Revista Ensino Superior jan/feve 2025

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ensino

POLÍTICAS DE IA

IES precisam prever riscos e consequências do uso das novas ferramentas

Pesquisa

Dois médicos de hospitais de IES privadas estão na Highly Cited Researchers

Formação docente

Interdisciplinaridade e residência são pilares fundamentais da Faculdade Sesi

O Brasil precisa construir uma nova geração de professores

8

Inovações acadêmicas

A Brigada Climáticos, da Zumbi dos Palmares, visa a erradicação do racismo ambiental

12 Entrevista

Cesar Callegari, presidente do Conselho Nacional de Educação, fala sobre garantir a qualidade dos cursos EAD e das licenciaturas

18

CAPA – Tecnologia

Parlamentares e instituições de ensino superior estão às voltas com as formas de legislar e regulamentar a inteligência artificial. A passos lentos

IA

É preciso esforço institucional para que o tema da IA avance de maneira adequada nas IES, o que evidentemente não se resume à dicotomia permitido/proibido

28

PESQUISA

A pesquisa de ponta no Brasil, por norma, está relacionada a universidades públicas

Diversidade

Marco referencial traz orientações e ferramentas para fomentar a cultura de autorreflexão relacionada à equidade, diversidade e inclusão

38

Formação docente

Interdisciplinaridade e residência escolar são os pilares da formação na Faculdade Sesi de Educação

Internacional

Uma nova parceria entre o estado de Nova Jersey e a empresa de educação

ReUp trouxe de volta mais de 8.000 alunos adultos no primeiro ano

Uso de IA no ensino superior requer leis e capacitação

Aconsciência geral de que a inteligência artificial pode mudar de forma radical ações e rela -

ções sociais, sensação que se tornou exponencial após a Open AI trazer ao mercado o ChatGPT no final de 2022, fez acender o alerta. Como explica Rubem Barros na excelente matéria de capa, é preciso regulamentar os usos das ferramentas de IA, para identificar os perigos e os dilemas éticos de que podem ser portadoras e, sobretudo, responsabilizar desenvolvedores, instituições e cidadãos.

Que uso faremos dela? Os números da pesquisa junto ao Semesp não diferem tanto dos existentes nos Estados Unidos. “Lá, sete de cada dez estudantes usam ferramentas de IA para os estudos. Aqui como lá há uma grande demanda por parte de professores para que sejam ministrados cursos ou treinamentos com as ferramentas”, diz Marina Feferbaum, doutora em Direitos Humanos e coordenadora do Centro de Ensino e Pesquisas em Inovação da FGV.

A aliança entre Sthem Brasil, Semesp e Metared TIC Brasil discute e cria soluções para o desenvolvimento da IA no ensino superior, de modo a fortalecer a compreensão ética e contribuir com estudos.

A pesquisa de ponta no Brasil tem ampliado seus limites, comenta Luciana Alvarez em outra matéria especial desta edição. Ela revela que entre os 14 pesquisadores brasileiros mais citados no mundo, segundo o ranking da Clarivate, há dois médicos que conduzem as investigações em hospitais li-

Presidente do Semesp

gados a faculdades privadas e um economista que é professor de universidade particular. Conheça suas histórias, as áreas que despertam mais interesse no exterior e a importância de trabalhar em equipe. Isso mostra que a ciência brasileira de alto impacto não precisa ficar restrita ao sistema público.

E para falar sobre o desafio de formar bons professores, Sandra Seabra Moreira entrevistou Flávia Rodrigues Groto, 39 anos, formada professora pela Faculdade Sesi de Educação, na área de ciências humanas, em dezembro de 2024. É a primeira da família a conquistar a graduação e agora espera que os irmãos sigam o seu exemplo. O diretor da faculdade explica que o objetivo da instituição é “formar o profissional com competências mais gerais, que ele possa transitar nos diferentes conhecimentos da sua área e oferecer aos alunos aprendizagens conectadas e aprofundadas”.

A qualidade das licenciaturas também é tema presente na entrevista com Cesar Callegari, presidente do Conselho Nacional de Educação, que comenta as iniciativas do MEC nesse sentido. Ele também fala da expectativa em torno do novo marco regulatório do EAD e do papel do Brasil para fazer frente ao retrocesso em torno de questões ambientais e de diversidade.

Com tantas leituras interessantes e temas bem atuais, sei que vocês vão se envolver como eu nesta edição.

Um abraço

Lúcia Teixeira, presidente do Semesp

ensino

CONSELHO EDITORIAL

Dani Rodrigues

Glauson Mendes

Jaqueline Gomes de Jesus

José Vicente

Maurício Garcia

Priscila Simões

Rodrigo Capelato

Sônia Guimarães

Waleska Miguel Batista

PUBLISHER

Edimilson Cardial edimilson@editorasegmento.com.br

EDITORA

Sandra Seabra Moreira sandraseabra@rfmeditores.com.br

ANO 26 – Nº 290 – Janeiro_Fevereiro de 2025 www.revistaensinosuperior.com.br ISSN: 2238-5576

REPÓRTER E EDITOR DE REDES SOCIAIS

Gustavo Lima gustavo.lima@rfmeditores.com.br

COLABORARAM NESTA EDIÇÃO

Débora de Bem (edição de arte)

Rubem Barros e Luciana Alvarez (repórteres)

Maria Stella Valli (revisão)

COMUNICAÇÃO E EVENTOS

Gerente: Luciana Vertullo luciana@rfmeditores.com.br

MARKETING

Gerente: Sabrina Ramos sabrina@rfmeditores.com.br

RELACIONAMENTO COM O LEITOR

Karlita Pereira da Silva Whatsapp: 11 98878 8745 assine@revistaensinosuperior.com.br

A Ensino Superior é uma plataforma de comunicação voltada para mantenedores, diretores acadêmicos, coordenadores pedagógicos, professores e demais profissionais que atuam no setor. Distribuído nos mais diferentes meios (revista impressa, site, aplicativo e redes sociais), seu conteúdo é produzido e editado pela RFM Editores em parceria com o Semesp.

Esta publicação não se responsabiliza por ideias e conceitos emitidos em artigos ou matérias assinadas, que expressam apenas o pensamento dos autores, não representando necessariamente a opinião da direção do Semesp. A revista se reserva o direito, por motivos de espaço e clareza, de resumir cartas e artigos.

Diretoria SEMESP

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2º Vice-Presidente

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3º Vice-Presidente

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Pd. Mário Luiz Kosik

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Cecília B. Pires Tavares de Anderlini

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Marcos Vinicius Busoli Cascino

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Diretores de Segmento Faculdade

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Roberto Afonso Valério Neto

Membros Efetivos do Conselho Fiscal

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Joel Garcia de Oliveira

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Diretor executivo

Rodrigo Capelato

Rua Cipriano Barata, 2431 – Ipiranga – São Paulo – SP – CEP 04205-002 – Tel.: (11) 2069-4444 – Fax: (11) 2914-2190

e-mail: semesp@semesp.org.br – www.semesp.org.br

LANÇAMENTO

MAPA DO ENSINO

A Missão Técnica

Internacional de 2025 será na África do Sul. As inscrições já estão abertas.

SUPERIO NO BRASIL MISSÃO TÉCNICA

O lançamento do Mapa do Ensino Superior no Brasil, publicação anual do Instituto Semesp, acontece mais cedo em 2025, em um evento presencial na sede do Semesp com vagas limitadas.

JUNHO

ENCONTRO NACIONAL DA METARED TIC BRASIL

Um encontro voltado para destacar essa ferramenta estratégica poderosa que impacta temas importantes como promoção de cursos, comunicação e caz com públicos diversos, atração e retenção de alunos, construção de uma marca forte, etc.

As Missões Técnicas

Nacionais levam você para conhecer IES inovadoras pelo Brasil.

25/03

BELO HORIZONTE 24/04

PORTO ALEGRE 05/06

MARÍLIA 20/08

BARRETOS

Todo ano os GTs da Metared TIC BR realizam um encontro para discutir práticas inovadoras que facilitem e potencializem o processo de ensino e aprendizagem.

2ª CONFERÊNCIA DE MARKETING EDUCACIONAL

CALENDÁRIO EVENTOS 2025

CALENDÁRIO EVENTOS 2025

O Maior Fórum de Ensino Superior da América Latina chega em sua 27ª edição trazendo discussões inovadoras.

O Maior Fórum de

Ensino Superior da

América Latina chega em sua 27ª edição trazendo discussões inovadoras.

O CONIC-SEMESP tem como objetivo identi car talentos, estimular a produção de conteúdo cientí co além de viabilizar na prática os projetos apresentados pelos alunos, por meio do exercício da criatividade e de conhecimentos adquiridos.

O CONIC-SEMESP tem como objetivo identi car talentos, estimular a produção de conteúdo cientí co além de viabilizar na prática os projetos apresentados pelos alunos, por meio do exercício da criatividade e de conhecimentos adquiridos.

FNESP ENCONTRO REALCUP

O evento traz especialistas que discutem como a universidade pode manter sua relevância e cumprir sua função social em um cenário de rápidas transformações.

O evento traz especialistas que discutem como a universidade pode manter sua relevância e cumprir sua função social em um cenário de rápidas transformações.

Serão dois dias de discussões que contarão com a participação de entidades representativas de países latino-americanos e caribenhos.

Serão dois dias de discussões que contarão com a participação de entidades representativas de países latino-americanos e caribenhos.

25º CONIC-SEMESP 25 A 27 NOVEMBRO

Inovações acadêmicas

A Brigada Climáticos reúne dados relevantes e faz ações pontuais para enfrentar os extremos climáticos

Como a Zumbi dos

Palmares enfrenta a crise climática

por Gustavo Lima

Com a intensificação do debate sobre a crise ambiental, no último ano uma nova esfera foi inserida nas atividades promovidas pela Universidade Zumbi dos Palmares. Agora, a instituição localizada no bairro Ponte Pequena, na capital paulista, abriga o programa Climáticos. O lançamento da Brigada Climáticos foi oficializado no final de junho de 2024, em evento

acompanhado pela ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva. “Trata-se de um inventário do conjunto das informações sobre proteção, defesa e segurança do meio ambiente. Informações relevantes para que as pessoas possam se preparar para ocorrências dos efeitos dos extremos climáticos”, explica o reitor José Vicente.

“Outra ação importante da Climáticos é formar uma brigada nos espaços em que há recorrência dessas manifestações, como alagamentos, incêndios e calor sufocante. Voluntários serão qualificados e instrumentados para que, além de difundir informações de respeito ao ambiente, estejam preparados para pequenas intervenções que situações dessa natureza exigem”, acrescenta o reitor.

Gustavo Lima

Em suas duas décadas de atuação, a Zumbi dos Palmares se tornou referência na busca por justiça social dentro e fora do ensino superior. São diversas as ações promovidas pela IES desde a sua fundação. De um espaço dedicado à formação de trancistas ao primeiro posto temático do Programa de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado Paulista, o Procon racial, a Zumbi se destaca na inclusão e no acolhimento da população negra e de baixa renda.

Fundada em 2003, formou cerca de 5 mil estudantes. Os quatro cursos de bacharelado e licenciatura somados às três formações de tecnologia preparam profissionais para assumir posições destacadas em empresas, organizações públicas ou privadas, incentivando também o empreendedorismo e a inovação social. A universidade busca não apenas consolidar o acesso de negros ao ensino superior, mas também promover o desenvolvimento cultural, social, econômico e político desses grupos.

O reconhecimento da universidade ultrapassa o setor acadêmico. E no campus da instituição, as paredes também contam essa história. Quem percorre as escadas e corredores da Zumbi pode acompanhar recortes de notícias que circularam na imprensa, fotografias de visitas à IES e de encontros do reitor com personalidades ilustres, como a apresentadora Oprah Winfrey, a atriz Zezé Mota e o político norte-americano Jesse Jackson. Esse último atuou, inclusive, para expandir o número de títulos que compõem a biblioteca da universidade.

