
Fausto Augusto Junior
Focamos muito tempo na psicologização da educação
revistaeducacao.com.br

o personagem do ano
Fausto Augusto Junior
Focamos muito tempo na psicologização da educação
revistaeducacao.com.br
o personagem do ano
Interdisciplinaridade
Currículo que dialogue com a vida e dê sentido
ANO 29 Nº308 R$ 24,90
O que foi perdido na pandemia tende a ser recuperado nos anos finais do fundamental apenas em 2027
ano de 2024 chega ao fim e fazemos uma triste constatação. Os últimos dois anos foram gastos para arrumar o que foi deliberadamente desajustado. Esse caminhar da educação explica o atraso na aprendizagem e no engajamento dos jovens com o ensino médio. De qualquer forma, agora há um projeto e, apesar de todas as restrições orçamentárias, evoluímos, por exemplo, com o Novo Ensino Médio que, com incentivo financeiro, deve melhorar a permanência na escola.
O balanço da educação brasileira pode ser resumido assim: grandes saltos de criação de avaliações e institucionalização de mecanismos de valorização se dão quando, além de um compromisso do Estado, há ministro que atua de forma estratégica. Paulo Renato, no governo Fernando Henrique Cardoso, permaneceu oito anos à frente do ministério, e Fernando Haddad, sete anos, nos governos Lula e Dilma. Camilo Santana pode não superar em anos, mas tem procurado atuar para atualizar o ponto em que paramos há oito anos.
Há outras boas notícias. O novo Conselho Nacional de Educação (CNE) promete cumprir seu papel para apoiar o MEC; e a educação a distância (EAD) deve sofrer alterações valorizando a prática presencial de quem deseja seguir o magistério, além de outras medidas.
As licenciaturas significam 17,7% do total de matrículas, cerca de 1,7 milhão de alunos, sendo metade em pedagogia, o que permite prever que haverá falta de docentes em química, física e biologia. Formação de professores é um desafio que deve ser encarado em 2025, até porque 79,4% dos docentes já pensaram em desistir da profissão, conforme apurou a pesquisa Perfil e Desafios dos Professores da Educação Básica.
Boa leitura, excelente 2025. Continuamos de plantão para noticiar o que se passa na educação, conforme fazemos há 29 anos.
Foto capa: Estudante da rede
pública de Atalaia, Alagoas
Crédito: Semed Atalaia
A revista Educação, composta por edições digitais e impressas, site, redes sociais e eventos, é publicada por RFM Editores
Ano 29 - Nº 308 novembro e dezembro de 2024 ISSN 1415-5486
www.revistaeducacao.com.br
Conselho editoral
Eduardo Deschamps
Fernando José de Almeida
Iracema Nascimento
Mozart Neves Ramos Regina Scarpa
Publisher: Edimilson Cardial edimilson@editorasegmento.com.br
Editora: Laura Rachid laura@editorasegmento.com.br
Diretora administrativa: Rita Martinez rita@rfmeditores.com.br
Diretora de marketing: Carolina Martinez carolina@rfmeditores.com.br
Parcerias Institucionais Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação)
Undime SP (União dos Dirigentes Municipais de Educação) Sua Escola Ideal Two Sides
Colaboraram nesta edição
Adriana Amâncio
Alexandre Sayad
Damaris Silva
João Jonas Veiga Sobral José Pacheco
Juliana Fontoura
Juliana Ligorio
Marília Rocha
The Hechinger Report/Jill Barshay Simône Midori Maki (diagramação) Maria Stella Valli (revisão)
Comercial Gerente de negócios e relacionamento: Margarete Rios Silva margarete@rfmeditores.com.br Cel.: (11) 99995-1284
Marketing Ingrid Passos ingrid@rfmeditores.com.br
Correspondências
Rua Oscar Caravelas, 334 - Vila Madalena, SP CEP 05441-000
INTERNET
Visite a página online da Educação www.revistaeducacao.com.br Nos siga nas redes sociais @revistaeducacao
Educação é uma publicação mensal da RFM Editores destinada a mantenedores, educadores e interessados em educação. Esta publicação não se responsabiliza por ideias e conceitos emitidos em artigos ou matérias assinadas, que expressam apenas o pensamento dos autores, não representando necessariamente a opinião da revista. A publicação se reserva o direito, por motivo de espaço e clareza, de resumir artigos.
ATENDIMENTO
Para falar sobre assinaturas Karlita Silva karlita@revistaeducacao.com.br WhatsApp: 11 98878-8745
Atualize seus conhecimentos com as leituras da coleção Sua Carreira em 20 Minutos, elaborada pela Harvard Business Review Press
Se mantiver as taxas atuais de crescimento, somente em 2027 estudantes devem alcançar patamar esperado para 2023 nos anos finais do ensino fundamental
“Os pais da teoria do desenvolvimento são, em sua maioria, psicólogos, e essa perspectiva foi incorporada pela escola, sobrecarregando os professores”, afirma o presidente do Conselho Nacional do Sesi. Os desafios sociais que influenciam a evasão escolar e a importância de políticas para a saúde mental nas escolas também são destaques nesta entrevista
Professores apresentam experiências de conexão entre as áreas de conhecimento no ensino médio
Em tempos de IA, aprendizagem autodirecionada é o melhor presente que o sistema educacional pode oferecer, afirma presidente do Comitê de Educação da OCDE
Concurso unificado para contratar docentes, tendo o Enade das licenciaturas como prova, instiga professoras, exministro e uma das criadoras do Enem ouvidos nesta reportagem
Maria Helena Guimarães de Castro é favorável ao Enade das licenciaturas
“Como a educação é um universo poderoso, [tem seus] pensadores, ela constrói sua comunidade e vai fechando-se em si mesma”
Psicologização da educação impõe ao professor demandas que vão além do seu papel
“Os pais da teoria do desenvolvimento são, em sua maioria, psicólogos, e essa perspectiva foi incorporada pela escola, sobrecarregando os professores”, afirma o presidente do Conselho Nacional do Sesi.
Os desafios sociais que influenciam a evasão escolar e a importância de políticas para a saúde mental nas escolas também são destaques nesta entrevista
| Por Laura Rachid
Nomeado este ano por Luiz Inácio Lula da Silva, o atual presidente do Conselho Nacional do Serviço Social da Indústria (Sesi) é um dos poucos docentes a ocupar este cargo na entidade, criada em 1946. Doutor e mestre em educação pela Faculdade de Educação da USP, e graduado em ciências sociais pela mesma universidade, Fausto Augusto Junior é professor há 16 anos na FIA Business School. Fausto leciona na Escola de Ciências do Trabalho do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), instituição na qual trabalhou por 28 anos, chegando ao cargo de diretor técnico. Ele já foi professor do estado de SP, lecionando geografia para o ensino fundamental.
Atualmente, o Sesi possui cerca de 450 escolas que contam com mais de 300 mil estudantes, sendo uma das maiores redes educacionais do país. Há ainda a Faculdade Sesi de Educação, localizada na cidade de SP, cuja inscrição e mensalidade são gratuitas. Nesta entrevista, realizada presencialmente, abordamos temas como saúde mental, educação inclusiva, valorização docente, evasão escolar, educação integral e, de um lado, o que é papel da escola, do outro, quais cargas ela não pode carregar sozinha. Confira alguns trechos.
Como avalia o papel e os limites da escola na saúde mental dos estudantes?
estridente. As nossas instituições não estão preparadas para lidar com saúde mental.
Hoje, no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), está crescendo o número de afastamento por doenças mentais. Só que a maioria dos peritos que faz análise de afastamento tem dificuldade para compreender o que é afastamento mental, porque está acostumado com LER/ Dort [lesão por esforço repetitivo], está acostumado com problema ortomolecular, com problema de voz. O perito sabe quanto tempo leva mais ou menos para uma recuperação de luxação de um osso. Isso já não acontece com a questão da saúde mental.
Os dados de evasão escolar mostram que toda vez que a taxa de desemprego cai, a evasão cai, porque, normalmente, o chefe ou a chefe da família consegue manter o filho na escola. Toda vez que a taxa de desemprego cresce, a evasão cresce
Gosto de pegar um pedaço da frase famosa do Paulo Freire e trabalhá-la: a educação não muda o mundo, mas o mundo não muda sem a educação. A questão da saúde mental não é um problema da escola. É um problema da sociedade, está nas crianças que chegam à escola, está com os professores que têm de lidar com uma nova realidade, está com os trabalhadores dos diversos setores, está com a população em geral que não tem uma política de saúde mental definida no nosso país. E a pandemia jogou isso na nossa cara de um jeito bastante relevante e
O Sesi tem papel importante na educação, mas poucas pessoas sabem que somos a principal instituição no Brasil de saúde do trabalhador, temos uma área dedicada a isso, e a saúde mental é importante nessa nossa atuação. No Brasil, a discussão da saúde do trabalhador sempre passou pelo lado de proteção, EPI (equipamento de proteção individual) etc. Precisamos desenvolver políticas claras de prevenção de doenças relativas às questões mentais, [dialogar com] as dinâmicas das cidades, do trabalho, com o direito à desconexão — porque pessoas conectadas, muitas vezes, são demandadas o tempo todo pelo próprio trabalho. Entre os anos 90 e os anos 2000, era comum as pessoas se exercitarem, se levantarem da cadeira. Com saúde mental, também precisamos de momentos de descompressão. Nisso, a cultura é um espaço importante de descompressão, na qual o Sesi também tem atuação com grupos de teatro, coral, música
Quando se foca esse problema na escola, destina-se muito tempo, num processo que chamo de psicologização da educação — todas as teorias que têm balizado a educação no Brasil, pelo menos nos últimos 50 anos, passam pela discussão das teorias do desenvolvimento. Os pais da teoria do desenvolvimento são, em sua maioria, psicólogos, e essa perspectiva foi incorporada pela escola, sobrecarregando os professores. Porque ele tem uma sala de 40 alunos e não será o psicólogo de todos. Essa demanda che-
Fausto Augusto Junior
gou há muito tempo ao professor. Ele nunca deu conta e adoeceu mentalmente.
Vamos precisar encontrar saídas para lidar com isso coletivamente. Precisamos entender que o professor não é indivíduo naquela escola. Ele é um grande sujeito chamado professor — do mesmo jeito que com uma criança de perfil do espectro autista, quem vai lidar com ela não é o professor, e sim a sala de aula, a escola. Temos de ter um espaço escolar que no mínimo não aumente a taxa de adoecimento presente na sociedade em geral.
Estamos agora no debate de proibir ou não o celular dentro da escola. Analiso que a escola precisa ser um espaço que de alguma forma controle algumas coisas que por algum motivo atrapalham o aprendizado. Ninguém pode fumar dentro da escola, já pôde e nós passamos a proibir. Podem dizer, sobre liberdade individual, que o carro é seu, porém, é preciso usar cinto de segurança. O debate do celular passa por isso. Isso significa que vamos de alguma forma regular seu uso; não é proibir.
financiamento e no número de professores. Objetivamente, não é possível que a diferença de um salário de um professor para um juiz possa chegar a 10 vezes. Não dá.
A outra questão é que precisamos pensar nas condições do trabalho docente. O professor não adoece porque quer, ele adoece porque tem muitas funções que foram sendo delegadas a ele. No Sesi estamos fazendo uma discussão importante de introduzir a inteligência artificial dentro da educação. Primeira pergunta: o que é isso e para o quê? Professor precisa passar mais tempo do seu horário em sala de aula e preparando atividades pedagógicas. O pedagógico tem de estar no miolo da sua atividade. Final de bimestre e semestre, o professor está preenchendo boletim, relatório de cada aluno. Precisamos modificar essas coisas. Claro que essa parte burocrática é importante para a gestão, mas há uma série de tarefas que pode ser automatizada e a inteligência artificial pode ajudar.
A questão da saúde mental não é um problema da escola. No Brasil, a discussão da saúde do trabalhador sempre passou pelo lado de proteção, EPI, etc. Precisamos desenvolver políticas claras de prevenção de doenças relativas às questões mentais
Diante da falta de interesse dos jovens pela profissão docente e pensando também nos que hoje a exercem, como valorizar a carreira do professor(a) e quais políticas públicas devem ser implantadas no país?
A gente precisa valorizar socialmente. A desvalorização da carreira não é simplesmente uma decisão. É um processo. O professor foi perdendo espaço social por vários motivos; recentemente, vemos uma desvalorização da própria educação. Temos de olhar com atenção as eleições que aconteceram e notarmos que a educação vai deixando de ser pauta. Por mais que exista um bom discurso para a educação, temos vários pontos que mostram sua desvalorização. É óbvio que nós temos uma disfunção salarial; não é possível que o professor seja o profissional de nível superior que menos ganha no Estado brasileiro. Temos problema de
Vocês [revista Educação] são uma exceção na nossa imprensa, porque quase todos os jornais possuem, hoje, um setor de economia, um de política, outro de cotidiano com esporte e segurança pública, e uma coluninha de saúde. Quem fala de educação na nossa imprensa, de verdade? Exemplos como esse indicam que por mais que falem da importância da educação, no mundo real ela vem perdendo importância. Temos de atrair e valorizar os professores. Inclusive, estamos preocupados. Fizemos uma pesquisa pelo Observatório Sesi da Educação e, o Rio Grande do Sul, em uma década, terá apagão de professor. Ou seja, não teremos professor e professora em nossa sociedade para dar o impulso de que precisamos.
