REVISTA EDUCAÇÃO 310, MARÇO 2025

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Tela digital e heroína ativam as mesmas áreas

Educação infantil vive expansão e precarização

EDUCACAO

Valorização só da boca pra fora

Professor(a) precisa de salário e aposentadoria dignos, e de uma sociedade que enxergue relevância nesses profissionais

Material inscrito, em processo de avaliação.

CARTA AO LEITOR

Status social docente

ada dia mais tem ficado claro o quanto o jornalismo e a educação possuem propósitos semelhantes perante a sociedade, a democracia, os direitos humanos, a justiça, a natureza e tantas outras definições de humanidade. Curioso é que ambas as áreas são desvalorizadas no sentido financeiro e por boa parte da população e instituições — além de terem sido atacadas nos últimos anos. Mas há também pessoas que vibram, que aplaudem a cada reportagem, bem como a cada troca entre educador(a) e estudante.

O combate a fake news, à desinformação, é um exemplo de uma potente parceria entre essas duas áreas profissionais. Quando a fake news ganha força, a democracia se enfraquece e, claro, o jornalismo é atingido. Mas, quando há educação midiática nas escolas, a sociedade, o jornalismo e a educação se fortalecem.

A matéria de capa desta edição provoca o setor educacional e tomadores(as) de decisão sobre um velho problema brasileiro — e também de boa parte do mundo —: o que falta para termos uma carreira docente valorizada? Segundo o coordenador do Pisa, Andreas Schleicher, salário e aposentadoria dignos são fundamentais, mas, com uma população que não enxerga relevância em ser professor(a), pouca coisa tende a mudar ( leia mais na pág. 20 ).

Para alargar a visão

Também nesta edição temos duas estreias de colunistas: a de Cristine Takuá, do povo indígena Maxacali, que nos chacoalha ao afirmar: “Nenhum povo sobrevive de letras e números” ( pág. 17 ), e a do diretor da rede pública de SP, Luiz Fernando Costa —Você só sonha com aquilo que aparece como possibilidade é o título de seu primeiro artigo (pág. 39). A professora e hoje gestora de políticas públicas, Débora Garofalo, que já escreve em nosso site, começa a partir desta edição a compartilhar seu olhar também por aqui ( pág. 26 ). Lembrando que este ano temos dois grupos de colunistas se revezando por edição.

O que está acontecendo com os estudantes finlandeses que têm suas avaliações do Pisa caindo ano a ano é tema da matéria do primeiro editor desta publicação, Marco Antonio Araujo ( pág. 30 ).

O descaso com os(a) auxiliares de educação infantil e os problemas gerados a partir disso também fazem parte da edição ( pág. 30 ). Já a entrevista destaque é com o psicólogo Cristiano Nabuco, fundador da primeira unidade de dependentes digitais da América Latina (pág. 8). Fica o convite à leitura destas e outras matérias, além da coluna do professor João Jonas Veiga Sobral ( pág. 42 ).

E viva o cinema nacional. Ditadura, nunca mais!

A revista Educação, composta por edições digitais e impressas, site, redes sociais e eventos, é publicada por RFM Editores

Ano 30 - Nº 310 março de 2025 ISSN 1415-5486

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SUA CARREIRA EM 2 MINUTOS

Carreira docente

Embora a importância do(a) professor(a) seja consenso, na prática, a carreira docente é pouco atrativa e continua a enfrentar problemas de salário e desvalorização social

Cristiano Nabuco

O anúncio da Suécia de que, por conta das telas, ‘criamos uma geração de analfabetos funcionais’ é um chamado para o mundo agir — agora. Conversamos com o criador da primeira unidade da América Latina que trata dependentes em tecnologia digital

Com salários baixos e condições inadequadas, auxiliares são contratados(as) para assumir atividades que deveriam ser de docentes

NOVOS COLUNISTAS

do povo indígena Maxacali

Garofalo, gestora de políticas públicas

diretor da rede pública de São Paulo

País considerado exemplo de sistema educacional em todo o mundo vê seus índices do Pisa retrocederem anos seguidos — e liga sinal de alerta sobre seu modelo de ensino FINLÂNDIA

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ENTREVISTA

Segundo o psicólogo

Cristiano Nabuco, deveria ser criado um comitê mundial sobre os impactos das redes sociais

A ‘heroína’ digital que vicia crianças, jovens e adultos

O anúncio da Suécia de que, por conta das telas, ‘criamos uma geração de analfabetos funcionais’ é um chamado para o mundo agir — agora. Conversamos com o criador da primeira unidade da América Latina que trata dependentes em tecnologia digital

Por Laura Rachid

Opsicólogo e pós-doutor em psiquiatria Cristiano Nabuco fundou, e coordenou, por 20 anos, o Grupo de Dependências Tecnológicas do Pro-Amiti, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o primeiro da América Latina. Recentemente, se desligou desse grupo — focado em adultos — para atuar em outro no próprio Hospital das Clínicas, esse voltado a adolescentes. “O adulto já está com o problema instalado. O jovem ainda tem como correr atrás”, diz. Cristiano escreveu mais de 15 livros sobre o tema, sendo uma das principais referências em dependência digital, tanto que já foi consultor do governo federal e da ONU. “Ao

avaliar fotos de ressonância magnética funcional de indivíduos que são dependentes de ópio e dos dependentes de telas [digitais], são as mesmas áreas que estão sendo ativadas”, destaca. “E quanto mais se usa em idades precoces, pior será o estrago lá na frente. Ainda não estamos vendo todo esse estrago porque essa geração está chegando agora aos 20 anos, 25 anos. Mas, na ponta aqui, de um consultório ou de um hospital, vemos o estrago.”

Seu compromisso e preocupação com as pessoas são nítidos: ele também fundou a Associação Matera (associacaomatera.org.br), sem fins lucrativos, que desenvolve junto a mais de 50 profissionais, entre advogados, pedagogos, médicos, psicólogos e filósofos, trabalhos de intervenções junto a estados, municípios, escolas, famílias

e empresas. Confira, a seguir, a entrevista exclusiva. Nela falamos sobre a persuasão das big techs, desenvolvimento do cérebro, autismo e mais.

O que tem nas redes sociais que vicia crianças, jovens e adultos? Esse vício é gerado apenas pela liberação da dopamina?

Não. O que temos é uma somatória de efeitos ou de causas que interagem com a cabeça do usuário cada vez que ele passa a navegar. A ideia que se tinha há 20 anos era a de fazer equipamentos [computadores] que pudessem servir de elementos para ajudar a capacitação intelectual a atingir locais diferentes. Tem um exemplo, inclusive, de um desses rapazes do Vale do Silício, ex-Google, o qual fala que quando montaram a computação, a ideia era criar o que seriam bicicletas para a mente. Ou seja, dar instrumentos para a pessoa seguir direções diferentes. O que acontece é que na medida em que esse público começou a aumentar, em termos de demanda, começou a fazer parte do modelo de negócios de tais empresas capturarem a atenção dos usuários para que ficassem mais tempo nas plataformas. E como é que eles [responsáveis pelas big techs] fazem com que os usuários fiquem cada vez mais conectados? Eles chamam de hook, fisgados. Notaram que poderiam ativar certas áreas do cérebro para fazer com que esse mecanismo se prolongasse. O primeiro presidente do Facebook, Sean Parker, disse em 2017: ‘Exploramos uma vulnerabilidade no ser humano para fazer com que ele fique mais conectado’. E ele completou: ‘Somente Deus saberá o que as redes sociais farão com a cabeça dos nossos filhos’.

processo [do caça-níquel]. Então, eles começaram a se basear em modelos já testados que davam certo, fazendo com que esse processo escalasse. Atualmente, ao navegar pelo YouTube, indica-se outro vídeo que pode interessar ao usuário, gerando um processo de looping, em que se ativa a circuitaria do processo de recompensa do nosso cérebro; são várias regiões, dentre elas o Núcleo Accumbens [‘gerador de prazer’], e isso vai fazendo com que a pessoa cada vez mais precise daquele estímulo.

Quanto mais você navega, mais elas [big techs] valem na bolsa internacional; mais valem em comparação a empresas de energia e petróleo. E nós somos as commodities

Deixando o usuário, propositalmente, preso às redes. Sim. Outro fator importante: cada vez que uma pessoa posta uma foto no Instagram, ela entra em um momento mais tenso do ponto de vista social, porque as redes sociais sabem que o usuário está aguardando a avaliação dos outros a seu respeito, por exemplo, o que falou, fez e pensou. Essa foto postada no Instagram não vai aparecer na linha do tempo de todos imediatamente. Aparecerá em 3% das pessoas na primeira hora, em mais 5% na segunda. As redes sociais criam um atraso para que o usuário, em vez de encerrar a experiência com a plataforma em quatro horas, fique de oito a 10 horas, porque o indivíduo entra num movimento de vulnerabilidade. Diante disso, os psicólogos criaram o que chamam de ciência da persuasão, segundo a qual dizem que estão preocupados com esse processo de induzir a pessoa a navegar mais do que gostaria e por lugares em que não tinha pensado. E aí vão me perguntar: ‘é ético?

Visto que há essa corrida pela atenção, eles começam a lançar mão não só desses recursos, como do que chamam de ciência da persuasão, que é utilizar recursos, por exemplo, como uma máquina de caça-níquel, em que se puxa uma alavanca. Hoje, quando quero atualizar o meu feed pelo celular, eu deslizo o dedo. Exatamente o mesmo

Será que eles [donos das redes sociais] é que devem interferir nesse processo de decisão para o quê e para onde eu vou?’ O garoto também do Vale do Silício, Aza Raskin, criador da rolagem infinita, hoje ex-Apple, faz parte de um grupo prodígio dessa região dos EUA em que todos são ex-de alguma empresa e dizem: ‘As nossas invenções, as nossas propostas, tinham como objetivo tornar a navegação mais amigável, mas não é isso que foi feito’.

Então, hoje, nessas empresas, há o que chamam de universidade da persuasão: laboratórios que ficam a cada

ENTREVISTA

24 horas atualizando [recursos]. Por exemplo, ontem o botão de determinado aplicativo era branco. Mas, ao descobrirem que o vermelho provoca maior reação, eles alteram a cor. São mudanças sutis para que, em um dado momento, a pessoa esteja sendo estimulada a fazer coisas que não tinha vontade. É como se estivéssemos sendo ‘operados’ por essas empresas com o objetivo de fazer com que nós naveguemos mais. Porque quanto mais você navega, mais elas valem na bolsa internacional; mais valem em comparação a empresas de energia e petróleo. E nós somos as commodities.

Em um de seus textos, diz que as redes sociais podem alterar o desenvolvimento das amígdalas cerebrais e do córtex pré-frontal. De que forma e o que acontece?

Imagine que em uma sala de aula há 50 alunos e uma professora. Ali há turmas que se unem. Assim é o cérebro, que funciona como se fosse um parlamento. Então, há o grupo do fundão, que é o da criatividade. Do outro lado há o grupo do pensamento lógico. Já no meio da sala há o da intuição. E na frente o grupo do raciocínio dedutivo. Sendo assim, cada vez que viro e mostro um lápis, por exemplo, esse estímulo circula em todas as áreas do meu cérebro.

Só que a turminha da frente, que promove a gratificação, é muito forte porque é muito usada, por exemplo, pelas redes sociais. Na sala de aula, vamos imaginar que esse grupo da gratificação seja unido. Então, quando falo: ‘Olha, o lápis’, o grupinho vira e fala: ‘Dá aqui’. Ou seja, a gratificação, ao entrar e roubar [o lápis], aborta que os outros grupos possam falar. Na medida em que esse processo vai se desenrolando, essa turma da frente vai ficando mais forte e insaciável a desejar mais estímulos.

