Revista Educação 306 setembro 2024

Page 1


Modelo de sociedade atual nos adoece

revistaeducacao.com.br

Estados Unidos

Covid: alunos ainda não recuperaram a aprendizagem

EDUCACAO

Ser humano continua no centro das decisões. Desafio está no uso ético

Desconto para as famílias, vantagens para as escolas!

Leve agora a solução Família Inteligente Economiza para a sua escola!

Benefícios para a escola parceira:

• Condições comerciais atraentes

• Apoio Pedagógico completo

• Diferenciais exclusivos na contratação de serviços de empresas parceiras, como a Soul Socioemocional

• Recursos educacionais inovadores e de fácil aplicação

Mais de 2 mil escolas e 250 mil famílias já se beneficiam de nossa solução.

Entre em contato com o(a) consultor(a) da Editora do Brasil em sua região e descubra todos os benefícios dessa parceria. Para mais informações, visite nosso site www.editoradobrasil.com.br ou envie um e-mail para atendimento@editoradobrasil.com.br

Acesse o material informativo e saiba mais.

CARTA AO LEITOR

Rumo aos trinta

AEDUCACAO

A revista Educação, composta por edições digitais e impressas, site, redes sociais e eventos, é publicada por RFM Editores

Ano 29 - Nº 306 setembro de 2024 ISSN 1415-5486

Conselho editoral

Eduardo Deschamps

Fernando José de Almeida

Iracema Nascimento

Mozart Neves Ramos Regina Scarpa

Publisher: Edimilson Cardial edimilson@editorasegmento.com.br

Editora: Laura Rachid laura@editorasegmento.com.br

www.revistaeducacao.com.br revista Educação nasceu quando a mídia impressa ainda imperava e sob os bons augúrios de um novo plano econômico, o Real, que de fato foi fundamental para o Brasil. E tornou-se determinante para o incremento dos negócios dos jornalistas empreendedores. Exatamente com a edição de setembro de 1995 começamos a contar a história da educação. Não que tenhamos sido os primeiros, mas numa publicação exclusiva do assunto ficou cada vez mais raro, até que hoje somos a única.

O bom de tudo isso é que os parceiros da educação naqueles primeiros 20 anos se aglutinaram na publicação em sua sede no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Tínhamos a ambição de contribuir com nossas matérias para melhorar a qualidade do ensino. E perseguimos isso até hoje, com o mesmo denodo e com a mesma liberdade que desfrutamos nesse período. Somos, sim, uma imprensa sem partidarismo, sem outro vínculo que não seja a educação.

Fazer a revista Educação hoje é mais difícil. Todo mundo produz conteúdo, nossos parceiros patrocinadores e até mesmo nossos leitores, que, não tendo veículo, se expressam nas redes sociais, criando legião de seguidores.

O que nos diferencia? A falta de viés, e a apuração nos moldes que só o jornalismo permite: apuração isenta e direito ao contraditório. Enquanto parceiros fazem conteúdo no intuito de apresentar seus produtos, e os leitores expressam suas opiniões e idiossincrasia em redes, nós buscamos os protagonistas que discutem temas relevantes para, em reportagem, apresentar todos os lados da questão.

Mas também é bom frisar que ficou mais fácil fazer uma revista quando se dispõe da colaboração de educadores do porte do nosso Conselho Editorial, cujos nomes podem ser vistos nesta página, e dos colunistas que nos brindam com suas análises indispensáveis. E também com a presença nessas quase três décadas do que chamo de parceiros, patrocinadores e apoiadores.

É por isso que estamos em festa. Somos novos, estamos chegando nos 30 anos, tempo de mais mudança por aqui.

Obrigado a todos e todas que nos ajudaram nessa caminhada. E que continuemos juntos.

Diretora administrativa: Rita Martinez rita@rfmeditores.com.br

Diretora de marketing: Carolina Martinez carolina@rfmeditores.com.br

Parcerias Institucionais Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) Undime SP (União dos Dirigentes Municipais de Educação)

Sua Escola Ideal Two Sides

Colaboraram nesta edição

Alexandre Sayad

Damaris Silva

Débora Garofalo

João Jonas Veiga Sobral José Pacheco

Juliana Fontoura

Luciana Alvarez

Maria Eugênia

Rubem Barros

The Hechinger Report /Jill Barshay Simône Midori Maki (diagramação) Maria Stella Valli (revisão)

Comercial

Gerente de negócios e relacionamento: Margarete Rios Silva margarete@rfmeditores.com.br Cel.: (11) 99995-1284

Correspondências

Rua Oscar Caravelas, 334 - Vila Madalena, SP CEP 05441-000

INTERNET

Visite a página online da Educação www.revistaeducacao.com.br Nos siga nas redes sociais @revistaeducacao

Educação é uma publicação mensal da RFM Editores destinada a mantenedores, educadores e interessados em educação. Esta publicação não se responsabiliza por ideias e conceitos emitidos em artigos ou matérias assinadas, que expressam apenas o pensamento dos autores, não representando necessariamente a opinião da revista. A publicação se reserva o direito, por motivo de espaço e clareza, de resumir artigos.

ATENDIMENTO

Para falar sobre assinaturas

Karlita Silva karlita@revistaeducacao.com.br WhatsApp: 11 98878-8745

Educadores compartilham como têm usado a IA na escola e destacam que ela é apenas um novo palco, mas que o problema de sempre se revela

ENTREVISTA

Vera Iaconelli

MERCADO BILÍNGUE

Negócios

Psicanalista convida a propor maneiras saudáveis de viver em sociedade, cuja criança não seja tratada como estorvo e que a mãe não seja sobrecarregada. Também fala do aumento no diagnóstico de autismo e restrição de celular na escola

De um lado, empresas de idioma e soluções educacionais apostam em parcerias com escolas de educação básica. Do outro, essas mesmas empresas lançam suas próprias instituições de ensino básico. Fato é que o mercado está aquecido

Vinculado ao MEC, Conselho Nacional de Educação ganha novos integrantes, entre eles, Cesar Callegari, que compartilha as primeiras emergências educacionais

Entre promessas imprudentes, sociedade necessidade refletir sobre o ato de educar

ENTREVISTA

“Modelo de sociedade atual nos adoece”

Psicanalista convida a propor maneiras saudáveis de viver em sociedade, cuja criança não seja tratada como estorvo e que a mãe não seja sobrecarregada. Mais que entender que o sistema neoliberal gera ansiedade, a questão está em como inibir esse feito

“[O autismo] virou um termo para as pessoas fugirem de certos estigmas, porque ele se tornou um significante aceitável”, alerta

Quando critica o modelo que rege a sociedade atual — egoísta, que só pensa em lucrar, sem se importar com a saúde mental das pessoas —, o que Vera Iaconelli busca é mostrar à população que o neoliberalismo está fazendo as pessoas adoecerem e que as estruturas precisam ser questionadas para um outro modelo se firmar. Para ela, devemos nos inspirar em modos de vida coletivo, característicos dos povos originários.

Doutora em psicologia e psicanalista, Vera é conhecida por esclarecer o quanto a maternidade, devido a questões sociais históricas, sobrecarrega as mães. “É sempre perigoso pensarmos que o problema das crianças, do cuidado com as crianças, se resume à divisão de tarefas entre homens e mulheres no âmbito privado. Isso é um pensamento neoliberal que desincumbe a sociedade como um todo, as empresas e o Estado, da sua função de equalizar essas relações de cuidado”, enfatiza nesta entrevista.

A psicanalista possui mais de 200 mil seguidores no Instagram. Entre seus livros, o título do mais recente, Felicidade ordinária (ed. Zahar), já indica que o que está imposto enquanto regra social da contemporaneidade não é saudável. Em agosto, lançou o podcast O Estranho Familiar, o qual em apenas uma semana do primeiro episódio ficou em segundo lugar entre os podcasts mais ouvidos no Spotify Brasil. Vera estará no evento da revista Educação, Grande Encontro da Educação, que acontece na cidade de SP, em 25 e 26 de setembro. Confira, a seguir, a entrevista exclusiva, na qual também falamos sobre o aumento no diagnóstico do autismo e restrição de celular na escola.

Renato Parada

O sofrimento, a depressão e a ansiedade da época de Freud [1856-1939, pai da psicanálise] são os mesmos de hoje? Eles são moldados? Se manifestam também na expressão corporal?

O que Freud vai formular é que cada época tem uma forma de expressão do mal-estar. Ou seja, para estarmos em sociedade, há sempre algo de que temos de abrir mão, deixar de fora. Isso causa o mal-estar. Mas cada época tem um mal-estar específico. Por exemplo, se na época de Freud, em 1900, o mal-estar mais enigmático eram as neuroses, os quadros histéricos, o que temos hoje, na nossa época, são as depressões, as ansiedades. Então estamos falando de uma época que tem uma forma de expressão do seu mal-estar muito própria, porque a depressão, por exemplo, numa época em que se exige acima de tudo celeridade, animação, praticamente uma sociedade que prega uma mania: você tem de estar sempre disposto, sempre alerta, produzindo o máximo, performando; como é que a gente vai responder a isso? Com depressão. Porque isso é diretamente relacionado com o tipo de mal-estar, tipo de demanda que a gente tem na nossa época.