“Esperamos que o trabalho com a Climáticos se espalhe por outras regiões e com isso inicie um processo de mudança da mentalidade e do comportamento das pessoas. Em regra, temos uma postura de passividade ou de indiferença diante dessas manifestações. Queremos começar um processo de mudança, promover a compreensão de que é preciso se apropriar desses fundamentos, além de estarmos prontos. Porque diante de um fato concreto, seja pela velocidade ou volume

do impacto, nem o Estado e nem as demais estruturas da sociedade darão conta de atendê-lo naquele momento objetivo. A partir de agora, precisamos estar prontos”, declara o reitor.

Para atender a população, a Brigada Climáticos conta com equipamentos personalizados como carro, barco, jet-ski e uma tenda que possibilitará a organização dos voluntários que darão assistência à população. A equipe da brigada conta também com o voluntariado de bombeiros, enfermeiros e outros profissionais da saúde.

“Esperamos que o trabalho com a Climáticos se espalhe por outras regiões e com isso inicie um processo de mudança da mentalidade e do comportamento das pessoas” – JoséVicente
Lilian Ribeiro da Silva, gerente de projetos e desenvolvedora da Climáticos, é também estudante da IES
Gustavo Lima

Inovações acadêmicas

Além de ampliar a educação ambiental e minimizar os impactos dos extremos climáticos, o programa também visa a erradicação do racismo ambiental. Thayná Silva dos Santos, coordenadora da Climáticos, pontua que as pessoas que vivem nas regiões periféricas, em situação de extrema vulnerabilidade social e sem recursos, são as que mais sofrem com esses impactos.

“E se fizermos um recorte científico e social dessa população, em sua maioria são pessoas de peles pretas e pardas. O racismo é muito amplo e a erradicação do racismo ambiental só acontecerá com o processo de sensibilização da população. Com essa abertura, as pessoas poderão perceber o quão a camada é mais profunda, entender que a construção de casas ao lado de rios e de morros não é escolha, mas uma questão social e histórica.”

RESILIÊNCIA CLIMÁTICA

Thayná Silva dos Santos, coordenadora da Climáticos:“a erradicação do racismo ambiental só acontecerá com o processo de sensibilização da população”

Segundo Thayná, um dos objetivos do projeto é criar centros de resiliência climática nas comunidades. “Geralmente, cada comunidade

tem uma associação, entramos em contato para promover a qualificação de forma gratuita e, após essa qualificação, realizamos a doação de equipamentos.” O primeiro centro de resiliência climática foi inaugurado no dia 21 de dezembro de 2024, na comunidade da Água Branca, em São Paulo. A iniciativa é uma parceria com o Fórum SuperCidades e contará com a atuação da Brigada Climáticos no desenvolvimento de ações de capacitação e mobilização comunitária, fortalecendo a resiliência dos moradores.

Alocada no último andar do campus, a sala de monitoramento conta com painéis para rastrear ocorrências de incêndios e de outros extremos climáticos. A sala ainda dispõe de equipamentos como boias, coletes salva-vidas e uniformes. “Com o monitoramento, que dispõe de mais de 18 satélites, a nossa intenção é reflorestar espaços, diminuir deslizamentos e estocar carbono com cada um dos nossos projetos. Com esse crédito de carbono, futuramente nós poderemos financiar as periferias de São Paulo e diminuir a marginalização dessas pessoas, por exemplo”, explica Lilian Ribeiro da Silva, gerente de projetos e desenvolvedora.

Para atendimento psicológico, psicossocial e jurídico, a Climáticos também dispõe do projeto Acolhe – que conta com uma sala exclusiva dentro da instituição. De forma virtual, a população também pode acessar o chatbot gratuito do Acolhe no site. Os usuários poderão encontrar dicas de como enfrentar ondas de calor intenso, contatos de ajuda em situações de emergência, entre outras informações. “Muitas vezes não sabemos se devemos contatar a polícia ou o corpo de bombeiros, ou mesmo quando ligar. Ao apertar o botão de emergência, o usuário receberá todas essas orientações”, detalha Lilian.

Além da atuação na Climáticos, Lilian também é aluna da Zumbi. Em sua avaliação, é primordial que a academia tome iniciativas voltadas para o meio ambiente. “Deveria haver mais incentivo, até mesmo financeiro. Com esse

Gustavo Lima

projeto, conseguimos melhorar a vida das pessoas. Afinal, como lidar com enchente ou com desmoronamento? Como me ajudo ou como ajudo o outro? Vimos isso no Sul e relembramos também o racismo estrutural e ambiental naquela região. O Rio Grande do Sul é um dos estados com maior número de quilombos. Mas onde eles estão? Não vemos pessoas negras nas reportagens porque elas não foram mostradas. O lixo retirado foi transportado para a área em que estão os quilombolas, que sequer estão recebendo dinheiro para reconstruir as suas vidas. São invisíveis e o estado os deixa assim”, ressalta.

Carlos Beltrão, head de criatividade, estratégia e inovação da Zumbi, adianta que, em 2025, a pauta ambiental deve passar a integrar o currículo dos cursos ofertados pela instituição. “A Idade Média acabou quando surgiu a academia, que refinou a maneira como pensamos. Existe essa responsabilidade de iluminar o caminho. Pesquisa, estudo e extensão, tudo isso faz parte do escopo da academia. Não se trata apenas de formar, mas de formar pessoas que pensam, que vão pensar em novas soluções, testá-las e colocá-las no mercado.”

O profissional relembra o recente falecimento de um homem por mal súbito no Parque do Ibirapuera, na zona sul de São Paulo. O episódio foi marcado pela demora de 40 minutos até a chegada do resgate ao local. “Se em um lugar desse demora para chegar o resgate, imagine o tempo que leva para o socorro chegar a uma comunidade. O que pensamos enquanto universidade é ‘e se capacitarmos essas pessoas para realizarem o primeiro atendimento? Fará diferença?’ Acreditamos que sim. Essa é uma experimentação que vale a pena. Uma área de extensão da universidade para dentro da sociedade que diz ‘nós vamos interferir, sim’.”

PARCERIA INTERNACIONAL

Em outubro, a Climáticos esteve também em Luanda, capital de Angola. O reitor José Vicente

salienta que, assim como em São Paulo, a cidade conta com uma infraestrutura precária nas regiões periféricas.

“Entendemos que, devido às similitudes, Luanda seria um lugar propício para incluir a nossa intervenção. Fizemos uma abordagem de como as cidades inteligentes poderiam ajudar a produzir políticas públicas mais amplas e instalamos uma das brigadas climáticas, que ficará hospedada na Universidade Independente de Angola.”

*O repórter visitou os espaços dedicados à Brigada Climáticos a convite da universidade.

A Brigada Climáticos conta com equipamentos personalizados como carro, barco, jet-ski e uma tenda que possibilitará a organização dos voluntários que darão assistência à população
Gustavo Lima
Carlos Beltrão, head de criatividade, estratégia e inovação, defende que a iluminação de caminhos é responsabilidade da academia

Entrevista Cesar Callegari

Cesar Callegari, presidente do CNE, conta que uma comissão já constituída vai trabalhar no marco regulatório do EAD, no sentido de completar orientações e diretrizes

Pacto nacional para formar nova geração de professores

Sociólogo, ativista e consultor educacional, Cesar Callegari carrega notável bagagem no âmbito da educação brasileira. Eleito o novo presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) em novembro, passará a liderar o órgão pelo próximo biênio.

Além de presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada — IBSA, Cesar Callegari foi secretário de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC) e, entre 2013 e 2014, secretário de Educação do município de São Paulo, quando implantou a Reforma Educacional “Mais Educação São Paulo”.

Sua relação com o CNE é de longa data. Membro do conselho entre 2004 e 2018, presidiu a Comissão de Elaboração da Base Nacional Comum Curricular e a Câmara de Educação Básica por dois mandatos. Em agosto de 2024, voltou ao CNE após ser nomeado pelo presidente Lula como um dos oito novos conselheiros da Câmara de Educação Básica. Nesta entrevista, Callegari comenta as ações do MEC voltadas à melhoria da qualidade do EAD e das licenciaturas e enfatiza a necessidade de uma “pactuação nacional” para a formação de uma nova geração de professores.

Há grande expectativa em torno do novo marco regulatório para o EAD. A oferta e a qualidade do ensino a distância tomaram conta das discussões sobre o ensino superior em 2024. Qual a sua posição sobre a modalidade?

O EAD ocupa uma posição central no sistema de educação superior no Brasil e pode proporcionar aos estudantes experiências tão ricas quanto os cursos presenciais, desde que os presenciais sejam bons. Não adianta comparar egressos de cursos EAD com egressos de cursos presenciais de má qualidade.

O padrão de qualidade tem de ser elevado. Está aí uma realidade que precisa ser enfrentada e temos de tomar várias providências. O marco regulatório pode estabelecer uma série de dispositivos que garantam a qualidade da formação desse profissional formado no EAD. Mas é preciso o efetivo compromisso com a qualidade de ensino e aprendizagem. Todas as discussões de que tenho participado vão na direção de estabelecer condições efetivas para que a qualidade do ensino e aprendizagem seja alcançada. Estou muito otimista em relação a isso.

Nossa expectativa é que, em fevereiro, a Seres, Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior, apresente a proposta de marco regulatório. No CNE, já foi constituída uma comissão específica para cuidar desse assunto, inclusive com aqueles que já participaram ativamente de discussões anteriores.

Vamos trabalhar com base no marco regulatório a ser divulgado no sentido de completar orientações e diretrizes.

Outro grande tópico de discussão do setor são as licenciaturas. O MEC acabou de lançar o Mais Professores, objetivando atrair estudantes, a permanência deles nos cursos e a valorização da carreira docente. É o bastante para formar 300 mil professores para a próxima década? O que falta?

Essas medidas anunciadas são muito positivas. Elas representam uma demanda antiga do setor educacional, no sentido de valorização do magistério, mas a implementação dessas medidas precisa ser muito bem monitorada, para ajustes no processo. O MEC não é o único player do setor. As universidades e demais instituições de educação superior precisam estar comprometidas, além das escolas das redes pública e particular de ensino.

O Brasil, na minha visão, precisa construir uma nova geração de professores. Essa nova geração precisa passar por um modelo de formação com período integral, bolsas de permanência, um efetivo de integração com as escolas de educação básica e também com o setor produtivo, principalmente quando se trata de formação de professores ligados à formação técnico-profissional. Os estágios, outro grande problema, têm de ser

significativos, relevantes, que haja realmente uma formação docente com base na prática, naquilo que acontece efetivamente nas escolas.

Temos de fazer um reforço no Pibid [Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência], que já é coroado de êxito e precisa ser ampliado e reforçado. Nesse sistema de formação de uma nova geração, temos de ter avaliações no meio e no final dos cursos de licenciatura. Não podemos esperar que o desastre aconteça para reconhecer que algo tem de ser feito. Precisamos atuar durante o processo de formação desse estudante que vai se transformar num professor de educação básica.

O que falta? Não falta vontade política, mas ela não está em toda parte. Há setores no Brasil que têm interesse numa educação precarizada como estratégia de controle social e manutenção de privilégios. Isso precisa mudar. A maneira mais efetiva de mudar é construir uma educação de qualidade e isso só pode acontecer com a formação de uma nova geração de professores.

Através do apoio financeiro, o Pé-de-Meia

“O MEC não é o único player do setor. As universidades e demais instituições de educação superior precisam estar comprometidas, além das escolas das redes pública e particular de ensino”

busca fomentar o ingresso, a permanência e a conclusão de licenciaturas, mas o avanço efetivo também está ligado a fatores “pós-diploma”, como um salário digno e uma carreira atrativa. Como garanti-los?

A carreira docente tem de ser nacional, mesmo que ela seja organizada pelos estados, municípios e pelas escolas privadas. Nessa carreira nacional, é necessário prever uma remuneração para atrair os melhores e mais vocacionados. A carreira docente no país não é atraente, porque os salários são baixos, as condições de trabalho e de contratação são precárias.