O que o Sesi tem feito para capacitar os jovens frente às novas funções oriundas da tecnologia e quais os limites da aproximação entre escola e emprego?
Educação crítica, integral, é aquela cujo sujeito é incentivado a questionar. “Em todo o processo da aprendizagem, isso, para nós, é o mais importante”
Everton Amaro/Sesi-SP
Há uma discussão antiga e que se torna uma bolha dentro da educação de que o Sistema S forma para o mundo do trabalho, na perspectiva de treinamento. Ao analisar o nosso currículo, nossos materiais diversos e adentrar uma escola, notase que não é exatamente assim. Trabalhamos a formação de um sujeito que seja capaz de pensar, que seja crítico. Falamos de alguém [estudante] que precisa lidar com transformações que aceleraram rapidamente, com as novas linguagens e, ao mesmo tempo, conseguir vincular teoria e prática. De alguma forma isso está dentro da discussão pedagógica do Sesi. A base é a metodologia Steam (ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática), mas por dentro dela trabalhamos a discussão tecnológica desde cedo: no fundamental 2 a criança já tem aula de robótica e programação e são atividades que não estão desvinculadas do currículo geral. O Sesi, inclusive, já ganhou vários prêmios nos torneios internacionais de robótica. Mas, além da robótica, temos iniciação científica, em que vários estudantes do ensino médio estão desenvolvendo produtos, e produzindo conhecimento. Um dos casos mais famosos é de uma menina do Rio Grande do Sul que desenvolveu um composto para o ‘boa noite, Cinderela’, o qual já tem uma empresa transformando em copo. Isso é pesquisa aplicada e pesquisa de ensino médio. Temos na Bahia vários níveis de pesquisa que começam embrionários, entre ensino fundamental e médio, e que de alguma forma entram na relação entre conhecimento e indústria. Mas não é só. Como olhamos esse sujeito de forma integral, estamos formando figuras que serão gestores, políticos, engenheiros, temos de tudo. O atual prefeito de Rio Grande da Serra, última cidade do ABC, SP, é exaluno Sesi.
O país já não tem mais o bônus demográfico (mais da metade da população jovem) e vive um aumento da população idosa. O que ainda dá para ser feito e qual o papel do setor educacional?
Temos mais de 10 milhões de jovens entre 18 e 29 anos que não concluíram o ensino médio. Isso é inadmissível em um país com uma taxa de natalidade em torno de 1.7. Precisamos parar de perder esses jovens. Só aqui temos bastante trabalho. Políticas como o Pé-de-Meia, voltado à permanência estudantil, são muito importantes, mas sozinhas não dão conta. Mas, se não tomarmos cuidado, a gente acha que é tudo a mesma coisa, e não é. Um jovem entre 18 anos e 29 anos está, na verdade, no período de escolarização. Ele poderia estar numa universidade. Então o trabalho com ele é de maneira ‘muito mais escolar’. Quando as faixas etárias avançam, adentramos a discussão da educação ao longo da vida, que é outro modelo, outra metodologia, porque os sujeitos são outros — normalmente possuem filhos, estão com família constituída; o tempo desse sujeito já é limitado, tem de dialogar entre o mundo produtivo de maneira muito efetiva. Digo que temos estudantes que trabalham e trabalhadores que estudam e precisamos diferenciar essas duas coisas. Quando o foco é o estudante, ou seja, a permanência dele na escola, o trabalho para ele é uma complementação desse processo. Por exemplo, não faz sentido introduzir o ensino a distância (EAD) para um jovem porque o processo de educação é muito mais do que o conteúdo, a escola é muito mais do que o conteúdo escolar, ela é o espaço escolar, a comunidade escolar. E o estudante está construindo sua personalidade, individualidade e de sua coletividade. Já quando ele vai para o mundo do trabalho, por volta dos 23 anos, adentra o universo em que o EAD faz mais sentido porque a prioridade é o trabalho e será necessário acomodar a escola dentro dos espaços que ele tem de vida, como cuidar dos filhos, trabalhar, minimamente transitar pela cidade — em grandes cidades sabemos o absurdo que é.
Na educação, há cuidados para não ‘ferir sua essência’, o que pode e o que não pode. Ao mesmo tempo, os dados mostram problemáticas que devem ser enfrentadas.
A Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) faz sistematicamente um encarte sobre por que os jovens não estão na escola. A grande maioria dos jovens não está na escola porque quer e, sim, porque não consegue estar na escola. Uma parte está trabalhando, outra procurando emprego. No caso das meninas, há a economia de cuidados do filho, irmãos, e é ela que agora tem de cuidar do pai, avós ou bisavós. Uma sociedade que envelhece, que não tem política pública de cuidado, todo esse cuidado
recai sobre a mulher. Qual mulher? Normalmente, aquela que fica em casa, ou seja, aquela que está estudando e que precisa largar a escola para ficar em casa. Então temos dilemas sociais que não é a escola que vai resolver. Os dados de evasão escolar mostram que toda vez que a taxa de desemprego cai, a evasão cai, porque, normalmente, o chefe ou a chefe de família consegue manter o seu filho na escola. Toda vez que a taxa de desemprego cresce, a evasão cresce. Por quê? Porque aí esse jovem precisa se lançar no mercado de trabalho para minimamente equilibrar o orçamento da casa — o qual é um problema sério no Brasil até do ponto de vista estatístico: normalmente, analisamos a renda média a partir do indivíduo. Mas, no mundo real, em especial nas periferias, a renda nunca é assim. A renda é sempre familiar, quer dizer, um é aposentado, outro tem trabalho formal, outro trabalha informalmente, isso vai compondo a renda. Quanto maior a renda do chefe de família ou da chefe de família, mais o jovem consegue ficar na escola. Lidar com isso é fazer uma discussão séria sobre evasão escolar. A culpa não é só da escola — a escola tem culpa, mas precisamos entender que isso faz parte de uma discussão muito maior.
De que forma o projeto de robótica do Sesi contribui para a formação dos estudantes? É uma das políticas mais estruturadas e mais avançadas de ensino tecnológico. Primeiro, o estudante começa logo cedo com os robôs de Lego — um projeto muito bonito e bem feito. Segundo, é inserido um conjunto enorme de conhecimento que o estudante vai tendo por dentro do currículo, o que dá sentido a ele: ninguém faz programação se não entende matemática, ninguém faz minimamente um desenho de um robô se não entende de física. E não para no robô. O projeto é um grande trabalho coletivo, de equipes, e cada qual tem um papel que vai do design até relações públicas. O concurso de robô é só o meio pelo qual o estudante acessa um conjunto grande de conhecimento — esse conhecimento passa a ter sentido. Quando os alunos começam a ter noções mínimas de programação, entendem que por trás do que aparece no celular existe uma programação, um comando lógico, um conjunto enorme de conhecimentos matemáticos. A discussão do que de fato é a educação crítica, integral, é o sujeito não naturalizar a vida dele. É ele aprender a fazer perguntas, questionar o que está por trás de algo, por que a sociedade é desse jeito, o motivo de o carro funcionar daquele jeito. Isso para nós é o mais importante.
Como as escolas da rede Sesi atuam para a inclusão de estudantes com necessidades educacionais específicas?
Há formação desses profissionais? São Paulo, por exemplo, possui o professor facilitador e o que personaliza para pessoas surdas. Temos um referencial. O Sesi é um sistema federado, cada estado tem a sua política própria, vamos dizer assim, e ela é organizada a partir de grandes linhas que o nacional estabelece. Há uma referência muito importante com a educação inclusiva que passa, primeiro, pela teoria. Acreditar numa escola inclusiva é transcender a ideia de caridade, de que vai receber um aluno que sabe menos. Não é isso. Mas sim trazer um sujeito que deve ser integrado naquela comunidade escolar, e cada qual trará suas dificuldades, como qualquer um de nós. Quando se entendem essas dificuldades é que se organiza a estrutura e se pensa em um mediador ou coordenador para a realização da ponte com o professor que está na sala de aula. Deficiente auditivo tende a necessitar de um professor específico. Mas há casos em que podemos ter sistemas mistos. Não existe um padrão, mas uma referência, porque o que precisamos é garantir a inclusão desse estudante. O professor precisa ser formado para lidar com essas crianças, mas precisamos formar a comunidade, e isso não é fácil. É bonito dizer, mas ao adentrar a sala de aula, nos grupos de WhatsApp das famílias, as situações não são simples, elas precisam ser trabalhadas e comunicadas. As famílias gostam da educação inclusiva desde que não seja na sala de seu filho. O trabalho de formar a comunidade escolar precisa ser feito o tempo inteiro. Hoje, o maior problema é a não inclusão da maior parte das redes educacionais no Brasil, tanto escolas públicas quanto escolas privadas. O que faz, muitas vezes, com que o Sesi acabe sendo sobrecarregado; temos uma taxa de estudantes de inclusão muito maior que a média da escola pública e maior ainda que a escola privada. Precisamos avançar: a escola pública tem de assumir o seu papel e a escola privada precisa respeitar a lei de não negar matrícula. Não é fácil, e tem a ver com os passos civilizatórios da sociedade. Estamos discutindo como incluir produtivamente os nossos alunos que estão se formando no Sesi e Senai e precisam ser incluídos na sociedade do trabalho. Como fazer isso quando metade das cotas para deficientes, no Brasil, não são ocupadas? Quais políticas deveríamos implementar para que essas cotas sejam ocupadas? Estamos discutindo isso agora com o governo, Sesi, Senai e instituições que pensam a inclusão. Precisamos encontrar um caminho e criar um processo.
O programa leva cursos extracurriculares de tecnologia e inovação para crianças e adolescentes para dentro da sua instituição de ensino, de forma totalmente adaptada à sua própria estrutura
Parte do portfólio do CNA+ desde outubro de 2023, a Ctrl+Play, escola de programação e robótica, passa a ofertar sua solução para o ensino de programação e robótica de forma adaptada e acessível também para instituições de ensino em todo o país.
Assim como o CNA na Escola, o Ctrl+Play na Escola foi criado para atender os colégios regulares dentro de suas próprias instalações, integrando-se ao ambiente escolar como um curso extracurricular.
Com a tecnologia cada vez mais presente em nossa vida, o ensino de programação e robótica é uma excelente maneira de preparar os alunos para o mundo digital, por meio do desenvolvimento do pensamento computacional, proporcionando a eles uma vantagem significativa ao capacitá-los com habilidades essenciais para resolver problemas complexos de forma lógica e eficaz.
Com cursos específicos para diferentes faixas etárias, o programa propõe aulas práticas que estimulam os alunos a enfrentar desafios e criar soluções por meio da programação, exercitando o pensamento crítico e analítico essencial em diversas áreas da vida.
As três opções de cursos do Ctrl+Play na Escola trabalham as competências gerais da BNCC (Base Nacional Comum Curricular do MEC) com um conteúdo amplo, que abrange outras disciplinas escolares e alimenta o repertório científico, estético e cultural de crianças e adolescentes. Além de disponibilizarem uma plataforma própria, com conteúdo didático animado, tarefas e atividades extras, os cursos oferecem aulas em grupo para desenvolver comunicação e trabalho em equipe, contando também com diversos recursos e atividades para casa.
O curso Ctrl+Kids, para alunos de 7 a 9 anos, é a porta de entrada dos futuros criadores para o mundo da programação e da tecnologia, a partir de uma abordagem visual, lúdica e crítica, cuidadosamente desenvolvida para prender a atenção dos estudantes.
Já o Ctrl+Teens, para alunos de 10 a 13 anos, abre uma jornada de exploração artística e de ampliação das habilidades em programação, na qual os estudantes aprendem os fundamentos criativos e técnicos de animação, modelagem e até de produção musical, ao mesmo tempo que realizam projetos de robótica e desenvolvem jogos e aplicativos.
O curso Ctrl+Young, para jovens de 14 a 17 anos interessados em aprender desenvolvimento full stack, explora as linguagens e bibliotecas mais atuais de front e back-end, de forma criativa e envolvente, propondo que os alunos criem diversos projetos – incluindo os que são totalmente autorais feitos com base em metodologias ágeis.
A carga horária dos cursos do Ctrl+Play na Escola é de 20 aulas de 1h30 por módulo. O programa leva às instituições de ensino, de forma adaptada à sua própria estrutura, a expertise de uma rede que está na vanguarda do ensino de tecnologia desde 2015. Sempre prezando a inovação e a criatividade, a metodologia exclusiva Ctrl+Play na Escola cria um ambiente de construção e de incentivo às novas ideias, contribuindo, assim, para o desenvolvimento intelectual e pessoal de crianças e adolescentes.