Passamos para as crianças a ideia de que elas são um estorvo, que a infância é um horror e que é bom que passe logo essa fase porque ninguém aguenta cuidar delas

Então sim, ao longo dos tempos históricos, o sofrimento vai se transformando, vai se manifestando de formas diferentes, inclusive no corpo, porque todo o sofrimento tem impacto no corpo. Mas tem algo que é inescapável, porque não quer dizer que chegaremos no momento ao qual uma sociedade se organiza de tal forma que não haja mal-estar. Sempre existirá, mas temos de mapear e enfrentar o mal-estar da nossa época.

Você alerta que a criança tem escutado que sua família —principalmente a mãe, sobrecarregada — está exausta de cuidar dela. Se o modelo dos povos tradicionais é do cuidado coletivo, qual a saída para essa sociedade capitalista que só sabe acelerar?

Estamos passando para as crianças a ideia de que elas são um estorvo, que a infância é um horror e que é bom que passe logo essa fase porque ninguém aguenta cuidar delas. Estamos praticamente culpabilizando as crianças pelo fato de serem crianças, mas, na verdade, o que está em jogo é um modelo capitalista de sociedade no qual ninguém cuida de ninguém. O que temos é um modelo de exploração do outro, para se proteger do outro e tentar explorar o outro. Mas não de cuidado. As pessoas que acabam tendo essa função de cuidadoras, em geral as mulheres, estão ultrassobrecarregadas, e a criança tem essa impressão de que ela é esse sofrimento na vida da mãe e por vezes do pai. Então tem algo que teremos de modificar estruturalmente para mudar essa lógica e o modelo não está na frente, está atrás, o modelo está em povos tradicionais, em sociedades estáveis que pensam a colaboração como grande valor. Não vamos voltar para os povos originários brasileiros de 500 anos atrás, não é isso, mas a gente tem de começar a pensar, como sociedade, em formas cooperativas de funcionar. E temos alguns modelos de sociedades mais igualitárias nos quais podemos nos espelhar.

Para além de dividir as tarefas com o pai, visando amenizar esse sufocamento, principalmente da mãe, qual o papel dos governos, suas políticas públicas e das empresas?

É sempre perigoso pensarmos que o problema das crianças, do cuidado com as crianças, se resume à divisão de tarefas entre homens e mulheres no âmbito privado. Isso é um pensamento neoliberal que desincumbe a sociedade como um todo, as empresas e o Estado, da sua função de equalizar essas relações de cuidado. Então o papel é fundamental, porque no Estado mínimo há menos recursos para oferecer à população, menos escolas públicas, menos hospitais, menos transporte e a pior qualidade desses serviços, que são ou muito caros ou privatizados. Nisso, como é que ficam es-

ENTREVISTA

ses cuidadores e cuidadoras quando eles têm de lutar por uma vida que não tem garantia de nada e ainda cuidar em tempo integral dos filhos? Onde estão as creches? Onde estão os hospitais? E o transporte público? E a moradia que permita que as próximas gerações tenham condições de serem cuidadas? Quando todo mundo está tentando sobreviver, há uma pessoa que, além de tudo, depende de você. Do que hoje os cuidadores e a infância precisam é de uma cidade que funcione. As pautas das mulheres periféricas, as pautas das mães, das famílias, são pautas para uma cidade que funcione, ou seja, que o Estado equalize essas relações e permita que os serviços públicos funcionem. Então a gente está pensando em sociedades mais modernas.

A que se deve o aumento de crianças e adultos diagnosticados com transtorno do espectro autista? O autismo virou um guarda-chuva gigante, fazendo desaparecer os quadros de psicose, de depressão, de neurose, de problemas de aprendizagem, problemas de comportamento, problemas sociais. A questão é que o autismo se alargou enquanto diagnóstico e não é que todo mundo é autista como pensávamos autismo há 20 anos. É que o significante autismo virou uma cobertura para diferentes quadros. Fica mais fácil dizer: todo mundo virou autista. Mas será que o autismo é o mesmo que era há 20 anos ou pegamos e esvaziamos esse termo de tal forma que ele serve para tudo? Estamos chegando a um grau de paroxismo no uso dessa palavra que ela vai se desgastando até que não vai sobrar nada. Até porque o autismo ganhou o status positivo que outras doenças não têm. Os pais e familiares às vezes se sentem mais confortáveis de dizer que o filho é autista do que falar que ele tem esquizofrenia, psicose, problema de comportamento, quadro depressivo. Virou um termo para as pessoas fugirem de certos estigmas, porque ele se tornou um significante aceitável. Isso tudo é perigoso porque banaliza o uso do termo e não ajuda ninguém, uma vez que não se consegue fazer diagnósticos mais apropriados.

Curioso. Já que, em tese, há mais estudos sobre o autismo. Ou seja, isso não deveria estar ocorrendo. Não deveria estar acontecendo porque também os estudos nunca são isentos de conceitos e os conceitos também se transformam a partir de cada época. Quando você estuda o autismo e vai redefinindo-o a partir de outras

bases, a partir de outros conceitos, ele pode se tornar um conceito gigante. Nesses 20 anos ele foi sendo redefinido. Mas, eu me pergunto: cadê os outros quadros? Não tem mais criança psicótica? Criança com mau comportamento? Não tem criança depressiva? Neurótica? Onde foram parar essas outras crianças? Elas estão todas sob esse significante que foi se esvaziando. É verdade que, em geral, houve um aumento de diagnósticos. Então, hoje temos mais detecção de doenças. Mas por que tudo ficou homogêneo, sob um mesmo nome? Essa é a questão. O que chamamos de autismo hoje é a questão porque ele está englobando coisas demais.

Muitas famílias tentam ‘palpitar’ no currículo da aula de história, por exemplo, no que seu filho deve e não deve aprender. Quais os limites e como a escola deve lidar?

Esse assunto é espinhoso. No Brasil, a história é a história da nossa formação, de um povo que tem uma formação muito triste, muito violenta, uma história de invasão dos europeus aqui, de violência com os povos originários e de sequestro da terceira etnia que nos forma que são os negros que vieram escravizados. Então, essa é a fundação do Brasil, a qual é muito dolorosa de olhar. Tão dolorosa que a gente criou o mito da democracia racial — de que a mistura entre nós foi natural. A mistura entre nós nunca foi natural, foi fruto da violência, de estupro, enfim. Mas, não queremos saber muito sobre isso porque é duro de encarar. Então, os descendentes de brancos, descendentes de negros, de indígenas e também outros que chegaram depois como japoneses, turcos etc., toda essa miscigenação não foi feita na base da alegria e da escolha, foi muito sofrida.

E as aulas de história do Brasil vão contar a história de um grande sofrimento que diz respeito a nós hoje, porque esse sofrimento não acabou. A gente continua matando os indígenas, a gente continua matando os negros, a gente continua numa posição de privilégios como brancos. Os professores de história estão sendo atacados porque eles estão se atrevendo a trazer essas informações que na escola sempre devem ser colocadas não como verdades absolutas, porque a pesquisa histórica é perene, mas como pontos de reflexão: temos estes dados; o que pensam sobre; você formulou essas hipóteses. A história é muito viva, ela não está escrita na pedra. Sempre surgem novos documentos e informações.

Esse embate contra a aula de história é um embate político de um país que não está a fim de encarar as suas mazelas sociais e as reparações necessárias decorrentes delas. É um longo processo que teremos de enfrentar. Quer dizer, apoiando esses professores, bancando as suas posições dentro das escolas e enfrentando as críticas também. Não vai dar para fazer essa omelete sem quebrar esses ovos, não vai ter jeito.

Está mais difícil educar as crianças e jovens? As famílias de hoje conseguem dialogar com seus filhos?

Nunca foi fácil. A nova geração sempre, por ser nova, por vir depois, por depender de nós, por ver o mundo de outra forma, ela sempre nos confronta com o novo, ela sempre é um desafio, um bom desafio. Mas sempre difícil. A nova geração é a marca do nosso envelhecimento e da nossa morte, o que também não é fácil. Temos dificuldades muito próprias e algumas incrementadas, por exemplo, pela internet, que faz com que a criança tenha muito cedo acesso à pornografia, violência, fake news. Coisas de que tentamos preservá-la ao máximo ao longo da vida e que ela já tem acesso a tudo isso com menos de 10 anos, o que era impensável épocas atrás — quer dizer, antes da Modernidade, porque na Idade Média já se vivia com isso, as crianças tinham acesso a tudo.

tudo isso se tem uma exigência em cima dos resultados. As famílias estão sendo cobradas o tempo todo. Sinceramente, hoje a gente está vivendo um período mais difícil de educação dos filhos por essas interferências e não porque o desafio de ter filhos não seja difícil em si, mas temos interferências que atrapalham profundamente. Além do que, a cidade é hostil às crianças. Há lugares, por exemplo, em que entra cachorro, mas não entra criança. Então há um espaço público cada vez mais hostil à infância e as famílias se sentem segregadas.