Uma das medidas importantes tomadas recentemente [outubro de 2024] é o Concurso Nacional Unificado da Educação, que precisa ter a adesão dos sistemas de ensino, principalmente das redes municipais e estaduais. É muito importante para elevar a régua no processo seletivo para ingresso na carreira de professores. Temos de ter esse senso de urgência; só assim é possível construir um Brasil que seja efetivamente democrático, inclusivo, desenvolvido, socialmente justo.

Numa linha geral, o Brasil dispõe de meios para financiar essa grande operação estratégica. Sabemos que depende de condições, inclusive políticas, para que isso seja implementado. Há outras prioridades e um campo de disputa muito grande em relação a recursos públicos. Mas o Brasil tem uma estrutura que é gigante. Temos uma grande rede de educação básica, com 2.3 milhões de professores na educação básica. Eles precisam ser valorizados e reconhecidos. É com eles que nós contamos hoje; precisam de apoio e condições de trabalho e de salários. Temos muitas instituições públicas e privadas que são de boa qualidade e nelas temos excelentes profissionais formadores de professores. Também temos tecnologia para

isso. Desde os recursos tecnológicos mais tradicionais, como sistemas de produção e distribuição de livros e materiais didáticos, até as novas tecnologias de educação a distância estão ao nosso dispor e podem ser mobilizados. Repetindo: as medidas tomadas agora pelo governo federal são positivas. Elas contribuem inclusive para que possamos desenvolver um projeto mais estratégico nessa área.

No quinto eixo do decreto, focado na valorização docente, é atestado que o MEC poderá estabelecer parcerias interministeriais, com IES, bancos públicos e organizações da sociedade civil para o desenvolvimento de programas de valorização e de benefícios aos professores. Em sua avaliação, quais os caminhos para o desenvolvimento de bons programas?

Precisa haver uma pactuação nacional. Como eu disse, há muitos atores nesse processo. As escolas, os professores, diretores, secretários de educação, governos estaduais e municipais, os conselhos, as escolas privadas. Na minha visão, o MEC dá um passo de liderança para a construção dessa pactuação nacional e é ela que garantirá que tudo dê certo. Claro, também precisa haver um sistema de monitoramento para que essas interações e articulações sejam acompanhadas o tempo inteiro, para ver o que está dando certo e o que precisa ser aperfeiçoado.

Não basta um programa de governo; é preciso um compromisso estratégico que envolva todos os atores da sociedade brasileira.

O especialista Mozart Neves Ramos comentou a necessidade de preparar as escolas para que os professores sejam recebidos de forma adequada. Ele exemplificou dizendo que muitos jovens professores são enviados para atuar em áreas desafiadoras

e que desistem sem o preparo adequado. Você concorda com essa afirmação?

Concordo. Lembrando que as escolas de educação básica são dos estados, municípios e da iniciativa privada. Então, referindo-me à questão anterior, tem de haver essa pactuação que o MEC está buscando. Hoje, vemos que uma professora que acabou de se formar em pedagogia, por exemplo, e que traz déficits formativos severos, acaba sendo colocada em momentos que são absolutamente cruciais, como a alfabetização de crianças. Como garantir a alfabetização de crianças na idade certa se a professora tem déficits na própria formação?

Então, não são apenas áreas territoriais no Brasil que são difíceis para o exercício docente. São momentos estratégicos para a formação do estudante brasileiro, e me refiro aqui ao que considero o mais estratégico, que é garantir a alfabetização na idade certa como direito realizado. E, para que isso aconteça, os melhores profissionais têm de ser colocados nessa fase do desenvolvimento educacional.

“Educação de qualidade para poucos não é qualidade.Tem de ser necessariamente inclusiva”, afirma o presidente do CNE

Não podemos precarizar, improvisar e nem esperar que haja bons resultados na alfabetização de crianças no Brasil – um país em que mais da metade das crianças chegam ao terceiro ano sem que estejam alfabetizadas – se os profissionais que chegam para essa missão não estão devidamente qualificados para tanto. Isso tem de mudar. As escolas que vão receber os novos professores que ingressam em seus quadros devem apoiá-los e garantir que os melhores profissionais estejam nos momentos mais críticos da formação da criança e do jovem. No meu entender, sempre são momentos dos anos iniciais do ensino fundamental.

Qual seria o papel do CNE em relação à equidade de gênero e à equidade racial no ensino superior e na sociedade?

Temos sido diligentes no sentido de estabelecer nas diretrizes curriculares e demais orientações normativas que as questões de equidade racial e de gênero sejam sempre tratadas com a máxima importância. O Brasil, no campo da educação, deve ser um contraponto ao negacionismo e posições retrógradas que vão se avolumando pelo mundo. As propostas educacionais do governo Trump são absolutamente retrógradas e negacionistas em relação a tudo isso.

A nossa visão é que educação de qualidade para poucos não é qualidade. Tem de ser necessariamente inclusiva, levar em consideração as múltiplas realidades dos estudantes brasileiros, dos seus professores também. Essa inclusão deve ser em todas as dimensões, socioeconômica, racial, jovens e adultos com deficiências ou dificuldades maiores no sentido do seu desenvolvimento, enfim, equidade e inclusão são compromissos que temos mantido e reforçado.

Acabamos de publicar as novas diretrizes do ensino médio, estamos revendo outras

diretrizes para a educação básica e na revisão ou atualização das diretrizes curriculares para a educação superior esse tema é absolutamente central. Como eu disse, temos a responsabilidade do ponto de vista global de ser um contraponto ao negacionismo, ao atraso e aos processos excludentes que têm sido apresentados em alguns lugares do mundo.

O Brasil é a oitava economia do mundo. E não só. Tem riqueza cultural, capacidade de influência, não tão grande quanto outros países, mas tem a responsabilidade que precisa ser colocada nessas disputas. No campo da educação, não podemos recuar, não devemos nos acovardar ou silenciar diante dessas disputas.

Como o tema da sustentabilidade ambiental caminha no CNE? E quais as perspectivas para os próximos dois anos?

Essa questão ambiental e da emergência climática e todas as repercussões que isso tem em relação à vida das pessoas, dos animais, do planeta de maneira geral, como incumbência específica do CNE, devem estar presentes nas orientações curriculares e na organização do sistema educacional, o tempo todo.

Este ano teremos a COP30, que será um momento importante de visibilidade para o Brasil. Esse tema tem sido recorrente e vamos reforçar que deve ser tratado com cuidado e prioridade nas Câmaras da Educação Básica e do Ensino Superior. Da mesma maneira que falamos das questões de equidade de gênero e racial, o Brasil tem a responsabilidade de combater o negacionismo nessa área ambiental.

Neste ano, como resposta a uma reivindicação dos povos indígenas, o MEC lançou a consulta pública para a construção da primeira Universidade Indígena do Brasil. O

CNE terá uma participação ativa nesta demanda? O que essa população pode esperar do CNE?

Em relação à criação dessa universidade, considero uma ação muito positiva. O CNE tem tido uma atuação importante no que diz respeito à educação escolar indígena. Na minha primeira presença no CNE, criamos as diretrizes curriculares para a educação escolar indígena, inclusive com uma mudança radical nos dispositivos, que eram desde a época da ditadura e impunham a língua portuguesa como única na educação escolar indígena. Mudamos isso completamente; a primeira língua é a do povo, a língua portuguesa é a segunda.

Na Câmara da Educação Básica, temos trabalhado nas orientações curriculares em relação à educação escolar indígena. Na Câmara da Educação Superior, quando essa universidade for criada, mesmo que seja uma universidade e tenha seu nível de autonomia, é possível que sejamos demandados a contribuir. Está no nosso radar.

O CNE tem canais institucionais que possam transmitir as suas discussões para a sociedade?

Sempre fazemos audiências e consultas públicas, junto ao MEC, que tem instrumentos mais poderosos para essas articulações. Não temos um canal próprio. Temos consciência de que é preciso aperfeiçoar. A ideia é sempre mobilizar os meios, inclusive os à distância, para que possamos ser um canal de audiência das diferentes posições que existem na sociedade brasileira.

Qual a posição do CNE em relação à proibição do uso de celulares nas escolas?

É uma questão que afeta a educação básica, conforme a legislação que foi recentemente aprovada, e o CNE vai participar do

“Não podemos precarizar, improvisar e nem esperar que haja bons resultados na alfabetização de crianças no Brasil se os profissionais que chegam para essa missão não estão devidamente qualificados”

processo de regulamentação. Haverá dois estágios. No primeiro, a regulamentação que será feita pelo próprio MEC e, em paralelo, a produção de normas complementares que possam orientar os sistemas de ensino. A lei vem muito na linha de uma proibição ampla, geral e irrestrita, uma vedação. Mas há situações muito diferentes nas escolas, inclusive há muita diferença entre crianças que estão na educação infantil e estudantes de ensino médio, e isso tem de ser levado em consideração. Assim como todo o apoio e formação necessários para os profissionais, sejam os da gestão escolar, sejam os próprios professores, as famílias.

Tudo isso será objeto de orientações complementares, normativas, infralegais, que o CNE vai produzir, em diálogo com os sistemas de ensino – as redes públicas e particulares de ensino, conselhos municipais e estaduais de educação, secretários municipais e estaduais de educação. É a maneira como produzimos. É diretriz do CNE e a minha, particularmente, que essas produções normativas sejam sempre resultantes de diálogo intenso com os diferentes atores do sistema educacional brasileiro.

A TARTARUGA e a LEBRE

por Rubem Barros

Numa hipotética corrida entre a evolução tecnológica e a das leis de uma mesma sociedade é pouco provável que haja dúvida sobre qual das duas chegaria na frente. Até porque o impacto das tecnologias no convívio humano é motivador de sua regulação em termos legais. No entanto, esta afirmação que parece tão óbvia pode revelar um novo problema: a obsolescência das leis antes mesmo de sua aprovação.

Talvez isso já esteja até acontecendo. Mas a consciência geral de que a inteligência artificial pode mudar de forma radical ações e relações sociais, sensação que se tornou exponencial após a Open AI trazer ao mercado o ChatGPT no final de 2022, fez acender o alerta. É preciso regulamentar os usos das ferramentas de IA, para identificar os perigos e os dilemas éticos de que podem ser portadoras e, sobretudo, responsabilizar desenvolvedores, instituições e cidadãos sobre os usos que fizerem dela. Se possível, estabelecendo princípios mais gerais, e não regrinhas facilmente perecíveis.

No âmbito do Poder Legislativo, o Senado aprovou em 12 de dezembro de 2024 um substitutivo ao Projeto de Lei 2338/2023, de autoria do então presidente da casa, Rodrigo Pacheco (PSD), passando a questão para a análise da Câmara dos Deputados. Nas instituições de ensino superior privado, o ritmo de formulação de políticas e regulação institucional também é lento, por diversos motivos. Em alguns casos, por desconhecimento da tecnologia. Em outros, por deslumbramento com suas possibilidades, sem a devida reflexão sobre possíveis consequências.

No geral, como revela pesquisa realizada pela FGV Direito/SP e por seu Hub de Inovação Pedagógica, com apoio do Semesp e da Associação Ibero-americana de Faculdades e Escolas de Direito, as respostas institucionais são mais vagarosas que nos Estados Unidos. Em survey de 2024, realizado pela Hanover Research para a Inside Higher Ed, em que foram ouvidos 380 gestores de universidades e colleges americanos, 18% já publicaram políticas de governança para o uso de IA em atividades pedagógicas e pesquisas. No Brasil, das 56 IES ouvidas no levantamento, apenas 4,8% já formalizaram e apresentaram suas políticas. Enquanto aqui 50% dos entrevistados disseram que suas instituições estão desenvolvendo os seus termos de uso, entre as norte-americanas esse percentual foi de 59%. Lá, os representantes de instituições que não estão desenvolvendo políticas são 22%, contra 27,2% daqui.

