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A nova cara da EBC com Hélio Doyle

Jornalista há 52 anos, Hélio Doyle assumiu a presidência da EBC com a missão de recuperar a empresa, que com o governo Lula saiu da lista de privatizações que havia sido definida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Mais um projeto desafiador para um jornalista que já atuou em diferentes frentes. Foi professor da Universidade de Brasília por 28 anos, sempre em tempo parcial, o que lhe permitiu trabalhar em redações, como consultor, assessor de imprensa, editor de revistas, na área de pesquisas e também em várias campanhas políticas. A primeira delas pelos 5 anos de mandato presidencial, durante a Constituinte.

Qual missão definida pelo presidente Lula veio acompanhada do convite para assumir a presidência da EBC?

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Olha a missão básica é recuperar a EBC, fazer com que retome o seu papel de comunicação pública, de uma empresa de comunicação pública, que contribua para maior informação de todos, e que a população seja mais informada, tenha mais acesso a cultura, a apresentações artísticas. Ou seja, um caminho realmente de canal público de comunicação, aquele que complementa o sistema. Pela constituição, você tem o sistema privado e o sistema estatal. A EBC é o principal instrumento de comunicação pública que nós temos no Brasil. A missão é essa de recuperar a empresa e fazê-la crescer. Acreditar que a EBC pode melhorar o objetivo que ela tem desde a sua criação

A comunicação estatal muitas vezes segue uma linha editorial que permite mostrar o que é bom e esconder o que pode não ser tão bom assim. Como será a linha editorial de sua gestão?

Eu acredito que a gente tem que separar a comunicação pública da comunicação governamental. São duas coisas di- ferentes. Então vamos dizer assim, a linguagem não é como é o governo federal. Ele é o dono, deve ser ele, montou aqui com orçamento público, uma máquina de comunicação espalhada no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e uma pequena parte do Maranhão, porque foi absorvida a TV Educativa do Maranhão. Mas como uma rede nacional, essa máquina é destinada comunicação pública. A comunicação pública tem algumas características. Ela deve ser independente do governo, ela deve ser isenta, mas empresa não pode falar as coisas como Nação. É claro que todo veículo de comunicação tem critérios editoriais, né? Se você olhar o telejornal da Globo ou da Band ou da Record, você não fala assim: na boa, porque que não deu isso? Por que não falou daqui? É um critério de cada um na edição, de acordo com regionalidades. Ninguém fala tudo, coloca tudo. E naturalmente, na comunicação pública também tem isso. Então, muitas vezes não falou de tal assunto, porque o assunto foi censurado? Porque o assunto é proibido? Não! Houve uma opção por outro assunto. É um critério de edição, mas hoje a comunicação pública ela independente.

Você foi professor da UnB por muitos anos, como vê essa crise que atinge o jornalismo brasileiro atualmente, que hoje pode ser também dividido entre jornalismo de esquerda e direita?

Essa polarização nas informações que você tem hoje no jornalismo é a colonização da sociedade, reflete a polarização da sociedade brasileira. Você teve uma eleição e que o candidato teve 2.000.000 de votos sobre o candidato vencido, a sociedade está polarizada. E essa polarização se reflete hoje e leva um veículo de comunicação cada vez mais pode ser rotulado de ser de um lado ou de outro, de esquerda ou de direita, porque tem variações. Mas tem uma imprensa do campo democrático e tem uma imprensa do campo autoritário, de extrema direita. E hoje você tem isso nessa imprensa do campo democrático, você tem desde a extrema esquerda até liberais como o Globo, Folha de São Paulo, que fica ali no meio de campo. Então eu acho que a imprensa está refletindo isso. Isso reflete nos próprios jornalistas hoje. E ainda temos uma outra crise, a crise econômica da imprensa brasileira, que perdeu aquela pujança, perdeu aquela força mesmo. Quem diria, por exemplo, há alguns anos que a editora Abril ia praticamente acabar? Editora que empregava mais de mil jornalistas. E as revistas? De repente, a Veja não tem nenhuma relevância. Houve uma época em que a gente esperava ansiosamente a revista que iria marcar a semana, definiria os escândalos da semana. Hoje ninguém liga mais pra ver TV Globo. Era assim, hoje não. A crise econômica da imprensa acabou refletindo, por que o número de jornalistas desem- pregados é muito grande, o de subempregados é enorme. Isso aconteceu desde o surgimento da internet. Esse pessoal buscou a autonomia, né? Blogspot. Se você tem o seu blog, você ali tem uma independência que não se tem quando é empregado de um veículo. E isso aí também ajudou a polarizar. Porque ficou muito fácil criar um de extrema direita, um blog de esquerda, blog para checar o governo, e por aí vai. Temos esta realidade hoje. Quer dizer, eu acho que isso não vai mudar tão cedo.

Na sua opinião, qual o principal papel da EBC?