Para os alunos, a aprendizagem de programação e robótica em um curso com qualidade atestada que os preparará para o futuro tecnológico dentro da própria escola cria oportunidades reais de desenvolvimento do raciocínio lógico, criatividade e imaginação, além de prepará-los para serem protagonistas em qualquer segmento do mercado.
Ao terem o programa Ctrl+Play na Escola em sua instituição, os alunos vão acessar uma solução inovadora, que não só enriquece o portfólio, mas também desperta o interesse pelo aprendizado de tecnologias emergentes. Essa parceria proporciona um diferencial competitivo significativo, preparando os estudantes para os desafios do futuro e aumentando a atratividade da instituição para novos estudantes.
Faça a diferença! Entre em contato com a equipe Ctrl+Play na Escola para descobrir como essa solução pode transformar a sua instituição.
Entre em contato com a nossa equipe e descubra como levar o programa CNA NA ESCOLA para a sua instituição.
cna.com.br/cna-na-escola (11) 3053-3923
Aponte a câmera e saiba mais:
Professores apresentam experiências de conexão entre as áreas de conhecimento no ensino médio
| Por Juliana Ligorio
ABase Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio define o conjunto de aprendizagens essenciais que todos os estudantes devem desenvolver ao longo dos três anos. Divide ainda o currículo em quatro áreas de conhecimento (linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias e ciências humanas e sociais aplicadas), além de ofertar itinerários formativos com componentes curriculares construídos pelas escolas e que deem a oportunidade de aprofundamento nas áreas definidas.
Com esse formato, o documento induz a uma maior interdisciplinaridade entre as disciplinas que estão acopladas em cada área de conhecimento bem como nos itinerários. Mas como isso pode e está sendo feito nas escolas? Quais são os benefícios para os estudantes? Quais são os desafios para os professores?
Para conversar sobre as possibilidades da interdisciplinaridade no ensino médio entrevistamos Marizete Matiello, professora de graduação que coordenou a implantação de um currículo formado pelas áreas de conhecimento em um colégio em Santa Catarina, Marquilandes Borges de Sousa, professor de história em duas escolas de São Paulo, e Fernando José de Almeida, professor de pós-graduação em educação e currículo na PUC-SP.
O ensino médio do Colégio Unochapecó foi inaugurado em 2020 já com um currículo construído com as áreas de conhecimento definidas pela BNCC. Marizete Matiello, professora na Universidade Unochapecó e que coordenou a implementação do currículo, conta como a escola é estruturada. “Os alunos têm aulas a manhã inteira de ciências da natureza; ali dentro vão ter os saberes de química, física e biologia com três
O currículo tem de ser concreto, abordar a sociedade, porque “a educação tem grandes objetivos humanos”, defende o professor da PUC-SP Fernando José de Almeida
A BNCC induz a uma maior interdisciplinaridade entre as disciplinas. Mas como isso pode e está sendo feito nas escolas?
Quais os benefícios para os estudantes e quais os desafios para os professores?
professores organizando e mobilizando esse conhecimento ao mesmo tempo na sala de aula. No caso de linguagens, a gente tem duas professoras que dominam as quatro áreas de conhecimentos; em humanas também são duas. A área da matemática é a única que está sozinha, mas em muitos momentos ela se articula com a área das ciências da natureza.”
Para que isso fosse possível, Marizete Matiello explica que “desde o primeiro momento, o maior desafio que enfrentamos foi o processo formativo dos professores. Investimos em formação, em tempo de trabalho. Hora remunerada para planejamento coletivo, compromisso de estar em formação contínua e acompanhamento semanal da orientação.” Ou seja, o tempo de troca entre professores e orientadores mais planejamento coletivo são essenciais para um bom trabalho interdisciplinar.
Na garantia da interdisciplinaridade entre as áreas de conhecimento, ela conta que desenvolvem projetos. Um deles foi com o tema Cidades Inteligentes.
Sobre o processo de aprendizagem dos estudantes, Marizete Matiello explica que “durante os primeiros anos percebemos que os alunos tiveram dificuldade de se adaptar no primeiro ano, pois vieram de currículos disciplinares. Mas já no primeiro trimestre decolaram, pois entenderam como se constrói conhecimento”, sendo esse, segundo ela, um dos grandes benefícios para os jovens em relação a um currículo interdisciplinar.
Marquilandes Borges de Sousa, professor de história do Colégio Waldorf Micael e do Colégio Beatíssima Virgem Maria, ambos em São Paulo, acredita que para o estudante do ensino médio é mais interessante ele aprender a partir da interdisciplinaridade das áreas de conhecimento, mas que não é algo simples de fazer no cotidiano da escola: “isso depende de tempo de planejamento. É preciso tempo para sentar e pensar como o aprofundamento das áreas pode se dar em relação a cada tema. Olhar onde há cruzamentos possíveis. Se os professores não têm esse tempo de planejamento, as melhores ideias acabam se perdendo”.
A experiência de Marquilandes mostra que os itinerários formativos podem se transformar em um momento no qual os professores pensem em um planejamento comum, por um semestre, por exemplo, dentro de um grande tema. “Os itinerários podem trazer essa oportunidade para as instituições
Aprender a partir da interdisciplinaridade depende de tempo e planejamento escolar, diz Marquilandes Borges de Sousa, professor no Colégio Waldorf Micael e Colégio Beatíssima Virgem Maria
escolares.” Ano passado, o Colégio Waldorf Micael ofereceu dois itinerários para os alunos do 2º ano e do 3º ano do ensino médio. O grande tema, nas áreas de ciências humanas e sociais aplicadas e linguagens e suas tecnologias, foi Dinâmicas sociais na contemporaneidade , e a partir dele foi definido um tema por semestre e um planejamento interdisciplinar. Marquilandes de Sousa observou que “os alunos se beneficiam por olhar para um grande tema a partir de diferentes perspectivas”.
O tempo de troca entre professores e orientadores mais planejamento coletivo são essenciais para um bom trabalho interdisciplinar
Fernando José de Almeida, professor de pós-graduação em educação e currículo na PUC-SP, também avalia que “a interdisciplinaridade é boa”. Mas, para ele, “o que une as disciplinas em torno de algo comum são os objetivos que a gente tem e, ao criá-los, vou juntando as áreas. Tem muita coisa em comum entre as áreas do conhecimento. Não quer dizer que eu faço ao mesmo tempo.”
O que o professor da PUC quer apresentar é que a educação tem grandes objetivos humanos, “os quais são objetivos da interdisciplinaridade. Porque todos os professores podem ensinar a observar, a comparar, a catalogar com o rigor científico, com linguagem cientifica”.
Membro do conselho editorial da revista Educação, Fernando já orientou mais de 100 teses sobre currículo, é convidado para atualizar currículos de escolas e foi nomeado, recentemente, pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) — órgão vinculado ao Ministério da Educação —, para compor o grupo de trabalho que visa reorganizar a reforma do novo ensino médio.
A escola, segundo Fernando, é a ponte que orienta o estudante a compreender onde ele está no mundo e
Marizete Matiello coordenou a implantação de um currículo por áreas de conhecimento no Colégio Unochapecó: o maior desafio foi na formação docente
“O que une as disciplinas em torno de algo comum são os objetivos que a gente tem e, ao criá-los, vou juntando as áreas”, diz
Fernando José de Almeida
que mundo é esse. “Estou no Brasil, nesse grupo social, nessa economia e cultura”, exemplifica. “Quando fazemos um currículo abstrato, dá a entender que a física é abstrata. E não, tem que ser do concreto da vida, de onde as pessoas estão”, acrescenta.
Nessa linha, um bom currículo nacional para o ensino médio, reforça Fernando José de Almeida, é aquele que descreve e analisa o que a sociedade está vivendo, percebe as causas e a história, e faz alguma proposta de inovação. “A preocupação com a aprendizagem não é a do jovem [apenas] trabalhar. As pessoas que aprendem têm de querer aprender cada vez mais, e achar no trabalho do conhecimento algo prazeroso”, defende, ao pontuar que conhecimento não é deslocado do trabalho. “Na escola, o garoto precisa pensar sobre o trabalho, pensar novas modalidades de trabalho. Pensar mais sobre o significado do trabalho e sua melhoria. O trabalho do pensamento é como outro qualquer. O trabalho intelectual é um tipo de trabalho. Afinal, o pensamento é uma necessidade humana.”
Ele acrescenta a preocupação com o tempo também na aprendizagem dos jovens no ensino médio. “O tempo da aprendizagem como um tempo de humanização é o que me distingue da máquina.” O educador, o currículo, a política pública devem valorizar o tempo da escola para que o aluno tenha prazer em aprender. “O tempo para a escola não é dinheiro, é vida. Então, quanto mais tempo eu tiver na vida, melhor. Aprendizagem é um trabalho que com o tempo se torna humanizante e prazeroso”, finaliza.
Projeto Molas nas Escolas, da E.E Antônio Carlos com UFJF, constrói futuro sólido para estudantes do ensino médio
| Por Damaris Silva
Nos corredores da Escola Estadual Antônio Carlos, em Juiz de Fora, MG, um novo universo de possibilidades foi revelado para os alunos do ensino médio. Por conta do projeto Mola nas Escolas, uma parceria entre a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e a escola pública, jovens talentos estão sendo atraídos para as áreas de engenharia civil e arquitetura. Tratase de um programa inovador que, além de reforçar conteúdos de disciplinas como física, matemática e geometria, apresenta essas áreas como possíveis carreiras promissoras, as tornando tangíveis e acessíveis para estudantes que, muitas vezes, sequer imaginavam que essas poderiam ser opções para seu futuro.
mite que eles visualizem, de forma prática e intuitiva, possibilidades de carreira até então desconhecidas. Em um contexto em que, para muitos jovens, o futuro é cercado de incertezas e limitações, o programa simboliza a inclusão e a valorização do potencial desses estudantes, ajudando-os a acreditar que podem — e devem — ter lugar em profissões historicamente pouco acessíveis para eles.
Com a iniciativa, jovens passam
se enxergar em profissões historicamente pouco acessíveis a eles
O programa, conduzido pelo grupo PET Civil da UFJF, convida os alunos da escola pública a interagir com os Kits Estruturais Mola — uma tecnologia de ensino modular que transforma conceitos abstratos da engenharia estrutural em experimentos concretos e acessíveis. A Escola Antônio Carlos sediou o 1º Concurso Mola nas Escolas, uma competição em que 12 equipes de alunos do ensino médio foram desafiadas a construir estruturas que suportassem cargas e impactos. Durante três dias, esses jovens exploraram habilidades essenciais, como a leitura de plantas e a criação de modelos, ao lado de universitários que atuaram como mentores.
Esse tipo de experiência vai além da formação técnica. Ao trazer carreiras como arquitetura e engenharia para o cotidiano escolar, o Mola nas Escolas amplia o repertório acadêmico e profissional dos alunos e per-
A parceria entre a UFJF e a escola pública destaca o valor de uma rede de aprendizado contínua, em que universidade e educação básica se complementam e se retroalimentam. Esse projeto é um exemplo poderoso do que as instituições públicas podem alcançar quando trabalham juntas: elas inspiram e capacitam, criando pontes para um futuro mais equitativo e representativo.
Fica aqui uma proposta: que mais gestores e educadores busquem fortalecer parcerias com universidades públicas, reconhecendo as como centros de inovação e apoio. Projetos como o Mola nas Escolas mostram que é possível transformar a experiência acadêmica e as perspectivas dos alunos da educação básica, ajudando-os a construir, literalmente, um futuro sólido e próspero.
Damaris Silva mestre em letras e especialista em gestão escolar
Se mantiver as taxas atuais de crescimento, somente em 2027 estudantes devem alcançar patamar esperado para 2023 nos anos finais do ensino fundamental
| Por Marília Rocha
Parte das consequências da Covid19 segue presente nas escolas. “A pandemia fez com que um número grande de alunos não aprendesse a ler e a escrever no momento certo. Não consolidaram as habilidades para isso. Desde o retorno às aulas presenciais, as redes buscaram estratégias para enfrentar esse desafio, mas ainda hoje é alta a dificuldade de interpretar textos simples: eles leem, mas não compreendem o que estão lendo”, relata Josineide Santos de Lima, coordenadora dos anos iniciais de Atalaia, AL, a 48 km de Maceió. “A criança que não desenvolve a leitura deixa de participar das aulas, não acompanha e, se não há atividades que a atraiam, consequentemente ela não vai sentir vontade de estar na sala de aula, fica desmotivada e isso gera consequências no longo prazo”, afirma. Além de não ter conseguido retomar o patamar pré-pandemia, a educação brasileira está mais distante do desempenho que vinha demonstrando entre 2005 e
“A pandemia ampliou a desigualdade, pois quem vem de famílias de menor renda teve menos chances de aprender”, diz Mozart Ramos, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira
2019. Nos anos finais do ensino fundamental, isso representa que apenas daqui a três anos e meio os estudantes devem conseguir atingir o patamar esperado para 2023. Isso se retomar o ritmo de crescimento anterior, pois o atual ainda é de queda. Os dados foram analisados pela Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Instituto de Estudos Avançados do Polo Ribeirão Preto da USP.