Capa - Tecnologia

A TARTARUGA E A LEBRE

“Deve-se regular não a tecnologia, mas seus usos”, defende Marina Feferbaum, da FGV Direito

A institucionalização dessas políticas é de suma importância na área da educação, pois o substitutivo do senador Eduardo Gomes (PL-TO), assim como o projeto original, prevê a utilização da regulação por risco. Isso quer dizer que quanto maior a possibilidade de se afetarem ou infringirem direitos individuais ou coletivos (como à privacidade, por exemplo), maiores são as responsabilidades legais de quem ofertar ou utilizar as ferramentas de IA. No Brasil, foram definidos dois níveis, a IA de alto risco – em que se enquadram muitas questões ligadas à educação – e de risco excessivo, que torna o uso inviável. Assim como no caso da LGPD, a Lei Geral de Proteção de Dados, o Brasil está se baseando nas normas instituídas pela Comunidade Europeia. Lá, porém, utilizam-se quatro níveis de risco: inaceitável, elevado, limitado e mínimo.

CONSTRUÇÃO PERMANENTE

O levantamento feito pela FGV Direito identifica três grandes vertentes de utilização da IA no ensino superior: administrativa (câmeras de segurança, varredura das redes sociais para ações de marketing, análises de adimplência são exemplos); pedagógica (atividades de ensino ou para estudantes) e pesquisa e publicações (tratamento de texto por processamento natural de linguagem, análise de dados em grande escala etc.).

No Brasil, foram definidos dois níveis, a IA de alto risco – em que se enquadram muitas questões ligadas à educação – e de risco excessivo, que torna o uso inviável

Em apresentação feita ao Conselho Nacional de Educação em novembro último, juntando dados da pesquisa nacional com uma perspectiva internacional recolhida a partir da pesquisa da Hanover e outros estudos mundiais, ficou caracterizado que as iniciativas de uso da IA, em sua maioria, são individuais. Ou seja, professores, pesquisadores ou administradores utilizam ferramentas para otimizar sua produção. Até julho de 2023, apenas 30 das 500 principais instituições do ranking de Shangai já tinham documentos com suas premissas.

“Os números da pesquisa junto ao Semesp ainda são pequenos. Mas acreditamos que o perfil de uso é parecido com o dos Estados Unidos. Lá, sete de cada dez estudantes usam ferramentas de IA para os estudos. Aqui como lá há uma grande demanda por parte de professores para que sejam ministrados cursos ou treinamentos com as ferramentas. Temos o grande desafio de definir quais usos faremos e quem terá acesso a quê”, diz Marina Feferbaum, doutora em Direitos Humanos e coordenadora do

Arquivo
Ensino Superior

Centro de Ensino e Pesquisas em Inovação da FGV Direito.

Para a pesquisadora, os riscos inerentes ao uso da tecnologia são transversais, perpassando as instituições como um todo. “E como a tecnologia tem uma alta velocidade de mudança, os riscos de uso também podem se modificar rápido. Por esse motivo, o processo de regulação precisa ter um grau de abertura para regular não a tecnologia em si, mas seus usos, com a consciência de que a supervisão é sempre necessária.”

Agência e supervisão humanas compõem o conjunto de princípios que devem pautar a regulação, ao lado de responsabilização, clareza, transparência e mecanismos de governança, segundo o resumo dos principais pontos levantados pela FGV por meio da análise dos documentos internacionais.

A proposta inicial do Projeto de Lei para a IA já listava deveres institucionais para o controle dos riscos implicados. Entre eles, mencionava: avaliação de impacto algorítmico periódico; medidas de governança do sistema e transparência; controle em tempo real; supervisão humana, diversidade nas equipes.

Entre as questões éticas com consequências jurídicas, o trabalho da FGV aponta algumas de mais fácil identificação, como desinformação, plágio e invasão de dados pessoais e outros que deverão requerer filtros mais sofisticados. Entre eles, vieses e reprodução de discriminações, dependência tecnológica e conexão humana e desigualdade de uso e acesso. Esta última questão pode ter grande impacto no ensino superior para quem não tiver muita capacidade de investimento.

REAVALIAÇÃO CONSTANTE

Uma das instituições que já aprovaram normativas está a PUC do Paraná, cujas “Diretrizes para uso da Inteligência Artificial” vigoram desde o início do 2º semestre de 2024, contando com ampla divulgação interna. O documento

foi elaborado pelo Creare, o Centro de Ensino e Aprendizagem, vinculado à Pró-Reitoria de Desenvolvimento Educacional da instituição. Segundo Elisângela Ferreti Manffra, coordenadora do Centro, em 2023, após o surto inicial de uso do ChatGPT e o boom de IA generativa, foi criado um observatório, com dois núcleos distintos.

No plano interno, foi designado um Núcleo de Base, com cinco docentes de diferentes áreas e dedicação contínua. O segundo núcleo tem representantes de todas as escolas e também do Grupo Marista, do qual a PUCPR faz parte. Este segundo grupo se volta a eventuais decisões críticas que requeiram visão de toda a instituição. A cargo do Núcleo de Base ficou o documento inicial, submetido ao grupo estendido. Os participantes tomaram como base recomendações e análises da Unesco, do Departamento de Educação americano e das políticas do Grupo Marista.

Formulado com foco na educação, suas diretrizes atenderam a uma percepção interna. “A necessidade da política foi decorrência do mau uso que vinha sendo feito por alunos e professores, podendo expor dados pessoais ou de

“Não se pode colocar em risco o ineditismo de pesquisas ou dados das pessoas”, alerta Elisângela Ferreti Manffra, da PUCPR

A TARTARUGA E A LEBRE Capa - Tecnologia

pesquisa”, relata a professora Elisângela. “É uma recomendação de que não se deve colocar em risco o ineditismo de pesquisas ou dados das pessoas”, completa. Por isso, há foco na responsabilização, com recomendações para estudantes exercerem sua autonomia com segurança.

Antes dos alunos, porém, os professores precisam saber em que momentos a IA pode e deve ser usada. Isso demanda a criação de um senso crítico por parte dos docentes, que foram ouvidos por meio de uma enquete e de formações ao longo de 2024. Por sinal, um dos pedidos foi de que primeiro se trabalhasse com eles, o que, de certa forma, já é feito desde a pandemia, quando o Creare elaborou um rol de competências digitais docentes.Também houve uma enquete, posterior, com os alunos, e agora se discute se serão oferecidos cursos livres de extensão ou se haverá a criação de uma disciplina obrigatória.

Elisângela lembra que será preciso revisar as diretrizes anualmente, tanto em função de mudanças nas ferramentas tecnológicas como para saber se a primeira versão do documento foi assimilada.

Num plano mais amplo, ao refletir sobre algumas ameaças que a tecnologia oferece à sociedade, ela aponta três fatores de atenção. O primeiro é o que mais provoca debates: o perigo de usos invasivos da massa de informações disponível por

meio de governos ou grupos econômicos; o segundo é o de descolamento da realidade na medida em que há um outro mundo para além do digital que muitas vezes é esquecido. O terceiro está ligado a uma espécie de involução humana decorrente do excesso de atribuições às tecnologias: “Se formos delegando mais e mais coisas, vamos acabar reduzindo a nossa capacidade intelectual. Esse é o maior risco, a redução de nossa potência intelectual”, avalia a professora, que há 20 anos trabalha com pesquisas em biomecânica.

DOCENTES ALERTAS

Já no caso da paulista ESPM, a construção de suas normativas está ocorrendo por áreas. A primeira delas foi a administrativa, para a qual já há políticas e orientações de uso voltadas a todos os funcionários, que fizeram diversas oficinas. No caso do corpo docente da instituição, em média na faixa dos 35 aos 40 anos, há muita avidez por informação, segundo Danilo Torini, gerente de Tecnologias de Ensino e Aprendizagem. “Já fizemos várias conversas com os docentes, por meio do Núcleo de Inovação Pedagógica. Os professores estão inteirados do que são as ferramentas e buscam uma formação continuada, pois sabem que as tecnologias mudam muito”, relata. Torini lembra que a IA generativa tem impacto muito grande sobre as áreas de comunicação de modo geral, às quais estão voltados vários cursos da instituição. E que, além das bases textuais, já estão afetando também a produção audiovisual. Isso implica estar atento para o currículo dos cursos. “Não é se, mas quando as ferramentas vão afetar o mercado de trabalho.” Por isso, o Núcleo que gerencia tem trabalhado em algumas frentes, tais como metodologia para gestão da aprendizagem, relação entre objetivos e dinâmicas de aprendizagem, entre outras. O próximo passo é criar um manual de políticas e boas práticas para o uso da IA pelos estudantes. Há um comitê que trabalha ferramentas

Segundo Danilo Torini, da ESPM, os docentes estão ávidos por conhecer tudo sobre IA
Divulgação

generativas de ensino e aprendizagem. A avaliação institucional é que isso exige cuidado redobrado de infraestrutura e tecnologia, como monitoramento para impedir invasões e usos indevidos ou incomuns. “Sentimos necessidade de padronizar o uso para todos. Estamos buscando iniciativas já desenvolvidas em outros países”, diz Torini, indicando caminho similar ao da PUCPR e da FGV.

O trabalho com os alunos envolve a utilização de dados de questionários feitos com eles próprios sobre seu perfil de uso, muito voltado também para a avaliação da aprendizagem. E fazer com que eles possam sofisticar o uso dos recursos. “Muitos nativos digitais usam bem determinadas ferramentas, mas não têm um nível alto de proficiência digital. O objetivo é fazer com que entendam o potencial e os limites do uso da IA, inclusive o cruzamento de ferramentas”, revela.

No grupo Yduqs, que congrega instituições como Estácio e Ibmec, há uma grande aposta na IA como diferencial competitivo no ensino superior, como diz o vice-presidente Aroldo Alves. Ele enfatiza ganhos em eficiência, personalização e qualidade na experiência acadêmica. “A assistente digital ‘Tácia’, utilizada por 540 mil alunos, é uma solução importante na integração do ecossistema digital’, destaca.

No entanto, o grupo ainda não elaborou uma política de uso para a IA. Segundo Alves, são realizados treinamentos específicos, destinados aos diversos públicos da empresa, visando “a melhor utilização das ferramentas, eficiência, atualização e integração da IA em rotinas e processos”.

Para o vice-presidente, “a IA tem revolucionado a experiência acadêmica, com destaque para a geração automatizada de avaliações e conteúdos acadêmicos, além de análises curriculares para personalizar a jornada do aluno. Também está presente na correção de provas e oferta de feedback em questões dissertativas, facilitando o trabalho dos docentes e otimizando o tempo de retorno para os estudantes”.

Alto risco

O relator do substitutivo do PL 2338 suprimiu da lista de sistemas de alto risco os algoritmos de distribuição de conteúdo de redes sociais, o que ainda deverá provocar muita discussão. Entraram na classificação os seguintes itens, segundo a Agência Senado:

• veículos autônomos;

• controle de trânsito e gestão de abastecimento de água e eletricidade quando houver perigo para a integridade física das pessoas ou risco de interrupção dos serviços de forma ilícita ou abusiva;

• seleção de estudantes para acesso à educação e à progressão acadêmica;

• tomada de decisões sobre recrutamento, avaliação, promoção e demissão de trabalhadores;

• avaliação de critérios para aferir a elegibilidade a serviços e políticas públicas;

• investigação de fatos e aplicação da lei quando houver riscos às liberdades individuais, no âmbito da administração da Justiça;

• gestão de prioridade em serviços de emergência, como os de bombeiros e assistência médica;

• estudo analítico de crimes;

• diagnósticos médicos;

• controle de fronteiras;

• reconhecimento de emoções por identificação biométrica;

• análise de dados para prevenção da ocorrência de crimes.

Aroldo Alves, da Yduqs: treinamentos específicos para cada área

Divulgação

Inexistência

de regras nas IES sobrecarrega

o docente

Ouso da IA generativa na academia é um fato. Nada de inesperado, já que seu uso e abuso foram antecipados até mesmo pelos leigos no assunto. Passados dois anos do frisson inicial, torna-se cada vez mais evidente que as questões que cercam o

tema na universidade não se resolverão pelo docente sozinho. É preciso esforço institucional para que ele avance de maneira adequada, o que evidentemente não se resume à dicotomia permitido/proibido. Esse esforço será estratégico para a própria instituição.