Eu cheguei primeiro sem nenhuma função determinada, achando que eu ia ser diretor de jornalismo. Então comecei a observar e conversar com as pessoas. No segundo momento eu já fui nomeado assessor da então presidente da EBC. Fazendo a transição, então fui formalmente nomeado. Já comecei a ter mais trânsito na empresa. E aí foi que eu pude conhecer melhor a empresa e suas peculiaridades, conversando, vindo, vendo. Eu não levei nenhum susto, porque como eu moro aqui em Brasília e sou jornalista, conheço muita gente aqui de dentro da empresa. Muitos foram meus alunos. Muitos já trabalharam comigo em diversas circunstâncias. Então eu já sabia mais ou menos o que estava acontecendo na EBC, apenas comprovei aquilo que a gente já vinha falando: um desmonte da sua função pública. Uma confusão entre a comunicação pública e a de governo. A EBC ficou assim fazendo o papel de uma máquina de propaganda. Virou uma rede social do governo, a TV e a rádio. Então, estava assim, bem desvirtuada nos seus propósitos, e a gente foi tomando o conhecimento. Uma situação muito ruim, porque os empregados, muitos deles obviamente não todo, mas muitos empregados se sentiram muito reprimidos para que atingissem o ‘deadline’ durante o período anterior. E havia então aquele sentimento de necessidades de mudança, de tirar o pessoal vinculado ao governo anterior, comissionado, perseguindo servidores. Como eu já falei é uma situação muito complexa. A EBC é complexa em si, porque é uma empresa grande, bem equipada, mas com muitas carências. Ela é uma potência, vamos dizer sim, de comunicação, mas com muitas deficiências, tanto do ponto de vista orçamentário, como de material humano. O governo anunciou que queria privatizar a empresa e ao mesmo tempo abriu um programa de demissão voluntária. Muita gente saiu, os quadros ficaram bastante desfalcados, então tudo isso são problemas que temos de superar. E a gente trabalha com ansiedades. Por um lado, que tem o que eu chamo da ansiedade de cima, o governo quer ver se o seu papel, quer ver suas ações divulgadas, quer restaurar essa confiança e tem pressa. Você tem um noticiário mais amplo. E por lado, tem a ansiedade de baixo, quer dizer, as pessoas querem resultados rápidos, então a gente recebe cobranças. Não vai mudar o programa tal? Não vai fazer isso, não vai comprar isso? A gente tá chegando agora. Tem que dar um tempo aí para podermos atingir as metas propostas. As coisas não mudam em um estalar de dedos, demandam ações e tempo. Temos que discutir a rede nacional de comunicação pública. A televisão tem 26 capitais. A emissora de rádio então, em 63 cidades do país. Então, é muito complexo. Nós estamos discutindo. A gente precisa estudar, conhecer.

Vai ter concurso para a EBC?

Olha, na verdade, hoje temos 72 vagas. Como a empresa pública, ela está sujeita a uma série de normas estabelecidas hoje. Então essas regras têm de ser cumpridas. Então, por exemplo, nós temos aqui é 426.427 funções comissionadas: 1/3 delas podem ser ocupadas por pessoas de livre provimento;126 para os diretores. Então essa regra não podemos furar. Não compete a empresa mudar trabalhadores efetivos. Nós temos 72 vagas. Poderíamos fazer um concurso, mas a gente tem que examinar bem se compensa fazer um concurso. E mesmo que a gente ache que deva fazer um concurso, tem que examinar bem. Nós estamos bastante amarrados e em vários aspectos.

Como a EBC sob a gestão Doyle pretende atuar no combate à desinformação e fake news?

Uma separação, claro, tanto em termos de televisão quanto em termos de agência de rádio. Fazer essa separação mostrar a população que está diferente. Ter uma programação e informação de qualidade, que tenha credibilidade. Na segunda parte é preciso pensar uma reestruturação muito mais pesada. Deve ser uma reformulação maior. Ela vai acumulando problemas, de situações que muitas vezes dificultam a própria função. Eu acho que a gente tem que enfrentar essa situação. A empresa pública tem que funcionar, a EBC tem que servir a população. E muitas vezes as empresas públicas acabam dando volta em torno de si mesmo e beneficiam os seus próprios dirigentes e empregados. Entendeu? Fica uma distorção nesse campo que eu acho que precisa ser superada e não é só aqui.

Quais mudanças pretende implementar?

Uma programação nova, a programação vai ser toda revista. A gente tem discutido isso; a partir de maio, a gente já pretende ter uma nova programação dos 2 canais. Agora tem coisa que vai exigir mais tempo. Um exemplo, nove- la traz audiência, mas não é isso que a gente quer. Ao mesmo tempo, a gente tem que levar em consideração que o gênero novela faz parte da dramaturgia brasileira. Então assim, a gente tem que pensar alguma coisa nesse sentido, mas não é comprar novela velha para reprisar. A primeira informação é através da TV aberta e de algumas no rádio. Porque todo mundo tem acesso a isso e a gente tem um público valoroso, mas tem a internet. Somente 25% da população tem acesso, no máximo 28%. Então, a gente quer reformular totalmente programação e definir algo para o canal público, e estabelecer uma programação para o canal do governo. Feito isso, a gente tá bacana.

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