[As telas, como de celular e computador, pensando aqui também nos jogos digitais, possuem luz infravermelha] ...quando essa luz bate no cérebro, consegue detectar a hemoglobina — que é o sangue —, e se ela está mais oxigenada ou menos oxigenada. E o que eles percebem? Quando os indivíduos usam as telas, [essas empresas] percebem que só uma determinada área fica acesa, indicando a maior presença de oxigênio ou de maior atividade. O restante fica escuro. Se você usa num determinado momento e para, sem problema. Mas na medida em que começa a usar por um dia, dois dias, três, quatro e o tempo aumentando, o usuário começa a ter uma espécie de’ atrofia das outras áreas’. E isso vai comprometendo a circuitaria cerebral. Mas o cérebro não sabe que isso é ruim? Não. O cérebro, em função do

desenvolvimento, foi feito por meio da nossa evolução para ser bom nas tarefas que são apresentadas.

E o que estudos já constatam?

Vários estudos começam a mostrar que quanto mais tela aos dois anos de idade, pior o desenvolvimento da fala aos quatro. Quanto mais tela aos três, pior o desenvolvimento da capacidade de resolução de problemas ao cinco. Tem um autor francês que gosto muito, Michel Desmurget, e seu livro A fábrica de cretinos digitais [ed. Vestígio], é muito bom. Em uma determinada pesquisa, ele mostra que crianças entre zero e dois anos que ficam apenas 50 minutos por dia nas telas, ao final dos 24 meses, terão deixado de escutar 850 mil palavras. O que isso quer dizer? Quanto mais uma determinada área chama atenção, menos você desenvolve as outras áreas. Elas vão ficando ‘atrofiadas’ porque não vão sendo oxigenadas e vão perdendo a conexão de como deveriam operar. Então, você tem hoje, por exemplo, crianças que não conseguem verbalizar como deveriam.

Há ligação entre o uso precoce de telas em bebês e crianças com o diagnóstico de TDAH e autismo? Que cuidados a sociedade deve tomar nessa ‘associação’?

Já sabemos que o autismo tem outra causa genética e aspecto de neurodesenvolvimento. Agora, em um recente artigo científico, perceberam que crianças que ficavam mais expostas às telas — na primeira infância —, começavam a apresentar sintomas parecidos com os do autismo, como não responder ao chamado do nome, não conseguir imitar sons, não ter muita habilidade corporal. Só que esses sintomas podem ser revertidos se há estimulação correta. Então, o que observamos é que, ao inserir esse equipamento precocemente, diminui-se o horizonte de estimulação sensorial, fundamental para o desenvolvimento do cérebro da criança, principalmente na primeira infância. Ou seja, tem que ter diversidade. Por isso aquelas estimulações antigas de encaixar o quadradinho e não a bolinha; massinha e tudo aquilo vai fazendo com que características sejam trabalhadas de uma forma mais ampla, ativando todo o cérebro. Já a tela digital fornece sempre as mesmas respostas.

Boa parte do mercado educacional tem investido fortemente nesse universo digital.

Respondo que 85% dos aplicativos que se autodenominam educativos nunca foram pesquisados. Na maioria das vezes, existe uma propaganda equivocada e divulgada

Jovens estão perdendo a sensibilidade empática, a capacidade de perseguir os objetivos, alerta Nabuco, que escreveu mais de 15 livros

pelos próprios fabricantes de telas e de computadores de que, inserir a tecnologia precoce tornará o filho mais capacitado. É exatamente o contrário.

São poucas as evidências de que a tela deve ser inserida e quando são, é dentro da perspectiva de usá-la e guardá-la. Ela não pode ser disponibilizada de forma absolutamente irrestrita, entre as causas, pela circuitaria cerebral já abordada aqui. Nisso, as escolas questionam: ‘Mas, se não falamos que somos tecnológicos, os pais não matricularão o filho e enfrentaremos problemas econômicos’. Aí a escola pinta num muro ‘matricule seu filho, ganhe um tablet’ —, o que é um profundo equívoco.

No final de 2023, a Suécia fez uma publicação grande dizendo que, ao longo dos anos anteriores, o país tinha substituído o material impresso pelo digital por achá-lo obsoleto dentro desse modelo atual. E o que que eles descobriram?

No texto dizem: “criamos uma geração de analfabetos funcionais”. Então, baniram completamente as telas, reintroduziram livros, material impresso, exatamente para desenvolver as capacidades e as diferentes habilidades que o cérebro tem e o que se espera que uma criança desenvolva.

Como avalia a decisão do governo federal de restringir o uso de celular na escola?

Deveríamos ensinar em vez de proibir. Mas, do jeito que as coisas estão, proibindo, conseguiremos avaliar o que faremos. Já existem pesquisas que mostram que essas novas gerações possuem limitações cognitivas muito significativas e importantes, por exemplo, coordenação motora. Hoje, muitos recreadores dizem que não conseguem mais usar exercícios que faziam para crianças de cinco anos, têm de usar os que aplicavam para as de três anos. Então, perde-se a destreza. O que mais? Ausência da capacidade de manejo interpessoal. Há uma série de questões que culminam com a seguinte questão: as medidas mundiais

de QI crescem 0,3 ponto percentual a cada nova geração. Mas elas não têm crescido há 20 anos. Estão estagnadas com viés para baixo, indicando que as novas gerações, as digitais, como Z, Alfa, estão profundamente despreparadas para lidar com as competências que são importantes de serem desenvolvidas para lidar com a vida adulta.

A quantidade de jovens que eu atendo entre 18 anos e 20 anos que foram passando [de ano na escola] colando [é grande]; a hora que entram numa faculdade e dizem: ‘Se vira, vai estudar. Está aqui a bibliografia’, eles pipocam, colapsam, porque não conseguem se concentrar, guardar informações, não conseguem ser criativos, não sabem estudar. É o que o pessoal da Suécia falou: ‘Criamos analfabetos funcionais’.

Daí a importância da educação midiática nas escolas.

Há muitos outros países que estão buscando, agora, diminuir esses efeitos, como Finlândia, Turquia, Grécia, França e Austrália. O grande ponto é: isso basta? Claro que não basta. Isso é apenas o começo. Precisamos de um trabalho de conscientização social maior, porque não é simplesmente tirar o computador, celular da sala de aula, e deixar o pepino para os pais resolverem. É preciso promover a educação digital. Qual o conceito de cidadania? Como devo estudar? Atrapalha ou não estudar com a tela? Como é que eu faço para gravar as informações, considerando que essa informação precisa ficar presa, ancorada, como a gente diz, na minha memória de longo prazo?

Outro dia estava dando aula para uma empresa e me perguntaram: ‘você está querendo dizer que devemos voltar para a década de 80?’ Não. O que estou dizendo é que temos que usar com consciência. E quanto mais se usa em idades precoces, pior será o estrago lá na frente. Ainda não estamos vendo todo esse estrago porque essa geração está chegando agora aos 20 anos, 25 anos. Mas, na ponta aqui, de um consultório ou de um hospital, vemos o estrago e ainda não há informações publicadas para alertar a população. Só que nós, que trabalhamos com isso, já estamos vendo esses efeitos — que são absolutamente preocupantes.

Em diferentes países, a tecnologia digital é uma das causas da queda no ritmo da aprendizagem, afirma o grego Manos Antonínis, da Unesco. O impacto seria na mudança de estímulo para se concentrar e aprender, além do aumento de ansiedade?

Existe uma síndrome — síndrome é diferente de doença, é um conjunto de sintomas, doença você tem uma classi-

Arquivo
pessoal

ENTREVISTA

ficação geral, chamado FOMO, que é o fear of missing out, medo de estar perdendo alguma coisa. Quando o usuário publica muito nas redes, fica continuadamente num estado de atenção e isso rouba o foco profundo. Tem uma pesquisa que gosto de contar feita na Universidade da Califórnia que mostra o seguinte: quando estou prestando atenção em algo e sou interrompido com uma notificação no celular, o fato de esse estímulo me interromper faz com que meu cérebro leve 23 minutos e 15 segundos para retomar o mesmo estado atencional que tinha antes da interrupção.

Claro, isso não é só fruto das telas. A pandemia aumentou uma onda que já existia, a da saúde mental. Hoje, todo mundo está irritado, sem paciência, confundindo falar a verdade com ser mal-educado e grosso. Então, soma-se isso tudo com o celular, que gera um estado contínuo de distração. Alguns chineses vão falar que o celular seria a heroína digital. Ao avaliar fotos de ressonância magnética funcional [sobre o funcionamento cerebral] de indivíduos que são dependentes de ópio e dos dependentes de telas, são as mesmas áreas que estão sendo ativadas. Então, obviamente, um problema nunca é decorrente de um único fator, mas temos um combinado bem significativo.

tem uma perna na vida analógica e outra na digital. Eu sei dosar. E os mais novos, que nasceram no digital? Como serão as futuras gerações?

Agora está começando a cair a ficha de algo que a gente vem falando há anos. Há 20 anos eu atendo jovens, pacientes que chegam a ficar 55 horas conectados [em jogos digitais], fazendo xixi e cocô na calça. Eles continuam jogando sem parar e acabam sendo internados. Muitos chegam usando fralda. É um estrago; os meninos vão mais para os jogos digitais e as meninas para as redes sociais.

O francês Michel
Desmurget revela que crianças entre zero e dois anos que ficam apenas 50 minutos por dia nas telas, ao final dos 24 meses, terão deixado de escutar 850 mil palavras

E o que alerta é que os impactos podem ser ainda maiores do que imaginamos. Essa tecnologia entrou de um jeito que será necessário ter uma consciência mundial diferente. Só que tudo isso que estou falando não é nada. Estamos sendo atropelados por um negócio chamado inteligência artificial. Se acha que o que estou falando é preocupante, você não viu nada. O grande dilema é: ou essa geração será a que vai dar o grande salto para dias melhores ou será a geração que vai separar a humanidade num processo de atraso, de pouco desenvolvimento. Os jovens estão perdendo o timing, a mão, a sensibilidade empática, a capacidade de perseguir os objetivos, etc. Eu sou uma geração que

Qual o papel dos países perante as big techs, que ainda atuam em uma ‘terra sem lei’?

Vivemos a época da corrida tecnológica feita de maneira muito pouco supervisionada, porque envolve interesses militares, uma série de coisas. China de um lado, Estados Unidos do outro. Nessa corrida a favor da tecnologia, você está já arranhando a superfície com equipamentos e inteligências artificiais que conseguem definir aspectos importantes como vida, sociedade, valores. E não existe o que a gente chama de um grupo de pessoas que acompanha isso. Imagine se não tivesse um acordo internacional a respeito de armas nucleares, o que não ia ter de países jogando um no outro. Então, toda essa tecnologia está se desenvolvendo sem uma supervisão correta. Entendo que deveríamos criar um comitê mundial sobre isso.

Cruzamos a linha do controle humano, de identificar se é perigoso ou não. Viveremos tempos difíceis, teremos desemprego em massa, a divisão entre aqueles que usam a inteligência artificial e aqueles que não a usam. O Brasil gasta nove horas e 30 minutos por dia em frente à tela, o segundo país no mundo. Isso dá quase cinco meses por ano olhando as telas. Está tudo errado. E quem é que vai criar um comitê internacional? Não sei, eu sou muito pequenininho aqui, num país de terceiro mundo, não vou conseguir, embora já tenha tentado. Acho bom as pessoas ficarem ligadas, porque é muito sério o que está acontecendo.

Educação infantil vive expansão e precarização DESQUALIFICAÇÃO

Com salários baixos e condições inadequadas, auxiliares são contratados(as) para assumir atividades que deveriam ser de docentes

| Por Luciana Alvarez

Os conceitos de ’educar’ e ‘cuidar’ são absolutamente indissociáveis, sobretudo, quando se trata da primeira infância. Mas, enquanto o Brasil passa por uma forte expansão da oferta de vagas na educação infantil, continua promovendo uma precarização das condições de atendimento às crianças e de trabalho dos educadores. Em vez de se contratar professores para essa etapa, as funções têm sido dadas a auxiliares, de quem não costuma ser exigida uma formação superior e a quem se oferecem salários piores.