Fato é que o cenário precisa ser enfrentado de forma coletiva. “Temos muitos alunos faltosos, a família não entendeu que a criança precisa retornar de maneira integral e não fracionada, vai dois ou três dias e falta os demais; isso acarreta problemas de aprendizado, sem falar no socioemocional”, analisa a coordenadora Josineide Santos de Lima. Outro ponto de atenção é o desenvolvimento de ansiedade em crianças e jovens, o qual ainda persiste, diz a coordenadora, mesmo com um trabalho focado nisso. “Estamos conseguindo avançar, mas a pandemia deixou sequelas graves, que não se resolvem em alguns anos, é uma problemática que precisa ser vista e ser trabalhada de forma processual”, destaca.
AGIR COM BASE EM DADOS
O estudo da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira foi realizado pelo seu Laboratório de Ciência de Dados em Educação, que projetou previsões para cada etapa de ensino com base nos dados históricos (20052019) e depois comparou com os resultados efetivamente alcançados em 2021 e 2023 na nota padronizada do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica). Os dados de 2023 foram divulgados em agosto pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e mostram que o aumento no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) da maior parte
“Eles leem, mas não compreendem o que estão lendo”, relata Josineide Santos de Lima, coordenadora dos anos iniciais da rede municipal de Atalaia, AL
das redes cresceu mais por conta do fluxo escolar, em especial, das taxas de aprovação.
“A gente está vendo uma dificuldade extrema para retomar um padrão que já era pífio, bem abaixo do que devemos promover na aprendizagem dos estudantes brasileiros. Isso tem reflexos em toda a trajetória escolar e de vida dessas crianças e jovens. Não significa que individualmente eles regrediram, ou que o aluno médio do 9º ano sabe menos hoje do que sabia no 5º ano. Mas significa que, em média, os estudantes do 9º ano de 2023 sabem muito menos se o crescimento não tivesse sido interrompido. E não estamos conseguindo reverter este
Se antes a distorção idade-série era o fator que mais influenciava o Ideb de um município, após a pandemia o fator com mais influência nos resultados dos estudantes é o nível socioeconômico
quadro”, analisa Mozart Neves Ramos, titular da Cátedra e membro do conselho editorial da revista Educação
A partir dos dados históricos das notas padronizadas de 2005 a 2019 da rede pública, a equipe do Laboratório de Ciência de Dados treinou modelos estatísticos. A princípio, usando os dados até 2017, foi testada a capacidade do modelo de prever os resultados de 2019. Com o modelo validado apresentaram as previsões para os anos de 2021 e 2023.
“A análise revela desafios contínuos na recuperação educacional pós-pandemia, com uma defasagem significativa mesmo nos anos iniciais, que ainda pode levar mais de um ano para chegar ao patamar em que poderia estar já em 2023. De modo geral, o cenário é crítico”, destaca o coordenador do Laboratório de Ciência de Dados em Educação, Rafael Naime Ruggiero.
Um dos primeiros grandes desafios para retomar o crescimento no desempenho, segundo Secretarias de Educação ouvidas pela reportagem, foi identificar como recompor a aprendizagem de estudantes que foram aprovados mesmo sem ter adquirido as aprendizagens esperadas para a etapa em que estavam, conforme diretrizes do Conselho Nacional de Educação. “Fizemos avaliações próprias
no município para identificar quais habilidades e aprendizagens cada aluno não conseguia acompanhar, e endereçamos esses temas em atividades de reforço”, conta o responsável da pasta de Avaliação Interna e Externa do município de Pilar, AL, Tobias Marcelo do Nascimento.
“Mas isso foi uma força-tarefa que nem todos os lugares conseguiram fazer. Precisa de acompanhamento e formação”, destaca. Para ele, o segundo desafio foi justamente o de reter profissionais formados para essas ações. “Tem que ter formação constante, mostrar o que as avaliações indicam, observar e compreender as dificuldades de cada estudante. E como promover as habilidades que estão faltando, conseguindo multiplicar isso em todas as escolas. Mas, com alta rotatividade, parte desse trabalho pode se perder”, analisa Tobias.
Na Secretaria Municipal de Educação de Jundiaí, interior de São Paulo, o desafio da recomposição da aprendizagem passa pela necessidade de adaptação às novas demandas. “A gente olha o cenário e vê que o país realmente está ficando para trás. Houve uma mudança abrupta e a educação de maneira geral ainda não deu conta dessas coisas todas. Não adianta criar lei de recomposição de aprendizagens se não tivermos insumos e condições de executar. A gente precisa de direcionamentos que apoiem o trabalho de cada escola”, defende a secretária de Educação de Jundiaí, Vastí Ferrari Marques.
Segundo ela, existe uma conjunção de fatores que ampliam o desafio: por um lado, todas as escolas devem se conectar com as demandas da ‘nova era educacional’ e, por outro, cada escola tem desafios particulares que precisam ser acompanhados, caso a caso. “Não dá para termos a mesma disposição de sala de aula, com todos os estudantes ouvindo as mesmas coisas por quatro horas seguidas. A escola precisa se atualizar e mostrar desafios que interessem a essas crian-
Entre os desafios, identificar como recompor a aprendizagem de alunos que foram aprovados mesmo sem ter adquirido aprendizagens esperadas para a etapa em que estavam
“Não adianta criar lei de recomposição de aprendizagens se não tivermos insumos e condições de executar”, pontua a secretária de Educação de Jundiaí, Vastí Ferrari Marques
ças; temos novas questões, como a saúde emocional e a ampliação do número de laudos de TEA [Transtorno do Espectro Autista], que demandam adaptações importantes de currículo, carga horária, organização escolar, formação de professores, entre outras”, pontua Vastí.
“Por outro lado, do mesmo jeito que há heterogeneidade entre turmas, temos também entre escolas. Em Jundiaí, são 104, e precisamos identificar qual a principal defasagem dos estudantes e fazer uma estratégia personalizada: se tenho 10 escolas que não atingiram a média da rede no Saeb, e percebo que elas têm um desafio concentrado em língua portuguesa, por exemplo, vamos conversar com a gestão da escola, apoiar a formação de professores, o engajamento, o currículo, para reverter”, exemplifica a secretária.
Ela pontua que a situação atual reforça a importância de realizar análises estatísticas para que cada rede de ensino compreenda o que os seus números estão mostrando. “Se a Secretaria de Educação não monitora suas escolas, está fadada ao erro. A estatística não é apenas numérica, ela pode ser humanizadora: quando a gente entende os números e relaciona com habilidades e competências, sabe aonde precisa chegar e entende o que esse aluno sabe e o que não sabe. Essa percepção permite desenvolver uma política pública adequada, não dá para fazer tudo igual. É preciso olhar o monitoramento dessa forma, ele é importante porque revela humanidades. E o Brasil tem dificuldade de fazer leitura de dados, é por isso que a gente avança tão devagar.”
Essa é, também, a leitura que faz a secretária de Educação de Atalaia, AL, Glauciane Veiga. “Muitos estudantes voltaram da pandemia com lacunas de aprendiza-
gem que seguiram se acumulando ao longo dos anos. Alguns ficaram estagnados e precisamos acelerar a aprendizagem. Falta muito ainda, tornando o processo de recuperação um grande desafio, principalmente nas redes mais vulneráveis”, afirma. “Houve aumento na depressão, e isso desestimula, faz com que eles não participem, faltem. É preciso fazer um trabalho constante, não só de busca ativa, mas também de metodologias que sejam estimulantes para os alunos, que façam com que queiram participar, se interessem mais. A motivação dos estudantes ainda é um grande desafio. Toda a estrutura educacional tem que se voltar para isso.”
Estamos em processo de recomposição de aprendizagens, e o país precisa investir muito. Para reverter o cenário de forma robusta, é necessário que esse investimento seja realizado em ações complementares. “As redes de ensino estão cientes de que essa recuperação exige ações em diversas frentes. A incorporação de tecnologias e a personalização das trajetórias de aprendizagem são ferramentas poderosas. É preciso ampliar a formação continuada de professores, com foco em metodologias que dialoguem melhor com a realidade dos estudantes e na criação de espaços colaborativos entre educadores para troca de experiências e boas práticas”, defende a secretária Glauciane.
“Um dos esforços mais significativos é a melhoria no uso de dados para embasar decisões pedagógicas. Ao monitorar de forma precisa o progresso dos estudantes, é possível identificar rapidamente as dificuldades e atuar de forma mais assertiva. Temos capacitação de gestores e professores para que façam uso estratégico
Para mudar cenários como esse, dominar análises estatísticas é fundamental; além de formações continuadas, propõe o técnico Tobias Marcelo do Nascimento
Glauciane Veiga, secretária de Educação de Atalaia, AL: estrutura educacional deve se voltar para a motivação dos estudantes
dos dados educacionais. Ao desenvolver essa competência, eles não apenas compreendem o que os dados revelam, mas também transformam essas informações em ações concretas que podem melhorar o desempenho dos estudantes”, explica a secretária.
O técnico Tobias Marcelo do Nascimento, da Avaliação Interna e Externa do município de Pilar, defende desde 2008 a cultura de dados. É conhecido por colegas como ‘o rapaz das planilhas’. Fundamental manter a atenção aos indicadores, mesmo após a divulgação de resultados nacionais, por exemplo, o Saeb, como um trabalho contínuo e não pontual. “Um conselho que dou para todas as pessoas que queiram mudar esse cenário é que procurem um professor, um técnico, alguém da Secretaria que tenha domínio de análises estatísticas, para que seja um multiplicador desse conhecimento e faça formações continuadas. Para tomar qualquer decisão, é necessário conhecimento, não basta fazer a prova, tem que saber o que ela mostra.”
Ter uma equipe que ajude a fazer leitura de dados, levar as informações para as escolas de maneira adequada e orientar professores e diretores são também destaques para Vastí. “Isso não pode ser feito só pela Secretaria, é um sistema todo que tem que funcionar com essa visão. Minha sugestão é que se olhe para o alinhavo dessas ações, como em uma engrenagem: é preciso alinhar a série de componentes e fazer um excelente monitoramento desse trabalho o ano inteiro. Isso pode ser visto como algo burocratizado, mas não é, temos que explicar: é para que cada criança tenha o direito de aprender na hora e lugar certos.”
“A análise preliminar da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira nos lembra que não basta recuperar os indicadores antes da pandemia, mais importante é recuperar
a tendência de crescimento. Voltar ao patamar de 2019 ainda é pouco perto do que a gente deveria querer para o país”, destaca o analista de dados Pedro Sartori. “A partir de agora, vamos ampliar esse projeto para identificar quais indicadores têm mais influência nessa recuperabilidade, a partir dos municípios que conseguiram chegar mais perto do crescimento que seria esperado”.
EFEITO DA PANDEMIA
NAS DESIGUALDADES
Estudo anterior da Cátedra, com dados do Saeb de 2021, demonstrou que, após a pandemia, o fator com mais influência nos resultados é o nível socioeconômico. Em 2019, a distorção idadesérie (quando o estudante tem dois ou mais anos acima do esperado para sua série) era o fator que mais influenciava o Ideb de um município, seguido de nível socioeconômico e taxa de abandono. Já em 2021, o nível socioeconômico se torna o fator mais relevante, seguido de distorção e abandono. Ou seja, neste período há forte conexão entre baixo nível socioeconômico e baixo desempenho.
QUAIS INDICADORES FAZEM A DIFERENÇA
Dada a importância do nível socioeconômico no resultado do Ideb, os pesquisadores analisaram os dados de 2019 e 2021 dos anos iniciais do ensino fundamental em cerca de 4,6 mil redes municipais brasileiras segundo essa característica. A distribuição de municípios mostrou que os 25% com maior desempenho são majoritariamente os com maior renda, enquanto os 25% com menor desempenho tendem a apresentar menor nível socioeconômico.
No entanto, a análise identificou municípios que não seguem esse padrão e são literalmente pontos fora da curva, com ótimos resultados mesmo estando nas faixas de baixo recurso. Em 2019, 94 redes municipais se destacaram, das quais 88 ficam no Nordeste: Ceará, Piauí, Pernambuco e Alagoas. Em 2021, foram 71 redes fora do padrão, todas elas nos mesmos estados nordestinos. Utilizando um método estatístico, os pesquisadores buscaram a relação de nove indicadores com os resultados desses municípios, comparando os dados com 633 redes municipais com o mesmo nível socioeconômico, mas resultado inferior.