[O autismo] foi sendo redefinido. Mas, eu me pergunto: cadê os outros quadros? Não tem mais criança psicótica? Criança com mau comportamento? Não tem criança depressiva? Neurótica?

Outra coisa que acontece é que a mãe, pai ou responsável estão deprimidos pela ideia de que eles precisam ser especialistas e não pais. Então eles têm de estar superinformados, têm de estudar pedagogia. Quer dizer, são casais extremamente inseguros, infantilizados e desautorizados por uma lógica de que você tem de ser especialista, não pai. Também temos uma lógica capitalista que faz com que os pais achem que o que eles têm de melhor para dar aos filhos são coisas e não presença, ou seja, mais desautorizados ainda, mais desvalorizados ainda. E junto de

Vários dos nossos direitos são recentes, inclusive o da criança enquanto sujeito de direitos. Ou seja, uma coisa é o papel, que é importante, mas o quanto esses direitos recentes estão presentes no cotidiano social, no território, é outro papo.

Temos de lembrar que vivemos um período extremamente contraditório em relação aos direitos das crianças: elas são supervalorizadas, parece que o mundo é todo virado para elas, mas, na verdade, ao mesmo tempo convive com isso uma hostilidade no espaço público. Vivemos uma contradição de um discurso de valorização da infância, mas uma realidade na qual elas não têm espaço. Essas contradições precisam ser levantadas.

As escolas estão no dilema de restringir ou não o celular. Algumas entenderam que devem conversar/formar também junto às famílias. Como avalia esse momento?

Será um longo e necessário trabalho para que as crianças não tenham acesso irrestrito de levar celular para dentro da escola. Aliás, até de ter celular na infância. Temos de ter uma ação muito ativa nesse sentido, porque nesses 20 anos de pesquisa da entrada do smartphone na vida das crianças não tem mais como esconder que existe aumento de suicídio, cutting (au-

ENTREVISTA

tomutilação) e ansiedade. Pela primeira vez na história é uma geração que terá QI inferior à geração anterior. Já está mapeado. A gente já sabe. Então, como é que a gente pode conviver com essas informações e não fazer nada? Precisamos ter uma ação clara de usar uma ferramenta, o celular, para o bem da criança e não para o mal. Isso significa selecionar ao que ela tem acesso, restringir este acesso e em alguns momentos não dar acesso ao aparelho. Até porque o celular é viciante, ele veio para vender produto, não veio com nenhuma intenção de bem da humanidade. Quem inventou não oferece celular para os filhos até a adolescência. Teremos de repensar a entrada desse recurso. Junto com isso, temos de, ao introduzir as redes sociais na vida da criança, ensiná-las a usar, porque não dá para dizer: não use, use pouco, e agora toma que o filho é teu e se vire. As coisas devem ir juntas. Temos de ter educação midiática, restrição, seleção e em alguns momentos abolição do uso das redes sociais. Tudo isso tem de ser pensado para cada idade e os pediatras já estão trazendo essas informações: qual a idade apropriada, o que é apropriado, como usar. Não dá para dizer que a gente não sabe. O que está faltando é as famílias se autorizarem. É como disse anteriormente: os pais desautorizados, desqualificados, inseguros, infantilizados por uma sociedade que não consegue permitir que eles ajam de uma forma autoral, são os mesmos pais que vão ter de inibir o uso disso daí. Estamos em uma situação complicada.

Há lugares, por exemplo, em que entra cachorro, mas não entra criança.
Então há um espaço público cada vez mais hostil à infância e as famílias se sentem segregadas

tenha no SUS, que tenha nas escolas públicas, em todos os lugares. Noto um ganho de consciência, sim, em relação a esses tipos de tratamento. Agora, não temos como formar, e nem é desejável, profissionais para atender toda a população. Mesmo se juntarmos todos os psicólogos, psicanalistas e psicoterapeutas que já se formaram no Brasil, eles não vão dar conta de toda a população. A psicanálise, a psicologia são formas de tratamento. Mas a gente não pode esperar que uma vida que é vivida de um jeito ruim possa ser só tratada no consultório ‘psi’, temos de mudar os nossos modos de vida. Estamos levando uma vida adoecedora. E mesmo que tivéssemos um psicólogo para cada um, não resolveria porque a gente tem de mudar as formas de enfrentar isso. Por exemplo, você está em sofrimento, deprimido, vai ao psicólogo e estando lá se adapta à porcaria de trabalho que tem. Não. Você tem de reivindicar um trabalho melhor, reivindicar condições de vida melhor, reivindicar uma sociedade melhor. A psicologia não deve ser usada para tapar o buraco do estilo de vida que a gente está levando, senão ela vira adaptativa, ela não pode ser adaptativa ao pior. Há coisas em que temos de começar a pensar: que estilo de vida nossa sociedade possui que leva todo mundo ao adoecimento?

O acesso a psicólogos aumentou nos últimos anos nas diferentes faixas socioeconômicas. Isso gera impacto expressivo de mudanças na sociedade? Nunca se falou tanto de psicanálise, de psicologia, de saúde mental, como hoje. Isso também foi disseminado pelas redes sociais e não acho que seja minoritário. Antes as pessoas achavam que psicólogo era coisa para ‘louco’. Hoje já percebem que é importante, reivindicam que

Senão, o que é psicologia? Ela é uma forma de calar a boca? Estou bem comigo mesmo, fazendo meditação, zen e dane-se todo esse sofrimento à minha volta? Isso seria a pior função do profissional da psicologia. Temos que tomar cuidado porque eu não sei se dá para ter saúde mental nas condições de vida que hoje temos e essas condições têm de ser modificadas, senão a gente entra exatamente no que estamos vivendo: medicalização. Estou deprimido, tomo remédio. Estou ansioso, vou no ‘psi’. Ok, mas por que estou ansioso? Por que estou deprimido? Quais são as minhas condições de vida? Isso tem que estar na conta. Não adianta colocar em tratamento um aluno de uma escola ruim, você tem que questionar a escola.

Convenções e acordos coletivos

Serviços e benefícios

Condições dignas de trabalho

Lutas, mobilizações e assembleias

Consciência de classe

Educação

Proteção e acolhida

Sempre junto com você

SÓ FUNDAMENTAL 1 ATINGE A META DO IDEB 2023

Apenas os anos iniciais do ensino fundamental atingiram a meta de 6,0 do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2023. Nos anos finais do ensino fundamental, o Ideb nacional foi de 5,0, não atingindo a meta de 5,5 para este ciclo. Já no ensino médio, o resultado do índice foi de 4,3, quando a meta era de 5,2. Os resultados do Ideb de 2023 foram divulgados em 14 de agosto pelo Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), na sede do MEC, em Brasília, DF. Criado em 2007, o Ideb reúne resultados como as notas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e a taxa de aprovação/fluxo escolar, e mede a qualidade do ensino no Brasil.

Sobre o indicador que mede a trajetória dos estudantes, 38,7% das crianças com até três anos de idade frequentam a creche. 92,9% das crianças de quatro a cinco anos frequentam a pré-escola. Já 92,2% das crianças com 12 anos concluíram os anos iniciais do ensino fundamental. Apenas 82% dos jovens com 16 anos de idade concluíram o ensino fundamental e 70% com 19 anos de idade

concluíram ao ensino médio. “Se essa criança não fizer um bom início no ensino fundamental, isso compromete quando ela chega no ensino médio”, destaca o ministro da Educação, Camilo Santana.

SAEB

Em relação aos dados do Saeb, houve um avanço no nível de aprendizado em língua portuguesa para os alunos do 5º ano. Estes alcançaram o índice de 213,9 em 2023, superando o ano de 2021, em que o nível de aprendizado era de 208. Já o nível de aprendizagem em matemática saiu de 217, em 2021, para 224,8, em 2023. Avaliando os alunos do 9º ano e 3º ano do ensino fundamental, houve um pequeno aumento no nível de aprendizagem de ambas as disciplinas em relação ao ano de 2021.

ESCOLAS PÚBLICAS E PARTICULARES PRECISAM IDENTIFICAR SUPERDOTADOS

| Da Redação

Em território nacional, o país identificou recentemente 4 mil brasileiros superdotados/com altas habilidades; desse total, 1.283 (32%) são crianças e adolescentes. É o que consta no registro da Associação Mensa Brasil, entidade que reúne pessoas com altas capacidades intelectuais e representante oficial da Mensa Internacional, uma das principais organizações de alto QI (quociente de inteligência) do mundo. Segundo mapeamento da entidade, do total de pessoas identificadas no Brasil, o estado de São Paulo lidera a lista, com 1.700 superinteligentes. Em seguida estão Rio de Janeiro, com 423 pessoas, Minas Gerais, com

322, Paraná, com 308, e Distrito Federal, com 250 pessoas. A primeira criança entrou na entidade em setembro de 2006, quando tinha nove anos. Os identificados mais novos atualmente pela Mensa Brasil possuem dois e três anos de idade. Já o identificado mais velho possui, atualmente, 75 anos. A Mensa Brasil recomenda aos governos brasileiros a adoção de um sistema nacional estruturado de avaliação da inteligência de crianças matriculadas nos ensinos infantil e fundamental, tanto nas instituições de ensino públicas quanto nas privadas. Esta medida já é aplicada em diversos países, com resultados importantes e positivos.