Lívia Fraga Vieira, professora na Faculdade de Educação da UFMG, não tem dúvidas de que a situação ideal é ter 100% de professores formados em pedagogia como responsáveis pelas crianças desde a creche, numa razão de seis a sete crianças por profissional. “Evidentemente que, em certos momentos, ficar com

“Auxiliares ficam mais horas, ganhando remuneração menor. E, na prática, atuam como regentes de turma”, diz Lívia Fraga Vieira, da UFMG, e que coordenou a pesquisa Perfil e atuação das auxiliares na educação infantil

Sobretudo em escolas particulares, é comum ter professora titular branca e uma auxiliar negra; o que reproduz o racismo estrutural, destaca Solange Miranda, da EMEI Nelson Mandela

sete crianças pesa. Por isso a gente defende a docência compartilhada, mas entre dois professores, com formação”, explica ela, que foi coordenadora de uma pesquisa nacional sobre o tema, intitulada Perfil e atuação

das auxiliares na educação infantil.

A realidade tem se mostrado muito diferente do desejável. O estudo que Lívia coordenou mostra que 25% das auxiliares têm apenas o ensino médio completo, que 6,4% têm o curso ‘normal’, que é também de nível médio, e que ainda há uma parcela, de 5,7%, que nem sequer completou a educação básica. Em conjunto são 37,1% dos profissionais que precisariam passar por formação. Há uma parte que já está, atualmente, na busca pelo desenvolvimento profissional: 24,8% cursam uma graduação.

Contudo, uma grande parcela, de 38,2%, são profissionais formados e até com especialização. Ainda que tenham o estudo, não têm o mesmo cargo e remuneração que as professoras. “Muitos contratos de auxiliares são temporários, mas que duram e duram. E elas são admitidas por processo seletivo simplificado, não é concurso público, com cargo e carreira, ou até terceirizadas. Cria-se uma situação em que as auxiliares ficam

Reprodução

mais horas, ganhando remuneração menor. E, na prática, atuam como regentes de turma”, relata Lívia sobre as situações que viu Brasil afora.

Em alguns locais, os serviços para os de zero aos três anos é feito todo com base em assistentes. “Vi num berçário uma professora para seis auxiliares. E não é uma situação excepcional, mas sim algo que está cada vez mais recorrente”, diz. E Lívia alerta que a realidade deve ser ainda maior do que os números mostram, porque há subnotificação. “Tem um município vizinho de Belo Horizonte que consta no Censo que não tem auxiliares, mas eu sei que eles têm sim”, afirma.

Beatriz Abuchaim, gerente na Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, entidade referência em primeira infância, defende que, ao reconhecer os desafios atuais, devem-se desenhar soluções possíveis para o Brasil, o que, na prática, significa aceitar que a educação infantil vai lançar mão de assistentes que não sejam professores formados. “A realidade é de déficit de vagas, com muitas crianças que não têm seu direito à educação garantido. Então, temos de pensar em como qualificar os profissionais que já estão atuando e como podemos permitir aumentar a oferta”, afirma.

Para ela, o essencial é seguir o que está previsto na resolução do Conselho Nacional de Educação sobre o tema. “O professor é o regente, que deve estar presente em todos os momentos. Ele é quem deve planejar as atividades, fazer o contato com as famílias, avaliar as crianças. Parte da carga horária do professor é para o planejamento pedagógico”, explica Beatriz. Portanto, se há períodos ou turnos em que só os assistentes ficam responsáveis pelas crianças, a oferta não está respeitando a legislação. E isso é algo que tem acontecido com frequência; na pesquisa sobre o

“Pensar em como qualificar os profissionais que já estão atuando e como podemos permitir aumentar a oferta”, diz Beatriz

Abuchaim, da Fundação

Maria Cecilia Souto Vidigal

Cada município cria o cargo e as funções de um jeito próprio. “Já identificamos 58 denominações: assistente, monitor, apoio, babá, pajem”, elenca Rita de Cássia Coelho, coordenadora de Educação Infantil do MEC

trabalho das auxiliares, 29% responderam que ficam responsáveis pelas crianças sem a presença da professora no período da tarde.

Junto ao docente e sem assumir suas responsabilidades, outros profissionais podem colaborar nas tarefas da rotina de creches e pré-escolas. “Tanto o professor como o auxiliar são adultos de referência para as crianças. Embora seja o professor quem organize, é desejável que o trabalho seja uma parceria, que haja uma fluidez entre os papéis; não é para o auxiliar ficar só no papel de trocar fralda e dar comida”, afirma Beatriz. E, claro, todos precisam passar por formações continuadas frequentes.

Um dos problemas atuais é que cada município cria o cargo e as funções de um jeito próprio. “Já identificamos 58 denominações: assistente, monitor, apoio, babá, pajem”, elenca Rita de Cássia Coelho, coordenadora de Educação Infantil da Secretaria de Educação do Ministério da Educação. A coordenadora reconhece que a lei admite esse profissional, mas se preocupa em como suas funções têm sido definidas pelas diferentes redes. “Nas descrições das funções há coisas que seriam o cerne do trabalho do professor, como brincar, contar histórias, cantar, ninar”, diz.

Segundo Rita, o resultado é uma fragilização do trabalho da docência na educação infantil, uma situação que se torna injusta para os auxiliares, para os professores e, acima de tudo, para as próprias crianças. “Se o financiamento da educação infantil é insuficiente, deveríamos lutar por mais recursos em vez de precarizar o trabalhador. Até porque uma creche ruim, sem qualidade, pode prejudicar o desenvolvimento da criança. A pressão por vaga não pode derrubar a qualidade.”

Divulgação/Cogei

DESQUALIFICAÇÃO

Além da dimensão econômica, a precarização do trabalho com a primeira infância reflete uma desvalorização da infância na sociedade, lembra Paulo Fochi, coordenador e professor do curso de pedagogia da Unisinos e fundador do Observatório da Cultura Infantil (Obeci). “Não faz tanto tempo, a creche era vinculada a uma concepção assistencialista. E até hoje se mantém uma visão de que de zero a três anos não é necessário um profissional com formação, o que é um grande equívoco, porque é o momento mais importante do desenvolvimento do ser humano”, afirma.

Logo, o tema transcende as instituições de ensino, exigindo uma mudança cultural mais ampla dos brasileiros. “A gente precisa construir um conhecimento coletivo sobre a educação e o desenvolvimento infantil. Com esse conhecimento, num momento de eleição municipal, as pessoas ficariam mais atentas às políticas educativas para a infância”, cita o pesquisador.

E a hora de fazer a discussão — e aumentar a conscientização — é agora. “Estamos num momento propício, porque estamos discutindo os Parâmetros de Qualidade da Educação Infantil, e um dos eixos é a qualidade dos profissionais e a adequada proporção no número de adultos e crianças. O próximo passo é sair dos documentos e partir para o monitoramento”, diz Fochi.

TODOS PELAS CRIANÇAS

Situações em que auxiliares ficam submetidas às ordens de uma professora podem produzir dinâmicas indesejáveis — e que acabam criando maus modelos para os pequenos. “Na relação professor-auxiliar a gente tem muitas representações de poderes, e muito exercício de micropoderes. Sobretudo quando se trata de escolas particulares, é comum ter uma professora

Pesquisa sobre auxiliares: 29% responderam que ficam responsáveis pelas crianças sem a presença da professora no período da tarde

A precarização do trabalho com a primeira infância reflete uma desvalorização desta etapa na sociedade, lembra o professor Paulo Fochi

titular branca e uma auxiliar negra, o que reproduz a imagem de uma relação que está ancorada no imagético construído a partir do racismo estrutural da nossa sociedade”, afirma Solange Miranda, que desde 2012 trabalha na EMEI Nelson Mandela, na capital paulista, onde já atuou como professora, coordenadora e diretora. A EMEI é referência nacional de educação infantil a partir de um currículo antirracista.

Uma forma de evitar que um profissional subjugue o outro e, assim, construir relações mais equitativas, é investir na ideia da escola como uma comunidade educadora, em que todos estão lá pelas crianças. “Não se deve ter um auxiliar para o professor, mas um auxiliar para as crianças. E todos apoiam uns aos outros”, explica Solange.

Portanto, independentemente do cargo, quem está trabalhando numa instituição de ensino precisa passar por processos de educação e reeducação frequentes. “Todas as pessoas da escola educam, logo, todos os funcionários precisam passar pelas formações. Nossos encontros educativos na Nelson Mandela sempre foram para todos”, conta a professora.

A concepção de que estão todos juntos educando em comunidade permite, por exemplo, que as 210 crianças da EMEI possam brincar ao mesmo tempo no ‘quintal’ da escola, sem divisões por turmas, em momentos conhecidos como Bopi. “As crianças saem da sala de referência para momentos livres — e têm diferentes convites no quintal, com várias propostas”, explica Solange. Para a atividade dar certo, a preparação foi geral. “A nossa coordenadora Ana Carolina Cassola foi responsável por nutrir a ideia do Bopi, que era uma vontade antiga, e por formar toda a equipe a partir do conceito de desemparedamento das infâncias”, relata.

Arquivo pessoal

SABERES SENSÍVEIS

Tempo, mestre do saber

“De que vale aprender a gramática das línguas se não se conhecem os mistérios da natureza” (Romildo Potiguara)

Tempo, tempo, tempo...

O tempo é um grande professor, mestre dos dias e dos saberes ancestrais. A vida é repleta de códigos e informações que nos orientam e guiam nossa caminhada. Dentro dos processos de resistência vamos observando um pulsar de sonhos e memórias sendo despertados através de uma parceria e rede de afetos e cuidados que vêm sendo tecidas com ‘fios’ coloridos e muito fortes.

Por mais que o adoecimento e a contradição humana insistam em descompassar o nosso caminhar, sentimos que estamos preparados para seguir poetizando os conhecimentos a cada novo amanhecer. A partir da semeadura das Escolas Vivas, estamos nos fortalecendo e nos encorajando a seguir soprando resistência em forma de amor. E, por meio de outros processos educativos, vamos encontrando um suspiro para a alma e uma pausa para a dureza de situações cotidianas que muitas vezes machucam a gente.

A educação escolar se faz presente em todos os cantos do mundo e, com isso, culturas milenares vão sendo atravessadas e moldadas com a imposição de uma monocultura mental que não respeita o tempo das coisas. A padronização de um currículo que prioriza teorias desconectadas da vida, da floresta e dos espíritos é demasiada violência para povos de culturas muito antigas que sempre tiveram seus modos próprios de transmitir saberes e fazeres. Muitos dos conhecimentos fundamentais para a vida vêm deixando de ser praticados e suas memórias vêm sendo adormecidas por essa imposição de séculos. Desde a catequização, depois escolas militares e hoje um incentivo a uma educação mecanicista e tecnologizada. O fato de as crianças do mundo inteiro deixarem de brincar, interagir com a terra, subir em árvores e sentir os códigos que o tempo ensina, as torna frágeis e despreparadas para lidar com as situações da vida. Nenhum povo sobrevive de letras e números. Precisamos conhecer as plantas e escutar suas mensagens, precisamos escutar as árvores, as ondas do mar, o curso dos rios, as montanhas, os trovões e o vento.

Por isso, sonho com mais e mais escolas vivas desabrochando nos territórios, para que as crianças possam ter liberdade de viver em paz, sem serem pressionadas a dizer o que vão querer ser quando crescerem no momento em que ainda estão aprendendo a decifrar os códigos que a natureza tem. Imaginem se todos sonhassem ser anciãos e anciãs, e, assim, respeitarem todas as formas de vida, caminhando serenamente no compasso do Bem Viver — para além de doutor ou algo que carregue o peso de um título.

Na floresta habitam seres muito criativos e os espíritos-guardiões de tudo que nela habita que estão a nos observar. Só que eles estão bravos com nossa desajustada maneira de caminhar. Precisamos reaprender a caminhar suavemente sobre a Terra, senão todos nós sofreremos as consequências de nossas próprias contradições.