O estudo identificou os fatores mais associados ao bom desempenho, mesmo em nível socioeconômico desfavorável: baixas taxas de abandono e distorção idade-série, e adequação da formação docente. Enquanto
as redes com alto desempenho tinham em média 4% de alunos com distorção, as de baixo desempenho tinham em média 14% dos estudantes nesta situação, chegando a mais de 40% em alguns casos. A média da taxa de abandono do primeiro grupo ficou perto de zero, mas chegou a até 1,5% nos municípios de baixo desempenho, com alguns atingindo 11% de evasão. O grupo de baixo desempenho tinha, em média, menos de 44% dos professores com formação adequada (quando possuem licenciatura para atuar na área em que lecionam), índice que era de cerca de 49% no grupo de alto desempenho.
“Quando um município tem ações para evitar o abandono e a distorção, ele provavelmente investiga o que pode estar fazendo o aluno ser reprovado de forma recorrente e ficar cada vez mais pra trás; vai buscar os alunos e tenta reverter a situação. Com este nível de atenção, a rede tem muito mais chance de gerar um bom desempenho”, explica Lourival Matias, membro do Laboratório de Dados em Educação, reforçando que os indicadores revelam o resultado de muitos fatores, e merecem ser tratados com atenção.
Em diferentes países, o nível de aprendizagem dos estudantes está em queda pelo menos desde 2010, ou seja, bem antes da pandemia (que, claro, possivelmente intensificou o atraso no aprender). A afirmação foi dada a jornalistas pelo grego Manos Antonínis, diretor do relatório de Monitoramento Global da Educação (GEM) da Unesco, durante a Reunião Global da Educação, que aconteceu no início de novembro em Fortaleza, CE (saiba mais na pág. 37).
Manos Antonínis indica duas suposições para essa queda:
1. Efeito negativo da tecnologia: “irônico, porque prometem que a tecnologia melhora a aprendizagem, o que é verdade para poucos”, diz.
2. Dificuldade familiar: “[ao que parece ] a vida é difícil e os pais não têm tempo de concentrar cuidado aos filhos como antes”, completa.
Cauteloso, Manos Antonínis pontua que está claro que a chegada da tecnologia digital tem gerado resultados negativos na educação. Já a questão familiar, assim como outros pontos, ainda estão sendo investigados.
Agende uma reunião com nossos especialistas
https://santil.la/wUXWk
Somos globais porque nascemos globais. Temos 36 anos de experiência formando, a partir de países de todas as latitudes, cidadãos do mundo capazes de enxergar no inglês, não apenas uma matéria a ser aprovada, mas um mundo a ser descoberto, explorado e transformado.
Possuímos diversas soluções de ensino de língua inglesa que se encaixam perfeitamente com a sua escola.
Sua escola global. Sua escola Richmond. Go global.
Em tempos de IA, aprendizagem autodirecionada é o melhor presente que o sistema educacional pode oferecer, afirma presidente do Comitê de Educação da OCDE
| Por Laura Rachid
Pesquisador e futurista, o francês Charles Fadel se apresenta como um engenheiro educacional. Presidente do Comitê de Educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), atua em iniciativas globais como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa).
A editora conversou pessoalmente com Charles sobre como modernizar o currículo escolar, impactos da inteligência artificial (IA) na educação, entre outros assuntos. Ele esteve em São Paulo, em outubro, para o lançamento de seu livro gratuito Educação para a era da inteligência artificial, o qual faz parte da comemoração dos 25 anos da Fundação Telefônica Vivo, parceira da publicação junto com Fundação Santillana e Instituto Península (clique aqui para ler).
“A fase atual da IA é a de um ‘Google bombado’. Mas cada tecnologia tem fases, age rápido, tem platô, sobe e desce”, analisa Charles Fadel
Professor visitante de Harvard e MIT, Charles Fadel é fundador e presidente do Centro de Redesenho Curricular (Center for Curriculum Redesign, em inglês), em Boston, EUA, que, entre as pesquisas, foca a aprendizagem dos estudantes perante a era da inteligência artificial. Confira, a seguir, a entrevista que contou com os intérpretes cedidos pela Fundação Telefônica Vivo, Meg Batalha e Érico Sanvicente.
Redesenhar os currículos escolares implica alterar o papel da escola?
A escola parou de modernizar o seu currículo em vários países. Neste tempo, nesta onda que vem, nós precisamos modernizar. Por exemplo, por que tanta trigonometria e tão pouco ciências de dados? Por que não ensinamos também improvisação? No mundo
atual precisamos ter mais matemática relevante, literatura relevante, mais história, mesmo no campo das artes é necessário técnicas diferentes.
O mundo da inteligência artificial vai continuar mudando, o que pede que se treine a adaptabilidade, e a melhor forma de fazer isso é por meio de técnicas de improvisação, de vender, de velejar. E por que velejar? As questões estão mudando, os ventos estão mudando, as correntes mudam, as ondas mudam, e você precisa ser mais adaptável. Então qualquer coisa que possamos fazer para treinar a adaptabilidade vai ajudar a longo prazo.
Em resumo, a primeira coisa que disse é modernizar o conteúdo. A segunda é aumentar as competências que são necessárias para uma educação moderna.
O que o Centro do qual o senhor é fundador e presidente, em Boston, EUA, tem feito?
Simplesmente, a nossa linha básica é fazer com que a educação seja mais relevante. Eu comecei a carreira como engenheiro, fui para a área de tecnologia da educação e para políticas educacionais. Estou, de certa forma, utilizando a técnica da engenharia pra o setor da educação de modo explícito, sistemático e também fácil de ser demonstrado. Em todas as estruturas que recomendamos fazemos muita pesquisa, mas também muita síntese e as traduzimos por meio de recomendações para as salas de aula e recomendações de currículos, nas quais somos bastante precisos. Chamo de engenharia na educação e eu sou engenheiro educacional.
devem, como disse, remodelar os currículos e depois temos que trazer um planejamento explícito e, claro, para ajudar os professores. Notem quanta responsabilidade os países têm em fazer essas mudanças; os professores, posteriormente, podem realizar [parte desse processo]. Mas não é justo jogar toda a responsabilidade no professor e dizer: vai lá, faça isso.
O Pisa começou a avaliar a criatividade dos jovens. O Brasil ficou entre os 15 países com resultados mais baixos. Como se avalia a criatividade e como o senhor analisa o resultado brasileiro?
O mundo da inteligência artificial vai continuar mudando, o que pede que se treine a adaptabilidade, e a melhor forma de fazer isso é por meio de técnicas de improvisação, de vender, de velejar
Como implantar as quatro dimensões na educação defendidas pelo senhor? Há escolas brasileiras fazendo isso? Que tipo de suporte o(a) professor(a) necessita receber?
Com certeza eles precisam se preparar, mas a responsabilidade, em primeiro lugar, é dos países, que
Cada uma das competências, como pensar de forma criativa e coragem, podem ser avaliadas por meio de vários mecanismos e com estrutura específica e clara. A criatividade, por exemplo, tem cinco subcompetências, e cada uma delas possui estruturas que dividem os verbos, por exemplo, responsabilidade, compartilhar; para cada uma temos manifestações internas e externas — eu posso ser convencido a colaborar, mas talvez não saiba como. Ou talvez saiba como colaborar, mas talvez não queira. Quando você passa por uma série de aspectos você pode procurar mecanismos na sala de aula utilizando várias fontes de dados. Temos professores, projetos, etc. Então, a cada três meses há um relatório que o professor pode compartilhar com os estudantes para aperfeiçoar o seu desempenho. É uma forma complexa de responder a algo que estamos simplificando, porque os professores precisam apenas fazer uma entrada a cada três meses e oferecer informação ao estudante. Quando falamos especificamente do Brasil, é importante lembrar que há mais do que uma competência. Nós [Pisa] fizemos essa pesquisa com 50 países e sabe qual é o número um em coragem? O Brasil. E quem é o primeiro em mindfulness/atenção plena? A Tailândia. É importante notar como os países podem brilhar em alguns aspectos e em outros nem tanto, assim
como as pessoas. Destacamos que todos podem melhorar nesse processo, porque é uma avaliação formativa para os estudantes, então a cada dois ou três meses a diferença de onde deveriam estar será notada para o rumo ser corrigido.
Em seu livro recém-lançado Educação para a era da inteligência artificial, de que maneira apresenta a atuação da escola, docente e estudante?
Com inteligência artificial a gente tem duas fases. A primeira: ela é muito poderosa, e força a adaptarmos as técnicas de ensino. A fase atual da IA é a de um ‘Google bombado’. Mas cada tecnologia tem fases, age rápido, tem platô, sobe e desce. Agora estamos chegando ao platô, no entanto, nos próximos 20 anos, 30 anos, vamos passar por mais platôs. Nossos filhos e talvez alguns de nós conseguiremos observar a inteligência artificial generalizada. Não temos ideia de como será isso para a humanidade, mas podemos dizer quais são as características que nos permitem prosperar na era da inteligência artificial. Não é apenas o que sabemos, mas também como usar o que conhecemos. Você sabe suas habilidades? Como se comporta no engajamento com o mundo? Isso também é um caráter, além de como aprende a aprender, a adaptar-se e se tornar uma pessoa que tem uma autodireção para o seu aprendizado. Porque no final das contas a única coisa que vai nos manter seguindo adiante é a adaptabilidade e o aprendizado autodirecionando. É o grande desafio para a humanidade. Os sistemas educacionais estão apenas em nossas vidas por alguns anos. Portanto, eles precisam se adaptar, mas, primeiro, dar aquele gostinho de aprendizagem autodirecionada — é o melhor presente que o sistema educacional pode oferecer ao ser humano. Mas os sistemas educacionais não fazem isso porque estão presos no passado e eles só entregam conteúdo. Claro que não estamos dizendo que o conteúdo não importa, mas tem que mudar, se adaptar, para que as outras camadas de conhecimento, cognição, também se tornem importantes e não apenas a memorização. É como se fosse a época em que a escrita foi inventada, o alfabeto; Sócrates dizia que os seres humanos conseguiriam memorizar cada vez menos. É verdade. O cérebro se adapta ao que é necessário. Por exemplo, os jovens não sabem como ler um mapa porque têm o Google Mapa.
que governos devem fazer mais materiais e cursos para os docentes. Na imagem, com seu livro sobre IA lançado em outubro no Brasil. Versão digital é gratuita
O senhor afirma que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) brasileira é boa quando aponta o que quer que os estudantes aprendam, mas não é clara, inclusive, há um trabalho sobre isso no Brasil. Quando vi a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) nós estávamos trabalhando com a Somos [empresa educacional brasileira] e começamos a analisar que recomendações mais tangíveis, mais práticas, poderíamos fazer. Normalmente essa é a dificuldade, [padrões] que vêm dos governos são quase declarações políticas longas para satisfazer cada necessidade. Mas se você entregar e afirmar: ‘faz isso aí, professor’, ele não tem a menor ideia do que fazer.
Por isso digo que precisamos ter um currículo mais detalhado e também um planejamento de aulas mais detalhado para ajudar os professores. A analogia que faço é que no passado, quando pedíamos aos professores para construírem um celeiro, tinham que ser arquitetos e construtores. Não era tão difícil. Mas agora a gente pede que façam um arranha-céu — olhem a complexidade. É difícil ser arquiteto e construtor para erguer um arranha-céu.
Por esse motivo, os governos precisam fazer muito mais no que diz respeito a um material melhor e também cursos melhores. Dessa forma, os professores podem focar em se especializar no contexto e também na localidade em que vão atuar e também personalizar para cada estudante. É isso que deveria acontecer.
Entenda o que ele é, quão presente já está em nossas vidas e a importância do debate no campo educacional
| POR Alexandre Le Voci Sayad
Opersonagem central que dominou a agenda social em 2024, da política ao meio ambiente, foi um objeto: o algoritmo. No ano que concentrou o maior número de eleições em todo o mundo, não houve influenciador mais debatido, abnegado e influente do que ele.
No meio ambiente, o uso de dados para alimentar os algoritmos de inteligência artificial (IA) iniciou um debate que pode alterar a maneira com a qual lidamos com a geração e consumo de energia; na economia, o algoritmo é a estrela das startups, além de fator determinante na corrida de desenvolvimento das nações. No universo do entretenimento está cada vez mais presente, bem como na mediação da interação entre seres humanos e na relação destes com o mundo que os cerca. E assim povoou, dia após dia, os medos, sonhos e imaginação de boa parte da população.
A tradicional capa de personalidade do ano da revista Times poderia ceder espaço inédito a um objeto; não seria injusto tampouco exagerado. Subtraí-lo, por sua vez, do debate educacional dentro e fora das salas de aula é uma irresponsabilidade. Pois é justamente nas políticas públicas de educação que a centralidade humana e as diretrizes éticas encontram a oportunidade perfeita para o desenvolvimento e uso dos algoritmos nos sistemas de inteligência artificial.