BRASIL CONQUISTA CINCO MEDALHAS NA OLIMPÍADA

INTERNACIONAL DE ASTRONOMIA E ASTROFÍSICA

Estudantes brasileiros conquistaram duas medalhas de prata e três de bronze na 17ª Olimpíada Internacional de Astronomia e Astrofísica (IOAA), que aconteceu de 17 a 27 de agosto, nas cidades de Vassouras e Barra do Piraí, no Rio de Janeiro. A olimpíada reuniu mais de 300 estudantes de 53 países. Os alunos medalhas de prata que representaram o Brasil foram: Francisco Carluccio de Andrade, SP, de 16 anos, e Heitor Borim Szabo, SP, de 17 anos. Já nossos medalhistas de bronze foram: Gustavo Mesquita França, SP, 18 anos, Lucas Cavalcante Menezes, SE, 17

anos, e Natália Rosa Vinhaes, MA, 17 anos. Além disso, Heitor Borim Szabo integrou a equipe multinacional que venceu a Competição de Grupos.

Durante a programação, os estudantes realizaram provas teóricas, práticas e de observação, diante de desafios que exigiram alto nível de conhecimento. Com essa conquista, o Brasil já soma, ao todo, 69 medalhas na IOAA, além de 29 menções honrosas. São nove de ouro, 24 de prata e 36 de bronze. Organizado pelo Observatório Nacional, órgão do Ministério de Ciência, Tecnologia e Ino -

vação (MCTI), o evento é uma das mais prestigiadas competições científicas do mundo, focada na astronomia e astrofísica. Esta foi a segunda vez que o Brasil sediou a IOAA. A primeira foi em 2012.

PREPARAÇÃO

Antes de enfrentar os desafios internacionais, os jovens participaram de treinamentos coordenados pela comissão organizadora da OBA com alunos que foram medalhistas em edições anteriores da IOAA e OLAA, além de professores, especialistas e astrônomos em Barra do Piraí, RJ.

Durante as aulas, eles realizaram provas e exercícios, tiveram aulas de manuseio de telescópios, estudaram carta celeste, fizeram análise de dados astronômicos, rea lizaram observação do céu a olho nu e com uso de planetário, entre outras atividades.

COMO PARTICIPAR DA IOAA?

Para participar da IOAA, o estudante do ensino médio precisa atingir uma ótima nota no nível 4 da Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica (OBA), no ano anterior. Em seguida, são convidados para participar de diferentes etapas classificatórias com treinamentos e provas online e presenciais.

Divulgação/Tiberius
Drumond

Chegou a ESCOLHA CERTA para o presente e o futuro dos seus alunos e alunas

A marca que é símbolo de excelência há mais de 260 anos no mundo inteiro agora entrega soluções educacionais que impulsionam o desenvolvimento integral dos estudantes.

Motivação intrínseca de aprendizagem Projetos autorais Formação + Suporte para aescolarcomunidade

Desenvolvimento do pensamento criativo

Mão na massa

Projetos de final aberto

Transdisciplinar

Pioneiro no desenvolvimento socioemocional por meio da Arte

Envolvimento com as famílias

Extensa base acadêmica

Diário das emoções exclusivo

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Das promessas à realidade

Educadores compartilham como têm usado a IA na escola e destacam que ela é apenas um novo palco, mas que o problema de sempre se revela

Em novembro, completam-se dois anos do lançamento do ChatGPT, uma ferramenta de inteligência artificial (IA) simples e gratuita que produz texto semelhante ao que é escrito por humanos. Ao longo desse tempo, foram surgindo novos programas, tanto de geração de texto como de imagens, sons e vídeos. Desde então, muito se falou da IA generativa na educação, por vezes como se fosse um milagre; noutras, uma espécie de catástrofe. Até agora, nenhum dos cenários extremos se concretizou — tampouco despontam num horizonte próximo.

A adoção desse novo tipo de tecnologia pode parecer distante para muitas escolas, afinal, em certas regiões o acesso à internet ainda permanece uma miragem. Sendo um país imenso e desigual, no Brasil há unidades carentes de tecnologias bem mais antigas que as digitais, como banheiros e água encanada. Porém, de várias formas, a IA já está presente na rotina de milhares de educadores e estudantes. Ela pode promover mudanças em processos administrativos, planejamentos de aulas, avaliações e, em muitos casos, atua de forma ‘invisível’ em sala de aula.

Uma das características comuns da IA é que muitas vezes as pessoas não têm noção de que estão interagindo com uma delas. Mesmo antes do ChatGPT, outras formas de IA já estavam entre nós; a diferença

Divulgação

Estudantes do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo possuem aula

intitulada inteligência artificial

é que os usuários não as operavam diretamente. Serviços na internet que oferecem recomendação — seja de produtos, de vídeos, música ou perfil para seguir — costumam ter algum tipo de IA trabalhando por trás. Aplicativos que indicam rotas em tempo real também, assim como buscas no Google, filtros antispam nos e-mails, assistentes e tradutores virtuais. Alguns bancos há vários anos usam esse tipo de tecnologia para tentar identificar de forma automatizada fraudes e outras operações suspeitas.

“É um tema que a ciência da computação vem desenvolvendo desde a década de 1950”, lembra Ana Paula Gaspar, do Instituto Vera Cruz, em SP. “Ao olhar de uma perspectiva histórica, a IA vai na mesma cesta de todas as outras que prometeram revolucionar, que chegaram causando espanto. O rádio teve esse impacto inicial, diziam que iria acabar com a escola. Depois, isso se passou com a televisão; mais tarde com os videogames”, cita. Qualquer que seja a tecnologia, quando ela vai para a escola, o questionamento deve ser o mesmo de sempre, defende Ana Paula: qual é a intencionalidade pedagógica do seu uso?

Por trás da ideia de que a IA é hoje imprescindível para a escola existe uma indústria que tem mais interesses em vender produtos que gerem lucro do que demonstrar preocupações com a educação. “A busca

IA ou não IA, eis a questão

A diferença de uma inteligência artificial para um algoritmo que não tem essa denominação é que a IA é um tipo de tecnologia que permite aos sistemas digitais ‘aprenderem’ com a experiência, ou seja, são capazes de reconhecer mudanças e se adaptar a elas, simulando a inteligência humana. Quando esses sistemas produzem conteúdos novos, eles são chamados de IAs generativas. Outra subdivisão são os Large Language Models (LLMs), que são sistemas de IA que produzem especificamente textos, como é o caso do ChatGPT, Bard, Gemini etc. Todos os tipos de IA dependem de uma grande quantidade de dados para terem um bom desempenho.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

incessante pela inovação não é papel da escola. Não consigo vislumbrar uma grande alteração do status quo por causa da IA, porque os problemas dela permanecem demasiado humanos. A escola é em primeiro lugar o espaço para o desenvolvimento cívico, cognitivo, relacional e emocional de crianças a adolescentes”, afirma Ana Paula Gaspar.

E mesmo alguns dos desafios éticos da IA são, na verdade, repetições de questões bem antigas. “Muitos estudantes já tiveram contato com deepfakes (imagens falsas geradas por IA) e a maiora das deepfakes hoje é de pornografias com mulheres e meninas. Mas a misoginia não é um problema recente. O caminho é a gente trabalhar, antes de tudo, os valores, a empatia, o respeito — esse sim é o papel da escola”, diz Ana Paula. A tecnologia é apenas um novo palco onde o problema de sempre se revela.

Para quem está no dia a dia da escola, uma das funções deve ser exatamente mostrar que tecnologias não são neutras e, potencialmente, reproduzem uma série de preconceitos que existem na sociedade. “Se o aluno tiver uma visão crítica sobre a IA, entender suas vantagens e limitações, a gente sente que ele vai fazer uso adequado”, afirma Lucas Chao, professor no Liceu de

Por trás da ideia de que a IA é hoje imprescindível para a escola existe uma indústria que tem mais interesses em vender produtos que gerem lucro do que demonstrar preocupações com a educação

Artes e Ofícios de São Paulo, que desde 2021 dá uma disciplina chamada inteligência artificial para o 3º ano do ensino médio.

Entre as discussões que promove com seus estudantes entram questões sobre o consentimento na recolha dos dados, assim como os vieses das ferramentas. IA de reconhecimento facial treinada, sobretudo, com dados de pessoas brancas têm dificuldade de reconhecer corretamente pessoas negras, por exemplo. “E não se resume a vieses negativos. A gente trabalha com criação de imagens digitais e vai percebendo que certo aplicativo tem um viés mais realista, outro mais artístico, um terceiro remete a conceitos mais orientais”, explica o docente.