É provável que muitos alunos já usem LLMs para auxiliá-los a percorrer o programa de ensino, inclusive na produção de texto. Já são relativamente frequentes os trabalhos com padrões textuais sugestivamente minutados por máquina, com uso de termos e expressões característicos dessas ferramentas, mas desprovidos de qualquer menção a esse respeito. A maior parte dos casos fica restrito a suspeitas levantadas pela intuição do docente, já que raramente lhe sobra

Incluir o docente no processo significa fornecer apoio para que ele se torne um agente nesse sentido. E, como ponto de partida, é preciso fornecer formação em metodologia de ensino e formação em IA

fôlego para uma investigação aprofundada. Afinal, caso confirmado o uso não declarado, resta o dilema do que fazer com o aluno, potencialmente agravado pela inexistência de regras e/ou mecanismos para lidar com o caso.

Isso, sem considerar a necessidade de triagem de todos os trabalhos pelos demais alunos. Ou seja, surge uma carga de trabalho adicional, quiçá demasiada, cujo enfrentamento pelo docente possa fazer pouco ou nenhum sentido diante da ausência de incentivos e mecanismos institucionais, inclusive para assuntos até mesmo mais comuns, como controle de frequência e prevenção de cola. Afinal, se a instituição não se preocupa, por que deve o docente fazê-lo? Eis a necessidade inicial de uma política institucional (ou, ao menos, de uma iniciativa institucional) sobre uso de IA generativa pela comunidade acadêmica.

O maior interessado em uma política do tipo é a própria instituição. Dito de outra maneira, mais economicista, é a instituição quem tem mais a perder com uma política de IA generativa ineficiente, inadequada ou inexistente. Afinal, com o amadurecimento do debate, as regras, mecanismos e órgãos para conformidade e controle da produção acadêmica assistida por máquina terão papel certificatório da qualidade

do trabalho, pelo menos no que se refere à contribuição humana na produção de conhecimento. Quando isso ocorrer, a qualidade e a confiabilidade do aparato de controle de uso de IA generativa afetarão a reputação da respectiva instituição.

Certamente, o docente deve participar da formulação do aparato de controle, já que é quem lida diretamente com a produção discente, seja em disciplinas, seja em orientações. Mas isso não significa atribuir a ele poder discricionário sobre o tema, a exemplo de algumas iniciativas, as quais, partindo de uma construção da política de baixo para cima, conferem ao docente, num primeiro momento, toda liberdade para estabelecer as regras que entender necessárias à sua disciplina.

Na ausência de medidas adicionais, essa etapa converge para uma mera chancela da direção em prol da manutenção do status quo, reafirmando as atribuições do docente nas suas atividades típicas. A aplicação de sanções que ultrapassem o escopo meramente disciplinar (i.e., notas, frequência e registro de ocorrências diversas), por exemplo, já dependeria de algum tipo de mecanismo institucional, ainda que genérico.

Incluir o docente no processo significa, antes de tudo, fornecer apoio para que ele se torne um agente nesse sentido. E, como ponto de partida, é preciso fornecer formação em metodologia de ensino e formação em IA. O docente deve ter

Pensar no uso acadêmico da IA pelos objetivos do ensino confere uma perspectiva ampla, já que questões pragmáticas das profissões são consideradas na formulação da política

clareza de suas escolhas metodológicas, de modo que seus métodos sejam adequados à consecução dos objetivos pedagógicos. Por exemplo, o uso de IA generativa em trabalhos disciplinares é: (i) obrigatório, (ii) recomendado, (iii) tolerado, (iv) desaconselhado ou (v) proibido? Qual o objetivo pedagógico dessa regra? A regra é adequada ao objetivo?

Pensar no uso acadêmico da IA pelos objetivos do ensino confere uma perspectiva ampla, já que questões pragmáticas das profissões são consideradas na formulação da política. A IA generativa, como ferramenta de automação, é, antes de tudo, uma ferramenta de produtividade na produção de conteúdo. Se bem utilizada, pode auxiliar na redação de trabalhos, inclusive de titulação, sem comprometer a natureza autoral da produção de conhecimento.

Por essa razão, há políticas que afastam a capacidade autoral do conteúdo gerado por máquina, não pela desnecessidade de indicação de sua geração ou pelo afastamento de eventual fraude acadêmica, mas pela responsabilização do usuário desse conteúdo da mesma maneira que um texto de autoria própria. Ou seja, não pode o usuário invocar em seu benefício o uso de conteúdo robótico por eventuais defeitos que contenha, sendo ele o garantidor da sua qualidade.

Caminhamos para a era da autoria e coautoria robótica na academia, tal qual já acontece com conteúdos digitais diversos. Para que isso seja produtivo para a academia e justo para sua comunidade, ela precisa ser regulada pelos seus agentes. Já há um número de iniciativas nesse sentido. É questão de tempo para que a comunidade fixe as normas que devem gerir a produção acadêmica. Quem não o fizer agora terá de fazê-lo em outro momento, atrás da concorrência e longe da excelência.

Marina Feferbaum Coordenadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP, onde também é professora dos programas de graduação e pós-graduação.

LANÇAMENTO ANTECIPADO

EM UM EVENTO PRESENCIAL

15ª Edição

A publicação do Instituto Semesp compila uma série de dados sobre o ensino superior brasileiro em 2023 (período mais recente disponível). São informações completas sobre o setor no âmbito nacional, das regiões e dos estados.

Nesta edição, o documento traz ainda um capítulo especial dedicado aos cursos relacionados ao Agronegócio.

ACESSE E INSCREVA-SE SEMESP.ORG.BR/EVENTOS

Realização:

13 de março

por Luciana Alvarez

Apesquisa de ponta no Brasil, por norma, está relacionada a universidades públicas. Contudo, entre os 14 pesquisadores brasileiros mais citados no mundo segundo o ranking da Clarivate, há dois médicos que conduzem suas investigações em hospitais ligados a faculdades privadas e um economista que é professor de universidade particular. São, é claro, uma exceção, mas uma exceção que mostra que a ciência brasileira de alto impacto não precisa ficar restrita ao sistema público.

Seus nomes apareceram na lista Highly Cited Researchers, um reconhecimento anual a pesquisadores influentes em 20 campos das ciências ao redor do mundo, destacando aqueles que demonstraram impacto “significativo e amplo em suas áreas”, de acordo com publicações e citações em periódicos indexados na plataforma Web of Science, como as tradicionais Nature e Science

Em 2024, a Clarivate incluiu na lista 6.636 indivíduos, o que representa o top 0,1% da ciência, ou 1 em cada 1.000 membros da comunidade científica global. A relação da empresa, que oferece serviços voltados à análise de pesquisas acadêmicas e científicas, é feita anualmente desde 2014.

O oncologista Carlos Henrique Barrios é o único latino-americano da área de pesquisa clínica que aparece no ranking. Ele é diretor no centro de pesquisas do Hospital São Lucas, ligado à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), trabalhando com testes para o desenvolvimento de novos medicamentos contra o câncer. “É bom que exista um exemplo, para que as pessoas acreditem que é factível. Mas nada disso eu fiz sozinho; não se faz pesquisa sozinho”, salienta o pesquisador. Barrios conta que em 1981 saiu do Brasil e ficou oito anos nos Estados Unidos para fazer especializações médicas – medicina interna, hematologia e oncologia. “Durante essa parte da minha formação, fui mordido pelo mosquito da pesquisa clínica. Quando voltei, queria trazer

para cá pesquisa nos moldes em que era feita nos EUA e Europa”, recorda.

Demorou seis anos, com muita disposição para conversar, negociar e agregar, para finalmente estruturar uma unidade de pesquisa no hospital da PUCRS. “Até aquele momento, não existia pesquisa clínica de forma organizada. Mas eu sabia que queria ser pesquisador e não me interessavam quantas barreiras enfrentaria, eu iria superá-las”, conta.

Carlos Henrique Barrios, diretor do Centro de Pesquisa do Hospital São Lucas, ligado à PUCRS:“não se faz pesquisa sozinho”
Divulgação

PESQUISA

Centro de Pesquisa do Hospital São Lucas: centenas de pesquisas com mais de mil voluntários e dezenas de equipes multidisciplinares

Desde a criação do centro, já foram executadas centenas de pesquisas, com mais de mil voluntários e dezenas de equipes multidisciplinares. Atualmente, o centro ocupa uma área de mil metros quadrados dentro do Hospital São Lucas, em Porto Alegre. E a pesquisa não é exclusivamente para tratamento de câncer. Durante a pandemia de Covid-19, foram feitos lá estudos da vacina Coronavac, por exemplo.

O médico defende que o tipo de investigação que faz – estudos clínicos – deveria ser mais propagado pelo país, pois traz vantagens para todos os envolvidos. “Essa menção da Clarivate demonstra que há um reconhecimento para o investigador. Mas a instituição também aumenta sua reputação. Os patrocinadores desenvolvem novas drogas e têm resultados comerciais. E sobretudo os pacientes, que são voluntários na pesquisa, se beneficiam porque ganham acesso a tratamentos novos, que não estariam disponíveis a eles de outra forma”, explica Barrios.

No braço do ensino, as vantagens também são incontestáveis. “É fundamental na formação; os estudantes podem ver como uma nova droga chega na farmácia, como se universaliza uma pesquisa, porque o que se faz aqui tem de seguir o mesmo protocolo do de Londres, Nova York ou Tóquio”, lembra.

Ainda que sejam vários os pontos positivos, os obstáculos também são muitos. Mas, para ele, são desafios que transcendem se a instituição é privada ou pública. Há desde preconceitos e desconhecimento por parte dos pacientes, até a falta de uma política robusta de apoio à ciência. “Nos últimos anos, temos visto um aumento expressivo de investigadores chineses na lista, porque existe um planejamento estratégico do governo.

A participação do Brasil dentro desse ranking é muito restrita, sem sinais de que vai mudar. Pela minha experiência, diria até que nossa participação se deve mais a um grande esforço individual do que a apoio institucional”, diz Barrios.

Os EUA lideram com o maior número de pesquisadores entre os mais citados (2.507), seguidos pela China (1.406), Reino Unido (563) e Alemanha (332). Apesar de ter apenas 14, o Brasil é o país com mais nomes da América Latina.

Outra barreira nacional é o direcionamento das verbas de pesquisa para mestrados e doutorados, defende o médico. “O acesso a qualquer recurso de apoio está, na maioria, dependente de um título de mestre ou doutor, coisa que eu, por exemplo, não tenho”, conta. Por fim, a desconexão entre academia e mercado – assim como o preconceito contra aceitar financiamento particular – é mais um entrave que precisa ser vencido para o Brasil ganhar destaque internacional.

Adriano Chimal da Silva, coordenador do centro de pesquisa do Hospital São Lucas, tem como sua missão principal ajudar na sustentabilidade da instituição, equilibrando as necessidades dos projetos e as finanças. “O centro de pesquisa é o hospital, não temos um CNPJ diferente. Muitos dos nossos projetos são patrocinados pela indústria ou têm parcerias, mas nós somos uma instituição sem fins lucrativos, então todos os recursos ficam para o hospital. O caixa é único”, explica.

Mas Chimal da Silva ressalta que o trabalho da pesquisa traz “lucros” para todos do hospital. “Por ser um centro de pesquisa, há um rigor muito grande, protocolos rígidos do início ao fim, controle excelente contra infecções. Isso qualifica a assistência que damos em todo o hospital”, afirma. Essa qualificação não é exclusiva para os médicos, mas para todos os profissionais da saúde – enfermeiros, farmacêuticas, nutricionistas, fisioterapeutas etc. – e estudantes da PUCRS que passam pelo São Lucas.