PARA FACILITAR ESSA JORNADA DOS EDUCADORES A INCORPORAR O TEMA EM SEUS PLANOS DE AULA, desenvolvi uma bula simples de como lidar com esse personagem que não deve abandonar a vida pública pelos próximos séculos:
O ALGORITMO É UM TERMO MATEMÁTICO MILENAR, de origem persa, muito presente na área das ciências. Seu nome vem do matemático Muhammad al-Khwarizmi. Hoje, o algoritmo também compõe a unida-
de mínima de qualquer sistema de inteligência artificial. É ele que processa os dados utilizados nessa tecnologia;
ELE FUNCIONA COMO UMA RECEITA DE BOLO; é uma sequência precisa e finita de funções que o sistema cumpre para, por exemplo, nos entregar um resultado da busca no Google, um texto no ChatGPT, ou uma decisão na automação de um veículo;
ESTAMOS CERCADOS DE ALGORITMOS POR TODOS OS LADOS, mesmo que não percebamos. Eles estão presentes nas redes sociais, nos aplicativos de banco, nos sistemas de biometria, nos buscadores, nos games e nas plataformas de streaming, por exemplo;
HÁ VÁRIAS NATUREZAS E TIPOS; os sistemas de IA também têm engenharias múltiplas dependendo da função. Os algoritmos de recomendação, por exemplo, são aqueles que nos sugerem filmes, livros, produtos ou mesmo amizades em nossas interações na internet. Outros, compõem os sistemas de IA generativa que nos possibilita gerar textos, imagens ou vídeos a partir de pedidos (os chamado prompts);
ELE FUNCIONA UTILIZANDO UMA ENORME QUANTIDADE DE DADOS, inclusive os gerados por nós, usuários. Por isso, é possível ‘educá-lo’. Em outras palavras, alimentar e treinar o sistema com dados próprios, ou acostumálos a preferências que gostaríamos que ele nos indicasse, como sites, perfis de livros, estilo de escrita e conteúdo (como no caso das IAs generativas);
COMO TODA TECNOLOGIA, A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NÃO É NEUTRA. Algoritmos carregam vieses, pois são parte da evolução técnica criada pelo ser humano. Podem ser racistas e discriminatórios, por
exemplo. Seus impactos éticos devem ser mitigados com legislação e educação;
A PRESENÇA DE ALGORITMOS E SISTEMAS DE IA AFETA O UNIVERSO DA EDUCAÇÃO em diversas camadas, entre elas: na gestão, na aprendizagem e na necessidade de uma contrapartida ética que a escola deve proporcionar aos estudantes;
NA GESTÃO, OS SISTEMAS DE IA AUXILIAM NA IDENTIFICAÇÃO DE PERFIS DOS ESTUDANTES, com base nos dados de origem e desempenho de aprendizagem, por exemplo. Podem auxiliar os gestores a preparar o ambiente escolar de forma estratégica, criando planos de expansão, otimização de recursos, potencialização de aprendizagem e identificação de necessidades específicas.
PARA OS EDUCADORES, OS SISTEMAS DE APRENDIZAGEM ADAPTATIVAS, que funcionam com algoritmos, podem prover dados importantes sobre o desempenho dos estudantes auxiliando o professor a criar estratégias de ensino. Além disso, os sistemas de IA podem auxiliá-los em processos de automação e precisão na criação de avaliações, correções de tarefas e montagem de aulas;
OS ESTUDANTES, SOBRETUDO JOVENS E CRIANÇAS, DEVEM ENTENDER OS IMPACTOS ÉTI-
COS DOS ALGORITMOS e da inteligência artificial, pois estão imersos neles. Por exemplo, será que as crianças sabem que existem algoritmos para reconhecimento facial no TikTok? Ou que empresas podem se utilizar de sistemas de inteligência artificial para vender seus dados para finalidades comerciais? Por isso as práticas de educação midiática devem contemplar o chamado letramento algorítmico. Há oportunidades na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), sobretudo na competência base da cultura digital, para que educadores desenvolvam atividades em sala de aula;
A BOA NOTÍCIA: HÁ UMA SÉRIE DE MATERIAIS GRATUITOS ONLINE PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES e utilização em sala de aula. Essas práticas podem ser utilizadas nas mais diversas disciplinas e ciclos de aprendizagem. O Ministério da Educação prevê a criação de uma ampla formação aberta e gratuita para 2025 com foco no tema da educação midiática.
Alexandre Le Voci Sayad é jornalista, escritor e educador. Mestre em inteligência artificial e ética, é consultor da Unesco e apresentador do programa Idade Mídia, no Canal Futura.
Concurso unificado para contratar docentes, tendo o Enade das licenciaturas como prova, instiga professoras, ex-ministro e uma das criadoras do Enem ouvidos nesta reportagem
| Por Adriana Amâncio
Osetor da educação aguarda mais informações sobre o concurso unificado para professor e professora, anunciado em 30 de outubro a jornalistas pelo ministro da Educação, Camilo Santana. Segundo o ministro, a divulgação oficial será ainda em novembro, junto a um pacote de valorização docente que inclui também o ‘Pé-de-meia’ das licenciaturas — bolsa financeira de pelo menos 500 reais mensais para quem prestar a área já ano que vem, inclusive, com a nota do Enem 2024 — e outras iniciativas.
O pouco que se sabe é que o concurso unificado, também intitulado pelo secretário-executivo do Ministério da Educação (MEC), Leonardo Barchini, como exame nacional, será por adesão das redes municipais e estaduais e que deve ser implementado por meio da prova do Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) das licenciaturas — esse último divulgado em julho pelo MEC e o Inep, o qual visa medir a qualidade dos cursos de licenciatura, com o propósito de implementar mudanças para aperfeiçoar a formação, refletindo na qualidade da educação básica.
ANÁLISES
Ouvimos especialistas sobre a expectativa em relação ao concurso unificado para professor, entre eles, Cristovam Buarque, ministro da Educação (20032004) do governo Lula 1, que diz sentir-se “contemplado com o anúncio feito pelo atual ministro da Educação, Camilo Santana”. Em agosto deste ano, Buarque sugeriu em sua coluna Aos mestres com carinho, na revista Veja, um ‘Enem dos Professores’. No artigo, ele sugere ao governo federal assumir a responsabilidade pela criação de um “piso de conhecimento para os professores da etapa básica”. Atualmente, os critérios para essa escolha ficam a cargo dos estados e municípios.
Próximo passo deve ser um piso federal para professor do ensino básico, sugere Cristovam Buarque, que já foi ministro da Educação
Maria Helena
Guimarães de Castro é uma das criadoras do Enem. Ela é favorável ao Enade das licenciaturas por vislumbrar melhorias nos cursos
Assim que soube do concurso unificado, Buarque afirmou à repórter: “creio que [o concurso unificado] é uma boa medida e vai ajudar a defender um piso de conhecimento do professor”, observa. Cristovam Buarque lembra que, quando era ministro, sugeriu um Certificado Nacional, que atestaria um nível de qualificação e garantiria um adicional ao salário de cada professor que o obtivesse. “Lamentavelmente eu saí do
ministério, vieram outros ministros tanto no governo Lula 2 como da Dilma e nenhum deles se interessou.”
O pesquisador considera a educação básica uma das etapas mais relevantes da educação, por isso, defende um próximo passo para fortalecer os educadores que atuam nesta etapa de ensino. “A carreira dos professores da educação básica deve ser uma carreira federal, deve ter o mesmo investimento que as universidade e os Institutos Federais têm. Defendo isso porque os municípios são pobres, não podem pagar por isso. O próximo passo, agora, deve ser um piso federal para os professores da etapa básica”, instiga.
NO CHÃO DA ESCOLA
Em Recife, Pernambuco, a professora de química Meydja Ferreira, 33 anos, aguarda mais detalhes sobre o Enade das licenciaturas. Ela, que dá aula no ensino médio, concluiu sua licenciatura em 2013 e desde então presta concurso público, pois busca ser admitida pela rede estadual de ensino. Meydja evita concursos para a rede municipal de educação, segundo ela por ser competitivo. As escolas municipais não costumam abrir muitas vagas na área de química, já as do estado disponibilizam mais vagas”, diz
Meydja Ferreira participou de dois concursos, mas não foi admitida em nenhum. Desde 2021, leciona em regime de contrato na Escola Rosa Magalhães de Melo, que fica no bairro Dois Unidos, na zona norte do Recife. Para ela, o concurso unificado é uma esperança de conquistar a tão sonhada estabilidade profissional. “Se o concurso unificado for mais frequente, pode ajudar. Os concursos estaduais ocorrem em intervalos longos. Agora, será que vão criar um piso federal unificado?”, questiona. “Pois nem todos os estados pagam o piso”, especula.
Sandra Santos, 50 anos, do bairro Passarinho, na zona norte do Recife, concluiu o curso de pedagogia em 2015, e atua como Agente de Apoio do Desenvolvimento Escolar Especial com crianças do ensino fundamental 1. Desde que concluiu a formação, ela já prestou cinco concursos públicos para os municípios de Recife, Olinda, Camaragibe, Moreno e Jaboatão, mas nunca foi aprovada. A professora considera injusto o fato de terem profissionais que conseguem passar nos concursos, “acumulam dois, três vínculos e não dão conta de nenhum. Enquanto eu e outros professores não temos oportunidade. Eu acredito que não sou aprovada porque não tenho pósgraduação”, cogita.
Sandra recebe o anúncio do concurso unificado com esperança. “Acho que vai dar mais chance para quem ainda não conseguiu ser aprovado. Se vai ser um concurso
Professora Meydja Ferreira: se o concurso unificado for mais frequente, pode ajudar
Atividade pedagógica da professora
Santos
unificado, eu posso ser aprovada para outros lugares, em vez de um concurso apenas para Recife”, avalia.
AVALIAÇÃO QUE RESULTE EM AVANÇO
Uma das criadoras do Enem e presidente do Inep (19952002), Maria Helena Guimarães de Castro considera o Enade das licenciaturas “uma boa ideia” e se diz “favorável à iniciativa, principalmente porque avalia os cursos e não os professores individualmente. E também porque o resultado dessas avaliações deve orientar a adoção de melhorias nas licenciaturas”, analisa a hoje titular na Cátedra Instituto Ayrton Senna de Inovação em Avaliação Educacional, da USP de Ribeirão Preto, SP. Atualmente, o principal problema da educação, segundo Maria Helena, é a formação inicial dos professores. Por isso, prossegue, é importante definir diretrizes curriculares para potencializar essa formação.
A repórter entrou em contato com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) para ouvir como eles receberam a notícia do concurso unificado. Por meio de sua assessoria de imprensa, disseram que “preferem não comentar até a divulgação dos detalhes da medida.” Já em conversa fechada com a editora, um secretário que integra a Undime revelou que ele e outros integrantes são favoráveis à iniciativa, mas que até o dia do anúncio aos jornalistas sobre o concurso unificado (30 de outubro), o Ministério da Educação não havia entrado em contato com a Undime.
Colégio Barreto Gurian, São Paulo
Diretora e fundadora do colégio, Márcia Barreto Gurian defende direção presente, que atue em equipe e próxima da comunidade escolar
Cada vez mais a boa gestão tem sido reconhecida como fator fundamental para a qualidade da educação. Na avaliação de Márcia Barreto Gurian, diretora e fundadora do Colégio Barreto Gurian, em São Paulo, SP, um dos fatores cruciais é o olhar humano, além da parceria em equipe. Essa postura humana se traduz em diferentes ações no dia a dia. A diretora destaca que a presença constante e a proximidade com todos que integram a comunidade escolar, por exemplo, são diferenciais importantes para a construção dessa relação. Ela e o marido, seu sócio, costumam até mesmo recepcionar os alunos na porta do colégio.
“A educação tem de ser vista de uma forma mais humanizada e menos empresarial”, defende a fundadora do colégio, Márcia Barreto Gurian
“Às vezes, causa até um certo susto nos novos professores que chegam para trabalhar”, conta, a respeito dessa presença e envolvimento. “A gente não é aquela direção que larga na mão de coordenação e passa no final da semana para saber o que ocorreu.”
Tudo isso se relaciona com outro ponto que Márcia destaca como importante para uma boa gestão: o trabalho em equipe. Para qualquer projeto da escola, é esse o fator que ela aponta como responsável por resultados positivos. “A gente não gosta daquela questão de professores que ficam competindo entre si. Procuramos passar para eles que nós somos uma equipe, uma engrenagem”, explica. “O aluno do 4º ano vai ser do professor do 5º ano; se o do 4º ano não fizer um bom trabalho, o do 5º, no ano que vem, terá problemas. A gente procura passar isso para os professores, auxiliá-los em tudo que podemos.”
A formação também faz parte da construção de uma boa gestão, uma vez que permite a atualização na área. Segundo a diretora, essa ‘reciclagem’, aliás, tem se tornado cada vez mais necessária, já que a educação tem passado por muitas mudanças. Um exemplo que ocorreu ainda neste ano no colégio, durante a semana de planejamento, foi a realização de um curso sobre inclusão, voltado não apenas a ela, mas também aos professores. Márcia pontua que esse tipo de curso é importante para que os profissionais possam, por exemplo, se especializar melhor na inclusão de alunos com transtorno do espectro autista (TEA). Na análise da diretora, essa é uma questão que, no pós-pandemia, tornou-se crescente. “Foi um curso muito significativo, todos ficaram impactados com o que a gente aprendeu”, conta.