Alguns projetos práticos têm ajudado os mais novos a entender que é o cérebro humano que continua no comando. Professores desafiaram os estudantes a escrever uma redação para o Enem só com IA, ou seja, elas davam os comandos (promtps), mas o texto final era da ferramenta. Entregaram, além dos textos, a conversa que tiveram com os sistemas. “A maioria das redações teriam notas entre 500 e 600, porque os textos são circulares, ficam se repetindo e, às vezes, caem em contradição. Mas teve uma redação maravilhosa, que teria nota 900. Na hora que abriram a conversa, todos perceberam que a estudante tinha muita clareza do que é um texto bem escrito e conseguiu guiar o trabalho da IA”, conta Lucas. Aluno do técnico de automação industrial do Liceu, Lucas Yukio Ogihara, de 18 anos, acredita que entender sobre o funcionamento da IA seria algo importan-

Ana Paula Gaspar, do Instituto Vera Cruz: A busca incessante pela inovação não é papel da escola

Rossi, responsável pela tecnologia educacional no Gracinha, SP, compartilha o uso da inteligência na gestão escolar, com os docentes e alunos

te para todos os jovens. Não é preciso saber programar, mas é bom ter uma noção. Hoje eu entendo que o ChatGPT é um LLM, um algoritmo de probabilidades, e não uma mente pensante. Ele prevê quais palavras seguidas umas das outras fazem sentido, mas pode dar informações incorretas. Também discutimos muito questões de privacidade: é importante entender que a IA faz consultas em bancos de dados, e questionar como tem acesso a essas informações, para saber se o usuário está em risco”, diz.

MUDANÇA EM MASSA

Um dos aspectos mais discutidos — e uma das grandes promessas da IA na educação — é sua utilização para personalizar o aprendizado. Alexandre Sayad, pesquisador do tema, consultor da Unesco em educação midiática e colunista desta publicação, diz que atualmente a personalização — com conteúdo e atividades exclusivos para cada aluno — ainda não é uma realidade, mas reconhece que grandes plataformas já são capazes de separar estudantes em conjuntos de acordo com suas habilidades e dificuldades, algo impossível para a maioria dos professores. “Nenhum pro-

fessor com 15 salas, cada uma com 40 alunos, consegue customizar uma aula na unha. Nem o nome de todos ele consegue lembrar. A personalização plena é um mito, mas com algumas plataformas dá para identificar características e separar em grupos menores, o que impacta na gestão da sala de aula”, explica.

Ele defende que a realidade da maior parte das escolas hoje é a educação industrial, com todos tendo de se adaptar a uma média, e acredita que a adoção de sistemas de customização de conteúdos e atividades não deve afetar as relações pessoais, nem substituir o professor. “A escola é um ambiente de convívio social, cujo aprendizado coletivo é essencial. A busca pela personalização não deve suplantar essa experiência. No entanto, a IA pode ser útil para identificar dificuldades específicas e oferecer suporte direcionado”, afirma.

Outro impacto indiscutível é sentido nas avaliações. Mais uma vez, terceirizar todo o processo para uma IA parece um cenário de ficção científica, mas há sim possibilidades de alguns tipos de automatização. O Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (Caed/UFJF), Minas Gerais, uma das referências nacionais em avaliações em larga escala, tem como objetivo incorporar IA para elaborar questões e corrigir provas dissertativas — as provas de múltipla escolha são corrigidas automaticamente por sistemas simples; não há necessidade de ser IA.

“O Caed precisa de muitos instrumentos, todos com qualidade, para atender às diversas demandas do país. Isso implica ter contingente grande de especialistas elaboradores, o que acarreta um alto custo e também demanda tempo. Conseguir automatizar um

Muito

se

falou da

IA

generativa na educação, por

vezes como se fosse um milagre;

noutras, uma espécie de catástrofe. Até agora, nenhum dos cenários extremos se concretizou
Claudia
Divulgação

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

pouco mais é um cenário totalmente desejável”, afirma Carlos Palacios, assessor técnico do Caed. A instituição é responsável, por exemplo, pela aplicação do Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo).

Até o momento, o grosso da elaboração de itens continua humano; o sistema desenvolvido internamente ajuda apenas no espelhamento de questões. “Espelhar um item é quando você troca o suporte — no caso do português você troca o texto; na matemática, você troca a situação-problema — mas a operação cognitiva exigida é praticamente a mesma. O esforço humano fica na supervisão e no aprofundamento do instrumento de avaliação”, explica Palacios. E mesmo na correção de questões dissertativas, tudo que foi testado fica aquém do corretor humano.

As máquinas, contudo, têm se saído bem na hora de corrigir provas de fluência em leitura aplicadas nos primeiros anos do ensino fundamental em vários estados. Os estudantes precisam ler e gravar palavras reais, palavras falsas e um pequeno texto. As gravações já têm sido analisadas por IA, que nos testes do Caed dá notas de forma mais acertada que os corretores humanos. “Na última edição a gente ainda teve um percentual avaliado por corretores humanos, até para fazer um controle de qualidade”, conta Carlos Palacios. Para evitar vieses negativos, o sistema é treinado com os diferentes dialetos e sotaques existentes no Brasil.

A IA traz ainda potencial de agilizar processos de gestão, seja das secretarias de ensino que lidam com volumes imensos de informações, seja para coisas simples das rotinas das escolas, como fazer atas de reuniões. “A gestão está usando para revisar um e-mail, escrever circular, transformar um texto em posts de

As máquinas têm se saído bem na hora de corrigir provas de fluência em leitura aplicadas nos primeiros anos do ensino fundamental em vários estados

“A IA é uma tecnologia de impacto sistêmico, comparável à introdução da luz elétrica”, afirma Alexandre Sayad, consultor da Unesco

redes sociais, transcrever reuniões. Também para análise de dados. Facilita muita coisa, mas ainda não pensa por nós”, relata Claudia Rossi, responsável pela tecnologia educacional da Escola Gracinha, em SP.

Os professores do Gracinha também têm sido orientados por meio de formações coletivas em como podem usar algumas ferramentas de IA como assistentes para ajudar no planejamento das aulas. Na escola, claro, os estudantes também têm utilizado algumas ferramentas, mas sempre com orientações dos docentes, para que tenham cuidado em refletir sobre o uso. “A gente começou pedindo para eles nos ensinarem, porque lá no início de 2023 detectamos que eles já estavam usando. Mas precisam entender as implicações, o que está por trás; não basta aprender a fazer prompt”, diz Claudia. Nem uma revolução completa, nem uma moda passageira e sem importância. A IA é uma tecnologia de impacto sistêmico, comparável à introdução da luz elétrica, segundo Sayad. “A IA impacta o trabalho, a educação, a economia, o estilo de vida e a qualidade de vida. Ela deve ser tratada com a devida seriedade e responsabilidade, tanto pelos educadores quanto pelos gestores”, afirma. Mas a escola continua sendo escola.

Arquivo pessoal

Gamificação potencializa ensino e aprendizagem

Conheça caminhos para sua implantação online e offline, e uma proposta com jogos e missões para a sala de aula

Agamificação é uma abordagem que pode ocorrer no formato plugado (online) e desplugado (concreto), utiliza elementos de jogos e tem se destacado como uma poderosa ferramenta para potencializar o processo de ensino e aprendizagem, trazendo elementos lúdicos e motivadores para a sala de aula. Ao incorporar dinâmicas de jogos em atividades de ensino, a gamificação estimula a participação ativa dos estudantes, promove o engajamento e desperta o interesse pelo conteúdo de forma criativa e interativa. Além disso, ela pode contribuir significativamente para a formação integral dos estudantes, desenvolvendo habilidades e competências como pensamento crítico, resolução de problemas, colaboração e tomada de decisão, essenciais para esses novos tempos.

Para implementar a gamificação na educação, é fundamental adotar estratégias diversificadas que estimulem a criatividade e a participação dos estudantes. Isso inclui a criação de desafios, missões e recompensas, a utilização de plataformas digitais interativas e a incorporação de elementos narrativos envolventes. Ao personalizar as experiências de aprendizagem por meio da gamificação, os professores tornam o processo de ensino mais atrativo e significativo, incentivando a autonomia, a colaboração e o desenvolvimento de habilidades socioemocionais.