Cristine Takuá

É do povo Maxacali, filósofa, educadora, aprendiz de parteira. Lecionou por 12 anos em uma escola indígena de São Paulo. É representante do Núcleo de Educação Indígena e fundadora do Instituto Maracá.

Coordena o projeto Escolas Vivas

Vhera Poty

CARREIRA DOCENTE

Valorização da boca para fora

Embora a importância do(a) professor(a) seja consenso, na prática, a carreira docente é pouco atrativa e continua a enfrentar problemas de salário e desvalorização social

| Por Paulo de Camargo

Diretora da Escola Classe 39, da cidade de Taguatinga, no Distrito Federal, a educadora pública Geovana Ferreira de Oliveira tem quase 30 anos de carreira e já poderia estar aposentada. Formada no magistério e em história, passou boa parte da sua vida em sala de aula, como alfabetizadora, e não quer se distanciar das crianças, que considera sua maior motivação. Recentemente, Geovana foi eleita diretora escolar e, como fez ao longo da carreira, segue lutando pela valorização profissional — melhores salários, uma aposentaria digna, boas condições de trabalho. “O que mais me pega é a falta de valorização do professor pela sociedade”, conta.

A história de Geovana pode ser contada em qualquer parte do país, em qualquer etapa escolar. É a história

de uma profissional que recebe menos do que as outras carreiras com nível superior, que tem uma aposentadoria com salários não muito melhores do que o recebido no início da carreira, já que as gratificações de caráter provisório acabam sendo uma estratégia dos governos para não elevar o custo da folha previdenciária. Mais: é uma trajetória recorrente em uma profissão de importância unânime, cantada em prosa e verso, mas que sofre, na vida cotidiana, com o desprestígio e rótulos de todos os tipos. “Agora, resolveram dizer que todo professor é esquerdista, e vivemos sob desconfiança das famílias”, lamenta Geovana.

Dados publicados recentemente pelo Anuário Brasileiro da Educação Básica evidenciam as contradições de um país que valoriza os professores da boca para fora — uma vez que a exigência de valorização profissional docente está definida já no artigo 206 da Consti-

tuição Federal, que previa, em 1988, planos de carreira, ingresso por concurso e piso salarial.

Embora 100% dos estados e 96,3% dos municípios já tenham planos de carreira para seus professores — o que parece bom —, cresce desenfreadamente a contratação de professores temporários, que escapam a critérios mínimos para a efetivação.

Nos estados, a proporção de professores temporários em exercício nas escolas saltou de 31,1% para 51,6% em 10 anos. Ou seja, há mais docentes em regime temporário do que concursados. Já nos municípios, essa proporção subiu de 25,6% para 33,8%. Vem aumentando também o número de professores terceirizados (como nas creches conveniadas) e em regime CLT, ainda que sejam minoritários.

A Lei do Piso do Magistério, de 2008, vem provocando mudanças importantes. Além de estabelecer um piso mínimo nacional, definiu que 1/3 do tempo docente fosse dedicado a atividades fora da sala de aula, como formação. Contudo, essa legislação também tem dificuldades de ser cumprida. Segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), 700 prefeituras ainda não cumprem a norma.

Se há 10 anos os salários dos educadores representavam 71% do salário dos demais profissionais com curso superior, hoje essa diferença caiu para 14%. Mas, segundo especialistas, isso se deve mais à retração da massa salarial das demais profissões do que boas-novas no holerite docente. “A legislação não tem sido cumprida a contento, impedindo, portanto, a valorização real dos profissionais da educação”, demonstram os pesquisadores Andreza Barbosa, Márcia Aparecida Jacomini e César Augusto Minto, em artigo científico recentemente publicado sobre o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação.

A carreira docente ainda está longe de ser atraente para os mais jovens. E esse é o principal nó da questão: afinal, por que alguém desejaria ter a docência como profissão?

educadora e quilombola Givânia Maria da Silva reforça que tudo se torna ainda mais difícil quando se leva em conta a formação de populações excluídas

Além do salário, há outras questões envolvidas, como as condições de trabalho e os critérios de progressão funcional. Como resultado, por muitos fatores, a carreira docente ainda está longe de tornar-se atraente para os mais jovens. E esse é o principal nó da questão: afinal, por que alguém desejaria ter como profissão a docência?

Essa é uma das razões para o recente lançamento do programa Pé-de-Meia Licenciaturas, que faz parte do Mais Professores para o Brasil, conjunto de ações de valorização do magistério lançado pelo governo federal e que faz parte de um pacote de ações. Hoje, segundo o Ministério da Educação, apenas 3% dos jovens de 15 anos querem ser professores.

O objetivo do Pé-de-Meia Licenciaturas é atrair estudantes com bom aproveitamento no Enem para as carreiras do magistério. O candidato que alcançar nota igual ou superior a 650 pontos no Enem e se matricular em um curso presencial de licenciatura terá direito a uma bolsa mensal de R$ 1.050 durante o curso. Haverá 68 mil vagas via Sistema de Seleção Unificado, bem como acesso por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni) e do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).

FIXAÇÃO DO PROFESSOR

Para a pesquisadora Claudia Costin, que tem em sua longa carreira a passagem pela Secretaria Municipal da Educação do Rio de Janeiro e ainda ter sido diretora glo-

Jefferson Rudy/Agência Senado
A

CARREIRA DOCENTE

bal de educação do Banco Mundial, as novas políticas do governo federal sinalizam um bom caminho, já trilhado por outros países. “Não vai resolver todo o problema, mas lida com uma parte da questão, que é atrair professores para atuar em áreas com escassez”, diz.

Na análise, Claudia, além de melhorar salários — o que é consenso —, diz que é preciso enfrentar a fragmentação dos contratos docentes. A educadora lembra que a carga horária diária das escolas brasileiras ainda é baixa, o que penaliza os docentes especialistas. Estes precisam dar aulas em mais escolas, às vezes se deslocando por longas distâncias.

Por isso, na sua visão, a escola em tempo integral também seria uma forma de melhorar a atratividade da carreira docente, permitindo a fixação do docente em um mesmo ambiente escolar. “Isso muda a vida do professor”, defende. A fixação traria também outras consequências positivas, mas que exigem um replanejamento dos espaços de trabalho comum, como a sala dos professores. “É preciso valorizar as práticas dos professores, para que compartilhem dúvidas, falem sobre o que está dando certo e aprendam uns com os outros, colaborativamente”, considera.

Para a educadora Givânia Maria da Silva, primeira quilombola a integrar o Conselho Nacional de Educação, tudo se torna ainda mais difícil quando se levam em conta populações excluídas. Este é o caso dos moradores de áreas quilombolas, em que há altas taxas de analfabetismo. “Temos feito um trabalho para que os nossos jovens ingressem no ensino superior e entrem na carreira docente, para que contem a nossa história e valorizem nosso conhecimento marginalizado, mas também enfrentamos o descrédito da carreira”, desabafa Givânia.

Para fazer frente a esse desafio, conta Givânia, as comunidades quilombolas têm lutado por oportunidades

“Se um aluno é bom em matemática, ninguém diz para ele: ‘ah, vai ser um bom professor’. Logo falam: ‘faça engenharia’”, exemplifica a professora Gil Menslin

em tempo integral para melhorar a atratividade, permitindo a fixação do docente em um mesmo ambiente escolar, orienta a pesquisadora Claudia Costin

— inicialmente, para garantir o acesso com políticas afirmativas, como as cotas. Ao mesmo tempo, procuram fortalecer os alunos para que permaneçam. “São questões complexas, pois nossas universidades foram constituídas por matriz eurocêntrica. Não se conhece a história dos quilombos. Somos povo que não conhece a própria história”, diz a conselheira.

Para ela, o número de professores quilombolas vem crescendo, mas com dificuldades. “Nadamos contra o pensamento que está na sociedade. É um desajuste na sociedade e isso se reflete na escola”, finaliza.

APAGÃO DOCENTE

É comum pensar que este seja um problema apenas da educação pública — mas é um engano. Na rede privada, apenas as condições de trabalho costumam ser melhores — já que sequer há uma carreira. Por uma dedicação semanal de 29,5 horas, os docentes da rede pública recebem R$ 5,1 mil, em média, e têm direito à aposentadoria integral. Na rede privada, a média salarial oscila em torno de R$ 3,5 mil, segundo os dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica. Não dá para ninguém ficar contente, em nenhum dos casos. Os números confirmam essa percepção. Recentemente, a partir de dados do Inep, o Anuário do Ensino Superior, publicado pelo Semesp, projetou uma falta de até 235 mil professores, em 15 anos. Segundo o estudo, o percentual de alunos em licenciaturas com até 29 anos de idade caiu de

Edilson
Rodrigues/Agência Senado
Escola

62,8%, em 2010, para 53%, em 2020. Da mesma forma, há menos ingressantes do que em outras carreiras.

Com isso, o profissional da educação envelhece. Desde 2009, o número de professores com até 24 anos de idade caiu de 116 mil para 67 mil. O número de educadores com mais 50 anos mais do que dobrou.

Para a diretora escolar Luana Serra, o Brasil já vive um apagão de professores. Luana passou 22 anos na educação pública e há 12 anos tem sua própria escola privada, em Santos, no litoral de São Paulo. “Os jovens estão cada vez menos interessados em entrar e continuar, tanto na educação pública como na privada”, diz.

Para Luana, que também atua no ensino superior, o sucateamento dos cursos de formação inicial também tem sua parcela de culpa. “Os que escolhem a pedagogia já vêm com defasagens da escola básica, e as faculdades, cada vez mais sucateadas, não conseguem oferecer condições para formar um bom professor”, analisa. Faltam, a seu ver, bons estágios de prática profissional, como ocorre na medicina, por exemplo.

de ensino de São Paulo , publicado em 2023 pelos autores Gabriela Pagani, Maria José da Silva Fernandes e Andreza Barbosa, foram registradas oito exonerações por dia, totalizando mais de 3 mil saídas entre os servidores efetivos, em 2018 (último ano do levantamento apresentado).

Segundo Claudia Costin, em alguns países, docentes entram na profissão com a mentoria de um mestre — professor mais experiente e remunerado. O novato também assiste às aulas dos mais experientes

A diretora acredita que o diálogo entre a universidade e a educação básica precisa ser fortalecido. Em sua escola, que trabalha com pedagogias contemporâneas, Luana precisa investir muito em formação para que seus professores acompanhem a evolução da educação.

PROFISSÃO MAIS COMPLEXA

Ao mesmo tempo que há pouco valor social para a profissão, o trabalho do docente é cada vez mais complexo, seja na relação com a família, seja em relação às demandas multidisciplinares que chegam à escola, como a inclusão. “Quando o professor não desiste, pinga de instituição em instituição para complementar o salário ou acaba se afastando por questões de saúde”, acredita Luana.

Segundo o estudo Quando os professores desistem: um estudo sobre a exoneração na rede pública estadual

A professora Gil Menslin, de São Francisco do Sul, em Santa Catarina, sofreu resistência da família quando decidiu fazer magistério, mas seguiu em frente. Inclusive, seu irmão e marido atuaram na educação, mas acabaram optando pela transição de carreira. Hoje, mais de 20 anos depois, Gil se sente afetivamente recompensada no trabalho com bebês, mas lamenta a desvalorização social da carreira. Para ela, isso começa cedo. “Se um aluno é bom em matemática, ninguém diz para ele: ‘ah, vai ser um bom professor’. Logo falam: ‘faça engenharia’”, exemplifica. “Existe a máxima de que qualquer profissão passa pela mão dos professores, mas a sociedade escolheu fechar os olhos para isso”, acredita. Por acreditar no valor de seu trabalho, a educadora seguiu em frente e vem buscando se aprimorar, e hoje tem milhares de seguidores na rede social que acompanham seu trabalho com crianças pequenas. São 62 mil seguidores no Instagram e 18.500 inscritos no YouTube. “A educação infantil é a etapa mais importante do desenvolvimento humano e a gente precisa, para uma sociedade saudável, de uma educação de qualidade”, defende Gil Menslin. Para a educadora, tão graves quanto as questões salariais são as más condições de trabalho da rede pública. “Faltam espaços adequados, materiais, formação continuada, e muitas vezes o professor tem de tirar dinheiro do próprio bolso para poder ter um pouco de qualidade no trabalho realizado com as crianças”, conta. E o futuro? Gil pensa muito, mas quer continuar na área. “Se analiso friamente, era para desistir da carreira docente. Mas a gente resiste, continua e não se vê fora da escola por entender qual é a importância do nosso trabalho para a sociedade”, finaliza.