Os frutos de uma boa gestão aparecem de diferentes formas. Além da satisfação das famílias, a diretora cita que, neste ano, o colégio alcançou um índice de 94%
Este ano, o colégio alcançou um índice de 94% de alunos rematriculados
de alunos rematriculados. “Para nós, foi além da meta, além do esperado”, diz.
O colégio também se prepara para novidades em 2025. Em novembro inaugurou-se um novo espaço para os estudantes do ensino fundamental 2 e do ensino médio, num prédio ao lado da unidade. As aulas no novo ambiente já começam ano que vem.
Além da nova unidade, também haverá modificações no espaço atual, que passa por reformas e irá contar com minicidade e parque aquático, por exemplo. “Também trabalhamos com período integral, e essas crianças precisam de um olhar diferenciado, porque aqui se torna uma segunda casa para elas”, explica sobre a necessidade da revitalização.
Ao refletir sobre o futuro da escola — e da direção — num contexto geral, Márcia cita uma preocupação com a visão mercadológica da educação. “A educação tem de ser vista de uma forma mais humanizada e menos empresarial”, defende. “Hoje, muitas gestões estão vendo a escola só como uma empresa, se preocupam
O encantamento com a educação veio desde cedo: Márcia
Barreto Gurian
fundou
o colégio aos 17 anos
mais com números do que com qualidade, humanidade, empatia com aluno e com as famílias. As escolas estão visando muito isso, vendo as crianças única e exclusivamente como mercadoria.”
Para ela, ainda que a escola particular viva da mensalidade, “é preciso saber distinguir as duas coisas”. “Não existe falar de escola sem amor, não tem como.”
Outro ponto de preocupação é a parceria entre escola e família. “Hoje, infelizmente, muitos pais delegam a educação. Acham que, por estarem pagando, não precisam acompanhar o filho”, analisa. Justamente por isso, ela afirma que é importante ter uma proximidade com as famílias.
Márcia Barreto Gurian é pedagoga e fundou o colégio ainda jovem, aos 17 anos, quando foi emancipada pelo pai. O encantamento com a educação veio desde cedo: por volta de 12 anos, ao lado do comércio do qual seus pais eram proprietários, havia uma escolinha. Ela observava o local, sua movimentação. A partir disso, aos 15 anos, decidiu que queria fazer magistério. Foi assistente numa outra escola localizada na rua onde ela morava e, depois, em 1996, criou a escola Recanto do Mickey — à época, destinada apenas à educação infantil.
Em 2007, o colégio mudou de nome, passando a se chamar Barreto Gurian, e se expandiu: foi nesse ano que passou a atender o ensino fundamental 1. Posteriormente, também começou a oferecer as outras etapas da educação básica. Hoje, o colégio conta com 930 alunos e 81 funcionários, sendo 50 professores.
Reunidos em Fortaleza, CE, lideranças globais pedem mais financiamento educacional. Este ano, Brasil presidiu todas as reuniões
OMinistério da Educação (MEC) brasileiro presidiu este ano o Grupo de Trabalho do G20 da Educação. A última etapa de atividade aconteceu em Fortaleza, CE, em 29 e 30 de outubro, durante a Semana Ceará: Centro Global da Educação, que englobou também entre 1º e 2 de novembro a Reunião Global da Educação, organizada pela Unesco e com a participação de lideranças de vários cantos do mundo.
O GT do G20 da Educação é composto por ministros da Educação e delegados dos países-membros do grupo, como Alemanha, Angola, China, França, Singapura, Turquia, Canadá, Estados Unidos e África do Sul. Em Fortaleza, eles fecharam um documento com três tópicos de sugestões para a cúpula que ocorre em novembro com chefes de Estado para acatarem: valorização docente; plataformas educacionais; e engajamento escola e comunidade (leia mais no site). A próxima presidência do G20 é da África do Sul
Reunião técnica do G20 reuniu delegados dos países-membros, representantes da OCDE, Unesco e outros
Contudo, para qualquer um desses tópicos ganhar força nos países, é preciso viabilidade financeira. “Apesar das diferenças entre países, há convergência no sentido de priorizar a educação e da importância de um financiamento que garanta equidade e qualidade”, disse Camilo Santana, ministro da Educação, que presidiu o GT do G20. Só que o documento final não fala em fi-
O
Encerramento da Reunião Global da Educação com Camilo Santana e Stefania Giannini, diretora-geral adjunta de Educação da Unesco
nanciamento, possivelmente porque os representantes dos paísesmembros não chegaram a um consenso. O G20 da Educação não teve declaração assinada pelos ministros dos países-membros, como costuma acontecer, apenas a entrega de um documento.
“É preciso monitorar, avaliar, ter ações coordenadas e tomar decisões baseadas em resultados. Mas isso não exime o mundo do fato de que a educação está subfinanciada… O G20 reúne países com capacidade de liderar grandes transformações. Para o Brasil, a transformação social começa na educação. Por isso, defendemos que ela seja o centro de impacto social por um futuro mais justo e sustentável. E creio que demos alguns passos no desenvolvimento social hoje”, destacou Camilo Santana no encerramento do evento.
Nos intervalos das reuniões, as coletivas de imprensa permitiram o descobrimento das novas propostas do Ministério da Educação. Em uma delas, a editora da revista Educação perguntou a Camilo Santana sobre um possível Enem do Professor, defendido por especialistas como Cristovam Buarque. Foi então que o ministro lançou uma das principais notícias, para a realidade brasileira, de
Já a Reunião Global da Educação ocorre para os países analisarem o progresso do ODS 4, voltado à educação, que faz parte
todo o evento: a de que o país terá um concurso unificado para professor, por adesão de estados e municípios, a ser anunciado oficialmente ainda em novembro.
“Uma das propostas é o Enade [Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes] ser a prova de seleção das licenciaturas em todo o Brasil. Será anunciado em novembro um conjunto de ações de fortalecimento da valorização do magistério no Brasil. Então vamos lançar a política de atratividade de professores e o ‘Pé-de-meia’ das licenciaturas”, disse o ministro, o qual destaca que o pacote de valorização do magistério é uma maneira da sociedade compreender a importância desses profissionais. “No Japão, professor tem assento prioritário no metrô”, pontuou Camilo Santana.
O Brasil terá ainda o ‘Pédemeia’ das licenciaturas, que será de acordo com a nota no Enem, valendo para quem prestar o exame este ano. A revelação também foi dada em coletivas de imprensa. O valor da bolsa financeira será em torno de 500 reais mensais, além da poupança no final do ano. Camilo Santana disse que a entrada não será de acordo com a renda socioeconômica. “O objetivo é estimular bons alunos a irem para as licenciaturas; para que possamos ter bons professores e professoras e assim garantir qualidade nas escolas. Essa experiência vários países já fizeram, como os Estados Unidos, porque o mundo inteiro está preocupado com isso [falta de professor]”, afirmou o ministro da Educação.
Diante da falta de professor e professora de áreas como matemática, física e biologia, o ministro revelou: “Estamos desenhando para a educação um modelo similar ao Mais Médicos para [o docente] receber um ‘plus’ no salário e ir à escola que não tem professor”, disse Camilo sem dar mais detalhes.
Encontrar alternativas para mais de um tipo de financiamento educacional, como perdoar dívidas de estados, municípios e países que cumprirem ‘metas’ educacionais, é uma das orientações de representantes globais da Unesco. Essa conclamação foi discutida por pelo menos 94 delegações de países-membros da Unesco, incluindo 50 ministros de Educação e Finanças — totalizando cerca de 600 pessoas —, que estiveram em Fortaleza para a Reunião Global de Educação (GEM na sigla em inglês) da Unesco, entre 31 de outubro e 1º de novembro. Realizada a cada dois anos, foi a primeira vez que o hemisfério sul recebeu o encontro, sendo a quarta edição e a com o maior número de participantes.
Camilo reconheceu, mais uma vez, que a educação brasileira está subfinanciada e destacou a importância de o Brasil destinar 10% do PIB (produto interno bruto) para a educação — proposta a qual está no novo Plano Nacional de Educação (PNE) e aguarda aprovação no Congresso.
A Reunião Global da Educação ocorre para os países analisarem o progresso do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4, voltado à educação, e que faz parte da Agenda 2030 da Unesco. Como muitos países estão distantes das metas estipuladas, a proposta
Camilo Santana reconhece que a educação brasileira está subfinanciada e destacou a importância de o Brasil destinar 10% do PIB para a educação — proposta que está no novo Plano Nacional de Educação aguardando aprovação no Congresso
é que o encontro ajude a acelerar as demandas, cujo prazo termina em seis anos.
O comunicado oficial de Audrey Azoulay, diretora-geral da Unesco global, e que já foi ministra da Cultura da França (2016 a 2017), dialoga com outras lideranças presentes na reunião ao afirmar que a educação é o grande motor de sociedades prósperas. “No entanto, a educação de qualidade corre o risco de ser o privilégio de poucos, se não tomarmos medidas sérias para dar a todas as crianças do mundo a mesma chance de aprender e ter sucesso. Na Reunião Mundial sobre a Educação da Unesco, pedimos que líderes ousados atuem para mudar o curso e reforçar os investimentos em educação, inclusive por meio de mecanismos de solidariedade renovados entre países de renda alta e baixa”, declarou Audrey Azoulay.
A revista Educação foi convidada pelo Ministério da Educação e pela Organização dos Estados Ibero-Americanos para cobrir os dois eventos.
A editora Laura Rachid realizou ainda uma entrevista exclusiva com Gibrilo Djalo, secretário de Estado do Ensino Superior e Investigação Científica na Guiné-Bissau, pasta que está dentro do Ministério da Educação Nacional. Sob o título Na Guiné-Bissau, política que beneficia professor gera “avalanche de interesse dos jovens com a profissão”, leia a entrevista no site clicando aqui
Estudantes de diferentes níveis em matemática foram colocados no mesmo grupo e muitos obtiveram sucesso
| Por Jill Barshay, The Hechinger Report*, dos EUA
No outono de 2019, quatro escolas de ensino médio em um distrito da área da baía de São Francisco passaram por um experimento nas aulas de matemática do 9º ano. Os estudantes eram tradicionalmente separados em mais de cinco cursos de matemática por nível de desempenho, de recuperação a muito avançado. O distrito testou o que aconteceria se eles combinassem três níveis em um. Metade dos alunos foi designada aleatoriamente para aprender junto e com níveis diferentes, e metade permaneceu em suas trilhas tradicionais para que os pesquisadores pudessem comparar a diferença.
Os alunos do nível baixo que faziam parte do experimento pularam a recuperação matemática e conseguiram aprender álgebra com a maioria dos alunos do
9º ano. O experimento também significou que os estudantes com nível intermediário de aprendizagem estavam aprendendo junto com colegas que não tinham habilidades matemáticas fundamentais.
Era arriscado. Afinal, às vezes os alunos acabam com notas mais baixas em matemática quando são pressionados a fazer um trabalho que é muito avançado para eles; é por isso que a Califórnia encerrou uma iniciativa de “álgebra para todos” no 8º ano há uma década. Os alunos do mesmo nível também podem ser prejudicados se os professores tentarem acomodar os estudantes com menor nível de aprendizagem, tornando o material mais fácil.
Muitas vezes, esses jovens se sentem estigmatizados e desmoralizados. “Você está dando aos alunos outra ‘batalha’”, diz Elizabeth Huffaker, pesquisadora da Universidade Stanford que estudou esse experimento para sua tese de doutorado.
Os resultados foram promissores, de acordo com um artigo que foi tornado público em outubro de 2024. Metade dos alunos de recuperação na classe mista passou no curso de álgebra do 9º ano e em geometria com seus colegas. A outra metade ainda teve que refazer álgebra no 10º ano, que é quando eles teriam feito de qualquer maneira, mas suas notas nos testes do 11º ano foram maiores do que as de alunos semelhantes que aprenderam matemática em uma sala de aula de recuperação separada no 9º ano. O desempenho em matemática do 11º ano para alunos de recuperação que fizeram álgebra do 9º ano foi tão maior que a diferença equivale a um ano extra de matemática, de acordo com os pesquisadores.
Enquanto isso, os alunos médios pareciam ilesos. Aqueles que foram aleatoriamente designados para a nova classe de nível misto tiveram notas de teste no 11º ano que não foram piores do que aqueles que aprenderam álgebra 1 separadamente.
Tom Dee, professor de educação em Stanford que conduziu o estudo de matemática junto com sua exaluna de pósgraduação Huffaker, conta que este estudo mostra que há coisas menores que as escolas podem fazer entre os dois extremos de forçar todos os alunos a fazer cursos avançados ou proibir qualquer aluno de fazer cursos avançados em nome da equidade. “Se acelerarmos todos, pode ser prejudicial para as crianças que não estão totalmente preparadas para essa aceleração. E se desacelerarmos todos, pode ser potencialmente prejudicial para a realização de crianças com melhor desempenho e limitar os tipos de coisas que elas podem fazer.”