O reconhecimento da Clarivate é uma consequência de um trabalho feito com muita seriedade, acredita o coordenador, que também defende que há um potencial de influenciar positivamente a reputação do país como um todo. “Esse tipo de lista é uma peça-chave para que novas empresas olhem para o Brasil, vejam que somos capazes de realizar estudos complexos”, afirma.

PREPARANDO AS PRÓXIMAS GERAÇÕES

Por mais dificuldades que a produção científica enfrente no Brasil, Raul Dias dos Santos Filho garante que sua carreira como pesquisador tem sido sobretudo “recompensadora”. “Tive a sorte de encontrar instituições que me deram a possibilidade de crescer na pesquisa. Não sou um gênio, mas sou muito dedicado e tenho boa capacidade de colaboração”, afirma ele, que atualmente faz pesquisas junto a colegas das mais variadas geografias, como China e Emirados Árabes, além de EUA e Europa.

Assim como Barrios, ele é um médico que também se tornou professor e pesquisador. “Meu pai era professor universitário; eu sempre convivi e admirei a vida na universidade, a pesquisa”, conta ele. Sua área de especialidade é a cardiologia; estuda atualmente o controle do colesterol, algo que na lista da Clarivate entrou na categoria “cross field” (ou campo interdisciplinar), porque seus artigos acabam sendo muito

A sorte de encontrar instituições apoiadoras tornou “recompensadora” a carreira do pesquisador

Raul Dias dos Santos Filho, do Hospital Albert Einstein

O diretor de pesquisa do Einstein, Luiz Vicente Rizzo, afirma que a pesquisa é essencial para a instituição que almeja excelência

citados em endocrinologia e nutrição, assim como em cardiologia.

Desde 2003, Santos trabalha como pesquisador no Hospital Albert Einstein; também é professor do curso de medicina na Universidade de São Paulo. Para ele, parte do destaque que recebeu deve-se ao fato de atuar numa área que interessa ao mundo inteiro. “Estudo a prevenção da doença cardiovascular, que é uma doença multifatorial e a mais frequente do mundo”, explica. O médico lembra que o Brasil pode ter outros pesquisadores de excelência, mas com focos mais locais, que não os levem a ser tão citados internacionalmente. “Todos os rankings têm suas limitações. Não sou melhor que outros que não estão na lista”, ressalta.

Seu grande desafio neste momento é ajudar a formar novos pesquisadores, identificando e atraindo jovens talentos para a área. “Estou ficando velho, já recebi todos os reconhecimentos que poderia esperar. O que quero agora no Einstein é motivar as novas gerações para seguir na área científica, trazer quem está se formando para trabalhar comigo – não só de medicina, mas também de outras áreas. Busco incentivar essa turma a publicar, crescer e brilhar”, diz.

Para o diretor de pesquisa do hospital, Luiz Vicente Rizzo, o investimento em pesquisa é essencial para qualquer instituição que almeja a excelência. “O Einstein tem 1% da receita líquida destinada para pesquisa. É algo que a gente não corta em momentos de dificuldade, assim como não corta os materiais de segurança hospitalar. E não passa pela cabeça de ninguém que a gente possa existir sem fazer pesquisa”, garante ele.

Mais do que ganhar reputação externa, a dedicação à pesquisa cria uma cultura de trabalho positiva para a instituição. “Pesquisar cria um ambiente de insatisfação com o status quo. O pesquisador olha para a realidade como ela se apresenta e se questiona, pensa que talvez o que se faz no momento não seja o melhor jeito, procura sempre onde pode melhorar. Reproduzir o que os

outros fazem pode até te fazer bem, mas continuar procurando traz a excelência”, explica Rizzo. Para ele, esse tipo de inquietude propositiva acaba se alastrando para todos os profissionais, assim como para quem está em formação.

Portanto, por mais que os prêmios e reconhecimentos externos tragam satisfação, não é esse o foco do seu trabalho como líder de pesquisa. Como exemplo, citou o médico César Gomes Victora, pioneiro mundial em defesa do aleitamento materno exclusivo. “Ele trabalha com amamentação há 40 anos, mesmo quando isso era uma piada”, afirmou. Atualmente, Victora tem posições honorárias nas universidades de Harvard, Oxford e Johns Hopkins, além de ter entrado na lista da Clarivate (ligado à Universidade Federal de Pelotas, RS). “O valor mais importante é o da busca contínua pela verdade. É um trabalho diário, que independe de reconhecimento”, afirma Rizzo.

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15 MISSÃO TÉCNICA ª

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Diversidade

Marco referencial apoia IES para avançar as carreiras das mulheres

Com o objetivo de apoiar as IES brasileiras na tarefa de diminuir as barreiras que as mulheres enfrentam no mundo acadêmico, o Consulado Britânico publicou o Marco referencial para a igualdade de gênero em Instituições do Ensino Superior. A iniciativa insere-se no Programa Mulheres na Ciência, criado para aproximar instituições do Brasil e Reino Unido na realização desse objetivo.

A publicação foi inspirada no Athena Swan Charter, um framework criado na Inglaterra há vinte anos, atualmente referência no mundo, que incentiva o avanço das mulheres nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia, matemática e medicina (STEMM). No Brasil, foi elaborado após workshops com IES brasileiras e britânicas participantes do edital Women in Science: UK-Brazil Gender Equality Partnerships. A versão local tem o foco no enfrentamento

das desigualdades de gênero e raça, sobretudo a sub-representação que mulheres negras, indígenas, quilombolas, entre outras, enfrentam em STEMM.

De maneira mais ampla, a utilização de orientações e ferramentas contidas no marco referencial pode fomentar a cultura de autorreflexão relacionada à equidade, diversidade e inclusão, com base em evidências, por meio da coleta e análise de dados quantitativos e qualitativos. A tarefa não é fácil, mas necessária.

A desigualdade de gênero é um desafio no mundo todo. O relatório Progresso nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: O Panorama de Gênero 2024, divulgado em setembro de 2024 pela ONU Mulheres e o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas, aponta avanços, porém, evidencia que nenhum dos indicadores e subindicadores do ODS 5, relativo à igualdade de gênero, foi alcançado até agora.

Entre os avanços, o fato de as mulheres já conseguirem ocupar cadeiras nos parlamentos numa proporção de uma mulher para quatro cadeiras. Outro dado, o de que o número de meninas e mulheres vivendo em extrema pobreza decresceu 10% na última década. Entretanto, os mesmos dados apontam o vagar com que a sociedade avança: a paridade de gênero nos parlamentos talvez não seja alcançada sequer na segunda metade deste século – a ONU menciona a impossibilidade até 2063. E meninas e mulheres poderão todas sair da pobreza em absurdos 137 anos.

COMPROMETIMENTO

O marco referencial é um apoio para a construção de uma política, um programa para a igualdade de gênero. A implementação, entretanto, tem muitos desafios. “Um dos primeiros requisitos para implementação, seja uma política de igualdade de gênero, seja política antiassédio – que faz parte da política de igualdade de

gênero – é ter apoio institucional da alta liderança. Não é só um ‘ok’, tem de ser uma liderança alinhada e ativa, que tem agência para implementar. Não precisa de fato implementar a política, mas tem de estar pronta para as mudanças que vão acontecer”, explica Roberta Gregoli, consultora internacional em gênero, inclusão social e direitos humanos.

Doutora pela Universidade de Oxford, mestre pelo programa Erasmus Mundus Crossways in Humanities da União Europeia e graduada pela Unicamp, Roberta trabalhou por dez anos em Brasília, atuando em diversas esferas do governo, como no Observatório da Mulher contra a Violência do Senado Federal e na coordenação da Rede de enfrentamento à violência contra as mulheres do governo do Distrito Federal. Foi consultora em órgãos internacionais como a ONU Mulheres, é uma das especialistas, junto à Cuidemos Consultoria e Treinamento, pela elaboração final deste marco referencial do Consulado Britânico.

Roberta alerta para as “políticas de vitrine”, em que instituições aderem a programas em função das demandas sociais ou porque “está na moda”. “Por exemplo, tem de ter uma política antiassédio, mas a instituição está preparada para implementar?” Sempre haverá resistência

Roberta Gregoli, consultora internacional em gênero, inclusão social e direitos humanos, alerta para as “políticas de vitrine”

Arquivo pessoal

Diversidade

e mudar a cultura é um processo demorado. Especificamente, as políticas antiassédio envolvem questões muito delicadas, como exoneração ou demissão de pessoas, além de desgaste institucional. Eu até brinco que se estou trabalhando numa instituição e enfrento resistências é porque estou fazendo as perguntas certas.”

Apesar da complexidade, políticas antiassédio podem contribuir para a redução da violência contra a mulher. O último anuário da ONU Mulheres aponta que 51 mil mulheres foram mortas por seus parceiros ou membros da família em 2023. “Na Islândia, que é o país mais avançado em termos de igualdade de gênero, as mulheres ainda são mortas por serem mulheres.”

DIFERENÇA SALARIAL

Roberta lembra que no Brasil há índices bons de acesso das mulheres à universidade e à educação em geral, entretanto, há um gap considerável no índice de desigualdade salarial. As mulheres brasileiras são maioria entre os mestres (56,8%) e doutores (55,6%), mas recebem 16,4% a menos, de acordo com a pesquisa “Brasil: Mestres e Doutores”, de 2024, divulgada pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), do Ministério da Ciência e Tecnologia.

“A grande questão é esta: as mulheres, no Brasil, são mais escolarizadas que os homens, têm mais anos de educação, conforme o IBGE, mas essa escolarização a mais não se reverte em remuneração igualitária.”

O CANO QUE VAZA

Para além de marcos regulatórios, são necessárias políticas públicas que deem conta dessas desigualdades, inclusive as específicas para o ensino superior. As barreiras são muitas. Em 2024, o CNPq alterou as regras para avaliação de projetos submetidos a bolsas em editais de pesquisa, concedendo o prazo de dois anos para cada

parto ou adoção. Isso ocorreu após uma pesquisadora denunciar, em redes sociais, que foi reprovada em edital para bolsa produtividade com a observação de que “as gestações atrapalham”. À época, o CNPq admitiu o erro.

Uma pesquisa britânica, conta Roberta, detectou outros problemas. “Na Inglaterra, por exemplo, o trabalho administrativo recai mais sobre os acadêmicos e acadêmicas. E as mulheres acabam absorvendo mais trabalho administrativo nos departamentos. Elaborar minuta de reunião e outras tarefas administrativas não se convertem em progressão de carreira, nem em mais financiamento, nem em ganhos remunerados. Elas ficam com menos tempo para a produção acadêmica, o que de fato dará mais status e remuneração.”

O resultado de tantas dificuldades, que também se impõem a estudantes e pesquisadores negros – e com mais intensidade em direção às mulheres negras –, pode ser entendido por meio de um conceito: o cano que vaza. “Há índices muito parecidos de mulheres e homens na posição de entrada, ou seja, na graduação quando se observa o ensino superior ou nos cargos mais baixos, em empresas. Daí há uma inversão, o ‘efeito tesoura’, e no final, nos cargos de liderança, a maioria é homem.” O cano estava cheio de mulheres e no percurso elas “vazam”.

Saber onde estão os furos na universidade é importante pergunta que cada IES pode tentar responder para si mesma. “Já há um mapeamento. Normalmente é o primeiro filho ou na mudança do mestrado para o doutorado. Os pontos de fuga já estão mapeados e identificados”, finaliza Roberta. Resta vencer as resistências.

Saiba +

Marco referencial para a igualdade de gênero em Instituições de Ensino Superior. https://www.britishcouncil.org.br/sites/ default/files/marco_referencial_para_a_ igualdade_de_genero_em_instituicoes_ de_ensino_superior_no_brasil_pt.pdf

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SUA CARREIRA EM 2 MINUTOS

Caminho aberto

Flávia Rodrigues Groto, 39 anos, formou-se em dezembro de 2024 como professora na área das ciências humanas na Faculdade Sesi de Educação. É a primeira da família a conquistar a graduação. E não quer ser a única. Pensando em Evelyn, Cibele e Isaque, seus irmãos mais novos, ela afirma “só cheguei aqui para eles saberem que o caminho está aberto”.

