeiro é o exemplo, a partir do qual elas conseguem se enxergar em tais espaços. Se você vê uma mulher no mercado de trabalho, como governadora, como a primeira chefe do Corpo de Bombeiros no Brasil, que é a coronel Mônica (de Mesquita Miranda), a menina vai se espelhar e imaginar que um dia também vai poder chegar a um posto daquele. A melhor que temos são os exemplos mostrando, na prática, o nosso olhar diferenciado e sensível sobre as ações. As mulheres têm muito mais perspicácia para a tomar atitudes em favor de outras mulheres. Por isso, eu digo: mulher você pode estar onde quiser, lute por seus sonhos e não abra mão de sua capacitação. Isso ninguém tira da gente.

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