CARREIRA DOCENTE

Atrair bons professores(as): um desafio planetário

Poderia até parecer um consolo, mas não é. Mundo afora, salvo exceções, o diagnóstico de uma profissão subvalorizada pela sociedade e pelos governos é parecido: a atratividade da profissão é baixa e faltam professores. Segundo a Unesco, é necessário formar 44 milhões de docentes a mais até 2030, quando termina o prazo estabelecido para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). É evidente que o problema se localiza mais fortemente nos países mais pobres do mundo.

Para o alemão Andreas Schleicher, coordenador do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), o salário é importante, mas não dá conta de todo o problema. “Luxemburgo paga um dos maiores salários de professores, mas enfrenta enorme escassez. Na Finlândia, os salários são relativamente mais baixos e, ainda assim, 10 candidatos estão na fila para cada vaga”, exemplifica. “Isso diz que o dinheiro só leva você até certo ponto. O dinheiro é um desmotivador extrínseco óbvio, quando os salários são inadequados, mas raramente é um motivador intrínseco para pessoas que trabalham na educação”, sintetiza.

O indicador mais importante é o status social dos professores, avalia Schleicher. Em Cingapura, Coreia do Sul e Finlândia, segundo dados da pesquisa Talis, dois terços dos professores sentem que seu trabalho é valorizado pela sociedade. Na Suécia e na França, é apenas um em 20. “O Brasil está na extremidade inferior, com apenas 10% dos professores se sentindo valorizados. O que torna um trabalho atraente é sempre uma combinação do status social do trabalho, as contribuições que as pessoas sentem que podem fazer e até que ponto a docência é financeira e intelectualmente gratificante”, resume.

Onde o desafio de valorizar a docência foi equacionado, há boas pistas a seguir. Segundo Claudia Costin, em alguns países, entre eles China (Shangai), Coreia do Sul e Finlândia, os professores entram na profissão com a mentoria de um mestre — um docente mais experiente remunerado para apoiar o iniciante, assistindo às suas aulas, ofere-

O indicador mais importante é o status social dos professores, avalia o alemão Andreas Schleicher, coordenador do Pisa

cendo conselhos e apoio. O novato também assiste às aulas dos mais experientes.

Outra estratégia adotada é de oferecer estímulos para que o melhor estudante do ensino médio trilhe a carreira docente (como pretende fazer o Pé-de-Meia Licenciaturas).

Há também propostas como a de estabelecer um mestrado profissional para a carreira docente, logo no início, baseado na prática docente. “Prioriza-se aquilo que o Brasil não enfatiza, que é a prática profissional. O professor precisa de teoria, sim, precisa aprender a história da educação, sociologia da educação, psicologia da educação, mas precisa entender essas disciplinas em diálogo com a prática profissional”, defende Claudia Costin. Segundo ela, a docência é tão desafiadora, do ponto de vista profissional, como ser médico, mas nenhum aluno se torna doutor sem pisar em um hospital universitário antes. “A mesma coisa deveria ser feita com a educação”, defende. “Nossos dados sugerem que o maior impacto é com o desenvolvimento profissional que ocorre nas escolas e que é colaborativo. Grandes professores querem trabalhar em sistemas com uma cultura de compartilhamento. Quanto mais os professores ensinam em conjunto como uma equipe, mais eles observam as aulas de outros professores e quanto mais eles participam do aprendizado profissional colaborativo, maior é seu senso de autoeficácia”, finaliza Andreas Schleicher.

Reprodução

Educação em risco

A escassez de professores(as) é global: segundo a Unesco, África Subsaariana precisará de 15 milhões de docentes; Ásia

7,8 milhões; Europa e América do Norte 4,8 milhões; já na América Latina e no Caribe, a demanda será de 3,2 milhões

Recentemente, estive em Dubai, participando do SPARK Education, evento global organizado pela Varkey Foundation para debater educação sob diferentes óticas. O encontro reuniu líderes mundiais e professores globais para dialogar sobre educação e acompanhar a final do Global Teacher Prize, cujo vencedor deste ano foi o professor da Arábia Saudita, Mansour Al Mansour. Em 2019, tive a oportunidade de ser a primeira mulher brasileira e a primeira sul-americana a estar entre os 10 finalistas, recebendo o título de uma das 10 melhores professoras do mundo.

Durante um workshop realizado pela Unesco, fomos apresentados a dados alarmantes: estima-se que até 2030 haverá uma falta de 44 milhões de professores no mundo, afetando tanto os países desenvolvidos quanto os em desenvolvimento. Desses, aproximadamente 70% são requeridos no ensino secundário, com uma necessidade ainda mais crítica em áreas rurais e periféricas, cujos sistemas educacionais já enfrentam sérias dificuldades. Esse quadro não apenas compromete a qualidade da educação, mas também contribui para a desmotivação dos estudantes, agrava a desigualdade social e prejudica o desenvolvimento econômico das nações.

O relatório destaca que a escassez de professores é um problema global, sendo a taxa de abandono da profissão maior entre os homens. Neste cenário, é preciso lembrar que a educação é um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento de sociedades justas e equitativas. No entanto, essa escassez representa uma ameaça significativa a esse princípio. A situação exige uma

análise cuidadosa das causas/soluções e um olhar apurado para cada território.

PANORAMA GLOBAL

Nesse relatório global, a Unesco chama a atenção para a magnitude dessa crise e oferece soluções claras para que os governos enfrentem o problema. Como podemos reverter essa tendência? A receita é simples — quase óbvia. Por meio de uma combinação de políticas que melhorem as condições de trabalho, aumentem os salários e fortaleçam a formação docente inicial e continuada. Hoje, mais do que nunca, o futuro da educação global depende de decisões ousadas e eficazes.

ÁFRICA SUBSAARIANA E ÁSIA

A região mais impactada pela escassez de professores é a África Subsaariana, cujo crescimento populacional resulta em salas de aula cada vez mais superlotadas. Até 2030, essa região precisará de cerca de 15 milhões de professores adicionais para atender à demanda nas esferas da educação primária e secundária. O Sul da Ásia também apresenta um cenário alarmante, com uma previsão de necessidade de 7,8 milhões de professores adicionais.

EUROPA E AMÉRICA DO NORTE

Na Europa e na América do Norte, a situação é marcada pela falta de atratividade dos salários e pelas condições de trabalho insatisfatórias, que têm dificultado a retenção de educadores nos sistemas escolares. Nesses locais, estima-se que serão necessários cerca de 4,8 milhões de professores até 2030, evidenciando que a escassez é uma

Como

podemos reverter essa tendência?

A receita é simples — quase óbvia. Por meio de uma combinação de políticas que melhorem as condições de trabalho, aumentem os salários e fortaleçam a formação docente inicial e continuada

questão de alcance global, exigindo soluções adaptadas a cada contexto local.

AMÉRICA LATINA E CARIBE

Na América Latina e no Caribe, a demanda é por 3,2 milhões de professores, sendo que 2,8 milhões dessa necessidade se devem à perda de profissionais. A meta atual de contratação representa apenas 60% dos objetivos estabelecidos em 2016, sublinhando a urgência em intensificar os esforços para enfrentar esse desafio.

CAUSAS DA ESCASSEZ

Entre as principais causas da escassez de professores, destacam-se fatores como a falta de investimento em formação docente, as condições de trabalho inadequadas, os baixos salários e a desvalorização da profissão

Em muitos países, especialmente em regiões mais vulneráveis, a formação de professores não é priorizada, resultando em profissionais mal preparados para enfrentar os desafios atuais da sala de aula. Além disso, a alta carga de trabalho, a falta de recursos e a insegurança em algumas áreas tornam a carreira docente ainda menos atraente.

Outro aspecto crítico é a saída de professores do mercado de trabalho. A pandemia de Covid-19, que não pode ser esquecida, acentuou essa tendência, com muitos educadores decidindo deixar a profissão devido ao es-

tresse, à sobrecarga emocional e à falta de apoio. Essa perda não só agrava a escassez, mas também compromete a qualidade da educação, uma vez que a experiência e o conhecimento dos professores são fundamentais para o aprendizado dos estudantes.

TRANSFORMANDO O CENÁRIO EDUCACIONAL

Em primeiro lugar, é essencial aumentar o investimento na formação inicial e continuada dos educadores, garantindo que tenham acesso a programas de capacitação de excelência e experiências práticas pedagógicas, como cultura maker e metodologias ativas. Além disso, é crucial melhorar as condições de trabalho, oferecendo remunerações justas e benefícios que valorizem a profissão, além de proporcionar suporte psicológico e emocional.

A colaboração entre diversos setores da sociedade, incluindo governos, ONGs e comunidades locais, é vital para enfrentar a falta de professores. A união de esforços pode gerar práticas inovadoras e sustentáveis que atraiam novos profissionais para a educação e que façam com que os já atuantes se sintam valorizados e motivados. Também é fundamental promover a igualdade de gênero na profissão docente, pois em muitas regiões as mulheres ainda são sub-representadas nas áreas de STEAM, tecnologia e em cargos de liderança na educação.

A falta de professores é um desafio global que demanda uma resposta imediata e coordenada. A boa notícia é que as soluções estão nas nossas mãos. Por meio de investimentos, da melhoria das condições de trabalho e da implementação de políticas inclusivas voltadas para o bem-estar dos educadores, podemos reverter essa crise. O futuro da educação depende dos professores, e agora, mais do que nunca, é necessário apoiá-los para que possam desempenhar seu papel essencial na construção de um mundo mais justo e equitativo.

Débora Garofalo

Primeira sul-americana finalista do Global Teacher Prize, prêmio que a colocou entre os 10 melhores professores do mundo por conta de seu projeto na rede pública, Robótica com Sucata. É gestora de políticas públicas.

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*Fonte Ideb 2023 | Divulgação INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Dados referentes aos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

País considerado exemplo de sistema educacional em todo o mundo vê seus índices do Pisa retrocederem anos seguidos — e liga sinal de alerta sobre seu modelo de ensino

Sinal de alerta FINLÂNDIA N

ão está fácil para ninguém. A Finlândia, no início dos anos 2000 e até 2010, recebeu caravanas de educadores vindos de todos os continentes interessados no inquestionável sucesso de seus indicadores de aproveitamento escolar, baseados em um modelo pedagógico que se tornou referência para vários países — dentre eles, o Brasil. Por anos, os finlandeses lideraram o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), exame da OCDE que mede conhecimentos em ciências, matemática e leitura para alunos de 15 anos, e o Timss (ciências e matemática para 4º ano e 8º ano). Mas algo mudou, e para pior, embora o país continue tendo números expressivos no contexto mundial. A Finlândia já não é ‘a melhor do mundo’. E os últimos resultados a retiraram dos 10 melhores do planeta.

O motivo dessa queda de rendimento? Não há nenhuma resposta definitiva, apenas especulações, para angústia dos educadores (não só os finlandeses, mas todos que observam o sucesso e a queda de um sistema visto e consagrado como exemplar).

Para compreender as possíveis causas desse declínio, é importante revisitar os fundamentos do modelo finlandês. As declarações do ministro da Educação do país, Anders Adlercreutz, em entrevistas recentes, enfatizam a necessidade de uma autocrítica e de reformas adaptativas. Antes, Adlercreutz foi ministro dos Assuntos Europeus e Direção da Propriedade.