Os preparativos para a cerimônia de formatura se estenderam à família, inclusive às sobrinhas. Todos já estiveram antes na faculdade para assistir à apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso, o TCC, de Flávia.

por Sandra Seabra Moreira
Faculdade Sesi de Educação, inovação com a formação de professores por área de conhecimento

Moradora do Jardim Conceição, em Osasco, região metropolitana de São Paulo, Flávia conseguiu terminar o ensino médio em 2005. Empregou-se no comércio local e dedicou-se a atividades sociais, culturais e políticas em seu bairro, conhecido como um dos mais violentos da região. Juntou-se a grupos de jovens, pedindo por paz e justiça e, em momentos mais críticos, teve o apoio da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio.

Para se instrumentalizar, em 2016 estudou serviços públicos em curso técnico da Etec Cepam, na USP. Em 2020, com a nota do Enem, conquistou uma das vagas remanescentes da Faculdade Sesi de Educação. No processo, passou por entrevista junto a seis concorrentes “Eles eram mais jovens e mais articulados, e eu nem sabia o que era podcast.” Ao ser questionada sobre atividades culturais que frequenta, Flávia citou o Sarau dos Militantes, evento que ela mesma ajuda a organizar na sua comunidade. Um escritor que admira, o poeta Sérgio Vaz.

“Flávia, por que você quer ser professora?”, perguntou a profissional que coordenava a entrevista. “A minha disputa é diferente da desses jovens. Eles querem, eu não posso querer, tenho

a necessidade de ser professora, tenho a minha comunidade, acredito demais nela e quero poder fazer alguma coisa antes de estar no próximo velório.” Ela se referia à escalada de violência que já ceifou a vida de muitos jovens, seus amigos.

A INTERDISCIPLINARIDADE

A Faculdade Sesi de Educação foi criada para dar conta do imenso desafio de formar professores, sobretudo para sua rede, com 142 escolas no estado de São Paulo. “A faculdade foi concebida para ser um espaço de formação dos professores por área de conhecimento. A autorização saiu em 2015. Foram três anos de estudos intensos antes de lançar a proposta para o MEC. Tivemos até uma certa dificuldade de autorização, porque na época era um curso muito inovador”, conta Luis Paulo Martins, gerente de ensino superior do Sesi e diretor da faculdade.

No início, a faculdade ofereceu cursos de especialização docente, um deles em parceria com a Universidade Stanford, e outro para o ensino da matemática dos anos iniciais. Em 2017, aconteceu o primeiro vestibular. Já são quatro turmas formadas em cada curso. Até o ano passado, a taxa de empregabilidade direta nas escolas do Sesi era de 85%. Além da formação por áreas de conhecimento, a interdisciplinaridade e o foco na prática, com residências que acontecem ainda no primeiro ano, marcam a inovação mencionada pelo diretor.

Não há, por exemplo, uma licenciatura em história, mas em ciências humanas, em que o professor se habilita a ministrar aulas de história, geografia, filosofia e sociologia, inclusive no ensino médio. Os outros cursos são ciências da natureza – física, química e biologia –, linguagem – português, inglês e artes– , matemática e educação física. A carga horária é de 4.300 horas/aula, portanto, maior do que as cerca de 3.200 dos cursos tradicionais.

“Trabalhar de maneira interdisciplinar potencializa a formação dos professores”, afirma o

Luis Paulo Martins, diretor da Faculdade Sesi de Educação, “trabalhar de maneira interdisciplinar potencializa a formação dos professores”
Divulgação

EAD

FORMAÇÃO DOCENTE

Flávia Rodrigues

Groto, recém-formada, “a residência me fez professora”

diretor. “O objetivo é formar o profissional com competências mais gerais, que ele possa transitar nos diferentes conhecimentos da sua área e oferecer aos alunos aprendizagens conectadas e aprofundadas.”

Martins menciona o conceito de transferibilidade, “uma das competências mais complexas”, a capacidade de transferir o que se aprende a outros contextos. Para isso, o aluno aprende de maneira aprofundada determinado assunto e, em seguida, conecta os conhecimentos adquiridos.

“Em história, é impossível trabalhar todas as guerras e todas as revoltas que aconteceram na

“Tenho a necessidade de ser professora, tenho a minha comunidade, acredito demais nela e quero poder fazer alguma coisa antes de estar no próximo velório” – Flávia Rodrigues Groto

humanidade. Mas é possível entender o fenômeno do conflito. A Guerra do Paraguai, por exemplo, o que a gerou, como os eventos aconteceram, quais os impactos na geopolítica, as pressões econômicas e políticas, os grupos políticos que se formam para a guerra e depois dela, são aspectos que existem em qualquer conflito”, explica Martins. “O que defendemos é que o aluno entenda isso com profundidade e que seja capaz de transferir para outras circunstâncias e lugares.”

A PRÁTICA

A residência educacional é outro pilar da formação na Faculdade Sesi de Educação. A princípio eram 20 horas por semana, desde o primeiro período. Atualmente, são 10 horas semanais e mais duas horas de orientação. “Fizemos adaptações ao longo do tempo. Já tivemos várias formulações para chegar a um modelo que atendesse todas as demandas “, conta Martins. As 20 horas causavam estresse e cansaço, além disso, o fato de o curso ser gratuito atrai muitos alunos pobres, trabalhadores e de locais distantes. “Mas não abrimos mão desse momento de vivência e reflexão na prática da escola.”

Para Flávia, a convicção na carreira docente aconteceu na primeira aula que ministrou, supervisionada. Era uma aula de transmissão de conceitos. “Consegui! Saí chorando. Quando a teoria chega na prática, e o aluno olha para você e diz ‘eu adorei sua aula, eu entendi tudo’, você tem certeza que este é o seu caminho. A residência me fez professora.”

Outra adaptação em relação à residência, já colocada em ação, é a preparação intensiva dos alunos no primeiro período antes de pisarem na sala de aula. A imaturidade de alguns jovens demanda, inclusive, que eles sejam acompanhados por professores da faculdade no início da residência. Nas escolas do Sesi que os recebem, outro professor é designado para acompanhá-los e, como responsável pelos residentes,

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obtém uma bolsa de R$1.100,00 e gratuidade ou descontos nos cursos de especialização oferecidos pela faculdade.

NENHUM A MENOS

Até 2019, havia 40 vagas por curso preenchidas.Veio a pandemia, “o interesse diminuiu, não conseguimos voltar aos números anteriores. E a crise na escola começou a ficar muito evidente”.

Assim que ingressou, Flávia enfrentou as aulas remotas sem computador próprio e sem habilidades com a tecnologia. Ao mesmo tempo, a crise sanitária exigiu mobilização. “Comecei a ligar para amigos, pedindo feijão, arroz, fui montando cestas básicas, doamos mais de 500 delas. E fui também para a faculdade ajudar a fazer comida para Paraisópolis.”

Em 2021, desistiu da faculdade. Uma professora, Fernanda Subires, foi persistente. “Me ligava todo dia. Eu pensava: qual o problema dessa professora? E ela começou a me ajudar a entregar roupas, cobertores, comprar cesta básica e me dizia ‘você tem de voltar’.” Em 2022, a professora ligou para Flávia no dia da abertura das inscrições. “Quando eu não acreditei em mim, ela acreditou.”

No pós-pandemia, a redução das horas de residência foi uma das medidas para conter a evasão. Outra medida, a partir de 2023, foi a concessão de bolsas no valor do salário mínimo para alunos de famílias pobres. “Começamos com a bolsa em fevereiro de 2023; ainda havia alunos da época da pandemia e, entre eles, muitos evadiram, mesmo com a bolsa”, conta Martins. Essa evasão oscilou entre 40% e 50%. Em 2024, no primeiro semestre, já baixou para 20%.

As bolsas são destinadas a todos os alunos que atendam ao critério de até um salário mínimo per capita na família. “Não fazemos ranking”, conta Martins. Em 2024, 52% dos alunos, algo em torno de 200, receberam a bolsa.

Ainda relacionado à evasão está o problema da escolha errada de carreira. Há alunos que desistem quando começam a residência. “É bom que saiam no início”, diz Martins. Entre as mudanças feitas recentemente no processo de ingresso está a entrevista individual com dois professores, além da coletiva. A faculdade conta ainda com um núcleo de apoio psicossocial. “Temos uma psicóloga 40 horas à disposição dos alunos para equilibrar o lado emocional, o cansaço e o estresse.” Além disso, detalha Martins, o autoconhecimento é tão importante quanto o

O aluno aprende de maneira aprofundada e conecta o conteúdo a outros conhecimentos e situações

“O objetivo é formar o profissional com competências mais gerais, que ele possa transitar nos diferentes conhecimentos da sua área e oferecer aos seus alunos aprendizagens conectadas e aprofundadas”
– Luis Paulo Martins

conhecimento teórico, pedagógico, “para ganhar segurança”.

Em 2025, 2.700 pessoas se inscreveram para o vestibular, mas apenas 800 compareceram à prova para o preenchimento das 200 vagas disponíveis. “Ou seja, aparentemente, mesmo tendo uma intenção, nem todos concretizam. Há aqueles que naturalmente são reprovados. Então, abrimos o processo seletivo para as vagas remanescentes, fazendo campanha para trazer alunos.”

A faixa etária dos alunos vai de 18 a 60 anos. No vestibular para 2025, 20% dos inscritos têm mais de 40, “não são a maioria, mas chamam a atenção”. São pessoas que já fizeram alguma licenciatura, mas voltam porque a formação é interdisciplinar e pode ampliar a capacidade profissional. Há pessoas em transição de carreira, que veem uma oportunidade não apenas de cursar o ensino superior, mas também de ter um emprego no Sesi. “Inclusive mães que já criaram seus filhos”, pontua Martins. Atualmente, 45% dos alunos são brancos, 34,5% são pardos e 17% são pretos.

A DECOLONIALIDADE

Para o diretor, a tranquilidade que a bolsa permite também favorece a participação dos alunos em grupos de estudo e atividades de extensão. “Nosso curso é noturno, mas na faculdade temos quase a mesma quantidade de alunos à tarde e à noite, todos os dias. Eles também vão à tarde para orientação de TCC ou da residência.” É nesse contexto que Flávia “mergulhou na faculdade”. A gratuidade, o estágio remunerado no Sesi Osasco para acompanhar uma criança com Transtorno de Espectro Autista (TEA) e a bolsa foram fatores decisivos para o sucesso e para que ela exercesse sua liderança. É representante na CPA – Comissão Própria de Avaliação – e membro do Colegiado. É também cofundadora do grupo de estudo Amefricanidades: pensamento negro no Brasil.

OTCC abordou a importância da decolonialidade no enfrentamento ao racismo na sala de aula. Flávia explica que não é sobre “apagamento europeu”, mas sobre a necessidade da decolonialidade. “Se toda vez eu trouxer para o aluno um negro nesse lugar subalterno, subserviente, de inferioridade, e não contar a formação e a intelectualidade das pessoas negras, como as crianças e adolescentes negros vão se espelhar, se ver?”, questiona.

Para Flávia, é preciso apresentar livros de Conceição Evaristo para os jovens, abordar o Egito como pertencente ao continente africano e trazer a América Latina em toda a sua beleza e riqueza. “É necessário falar da violência, mas também ensinar quem foi Luiz Gama, e, por exemplo, sobre a Revolta dos Malês – será que não foi uma revolução? Uma das reivindicações dos Malês era a educação para a criança negra e isso foi apagado na história, ninguém sabe.”

Flávia vai seguir carreira. Já realizou entrevistas em três escolas do Sesi e prestou concurso para ingressar na rede pública. Aos sábados, é professora voluntária no Emancipa, uma rede nacional de educação popular. Lá, prepara jovens e adultos para prestar o vestibular.