MODELO DE AULA NA PRÁTICA

A gamificação é bem-vinda em qualquer disciplina e conteúdo, mas, vamos pegar como exemplo uma aula sobre frações, da disciplina de matemática, no formato gamificado desplugado. O professor introduz o objetivo do jogo e os conceitos a serem abordados, dividindo a classe em equipes com avatares representativos. Os desafios iniciais consistem na resolução de problemas simples com frações, como identificar frações equivalentes e realizar operações básicas, com cada tarefa bem-sucedida rendendo pontos para a equipe. À medida que a aula avança, os estudantes enfrentam missões mais complexas que demandam a aplicação prática e contextualizada dos conceitos de frações, como resolver situações do cotidiano envolvendo divisões de alimentos, por exemplo. Durante a atividade, as equipes acumulam pontos ao completar desafios e recebem recompensas, como distintivos ou medalhas, para incentivar a competição saudável entre elas. Um ranking em tempo real exibe a pontuação de cada equipe, estimulando o engajamento e o trabalho em grupo. O professor fornece retorno individualizado aos estudantes ao longo da aula, e destaca seus pontos fortes e áreas de melhoria em relação aos conceitos de frações, permitindo revisões e aprimoramentos por meio de atividades extras. Ao final da aula, a equipe com a maior pontuação é declarada vencedora. Isso promove um senso de realização e cooperação entre a turma. A avaliação sobre

De olho na gamificação plugada e desplugada

Ao inserir a gamificação nas aulas, os professores precisam considerar diversos elementos para garantir uma experiência educacional eficaz e envolvente, tanto na modalidade plugada quanto desplugada. Alguns desses elementos incluem:

OBJETIVOS EDUCACIONAIS CLAROS:

1 3 5 7

os professores devem alinhar os elementos de gamificação com os objetivos de aprendizagem da disciplina, garantindo que os jogos e atividades ludificadas contribuam para o desenvolvimento dos conhecimentos e habilidades propostos.

ENGAJAMENTO DOS ESTUDANTES:

é essencial criar desafios e tarefas que despertem o interesse e a motivação, estimulando a participação ativa e a concentração nas atividades propostas.

FEEDBACK (RETORNO) IMEDIATO:

2

a gamificação deve oferecer retorno constante e imediato sobre o desempenho dos discentes, permitindo que eles acompanhem seu progresso e colaborem com ajustes no processo de aprendizagem.

PERSONALIZAÇÃO DA EXPERIÊNCIA:

é preciso considerar as características individuais de cada um e criar atividades gamificadas, adaptando os desafios e recompensas de acordo com o ritmo e a necessidade singular de cada estudante.

INTEGRAÇÃO DE TECNOLOGIA:

4

na gamificação plugada, é importante escolher plataformas e ferramentas tecnológicas adequadas para apoiar as atividades ludificadas, garantindo uma experiência digital interativa e envolvente.

DESAFIOS E RECOMPENSAS: elementos como desafios, missões, recompensas e rankings podem ser utilizados para incentivar a participação e a superação dos discentes, promovendo a competição saudável e o reconhecimento do esforço individual.

AVALIAÇÃO E ACOMPANHAMENTO:

os professores devem avaliar periodicamente o impacto da gamificação nas aulas, coletando informações e ouvindo os alunos, ajustando as estratégias conforme necessário para garantir a eficácia do processo de ensino e aprendizagem.

essa aula deve considerar diversos aspectos para garantir a eficácia do processo de ensino e aprendizagem. Alguns pontos a serem considerados incluem a participação e engajamento dos alunos, e deve-se observar a interação com as atividades, colaboração em equipe e interesse demonstrado pelos desafios propostos.

Verificar se os estudantes demonstraram compreensão dos conceitos de frações abordados na aula, avaliando sua capacidade de aplicar esses conceitos em situações práticas e resolver problemas relacionados também é ponto de atenção. Além disso, é importante analisar o desempenho da turma tanto individualmente quanto em equipe, considerando a contribuição de cada um para o progresso do grupo e a capacidade de trabalhar colaborativamente para atingir os objetivos da aula.

6

A gamificação torna o aprendizado mais dinâmico, interativo e memorável, e proporciona uma experiência educacional diferenciada e estimulante, ativa e engajante. Essa abordagem não se limita a tornar o aprendizado mais divertido, mas também, como já dito, promove a colaboração, o pensamento crítico, a resolução de problemas e o desenvolvimento de habilidades essenciais para a formação integral dos estudantes.

Débora Garofalo

é a primeira sul-americana finalista do Global Teacher Prize, prêmio que a colocou entre os 10 melhores professores(as) do mundo

educação Juntos expandimos a

Com as melhores e mais completas soluções educacionais para a sua escola.

Há mais de 50 anos no mercado e presente em 19 países, a Santillana Educação facilita o acesso ao conhecimento para milhões de pessoas em todo o globo, liderando a transformação da aprendizagem das crianças e jovens para que sejam protagonistas de suas trajetórias.

Nossas soluções inovadoras e de qualidade, adequadas aos desaos do mundo atual, colaboram com o desenvolvimento dos indivíduos de toda a comunidade escolar, incluindo gestores, professores, famílias e alunos.

Inglês para os novos tempos MERCADO BILÍNGUE

De um lado, empresas de idioma e soluções educacionais apostam em parcerias com escolas de educação básica. Do outro, essas mesmas empresas lançam suas próprias instituições de ensino básico. Fato é que o mercado está aquecido

Se antes o aprendizado mais profundo de uma segunda língua — sobretudo o inglês — acontecia principalmente fora da escola, em unidades de cursos de idiomas, hoje é possível encontrar diversos formatos e modalidades de ensino dentro do ambiente escolar. Em comum, a adoção do currículo brasileiro, se diferenciando das escolas internacionais. Entre os modelos, existem as escolas que já nascem bilíngues, as que, por meio de um programa bilíngue se ‘transformam’ e as que oferecem cursos extracurriculares. Os motivos dessa movimentação, segundo as empresas desse nicho, é que as necessidades e desejos das famílias com relação ao ensino de inglês mudaram. E, para atendê-las, foi preciso se adaptar.

DE FORA PARA DENTRO DA EDUCAÇÃO BÁSICA

Um desses fatores é a logística. Sobretudo nas grandes cidades, o trânsito e a sensação de insegurança são problemas que levam os responsáveis a buscarem a conveniência de que o filho possa aprender inglês no mesmo ambiente do ensino regular. Na avaliação de Daniela Villela, CEO da Red Balloon, franquia de curso de idiomas que acaba de entrar no ramo da educação básica, a logística é justamente o fator fundamental. “A gente vê muito isso no contato com as famílias”, analisa.

Ano que vem, a Red Balloon irá inaugurar sua primeira unidade de educação infantil bilíngue, localizada nos Jardins, em São Paulo, a Red Balloon Bilingual School. A empresa utilizará o mesmo prédio do curso de inglês que já existe no local, destinado a crianças e adolescentes

Virginia Garcia, vice-presidente da Internacional School: a ideia é que as escolas parceiras não ensinem o inglês, mas ensinem por meio do inglês

A International School, que torna uma escola bilíngue, viaja com os estudantes até para centros da Nasa, nos EUA

Fundado enquanto rede de idiomas em 1973, o CNA na Escola surge em 2018. Atualmente, possui 300 escolas parceiras

de três a 17 anos. Para 2026, já há 10 novas unidades confirmadas. O modelo também será de franquias. Por enquanto, não há intenção de expandir para fundamental e médio. A ideia, segundo Daniela Villela, é abrir o leque de oportunidades e atender ainda mais famílias. Por essa razão, não se trata de uma migração para um novo ramo, mas sim de uma expansão. “Hoje as famílias têm realidades distintas. Há famílias que querem, sim, um curso de idiomas fora da escola. Até porque a família quer que o aluno tenha outros ares, outros ambientes para explorar, para ter outras amizades. Assim como há famílias que preferem que tudo aconteça no mesmo lugar.”

Caminho semelhante foi trilhado pelo CNA, rede de escolas de idiomas que começou a ‘entrar’ na educação básica em 2018, com o programa CNA na Escola. A diferença está na forma como isso é feito: em vez de criar escolas, a empresa faz parceria com colégios que estejam interessados em fortalecer o ensino de inglês. Esse é, aliás, outro fator importante no crescimento do interesse das escolas privadas no fortalecimento do inglês. Hoje, há maior exigência do domínio do idioma no mercado de trabalho — além de ser um desejo das famílias e dos próprios estudantes.

No CNA na Escola, para atender às necessidades de cada colégio são oferecidas diferentes opções, segundo Marcelo Barros, Chief Knowledge Officer (CKO) do CNA. É possível, por exemplo, desde oferecer o inglês de forma extracurricular, no contraturno das aulas e apenas para alunos interessados, até aulas integradas ao currículo da escola. Hoje, são 13.700 alunos atendidos e mais de 300 colégios parceiros. Na parceria, a escola passa a contar com diferentes serviços oferecidos pelo CNA, como explica Barros: “São três eixos: material didático próprio e desenhado especificamente para uso em colégios, formação e desenvolvimento de professores próprios ou terceirizados,

Marcelo Barros é CKO do CNA, que mantém o inglês extracurricular, mas também oferece aulas integradas ao currículo, formação docente e assessoria

e assessoria constante, cotidiana e local por meio da franquia CNA mais próxima”.

Barros, porém, também acredita que esses novos serviços não irão substituir as escolas de idiomas. “Acredito que não haja um movimento de migração total das franquias de idiomas para o trabalho dentro dos colégios. Depende da praça, do público e da condição socioeconômica.”