A partir da década de 1970, a Finlândia investiu fortemente em políticas de inclusão, equidade e valorização dos professores. A proposta de oferecer educação gratuita e de qualidade a todos os cidadãos, sem distinção socioeconômica, formou a base de um modelo que se destacou internacionalmente. O sucesso desse sistema

não se limitava apenas aos resultados em testes padronizados, mas também refletia uma formação cidadã robusta, focada no bem-estar dos estudantes e na capacidade de desenvolver competências para a vida.

Entretanto, à medida que a sociedade evoluiu e as demandas do mundo contemporâneo se transformaram, os desafios impostos pelas novas realidades passaram a exigir uma revisão das práticas estabelecidas. Assim, a recente queda no desempenho dos alunos pode ser interpretada não apenas como um retrocesso, mas também como um sinal de que os parâmetros de avaliação e os desafios do século 21 impõem novas exigências a qualquer modelo.

Os dados que apontam para uma queda no desempenho dos alunos finlandeses têm gerado inquietação na comunidade educacional. Entre as hipóteses levantadas, destacam-se:

MUDANÇAS SOCIAIS E TECNOLÓGICAS: A revolução digital e o acesso massivo às tecnologias de informação modificaram os hábitos de estudo e as formas de interação dos jovens. A presença constante de dispositivos eletrônicos e redes sociais pode influenciar a concentração e a capacidade de aprofundamento nos estudos, exigindo novas metodologias de ensino que dialoguem com o mundo digital.

PRESSÕES E DESAFIOS DO SÉCULO 21: As competências exigidas para enfrentar um mundo em constante transformação incluem, além do domínio de conteúdos acadêmicos tradicionais, habilidades socioemocionais, criatividade e pensamento crítico. Alguns especialistas apontam que, embora o modelo finlandês tenha sido pioneiro em incluir dimensões como a equidade e a colaboração (necessárias e importantes),

nos

últimos anos

ele pode precisar adaptar-se mais intensamente às demandas de um mercado global dinâmico.

REVISÃO DOS INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO: Outra questão importante refere-se aos métodos de avaliação. Os testes internacionais, embora sejam uma ferramenta relevante para comparar desempenho entre nações, podem não capturar de forma integral o potencial dos estudantes finlandeses, cuja formação valoriza competências que vão além da mensuração quantitativa.

DESAFIOS INTERNOS E A NECESSIDADE DE INOVAÇÃO: Alguns analistas sugerem que o sistema, que já foi sinônimo de inovação, pode ter alcançado um patamar de estabilidade que agora limita a renovação de práticas pedagógicas. Essa ‘zona de conforto’ pode

estar dificultando a resposta rápida às transformações sociais e educacionais emergentes.

Em meio a esse cenário, o ministro da Educação finlandês tem se destacado por suas declarações equilibradas e pelo convite a um debate amplo e transparente. Em entrevista concedida a um importante canal de televisão nacional, o ministro afirmou: “Estamos diante de um momento de reflexão que deve ser encarado como uma oportunidade para repensar nosso sistema educacional. A queda nos resultados não é sinal de fracasso, mas um indicativo de que, assim como a sociedade, a educação precisa evoluir. Estamos promovendo uma revisão profunda das metodologias e dos instrumentos de avaliação, com o intuito de alinhá-los às demandas contemporâneas”.

Desempenho da Finlândia vem caindo no Pisa
Prova internacional mede conhecimentos de alunos de 15 anos
Estudante de Rovaniemi, Finlândia
Fonte: Pisa

FINLÂNDIA

Em um outro encontro com líderes escolares e especialistas, o ministro complementou: “A excelência do nosso sistema nunca foi garantida pela imutabilidade. Ela se construiu e se mantém através de uma constante renovação e da coragem de questionar práticas que já não atendem às necessidades dos nossos alunos. É fundamental que abracemos essa mudança e que, juntos, busquemos inovações que contemplem as dimensões tecnológicas, sociais e emocionais da aprendizagem”.

Adlercreutz contou quais medidas já foram tomadas para retomar a ‘liderança’: proibir celulares nas escolas (inclusive nos intervalos) e ampliar carga horária de matemática e de literatura. Entre 2012 e 2022, o desempenho dos alunos no Pisa caiu mais de 20 pontos nas três disciplinas avaliadas (veja gráficos). “Estamos procurando um equilíbrio entre o digital e o analógico, e talvez ainda não tenhamos encontrado essa balança ideal”, afirma o ministro.

A notícia sobre a queda de desempenho tem provocado discussões acaloradas não só em ambientes governamentais, mas também na sociedade civil. Em debates organizados por associações de famílias e educadores, foram levantadas questões pertinentes: seria o declínio um reflexo de uma inadequação dos métodos tradicionais frente às novas demandas do mundo digital? Teria o sistema, por vezes exaltado por sua igualdade, negligenciado a personalização do ensino e o desenvolvimento de habilidades individuais?

O caso ganha uma dimensão ainda mais significativa quando analisada sob a perspectiva de países que, como o Brasil, buscaram inspiração no modelo nórdico. O sistema finlandês foi amplamente estudado e adaptado em diversas iniciativas brasileiras, que visavam reduzir desigualdades e elevar a qualidade do ensino público. Contudo, a notícia do declínio no desempenho serve como um alerta: nenhum modelo é definitivo ou imune aos desafios do tempo.

PARA O BRASIL, ESSA SITUAÇÃO PROPICIA UMA SÉRIE DE REFLEXÕES:

ADAPTAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO: O que funciona em um contexto cultural, social e econômico específico não necessariamente pode ser transposto de forma integral para outro país. A experiência finlandesa reforça a necessidade de adaptar as práticas pedagó-

A Finlândia já não é ‘a melhor do mundo’. E os últimos resultados de avaliações a retiraram dos 10 melhores do planeta

gicas às realidades locais, considerando as particularidades regionais e as demandas da sociedade brasileira.

INVESTIMENTO NA FORMAÇÃO CONTINUADA: Um dos pilares do sucesso finlandês sempre foi a valorização dos professores. O debate atual reforça a importância de investir em formação continuada e em pesquisas que dialoguem com as novas tecnologias e metodologias. No Brasil, esse é um desafio constante que demanda políticas públicas integradas.

INOVAÇÃO E FLEXIBILIDADE: A autocrítica vivida na Finlândia evidencia que a rigidez metodológica pode limitar o desenvolvimento do potencial dos alunos. Para os gestores(as) e educadores(as) brasileiros(as), a mensagem é clara: a busca pela inovação deve ser contínua e flexível, permitindo ajustes rápidos às transformações sociais e tecnológicas.

AVALIAÇÃO HOLÍSTICA: A discussão sobre os instrumentos de avaliação aponta para a necessidade de métodos que considerem não só o conhecimento acadêmico, mas também as competências socioemocionais e as habilidades para a vida. Essa abordagem mais abrangente pode ser um caminho promissor para repensar as avaliações no Brasil, de modo a captar uma imagem mais completa do desenvolvimento dos estudantes.

Em síntese, as recentes avaliações não devem ser encaradas como um indicativo de fracasso do modelo finlandês, mas sim como um convite à reflexão e à constante renovação. Para o Brasil, que tem trilhado (aos solavancos) caminhos inspirados em práticas internacionais, o caso finlandês reforça a importância de não se acomodar diante do sucesso passado, mas de manter uma postura vigilante e inovadora.

ESTE É O SINDICATO

A hora é da inteligência humana

Futuros regenerativos, celular na escola, currículo pós-BNCC e outros assuntos

são destaques do maior evento educacional do Brasil. Adriana Martinelli, diretora de conteúdo da Bett, explica como será esse aperfeiçoamento profissional

Osetor educacional e, claro, a sociedade como um todo, vivem em duas pontas: de um lado, o avanço da tecnologia digital, como a inteligência artificial (IA). Do outro, o aumento da ansiedade, esgotamento mental, bullying e outros problemas que reforçam a necessidade do desenvolvimento humano. A análise é de Adriana Martinelli, diretora de conteúdo da Bett Brasil, o maior evento de inovação e tecnologia para a educação da América Latina, que acontece de 28 de abril a 1º de maio, no Expo Center Norte, cidade de São Paulo.

Cerca de 400 palestrantes para pelo menos 170 sessões marcam a Bett 2025, que completa 30 anos nesta edição — além de mais de 300 expositores. Entre os palestrantes internacionais está o espanhol Xavier Aragay, o qual provoca, segundo Adriana, que o atual momento deve ser o de pausar para reimaginar a educação, focando no humano.

Focando no Brasil, entre as temáticas do congresso haverá: educação midiática, debatida por Januária Alves, referência no assunto, junto a Felipe Neto, influenciador que criou um instituto com seu nome com foco nesse tema; vulnerabilidade como potência, por Cláudio Thebas, palhaço clown e Edu Valladares, especialista em aprendizagem intencional; já Carlo Tieppo falará sobre neurociência; Cecilia Antipoff, neta de Helena Antipoff, também participará do evento, e tantos outros grandes nomes, como o da atriz Denise Fraga, que refletirá sobre conexões humanas.

A Bett tem aplicado em seus ‘painéis’ o que para alguns ainda é discussão: a importância de diferentes métodos de aprendizagem, para além do expositivo. Entre os formatos do congresso, há o Bett Talks, que apresenta em 12 minutos histórias que transformam a educação. Já o Aquário é uma metodologia de interação cujo público sobe ao palco. Este ano a novidade está com um auditório que traz o modelo de sala de aula invertida — além de outras propostas.

Confira, a seguir, a entrevista com Adriana Martinelli, que tem mais de 25 anos de experiência educacional, como foco na gestão de programas.

O tema da Bett deste ano é Educação para enfrentar crises e construir futuros regenerativos O que está acontecendo no mundo, no setor educacional, incluindo o papel da docência e gestão? Esse tema geral traz a provocação de que temos problemas atuais claros para resolver, mas de um jeito que seja sustentável, que permita que continuemos resolvendo novos problemas que ainda não estão postos. Por

Divulgação
Atenta, Adriana Martinelli montou uma programação que vai de IA, processos criativos, saúde mental e outros

isso a ideia de enfrentar essas crises e, para isso, devemos construir uma atitude que se regenere a todo momento, gerando a condição de adaptabilidade na educação.

Se as crises estão postas — tecnologia na educação, saúde mental, crise climática e outros desafios — é porque ainda não sabemos resolvê-las e precisamos reverter isso de um jeito diferente, que pode vir a ser na construção de futuros regenerativos. Por isso, entre os subtemas do nosso evento colocamos o ‘aprender a fazer’.

Tudo o que se faz na educação deveria ter intencionalidade clara e um propósito focado na aprendizagem. Então, o tema da Bett é um ‘call to action’ (apelo à ação, na tradução). Senso de urgência pautado no fazer. Enfrentar uma crise é fazer algo urgente. Não é debater. A gente precisa sair um pouco dos grandes debates e aterrizar para grandes experimentos ou talvez pequenas ações que cheguem a grandes resultados.

Há painéis sobre IA, como desenvolver determinadas habilidades e, assim, destacando a necessidade da inteligência humana — além da importância do cuidado pessoal e profissional. A formação continuada está mais complexa e ampla?

Tanto do ponto de vista dos expositores da Bett quanto do ponto de vista do nosso conteúdo havia a percepção de educação focada quase que exclusivamente no conteúdo escolar. Falávamos muito da matemática, língua portuguesa; ficávamos envoltos em como trabalhar melhor os conteúdos. Na minha percepção, quando vem a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e aponta claramente as 10 habilidades, ela coloca o foco da educação numa outra perspectiva: na importân-

Se as crises estão postas — tecnologia na educação, saúde mental, crise climática e outros desafios — é porque ainda não sabemos resolvê-las e precisamos reverter isso de um jeito diferente, que pode vir a ser na construção de futuros regenerativos

cia de desenvolver habilidades que nos servirão para a vida toda. Com isso, a noção de currículo passa a ter um olhar que envolve, por exemplo, o desenvolvimento de habilidades, metodologias e uso de tecnologias.