Desafios para retornar à faculdade

No verão de 2018, fazia mais de 30 anos que Maronda Mims havia iniciado sua jornada universitária. Ela recebeu créditos da Universidade Estadual da Carolina do Norte e de três faculdades comunitárias diferentes em Nova York e Nova Jersey. Finalmente, aos 50 anos, faltavam três semestres para ela se formar em ciências ambientais na Universidade Rutgers. Então, sua mãe foi diagnosticada com câncer, e Mims largou tudo para cuidar dela.

Sua mãe acabou entrando em remissão e Mims voltou a trabalhar. Antes que ela pudesse sequer pensar em voltar para a faculdade, a pandemia chegou.

por Olivia Sanchez , do The Hechinger Report

No ano passado se candidatou para voltar à Rutgers e foi aceita, mas impedida de se matricular. Ela acabou descobrindo que sua conta estava bloqueada por causa de uma fatura de US$ 2.000 não paga. Sem condições de quitá-la, desistiu. “Eu apenas orei. Se isso for para mim, por favor, Deus, permita que aconteça.”

Em seguida, recebeu uma ligação de um número desconhecido. Presumindo que fosse spam, ignorou a ligação. Mas a pessoa que ligou deixou uma mensagem de voz perguntando se ela queria voltar para a faculdade e oferecendo ajuda. Quando ligaram novamente, atendeu.

A pessoa que ligou era de uma empresa de educação chamada ReUp Education que, por meio de uma parceria com o estado de Nova Jersey, oferece orientação individual a adultos que abandonaram a faculdade sem se formar.

Desde o início da parceria, em março de 2023, pelo menos 8.600 adultos assistidos pelo ReUp se matricularam novamente na faculdade e 350 se formaram, de acordo com o Gabinete do Secretário de Ensino Superior do estado. Estima-se que 750.000 residentes de Nova Jersey tenham alguns créditos, mas não obtiveram um diploma, de acordo com esse escritório.

Em nível nacional, havia 36,8 milhões de adultos como Mims – com menos de 65 anos, com alguma formação universitária, mas sem diploma – em julho de 2022, um aumento de 2,9% ou pouco mais de 1 milhão de pessoas em relação ao ano anterior, de acordo com os dados mais recentes do National Student Clearinghouse Research Center. Os dados do Censo mostram que cerca de 26% dos americanos têm apenas o diploma do ensino médio, 36% têm um diploma de bacharel ou superior e 10% não concluíram o ensino médio. Os adultos com alguma faculdade representam cerca de 28% da população americana.

Os motivos pelos quais não terminaram são muitos: estão trabalhando em tempo integral; cuidam de crianças, pais idosos ou outros membros da família; não conseguem lidar com o trabalho burocrático necessário para se inscrever novamente etc. “Eles seguiram em frente com suas vidas, organizaram-nas e as preencheram com todo tipo de coisas”, disse Terah Crews, CEO da ReUp. “A maioria dos nossos alunos tem, de alguma forma, falta de tempo.”

Por mais numerosos que sejam, os adultos com alguma formação universitária, mas sem diploma, não têm nenhum grupo ou organização que os represente, e a ReUp tenta preencher esse papel trabalhando com líderes estaduais e legisladores para reengajar essa

Internacional

população. O ReUp também atua com a Michigan Association of State Universities, o Ohio Department of Higher Education e a Ithaka S+R em outra iniciativa em Ohio que visa especificamente os alunos que se beneficiariam com o perdão de até US$ 5.000 em dívidas e com a liberação de seus históricos escolares. A ReUp fez parceria com mais de 130 faculdades individuais em todo o país, disse Crews, e ajudou a reinscrever mais de 44.000 alunos, cerca de metade deles nos últimos dois anos.

NEGOCIAÇÃO DE DÍVIDAS

As dívidas impedem muitos adultos que querem se matricular novamente, mesmo as dívidas inferiores a US$ 5.000, disse Brittany Pearce, gerente de programa da Ithaka S+R, que administra o programa College Comeback Compact de Ohio. “Para muitas pessoas pode não parecer um desafio intransponível, mas o valor em dólares dessa dívida pode realmente parecer intransponível quando você se depara com ele”, disse Pearce.

Dan Hurley, CEO da Michigan Association of State Universities (Associação de Universidades Estaduais de Michigan), disse que matricular alunos com mais de 25 anos é fundamental para atingir a meta do estado de que 60% dos adultos tenham um certificado ou diploma até 2030. Ele disse que 42 dos 50 principais empregos do estado deverão exigir pelo menos um diploma de bacharel nos próximos oito anos. Seis das 15 universidades públicas de Michigan participam da parceria com a ReUp.

Para fortalecer a força de trabalho de Nova Jersey, os líderes sentiram que precisavam criar uma conscientização mais ampla sobre essa população e um plano de divulgação que fosse além de pedir a cada instituição que entrasse em contato com os alunos individualmente, disse Stefani Thachik, consultora sênior do Gabinete do Secretário de Educação de Nova

Jersey. O estado também começou a oferecer subsídios às faculdades para que desenvolvam melhores sistemas de apoio aos alunos adultos quando retornarem ao campus, para que possam concluir seus cursos, o que os beneficiaria e beneficiaria a economia do estado.

Isso também ajudaria as faculdades, cujos líderes estão preocupados com o número cada vez menor de jovens de 18 anos que concluirão o ensino médio a partir de 2025.

Esse número decrescente se soma ao declínio de matrículas decorrente da pandemia e das dificuldades relacionadas ao Aplicativo Gratuito para Auxílio Federal ao Estudante do ano passado, disse Charles Ansell, vice-presidente de pesquisa, política e defesa da Complete College America. A organização sem fins lucrativos trabalha com 20 faculdades e uni-

versidades historicamente negras e instituições predominantemente negras em vários esforços para apoiar melhor os alunos adultos, incluindo esforços de recrutamento e rematrícula.

“É preciso reter mais alunos, reconquistar mais alunos e conseguir mais alunos que nunca frequentaram a faculdade e são mais velhos. Essa é a única maneira de manter o número de matrículas em alta”, disse Ansell. Mas, como mostra a situação de Mims, não é fácil reengajar adultos que se matricularam na faculdade em algum momento e depois desistiram.

VENCENDO BLOQUEIOS

Mims está trabalhando com Jimmy Wyatt, um coach de sucesso sênior da ReUp, há cerca de um ano. Antes disso, ela havia tentado voltar a estudar várias vezes, durante anos, espremendo as solicitações e a papelada nas margens de uma vida já muito ocupada. Ela estava juntando vários empregos de meio período para pagar suas contas, enquanto ajudava a cuidar da mãe, da sobrinha e do sobrinho.

Wyatt não entra em contato com a universidade em nome dela. Mas ele a ajudou a navegar pelo processo, a descobrir por que ela tinha essa dívida (era complicado) e a se candidatar a bolsas de estudo e subsídios externos para que ela pudesse pagá-la. Ele disse que a situação de Mims se complicou ainda mais devido a gastos altos com o carro. Ela necessita do carro para ir ao trabalho; precisa trabalhar para pagar a dívida; e, segundo ele, “todas essas coisas estão muito interligadas”.

Juntos, disse Wyatt, eles criam planos semanais com pequenas tarefas para que ela progrida de forma eficiente para voltar a estudar. Ainda assim, devido a todos os desafios, Wyatt disse que às vezes parece “dois passos para a frente, um passo para trás”. “Por causa dele, estou avançando”, disse Mims. “Ele está me orientando sobre como fazer isso acontecer ou não recuar.”

Esse incentivo é importante, disse Crews, porque muitos adultos enfrentam bloqueios mentais para voltar à faculdade. Ela disse que eles se perguntam: “E se não me aceitarem?” “E se eu não for bom o suficiente?” “E se eu organizar grande parte de minha vida para fazer isso e ainda disserem não?”

Muitas vezes, tentam superar obstáculos financeiros. Muitos, como Mims, têm dívidas remanescentes de tentativas anteriores na faculdade que os impedem de se matricular novamente. Os instrutores do ReUp podem ajudar os alunos a descobrir com quem falar sobre suas dívidas institucionais e, às vezes, podem ajudá-los a tomar medidas para quitá-las.

“Defendemos em nome deles a mudança de políticas nas instituições para torná-las mais acessíveis e permitir que mais alunos deem esse passo”, disse Crews. “Podemos dizer: ‘Ei, temos 100 alunos aqui que estão prontos para se inscrever, mas eles têm multas de estacionamento. Você realmente quer impedi-los de voltar?”.

No caso de Mims, Wyatt disse que a tem ajudado a descobrir para quem ligar na Rutgers –vários departamentos disseram que não reconhecem a origem da dívida, mas que ela existe.

“É preciso reter mais alunos, reconquistar mais alunos e conseguir mais alunos que nunca frequentaram a faculdade e são mais velhos. Essa é a única maneira de manter o número de matrículas em alta”

A ReUp diz que seus instrutores defendem que as instituições mudem as políticas que estão retendo os alunos, mas não podem comentar sobre casos individuais.

Embora a parceria entre a ReUp e o estado seja nova, muitas faculdades de Nova Jersey já estavam tentando fazer esse trabalho por conta própria. O Middlesex College em Edison, Nova Jersey, realiza eventos noturnos, chamados “Rock ‘n’ ReEnroll”, em que os futuros alunos podem trazer seus filhos ou familiares e se reunir com todos os diferentes funcionários da faculdade que precisam encontrar para se matricular nas aulas.

Desde o outono do ano passado, eles organizaram quatro desses eventos e ajudaram mais de 100 alunos a se matricularem novamente, disse Ria Gaviria, diretora de orientação acadêmica, de carreira e de transferência da faculdade. Gaviria disse que eles projetaram os programas para serem divertidos e envolventes, mas também o mais eficientes possível, porque “o tempo é muito precioso para essa população”.

Na Rowan University, em Glassboro, Rory McElwee, vice-presidente de assuntos estudantis, vem tentando alcançar esses alunos há mais

de uma década. Antes de a universidade começar a trabalhar com o ReUp e receber financiamento do estado, o trabalho de reengajamento de alunos adultos era geralmente feito em pequenos grupos por McElwee e alguns colegas. Ela disse que eles se baseavam em planilhas com nomes de ex-alunos e endereços de e-mail (muitas vezes desatualizados).

Agora que a ReUp está fazendo o trabalho de reengajar os alunos, McElwee pôde concentrar sua energia no que esses alunos precisam para chegar à formatura. Além de oferecer crédito por aprendizado anterior, a universidade usou verbas de subsídios estaduais para oferecer “micro-subsídios” para ajudar os alunos a pagar despesas não relacionadas à mensalidade, como consertos de carros, creches, livros didáticos e laptops.

Esses subsídios teriam ajudado Mims que, durante seus primeiros anos na Rutgers, não tinha wi-fi em casa. Ela usava seu smartphone como ponto de acesso à internet e, quando ele falhava, se não tivesse tempo de ir à biblioteca para ter acesso à internet, ela dizia que ficava para trás. Segundo ela, muitas vezes tinha dificuldades para pagar pelos livros didáticos e materiais do curso e precisava pegá-los emprestados de seus colegas de classe.

Muitos adultos enfrentam

“E se não me aceitarem?” “E se

Muitos adultos enfrentam bloqueios mentais para voltar à faculdade. Eles se perguntam: “E se não me aceitarem?” “E se eu não for bom o suficiente?”

“E se eu organizar grande parte de minha vida para fazer isso e ainda disserem não?”

Apesar desses desafios, Mims continuou se esforçando para voltar a estudar. Ela se lembra de ter se sentado em escritórios de emprego e com conselheiros de força de trabalho em várias ocasiões, pensando em como se via no futuro. “O principal objetivo em minha mente e coração era obter um diploma.”

Agora, Mims está analisando a lista de solicitações de bolsas de estudo e subsídios que Wyatt lhe enviou. Ela vai tentar juntá-los para pagar o saldo em atraso e liberar a retenção, para que possa voltar à sala de aula. “Estou tentando fazer isso há tanto tempo.Tem sido muita coisa, muito pesado para mim. Cheguei tão perto. Mas, ainda assim, sinto que estou muito longe.”

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