MAIOR DOMÍNIO DO IDIOMA

Outro fator importante no crescimento do mercado bilíngue, sobretudo o do ensino de inglês, é, claro, o desejo de que crianças e jovens tenham maior domínio do idioma. Essa é, aliás, uma discussão forte e antiga no país, que ainda patina quando o assunto é falar uma segunda língua. No ranking EF English Proficiency Index de 2023, que avaliou o domínio de língua inglesa em 113 países, o Brasil ficou na 70ª posição, atrás de vizinhos como Argentina (28ª) e Uruguai (39ª).

Segundo Virginia Garcia, vice-presidente da International School, as escolas bilíngues já começavam a dar as caras nos anos 1990. “Quando a pessoa dizia que tinha aprendido inglês na escola, a tendência era entender que a pessoa não sabia inglês”, avalia sobre a realidade da época. “A escola ensina matemática, português, história e as outras áreas de conhecimento, por que não ensinar línguas adicionais de uma maneira qualificada?”

A International School, empresa que desenvolve programas bilíngues para escolas e hoje conta com aproximadamente 450 colégios parceiros e 200 mil alunos, nasce justamente dessa percepção, em 2009. O CEO da empresa, Ulisses Cardinot, fez cursos de inglês no Brasil. Mas, ao viajar para os Estados Unidos para estudar, percebeu que era preciso ir além para que o aprendizado da língua fosse, de fato, suficiente. O negócio começou em uma escola em Campos dos Goytacazes, RJ,

Divulgação

MERCADO BILÍNGUE

Ano que vem, a Red Balloon irá inaugurar sua primeira unidade de educação infantil. Para 2026, já há 10 novas unidades confirmadas

pertencente aos pais dele, e a partir disso se expandiu. De acordo com Virginia, a ideia é que as escolas parceiras não ensinem o inglês, mas ensinem por meio do inglês. “Nós oferecemos às escolas um conteúdo programático que tem uma abordagem pedagógica”, afirma. O programa inclui, por exemplo, o aprendizado por meio de projetos (project-based learning) e o desenvolvimento de habilidades socioemocionais. Além disso, há também formação docente, tanto inicial quanto continuada. “Para que o programa aconteça, precisamos formar professores”, reforça.

Esse é, aliás, um dos grandes desafios da educação bilíngue. “Quem entende de educação sabe: formar professores é uma questão central”, analisa a vice-presidente. Marcelo Barros, CKO do CNA, concorda. “Uma franqueada nossa abordou um colégio em Brasília para oferecer o CNA na Escola. O colégio parceiro disse: ‘o problema não são os alunos, mas os professores, que não têm inglês suficiente’. E pediu: ‘você pode ser minha parceira para preparar os professores para ter fluência?”’

DA INFÂNCIA AO VESTIBULAR

No próximo ano, a Arco Educação, uma das maiores empresas de soluções educacionais, também dará um passo nesse mercado em expansão: a inauguração, na zona norte de São Paulo, SP, da Ways Bilingual School, escola de educação bilíngue que se define como de forma-

Segundo Daniela Villela, CEO da Red Balloon, não se trata de migrar para um novo ramo, mas expandir

ção integral e alta performance — tendo em vista, além do aprendizado da língua inglesa, a preparação para os vestibulares. O objetivo é ter 150 unidades e atender até 50 mil alunos nos próximos cinco anos.

O início ainda na educação infantil, garantindo que o contato com o idioma se dê o mais cedo possível, também é um fator importante no interesse por esse mercado. “Uma educação bilíngue tem de acontecer desde os primeiros anos, na educação infantil. É quando a própria neurociência aponta que existe uma janela de oportunidade muito forte”, avalia a diretora da Ways, Juliana Zero. Com a imersão no idioma ainda nos primeiros anos e a continuidade do aprendizado, o domínio fica facilitado. Para a diretora, também é importante que esse ensino se dê de forma integrada ao currículo e com projetos, permitindo que os estudantes aprendam outras disciplinas usando a língua inglesa.

Na avaliação de Juliana, hoje, além de o mercado de trabalho exigir o uso do idioma, há também oportunidades globais — em que a fluência se faz necessária. Esse novo cenário coloca o bilinguismo ainda mais em foco, para que os estudantes possam aproveitar oportunidades até mesmo em vagas fora do país.

A Arco Educação aposta no bilinguismo do infantil ao médio com o diferencial de ser integral e lançará em SP a escola Ways, conta a diretora Juliana Zero

Inteligência artificial ajuda ou prejudica o meio ambiente?

A revista inglesa The Economist divulgou dados que reforçam: a IA não é verde.

Porém, há casos de seu uso na preservação do meio ambiente. Entenda o jogo e como a escola pode atuar diante de situações que afetam a sociedade

Tratar as tecnologias digitais como ‘limpas’ é uma tendência quase que automática, sobretudo quando pensamos que os meios físicos nos exigem derrubar árvores, produzir tinta etc. Mas olhando a questão com profundidade, é possível perceber sua complexidade. Desmatamento, gases de efeito estufa, pesca predatória, caça e poluição das águas agora devem dar espaço também ao dano causado pela tecnologia; não somente aquela da queima do carvão da Quarta Revolução Industrial, mas a do consumo ligado à manutenção da inteligência artificial na revolução da informação.

No último mês, a revista inglesa The Economist divulgou os números de gastos de energia e água de uma das gigantes da tecnologia e mostrou do que pesquisadores estão cada vez mais certos: a inteligência artificial não é verde. Quando os sistemas de IA começaram a tomar mais espaço na sociedade, mais processadores gráficos para imagens (chamados de GPU, ou Graphic Processor Unit) e centros de dados (‘data centers’) foram necessários. Fazê-los funcionar e também resfriá-los (o mesmo papel das ventoinhas nos computadores domésticos, mas exponencialmente mais potentes), por conseguinte, fizeram os números de consumo disparar.

Além disso, todo o sistema de inteligência artificial, antes de ser lançado ao uso público, necessita ser treinado com uma base gigantesca de dados. Esse processo de treinamento é ainda mais dispendioso que uma simples ‘busca’ ou ‘ação’ feita por um usuário no ChatGPT, por exemplo. Para se ter ideia, os números da empresa fornecidos à revista mostram que o consumo de litros de água utilizados para resfriamento de GPUs entre 2020 e 2023 aumentou de 5 bilhões para 12 bilhões. Algumas companhias do Vale do Silício, na Califórnia, Estados Unidos, têm, inclusive, mergulhado seus processadores e ‘data

centers’ nas águas frias do Oceano Pacífico, criando ‘fazendas aquáticas’ na busca por um resfriamento mais eficiente. A prática, entretanto, é controversa.

Ao tratar do gasto de energia para processar dados de inteligência artificial, a mesma empresa saltou de 10 bilhões de quilowatts em 2020 para 25 bilhões em 2023, ou seja, um aumento de 500% no consumo. Para se ter uma grandeza de comparação, uma residência no Brasil, durante o inverno, consome em média 2 mil quilowatts/ hora. Segundo um levantamento feito pelo jornalista

Michel Thomas, a Microsoft e o Google consumiram mais energia elétrica do que 100 diferentes países em 2023.

Calcular o dano da inteligência artificial para o meio ambiente não é uma tarefa simples nem para especialistas. Primeiro, porque os números de consumo raramente são publicados; depois, o efetivo custo ambiental deve ser calculado em cada sistema, porque varia segundo a utilização de processadores, de ‘data centers’, de sua velocidade, de seu sistemas de resfriamento e, sobretudo, de qual matriz energética é utilizada em cada caso (energia renovável ou não). Deve ser considerada também a questão geográfica; hoje um terço dos ‘data centers’ do mundo está localizado nos Estados Unidos, o que faz o país ter que buscar rapidamente soluções energéticas para evitar ‘apagões tecnológicos’, como o ocorrido ano passado em uma empresa na Dakota do Norte. Para que essa questão se torne mais transparente para o usuário comum, já existem laboratórios no mundo que abrem suas pesquisas para serem utilizadas na escola, dedicados a investigar e propor soluções para o uso sustentável da inteligência artificial. O AI Sustainable Lab (https://sustainable-ai.eu/), composto por grupo de pesquisadores internacionais e baseado na Universidade de Bonn, Alemanha, realiza estudos e seminários dedicados a encarar os efeitos das tecnologias de inteligência artificial e parametrizá-los com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS).

Já existem laboratórios no mundo que abrem suas pesquisas para serem utilizadas na escola, dedicados a investigar e propor soluções para o uso sustentável da IA

Mas, quando a inteligência artificial ajuda na preservação do meio ambiente? Um trabalho de qualidade sobre o tema no ambiente escolar não pode esquecer este outro lado. Hoje, o mesmo reconhecimento de imagens por IA que polui foi capaz de automatizar em mais de 99% o trabalho de biólogos em reconhecer animais por meio de câmeras, que tomava horas. Também já são produzidos drones equipados com inteligência artificial capazes de reconhecer focos de incêndio automaticamente e apagá-los. Na Sérvia, o projeto Centre for Water for Sustainable Development and Adaptation to Climate Change, ligado à Unesco, utiliza a inteligência artificial para monitorar sistematicamente a qualidade das águas, reconhecendo padrões. Para os educadores, é urgente a criação de oportunidades de aprendizagem, reflexão e criação de projetos para o meio ambiente mirando o presente e o futuro. É impossível ignorar a fuligem e fumaça das queimadas que entram pela janela da escola, ou o inverno que faz calor, além do verão de temperaturas extremas insuportáveis. Esse trabalho é amplamente amparado pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que prevê a questão da sustentabilidade como central na escola, de maneira articulada, em todos os níveis. Mas ao considerar a ação do homem e a evolução da técnica, antes representadas pelo automóvel e a motosserra, é necessário abrir espaço para a recém-explorada inteligência artificial — no que ela traz de benefícios e riscos.