“Mas não é a única flecha em nossa aljava”, pontua Dee. Ele enfatiza que esse era apenas um grupo de alunos em um distrito escolar e que os resultados precisariam ser replicados em outros lugares antes que ele recomendasse a eliminação da recuperação matemática do ensino médio como uma política nacional.
SALA DE AULA
toria Dye, diretora de desenvolvimento profissional e currículo da Sequoia Union, conta que o distrito selecionou problemas de palavras abertas que até mesmo um aluno com poucas habilidades poderia tentar, mas que também forneciam um desafio para alunos mais fortes (uma analogia seria um jogo com regras simples, como Otelo, que ainda fornece um desafio para jogadores experientes).
Discussões matemáticas em sala de aula tomaram o centro do palco para que os alunos pudessem discutir as análises uns dos outros. Em um exercício, cada aluno escreveu seu raciocínio e o revisou várias vezes. “É ótimo porque qualquer criança pode começar isso e melhorar”, compartilha Dye.
Os alunos do nível baixo que faziam parte do experimento pularam a recuperação matemática e conseguiram aprender álgebra. Contudo, os de nível avançado não indicaram alteração na aprendizagem
É difícil dizer qual pode ter sido a chave para o sucesso neste experimento. É possível que metade dos alunos de recuperação nunca tenham realmente precisado de recuperação e tenham sido colocados incorretamente por causa de suas notas de matemática do ensino fundamental. Ao mesmo tempo, o distrito mudou a maneira como ensinava nessas classes de habilidades mistas e podem ter sido essas mudanças que fizeram a diferença. Professores mais preparados podem ter se voluntariado para ensiná-los. Esses professores tiveram treinamento a mais e receberam um período extra a cada dia.
A escola lidou com habilidades mistas de uma forma incomum. Em vez de diferenciar a instrução dando problemas práticos diferentes para alunos diferentes, o que é uma abordagem comum em salas de aula dos EUA, os professores foram treinados para dar os mesmos problemas para todos os alunos. Vic-
Para criar tempo para resolução de problemas e discussão, os professores simplificaram o currículo para enfatizar conceitoschave. Isso significou cortar alguns tópicos de álgebra. Docentes tomaram suas próprias decisões sobre como tecer uma revisão dos conceitos do ensino médio que os alunos precisavam para álgebra.
Hoje, a matemática corretiva foi eliminada nas principais escolas de ensino médio do distrito e quase todos os alunos estão na álgebra do 9º ano ou em uma classe mais avançada, exceto os alunos com deficiências graves. A eliminação da matemática corretiva não resolve tudo. Muitos alunos com dificuldades ainda estão sendo reprovados na disciplina e precisam de mais ajuda. E não reduz as enormes disparidades no desempenho em matemática dentro dos prédios escolares. Mas pode ajudar uma grande parte das crianças mais atrasadas, e isso é particularmente relevante após a pandemia, quando ainda mais adolescentes estão lamentavelmente atrasados em matemática.
*Leia a matéria completa escrita por Jill Barshay e produzida pelo The Hechinger Report , uma organização estadunidense de notícias independente e sem fins lucrativos focada em desigualdade e inovação na educação.
Neste final de ano, sindicalizadas e sindicalizados podem continuar aproveitando os DESCONTOS e PROMOÇÕES da Plataforma de Benefícios do SinproSP.
Acesse a plataforma, cadastre-se e aproveite.
A escola deve estar em sintonia com as demandas da comunidade escolar e da contemporaneidade. Nisso, líderes são os timoneiros, os mentores e os guias a conduzir os processos administrativos, pedagógicos e culturais
| Por João Jonas Veiga Sobral
As lideranças educacionais vivem nos últimos meses do ano letivo seu momento de maior turbulência, porque nesse período convivem simultaneamente com as preocupações do presente e do futuro — as do ano que termina com suas questões peculiares e as do que se aproxima com suas projeções e ajustes necessários.
E são várias as urgências de final de ano que passam por setores diversos desde o administrativo ao pedagógico, passando por equalização no número de matrículas, por conta de alunos que terminam seu ciclo na escola e dos que se matriculam (e se espera que se matriculem) ; por ajustes no número de salas de aula e no quadro de colaboradores entre demissões e contratações; por fechamento de ano que engloba Conselhos de Classe, retenções e aprovações, reuniões com famílias e festas de formaturas; culminando, entre outras questões, no equilíbrio das contas e da saúde financeira da instituição.
Concomitantemente a isso tudo, é necessário pensar e planejar o ano letivo que entra e organizar a escola para que esteja em sintonia com as demandas da comunidade escolar e da contemporaneidade. O que exige desses líderes uma atenção dividida minuciosa ou,
como se diz no jargão popular, esses gestores devem estar ‘com um olho no peixe e o outro no gato’.
Em uma sociedade em constante transformação, as lideranças educacionais são fundamentais para o sucesso da instituição, para aprendizagem dos alunos e para a estabilidade da comunidade escolar, porque são os timoneiros, os mentores e os guias a conduzir os processos administrativos, pedagógicos e culturais em que se fundam as características da escola e a sua atuação na sociedade.
A gestão da escola passa por momentos de inquietações e de desafios que atravessam o tempo, a tradição e a modernidade. As mudanças e os desafios gerados pelas demandas da globalização, pelos avanços da tecnologia e pelas efervescências socioculturais impõem aos dirigentes escolares (diretores, coordenadores e orientadores) necessidade constante de adaptação e de aprimoramento aos novos tempos sem que a essência e os alicerces basilares das instituições percam a identidade que sustenta os projetos político-pedagógicos dos centros de estudos. Com base nesses pressupostos (processos de mudanças e alterações de paradigmas e nos princípios que norteiam as escolas), depararse com as exigências da contemporaneidade estabelece a inevitabilidade de formações consistentes e alinhadas a essas transformações.
Não há dúvida de que conhecimentos práticos e teóricos sobre liderança e gestão de equipe e de planejamento estratégico são capitais em qualquer instituição que agrupe pessoas e propósitos. Se são temas comuns na formação de diretores de escola, não o são para boa parte dos profissionais de educação que não raro nutrem certo ranço ou desconforto com essas abordagens administrativas. Mas está mais do que provado que equipes bem lideradas e motivadas tendem a render mais e melhor. Repensar a função desses maestros, sob a batuta de técnicas estratégicas e de liderança, talvez seja um itinerário seguro para o ano que se avizinha.
A contemporaneidade não pode permanecer apenas do lado de fora da escola. É preciso que haja porosidade das instituições e de seus líderes para que as questões que caracterizam esses novos rumos sejam contempladas não apenas nas aulas, mas na forma de a escola funcionar na comunidade e no mundo.
Uma escola não pode negar as emergências climáticas e tem de funcionar de forma sustentável em todas as suas instâncias. A comunidade escolar precisa observar, no dia a dia escolar, políticas claras nesse sentido. O discurso pedagógico não surtirá efeito desejado se contrariado no convívio diário. No entanto, não há como não inserir no planejamento escolar práticas e reflexões que tornem toda a comunidade escolar uma zeladora insistente do meio ambiente. Caberá aos líderes a gestão desses processos com sabedoria e altruísmo.
às atipicidades que lhe serão apresentados e propostas consistentes de acolhimento e de inclusão. Não é tarefa fácil para a liderança, porque solicita ajustes na infraestrutura dos edifícios das instituições e treinamento de pessoal (inspetores, recepcionistas, estagiários, educadores etc.) para que alunos diagnosticados aceitos e refutados (e são muitos os transtornos e as dificuldades de aprendizagem e de convívio) possam ter uma vida escolar plena, justa e progressiva.
A contemporaneidade não pode permanecer apenas do lado de fora da escola. É preciso que haja porosidade das instituições e de seus líderes
Políticas afirmativas que contemplem projetos étnico-racial e étnico-social devem atravessar toda a escola, da contratação de colaboradores a matrículas de alunos, de projeto político-pedagógico a formas de entender o mundo com suas questões de tolerância e de convivência social sadia e igualitária. As provas do Enem e dos principais vestibulares já vêm apontando a direção para onde os olhos das escolas devem se voltar.
As inclusões são assuntos complexos e extremamente delicados que devem estar nas preocupações para os próximos anos. É verdade que há diagnósticos duvidosos ou inconclusivos ou açodados, mas é fato também que há muitos extremamente embasados, corretos e justos. E todos eles exigirão da escola projetos adequados
O letramento digital e a educação midiática deverão, na nova escola, andar lado a lado com as questões de bullying, com o avanço dos recursos da inteligência artificial, com a correta interpretação de imagens, textos e fake news e com a compreensão das relações políticas e sociais desses tempos digitalizados em que redes sociais exercem papel crucial na vida pública. O que atinge, de alguma forma, outra ponta complicada e complexa nos centros de estudos que é a relação da família com a escola. Essa precisa ser reajustada com limites de atuação e com parceria razoável que pressuponha menos terceirização da educação de crianças e adolescentes e menos pressão por uma escola à la carte e ao gosto da família. As gestões administrativa, pedagógica e educacional não podem mais estabelecer uma relação clientelista com as famílias. Não há formação sólida, na escola, com tanta ingerência de pais helicópteros e muitas vezes barulhentos.
Como se vê, são tempos de ebulição e de transformação na forma de liderar e gerir instituições e pessoas. Nestes tempos, as lideranças serão a bússola que nortearão bons caminhos. Como dizia Matraga em sua A hora e vez: “E tudo foi bem assim, porque tinha de ser, já que assim foi”. Que assim seja com líderes bem formados, esclarecidos, destemidos e ponderados.
orientador educacional
O sistema de ensinagem falhou, mas há a possibilidade de se criar um sistema de aprendizagem — uma nova construção social
| Por José Pacheco
Ceilândia, 31 de outubro de 2044
Netos queridos, para compreenderdes vicissitudes por que a educação passa neste ano de 2044, tereis de conhecer as do passado. Há uns 20 anos, encontrei no YouTube (recordaisvos desse velho site de compartilhamento de vídeos?) uma entrevista com António Nóvoa. Nessa entrevista, assim se manifestava o amigo António:
“Palestras? Seminários? Isso serve pouco!”
Naquele tempo, ninguém duvidava da sabedoria do amigo António. Ninguém poderia pôr em dúvida a competência profissional e a autorizada palavra desse mestre. Ele tinha sido o representante de Portugal na Unesco e uma das vozes teóricas mais coerentes e consistentes, no campo da educação. E o que nos dizia o António nessa entrevista?
Afirmava que o modelo educacional centrado no professor, na sala de aula, na turma, deveria acabar. Que seria necessário estabelecer uma nova relação com o conhecimento e definir outro papel do professor. Este não deveria ser mais o professor individual, solitário, em sala de aula, mas integraria um coletivo, trabalhando em equipe.
Dizia que a informação estava em todo o lugar: na biblioteca, na natureza, nas pessoas, na internet, mas de forma caótica, desorganizada, semeada de fake news… que seria necessário desenvolver senso crítico, autonomia moral e intelectual, ensinar a pesquisar, a aprender.
O papel do professor já não deveria ser o de transmitir informação, mas o de ajudar a dar sentido ao conhecimento, para que os alunos dele se apropriassem.
“Não aquela coisa de… dar aula!” – exclamou António, ao referir-se ao “panorama da formação no Brasil, muito problemático, tal e qual no mundo” ( sic ).
Seria preciso colocar o foco na formação profissional dos professores:
“Há universidades que têm uma formação extraordinária… do ponto de vista teórico. Mas, não têm um espaço de formação de professores, onde se produza a profissão”.
Sábias palavras. A universidade deveria estar ligada à profissão e às escolas. Os três ou quatro primeiros anos da vida de professor eram os mais importantes, definiam a sua profissionalidade. Por isso, a formação continuada deveria ter como locus principal a escola, na produção de novas práticas. E o mestre Nóvoa acrescentou:
“Não é preciso reinventar a roda.
Temos de evoluir de uma lógica de disciplinas para uma lógica de problemas da Terra, das cidades, respeitando as dimensões estruturantes das disciplinas.
Não adianta ir a cursos, seminários, ações de formação. Tudo isso é um negócio imenso, que existe no mundo, que existe no Brasil, também. É um negócio que serve de muito pouco para a formação dos professores. A gente ouve umas pessoas falar de umas coisas, mas pouco adianta.
A formação de professores não é ir ouvir palestras. Isso de pouco serve”.
Talvez porque a entrevista não fosse conveniente a podres poderes, não ‘viralizou’. Não conviria que as famílias, a sociedade, os professores e as escolas se apercebecem da falência do sistema de ensinagem e da possibilidade de se criar um sistema de aprendizagem — uma nova construção social.
Isso acontecia, 20 anos atrás. Se, hoje, os vossos filhos aprendem o necessário para viver uma vida decente, o devem a anônimos educadores daquele tempo, educadores éticos, que souberam escutar o mestre Nóvoa.