Em tempos de restrição do uso do celular na escola, como evitar que práticas positivas com a tecnologia digital não percam força e que a liberdade pedagógica de cada escola seja respeitada?

Estamos numa era de muita integração com a tecnologia. Por outro lado, dentro do processo educacional, restringimos o uso desta tecnologia. Não vou avaliar se isso é bom ou é ruim, porque agora estamos fora desse lugar. Mas temos que ter consciência do que está sendo feito. É claro que houve um uso indiscriminado, sem nenhum processo educativo tanto do ponto de vista familiar quanto do ponto de vista de escola. Porque o excesso de tela também tem uma causa dentro da família, que é quem deu esse celular e também possui dificuldade em administrar essa relação, uma vez que os próprios adultos também se enquadram nesse excesso de tela. Já na escola, o uso deveria ser do ponto de vista pedagógico de aprendizagem. E essa lei proíbe o uso indiscriminado. Mas sabemos que essa norma não vai resolver o tempo em tela porque na casa isso continuará.

Inclusive, a relação família e escola está mal construída e precisa ser fortalecida — teremos painéis sobre esse tema também. A gente precisa voltar a ajudar pais a saberem serem pais, para evitar que deleguem funções para a escola.

A Bett completa 30 anos e a cada edição tem inovado em seus modelos de painéis
Divulgação

Base para a convivência e aprendizagem

Como escolas públicas e particulares enfrentam desafios e promovem boas práticas para um clima escolar mais saudável

| Por Carolina Firmino

Árvore dos combinados para melhorar a convivência, feita com estudantes da Escola Estadual Santa

Em um cenário educacional cada vez mais desafiador, o clima organizacional emerge como fator determinante para a qualidade da convivência e da aprendizagem nas escolas. Esse conceito, que incorpora o conjunto de percepções, sentimentos e relações dentro do ambiente escolar, influencia diretamente o bem-estar dos estudantes, da gestão, docência e funcionários em geral.

Segundo Rita Jobim, gestora de formação do Centro Lemann de Liderança para a Equidade na Educação, quando esse clima é positivo, influencia a motivação para aprender, atenua o impacto negativo do contexto socioeconômico sobre a aprendizagem e contribui para o desenvolvimento emocional e social dos alunos. “Impacta não só o sucesso imediato do estudante, como seu efeito pode persistir por anos. Sabe aquele sentimento de carinho que muitas pessoas carregam da escola? Com certeza experienciaram um bom clima escolar”, diz.

DIMENSÕES DE CLIMA ESCOLAR POSITIVO

Valeria Oliveira, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Desigualdades Escolares (Nupede), da mesma universidade, explica que a avaliação do clima organizacional de uma escola implica a coleta de informações com todos os atores que fazem parte desse espaço — estudantes, docentes, gestores e gestoras, famílias etc. É necessário saber a percepção deles a respeito das relações interpessoais e da qualidade das interações que eles estabelecem dentro da escola para realizar o diagnóstico de clima. “Esse, porém, é um dos principais desafios que a gente tem no Brasil, pois não há instrumento que recolha regularmente esses dados”, acredita Valeria.

Acervo EE Santa Rosa de Lima
Rosa de Lima, Capão Redondo, SP

Nesse caso, a pesquisadora lembra que o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) apura algumas informações junto aos estudantes, professores e direção que podem trazer evidências. Ela sugere também o instrumento que o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) oferece para avaliar questões de convivência nas escolas.

Luciene Tognetta, professora na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e coordenadora na linha de pesquisa Convivência na escola: virtudes, bullying e violência, do Gepem, considera que o principal sinal de que uma escola tem um clima organizacional positivo não é a ausência de conflitos, mas as pessoas que ali convivem terem clareza de que eles existem, são tratados de maneira respeitosa e serão resolvidos.

Segundo Luciene, um clima escolar positivo impacta diretamente a sensação de pertencimento: “Crianças e adolescentes vão se sentir mais engajados, sentir que são queridos, que têm valor aos olhos dos seus professores, que se sentem respeitados e acolhidos. Do ponto de vista do desenvolvimento socioemocional, esses meninos e meninas têm ganhos expressivos, assim como os seus professores, que vão compartilhar desse espaço de acolhida e bem-estar”.

ENFRENTAMENTOS E DESAFIOS

Tanto na rede pública quanto na particular, desafios como a sobrecarga de trabalho dos professores, a falta de infraestrutura adequada e a necessidade de maior participação da comunidade escolar podem impor bar-

Luciene Tognetta considera que o principal sinal de que uma escola tem um clima organizacional positivo não é a ausência de conflitos, mas a clareza de que eles existem, são tratados de maneira respeitosa e serão resolvidos

Acolhimento de cada educador no 1º dia de planejamento, em 2025, da Escola Estadual Santa Rosa de Lima.

De vermelho, a diretora Paula Beatriz

reiras à construção de um ambiente que ofereça conforto e segurança a quem o frequenta. Segundo Luciene, “esses problemas podem se diferenciar em termos de conteúdo, mas são comuns às duas redes: uma escola pode ter dificuldades na dimensão de aprendizagem, a outra, na questão do sofrimento emocional”.

No entanto, em ambas as realidades, os gestores e gestoras escolares têm papel central. Rita Jobim destaca que “eles são responsáveis por criar uma cultura que promova a inclusão, o respeito e o desenvolvimento integral dos estudantes. Isso implica não apenas administrar recursos, mas adotar práticas de liderança colaborativa, ouvindo as necessidades de professores, alunos e famílias”.

Por meio do Programa de Formação de Lideranças Educacionais do Centro Lemann, iniciativa voltada para o desenvolvimento e fortalecimento de líderes que atuam na educação pública brasileira, foi possível identificar que alguns desafios aparecem com certa frequência nesse espaço. Rita pontua a presença de docentes desmotivados, famílias distantes da escola, casos de bullying, conflitos e violência, falta de recursos financeiros e ausência de identidade com a cultura local.

Em contrapartida, uma pesquisa realizada na Unesp apontou que os alunos de escolas particulares estão mais propensos a sofrerem com casos de cyberbullying. Um questionário com 15 exemplos de ações classificadas como intimidadoras foi apresentado a 3.469 estudantes do estado de São Paulo (1.991 da rede pública de

Acervo EE Santa Rosa de Lima

CLIMA ORGANIZACIONAL

ensino e 1.478 da rede privada), com idades entre 11 e 17 anos. Os dados mostraram que houve maior prevalência para o último grupo em 11 das 15 situações. Isso indica, por exemplo, “que é necessário um trabalho mais sistematizado com esta temática [para o clima] na escola particular”, completa Luciene.

BOAS PRÁTICAS NAS

REDES PÚBLICA E PARTICULAR

“Entender que a escola pública é para todos e, assim, não apenas garantir o acesso, mas a permanência neste ambiente. Para ser saudável, deve ainda possibilitar e buscar estratégias que mantenham a saúde mental sadia, ir além do processo de aprendizagem, respeitar o indivíduo com sua particularidade e inseri-lo na sociedade.” É assim que Paula Beatriz, diretora da Escola Estadual Santa Rosa de Lima, Capão Redondo, SP, descreve o que é necessário para encontrar condições favoráveis de clima escolar. Ela defende que é papel da direção, portanto, adotar a escuta ativa e garantir que haja espaço para refletir sobre aspectos importantes para a qualidade da convivência.

Segundo a diretora, um ambiente escolar acolhedor só é possível quando se tem clareza dos princípios previstos no projeto político-pedagógico da instituição em consonância com os demais marcos legais. “É esse acolhimento que garantirá a frequência às aulas, e o interesse pela aprendizagem resultará significativamente nas avaliações internas e externas”, pontua.

No quesito equidade, Paula, que é uma mulher trans, acredita que sua presença na gestão contribui para um olhar humanizado, de diversidade e respeito dentro e fora da escola. “Exatamente por ter na direção da escola um corpo de mulher trans negra, rompe-se com

Acervo Colégio Marista

Encontro de formação continuada no Colégio Marista

Paranaense para conhecer as histórias de vida uns dos outros

todo e qualquer tipo de preconceito. Estou na EE Santa Rosa de Lima há 22 anos e meu propósito sempre foi de acolher bem todos/as/es, uma postura que reverberou na comunidade escolar e também local”, diz.

A comunidade escolar, conforme afirma Jean Marcos Gregol Gwiazdecki, coordenador de pastoral do Colégio Marista Paranaense, Curitiba, PR, deve ser o foco de uma escola com clima organizacional positivo: “Esse senso de pertencimento que se exige ou se busca dentro de uma escola não é automático, nem individual. Então, eu preciso dar ferramentas para que a pessoa, além de pertencer ao ambiente, se sinta corresponsável por ele”.

Jean acredita que isso é possível com estratégias cotidianas e não necessariamente extraordinárias, como o simples fato de manter um canal de comunicação aberto com os atores escolares. “Demonstrar transparência nas decisões tomadas minimiza o impacto da dúvida e traz elementos que vão fortalecendo essa dimensão de comunidade”, defende. Ele também classifica a gestão e a coordenação como principais responsáveis por cuidar desses valores e transmitir a mensagem do que se espera culturalmente na escola: “Por isso, nós investimos em formações e cursos de liderança, para que seja possível oferecer feedback assertivo e escuta qualificada”.

Caixinha de sugestões da instituição Marista

Além disso, entre as iniciativas do Colégio Marista Paranaense, o coordenador destaca a criação de um time de clima com colegas de diversas áreas, na busca de um ambiente mais saudável para trabalhar. “Resgatamos o reconhecimento por tempo de casa e, para os aniversariantes, passamos a olhar com mais cuidado para funcionários que estão na limpeza, mexendo com máquinas, expostos ao sol, organizamos cafés e espalhamos caixinhas de sugestões por todos os setores”, lista Jean. “Quando há um ecossistema de mais interesse, com mais possibilidades para valorizar as potencialidades de cada um, aos poucos, conseguimos corrigir aquilo que não está muito bem”, conclui.

ENTRE TRAMAS E FIOS

Você só sonha com aquilo que aparece como possibilidade

A escola pode e deve ser o espaço em que outras realidades se tornam visíveis e alcançáveis

| Por Luiz Fernando Costa de Lourdes

Na exposição Comigo ninguém pode - sobre a pintura de Jeff Alan*, as cores vibrantes e as palavras ‘sonhos, coragem e poder’ destacam-se sob o olhar grave das personagens retratadas. Em um dos quadros, uma garota olha para o lado, e em sua mochila lê-se ‘sonhos vivos’. Essa imagem nos convida a refletir: quais sonhos vivem nas mentes das milhares de crianças, adolescentes e jovens que frequentam as escolas brasileiras? E, mais importante, como a escola do século 21, no contexto brasileiro, pode manter esses sonhos vivos e ampliar os horizontes para que novas realidades se tornem possíveis?

A escola, como espaço democrático, tem o potencial de oferecer experiências educativas, sendo o lugar da produção de saberes e sentidos, em que outras realidades se tornam visíveis e alcançáveis. A arte de sonhar está ancorada ao repertório que cada indivíduo constrói ao longo de sua trajetória. Por isso, a leitura, as artes, as práticas corporais, as ciências, os saberes populares e a conexão entre a escola e o território são elementos fundamentais para ampliar as perspectivas de vida dos estudantes. No entanto, não é a hierarquização de disciplinas ou o aumento da carga horária de uma área em detrimento de outra que tornará a educação mais eficiente. A verdadeira mudança está na escola cumprindo seu papel de garantir os direitos de aprendizagem de todos. Quanto mais diversas e amplas forem as experiências oferecidas, mais consistentes serão os processos e resultados das aprendizagens. A qualidade social da educação só será alcançada quando a escola proporcionar acesso a múltiplos saberes,

sem restringir-se a um ou dois campos do conhecimento. Esses saberes circulam por toda a sociedade, e cabe à escola selecionar aqueles que têm relevância cultural e estratégica para sua comunidade, alinhados ao projeto de sociedade que desejamos construir. Para que nossos estudantes mantenham seus sonhos vivos, a escola precisa ampliar suas experiências educativas, de modo que as maneiras de viver e seus destinos sociais sejam fruto de uma complexa forma de escolhas e não uma sentença de sua origem social.

A leitura, as artes, as práticas corporais, as ciências, os saberes populares e a conexão entre a escola e o território são elementos fundamentais para ampliar as

perspectivas

de vida dos estudantes

As políticas públicas têm um papel crucial nesse processo, assegurando que o conhecimento seja acessível a todos e, independentemente da localização ou do público que atende, a escola precisa urgentemente, como na obra de Auritha Tabajara, ter o “Coração na aldeia, pés no mundo”, mostrando que os saberes podem levar a destinos inimagináveis.

*A exposição do artista pernambucano esteve em cartaz na Caixa Cultural São Paulo entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025. Curadoria do antropólogo Bruno Albertim.

Diretor da EMEF Profa. Maria Aparecida Rodrigues Cintra, SP, mestre em educação. Professor do Uma jornada pela diáspora africana (prêmio Educação em Direitos Humanos, SMDHC-SP), e professor de pedagogia do Instituto Vera Cruz

Luiz Fernando Costa de Lourdes

FUTURO DA ESCOLA

Escola Crescimento, Maranhão

Cultura digital clara entre a equipe escolar e com foco na aprendizagem

Tecnologia como meio para desenvolver habilidades é destaque de instituição maranhense

Ouso da tecnologia digital na educação ganhou força nos últimos anos, bem como o debate a respeito de seu uso. Se, por um lado, existe a compreensão de que a utilização sem fins pedagógicos (como a distração com o celular) atrapalha o aprendizado, por outro, sabe-se que as escolas não podem ficar alheias aos avanços nessa área. E alguns especialistas defendem que, se usada da maneira certa, a tecnologia pode ser uma grande aliada.

Na Escola Crescimento, que tem duas unidades em São Luís, MA, e atende cerca de 2.150 alunos, há uma forte cultura digital. A instituição conta com um Núcleo de Inovação e Tecnologia (NIT) e possui a certificação Apple Distinguished School, selo oferecido pela empresa a escolas que usam sua tecnologia de forma inovadora, observando também outros critérios.

Segundo Saimon Corrêa, diretor da unidade Calhau (nome do bairro em que a instituição está localizada) da Escola Crescimento, algo que é observado para a certificação e que faz parte da proposta da instituição é a compreensão de que a tecnologia não é um fim, mas sim um meio para se chegar ao aprendizado. Essa forma de encará-la, afirma, precisa estar enraizada na

cultura e vale para todos que fazem parte da comunidade escolar, inclusive famílias e estudantes.

“O aluno, quando pensar no uso de tecnologia, deverá percebê-la como um meio. Se não houver a tecnologia, ele vai buscar outro meio para que o problema seja resolvido”, afirma o diretor, que tem formação justamente na área de tecnologia, em redes de computadores.

Exemplo citado por ele sobre uma das formas de utilizar a tecnologia na instituição ajuda a ilustrar: na aula de matemática, o professor leva os alunos para uma área aberta da escola para calcular distâncias entre prédios. Os estudantes, então, são instigados a fazer o cálculo tanto com o apoio de recursos tecnológicos (o tablet) quanto sem eles — neste caso, utilizando a régua. Há, portanto, o trabalho com diferentes formas de solucionar um mesmo problema.

Saimon também diferencia o uso da tecnologia como meio e como fim com dois exemplos. Como fim, seria o professor utilizá-la para que os estudantes assistam a uma videoaula, enquanto o docente atua como um intermediário. Já a utilização como meio seria, em uma aula sobre pré-história, o professor usar a tecnologia para que os estudantes visitem um museu de forma virtual e visualizem dinossauros, inclusive com óculos

A escola possui o selo Apple Distinguished School

São 2.150 estudantes que têm a tecnologia como parte das atividades curriculares

de realidade virtual, propondo atividades com essa forma de empregar a ferramenta.

Há também outras maneiras de utilização da tecnologia na escola. Um projeto voltado às turmas dos 7º e 8º anos, por exemplo, propõe que os jovens produzam curtas-metragens. “Os alunos desenvolvem pequenos curtas e precisam apresentar isso no cinema. Todo mundo vai assistir — eu vou, as famílias vão. No final, tem a entrega de um Oscar para o melhor curta”, explica Saimon. Para isso, eles utilizam os tablets da escola.

NÚCLEO DE INOVAÇÃO E TECNOLOGIA

De acordo com o diretor, o Núcleo de Inovação e Tecnologia (NIT) é responsável por implantar novas soluções e dar suporte a elas, além de intermediar e garantir a disponibilidade de todos os recursos tecnológicos da escola. Ele destaca dois pontos-chave para o núcleo: organização e agilidade. No caso deste último, a importância se dá porque a escola é um ambiente dinâmico e é preciso se adaptar às mudanças. Saimon reforça que o núcleo também deve compreender que tecnologia é um meio, e não um fim. E que uma das funções da equipe é olhar para o mercado e

entender quais as melhores soluções que têm surgido. Um exemplo é o ChatGPT.

Fotos: Divulgação/Escola Crescimento

“Quando isso acontece [surge uma nova solução], a equipe pesquisa, entende, forma todo mundo”, pontua o diretor. “Primeiro, a equipe de gestão; depois isso vai chegando até a operação, até os professores. Quando o aluno se depara com o ChatGPT, a equipe já está preparada para dizer ‘dá para usar dessa forma’ ou ‘não é para usar dessa forma’. Isso soma muito, porque não tem como você represar a tecnologia. Você tem de entender e controlar. E intermediar.”

RESTRIÇÃO DO USO DO CELULAR

Neste ano, passou a valer em todo o país a lei federal que restringe o uso de celulares nas escolas — permitindo, claro, a utilização com fins pedagógicos, além de outras exceções como garantia de acessibilidade e inclusão.

Saimon afirma que, no caso da Escola Crescimento, a proibição já existia na educação infantil e ensino fundamental. Com a nova legislação, houve uma ampliação dessa determinação.

“Como nós já temos essa cultura do uso de tecnologia, de controle, de gestão, de utilizar a tecnologia a favor do aprendizado, isso sempre nos deu uma chancela para dizer: ‘Olha, nós sabemos o que estamos fazendo, e celular em sala de aula não pode em determinados segmentos’. Nós já caminhávamos para isso, só ampliamos”, explica.

A instituição não tem adotado, por exemplo, a utilização de armários para guardar os aparelhos, de acordo com o diretor. “Como temos um trabalho de desenvolver os nossos alunos, nosso objetivo aqui é fazer com que o aluno entenda que ele não pode usar [o celular].”

Saimon Corrêa, diretor da unidade Calhau: “Quando o aluno se depara com o ChatGPT, a equipe já está preparada para dizer ‘dá para usar dessa forma’ ou ‘não é para usar dessa forma’”

Divulgação/Escola Crescimento

Leitura é abandonada em casa e na escola

As escolas devem desenvolver leitura crítica e apaixonada de livros e, consequentemente, gerar desconforto na alma desses jovens no confronto com autores e intelectuais

Oano não começou com notícias alvissareiras na educação, sobretudo na área de linguagens. Reportagens recentes revelam que estudantes dos ensinos fundamental e médio vêm obtendo resultados pífios em provas de leitura e de escrita, o que é preocupante agora e também a longo prazo.

A leitura de autores e de textos consistentes é, sem dúvida, considerada uma prática primordial para o desenvolvimento de saberes

e de boa parte do conhecimento disponível no mundo. No entanto, ela não faz parte da vida fora da escola, nem está presente de forma significativa no dia a dia do aluno. Pesquisas antigas e atuais fornecem praticamente ano após ano os mesmos dados e notificações, ratificando o descaso paulatino com a leitura e com a escrita. Estamos patinando, estagnados e com vislumbres para sair desse atoleiro.

Para piorar o susto e o desassossego, os adultos também largaram mão dos livros e agarraram-se,

como os jovens, aos smartphones ou às séries de TV. A recente edição de Retratos da Leitura no Brasil aponta que 53% dos entrevistados não leram sequer parte de uma obra nos três meses anteriores à pesquisa. E a verificação considera a leitura de livros impressos e digitais e não excluí gênero algum, ou seja, inclui didáticos, bíblia, autoajuda, biografias, HQ e religiosos. É um dado inédito e melancólico na nossa história o fato de que os brasileiros não apreciam nem leem frequentemente livros.

Se o hábito de leitura não é condição suficiente para que se produzam bons textos nos concursos para universidades, é certamente necessária, ainda mais que boa parte das provas exige dos postulantes interpretação, análise, referenciação e inferência nas coletâneas oferecidas.

O caldo escaldante entorna e alarma com a informação de que apenas 12 candidatos obtiveram nota 1.000 no exame do Enem realizado ano passado. É bom ressaltar que muitos textos com boas notas entre 900 e 800 carregam vícios das orientações ‘coringa’ propagadas e ensinadas em algumas apostilas e em muitas videoaulas espalhadas no mundão digital.

Rawls, Karl Marx, Michel Foucault, Paulo Freire, Platão, Aristóteles, Hannah Arendt, Thomas More, Rosseau e John Locke são pau para toda obra nas redações escolares. Invariavelmente, esses pensadores são citados em defesas argumentativas que não dialogam com suas ideias. Não importa se o tema sugerido propõe discussão sobre crise climática ou banimento do celular ou questões de gênero e de étnicas, o aluno treinado acaba citando dois ou três desses pensadores mesmo que não se ajustem ao que está sendo discutido. Infelizmente, as referências a esses intelectuais parecem aforismos endoidecidos a preencher a fórceps lacunas dos textos.

A dissertação argumentativa escolar é um gênero um tanto quanto artificial e postiço, com grades de correção específicas
demais que tolhem o processo criativo

No entanto, vale destacar que os modelos de redação propostos no Enem e nas universidades públicas e particulares não contribuem muito para verificar com precisão se os aspirantes ao curso superior estão mesmo escrevendo e lendo bem — uma vez que a dissertação argumentativa escolar é um gênero um tanto quanto artificial e postiço, com grades de correção específicas demais que tolhem o processo criativo e estimulam a elaboração de textos mecânicos, decorados e manjados.

Não faltam aulas de redação na internet e nas escolas com dicas infalíveis sobre uso de conectivos e emprego de citações adequadas, quase sempre viciosas. Não raro, independentemente da proposta, o aluno treinado encontra sempre uma maneira de alocar, numa argumentação, o pensamento de alguma figura carimbada do universo intelectual. Simone de Beauvoir, Djamila Ribeiro, Ariano Suassuna, Immanuel Kant, John

As escolas devem se dedicar a desenvolver nos alunos leitura crítica e apaixonada de livros. Devem provocar na garotada amor pela leitura, pelo debate, e algum desconforto na alma desses jovens no confronto com os autores e com intelectuais. E devem dar mais espaço para que os estudantes possam debater as próprias ideais à luz das e dos autores lidos. E, acima de tudo, deve-se ter tempo para que os aprendizes possam reescrever com mais frequência seus textos após as considerações dos professores.

Não há necessidade de abarcar nas aulas de redação todos os temas que possam ser cobrados nos exames. Ao professor, não cabe adivinhar o que virá na prova de redação e de leitura, cabe ajudar os alunos a encontrar um estilo e uma forma adequada de se expressar com consistência e, sem dúvida, fomentar neles o apreço pela leitura integral prazerosa dos livros.

Só assim e com muito trabalho conseguiremos reverter o quadro caótico da leitura e da escrita no país.

João Jonas Veiga Sobral Escritor, professor de língua portuguesa e orientador educacional

de conteúdo transformador

palestrantes renomados

líderes

Gestão

Liderança Educacional

EdTech

Gestão de Pessoas Marketing Educacional

Educação Especial e Inclusiva

Educação Profissional

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