Alexandre Le Voci Sayad é jornalista, escritor e educador. Mestre em inteligência artificial e ética, é consultor da Unesco e apresentador do programa Idade Mídia, no Canal Futura.

#EVO

Retomada operosa POLÍTICAS PÚBLICAS

Vinculado ao MEC, Conselho Nacional de Educação ganha novos integrantes, entre eles, Cesar Callegari, que compartilha as primeiras emergências educacionais

Depois de uma ausência de seis anos, o sociólogo Cesar Callegari volta a ocupar uma das cadeiras do Conselho Nacional de Educação (CNE), na Câmara de Educação Básica, vinculada ao Ministério da Educação (MEC). Sua atuação é voltada a temas educacionais desde os anos 1990, quando foi deputado estadual (1995 a 2003). Em sua trajetória, também foi secretário municipal de Educação de São Paulo e Taubaté e secretário de Educação Básica do MEC.

Callegari é marcado por ter sido um ácido crítico da proposta do novo ensino médio aprovada no governo Temer pelo fato de ela implicar a redução de conteúdos e disciplinas obrigatórias em prol de uma suposta liberdade de o estudante escolher o que cursar. Mesmo assim, não esteve entre os defensores da revogação total do texto, preferindo apoiar partes que considerava exequíveis.

Na entrevista a seguir, o presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada fala das questões mais urgentes nesse momento de volta ao CNE: as diretrizes operacionais dos itinerários do ensino médio, as diretrizes curriculares para a etapa e para a abordagem do Transtorno do Espectro Autista.

Desde 2018 fora do Conselho, como está vendo esse retorno, qual o cenário deste momento?

Antes de tudo, um comentário: nas vezes que participei desse processo de escolha dos integrantes do Conselho Nacional da Educação, nunca tinha visto concorrência tão grande, tantas pessoas, gente muito qualificada e com a disposição de ajudar. Desde 2004, quando comecei a participar, nunca houve tantos no-

Sociólogo Callegari, grande opositor da proposta do novo ensino médio de Michel Temer
Arquivo pessoal

mes, tantas entidades se mobilizando. Foram mais de 220 indicações de nomes para ingressar no CNE. É um sinal muito positivo. Passamos por um período de muita desmobilização, em que o Ministério da Educação como um todo, incluindo o Conselho, foi alvo de um processo de desmonte proposital. Principalmente durante o governo Bolsonaro. Então, há essa expectativa, esse desejo de muita gente e de muitas entidades de querer retomar, no âmbito desse quadro de ações normativas, a reconstrução do país na área educacional. Houve uma recomposição expressiva. Das 12 posições da Câmara da Educação Básica, uma é sempre ocupada pela Secretária da Educação

Básica do MEC, que atualmente é a professora Kátia Helena Schweickardt. E das outras 11 vagas, oito foram mudadas. Restaram apenas três nomeações feitas durante o período Bolsonaro. Com essas oito vagas, formou-se um grupo muito bom, bem diverso. Na Câmara da Educação Superior houve uma renovação de cinco das doze vagas, também com um grupo de pessoas muito qualificadas. Ou seja, a nova formação do CNE está bastante boa.

assessorá-lo. Enfim, pode ser aperfeiçoado, mas não sei exatamente como isso poderia ser feito.

No curto prazo, temos [no CNE] a enorme tarefa de elaborar as Diretrizes
Curriculares do Novo ou novíssimo

E vale ressaltar que muitas entidades que acabam não tendo nomes recepcionados na nomeação pelo presidente da República já têm muita incidência sobre o MEC. Por exemplo, desta vez não foi nomeado ninguém do Consed (Conselho Nacional dos Secretários Estaduais da Educação) e da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), entidades que representam os gestores educacionais dos estados e dos municípios. Mas tanto um como outro têm uma interlocução direta com o Ministério da Educação, participando de comissões, atividades e tendo diálogo direto com o MEC. Não estão no Conselho, mas têm incidência não só sobre o Conselho, mas sobre as políticas e programas do Ministério da Educação.

Ensino Médio, em consequência da lei aprovada no primeiro semestre

O processo de composição do CNE, a indicação dos conselheiros, por vezes, causa mudanças abruptas, como na entrada do presidente Michel Temer. Não haveria uma forma de tornar esse processo mais claro para a sociedade?

Tudo pode ser sempre aprimorado. O decreto que regulamenta a indicação de nomes para o Conselho Nacional de Educação vem da época do Fernando Henrique Cardoso. E se mantém. O número de entidades que são listadas para indicar nomes tem aumentado cada vez mais. Nessa última, foram quase 60 entidades. De qualquer maneira, como o CNE, por lei, é um órgão de assessoramento ao Ministério da Educação, tem uma certa lógica que esse procedimento aconteça dessa forma, porque o ministro da Educação precisa ter uma incidência na qualidade daqueles que vão

Há reclamação de que não existe representante dos povos indígenas nestas novas indicações. É muito difícil dar espaço para todos os grupos que requerem representação no Conselho?

Em relação à ausência dos povos indígenas é uma lacuna que se formou. Apesar de as organizações dos povos indígenas também terem incidência no Ministério da Educação, com representação forte na Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão) e em outros órgãos, como a Secretaria de Educação Básica. Seria importante que estivessem presentes. Na minha experiência anterior, quando tínhamos a representação dos povos indígenas, eles deram contribuições importantes por meio de seus representantes. Enfim, é difícil recepcionar todos os segmentos educacionais

Sobre a pauta da educação neste momento, quais as grandes atribuições do CNE nos próximos dois anos (anos finais desse governo)?

No curto prazo, temos a enorme tarefa de elaborar as Diretrizes Curriculares do Novo ou novíssimo Ensino

POLÍTICAS PÚBLICAS

Médio, em consequência da lei aprovada no primeiro semestre. Ela foi aprovada com certo atraso, então temos de correr para que ainda neste ano, até dezembro, possamos aprovar as diretrizes operacionais dos quatro itinerários formativos previstos em lei. Quais são esses itinerários? Os referentes às áreas de matemática, ciências da natureza, linguagens e ciências humanas. Isso é o previsto na lei, que atribuiu diretamente ao CNE a responsabilidade de discutir e aprovar essas diretrizes. Além das diretrizes para cada uma dessas áreas de conhecimento, temos de aprovar as Diretrizes Curriculares do Ensino Médio como um todo. Essas são duas tarefas importantíssimas, para as quais temos de nos preparar para liquidar até o final deste ano.

E como isso será feito?

Por meio de discussões. Isso é parte, inclusive, dos momentos mais abertos do Conselho — a promoção de audiências e consultas públicas, para fazer com que essas diretrizes possam representar, de fato, não apenas as possibilidades, mas também as perspectivas do desenvolvimento do ensino médio no país.

E nesse curtíssimo prazo, o que mais há?

A gente também tem a tarefa de retomar as discussões a respeito das orientações para a educação dos portadores do TEA, os Transtornos do Espectro Autista, uma questão muito polêmica. Isso já está lá no Conselho, mas em processo de retomada e de revisão dos pareceres que foram elaborados anteriormente.

Como você vê esse aumento tão significativo dos casos de TEA?

O fato de isso ter adquirido uma visibilidade maior nas redes públicas estaduais e municipais, e mesmo nas escolas privadas — a presença desses jovens, crianças e até adultos, pois isso também envolve a educação superior — se deve a um processo de maior conhecimento e aprimoramento dos diagnósticos relacionados a essa questão, que então ficava escondida. Mesmo as famílias não entendiam muito. Isso ficou um pouco mais claro [com leis e resoluções] em relação aos direitos dessas crianças, adolescentes e adultos. E, portanto, os diagnósticos, os laudos acabaram aparecendo em maior volume. Essa transparência permitiu que tivéssemos um quadro mais completo a respeito dos de-

Temos também a tarefa de retomar as discussões a respeito das orientações para a educação dos portadores do TEA, os Transtornos do Espectro Autista... [que está] em processo de retomada e de revisão dos pareceres

safios educacionais para esses estudantes, quadro esse que preocupa muito os gestores, tanto das escolas públicas quanto das privadas, em função do volume. Os gestores, os educadores, professores, diretores de escola têm uma preocupação muito grande que envolve até o sistema de Justiça. O Ministério Público e o Poder Judiciário acabam incidindo nos processos de inclusão dessas crianças, jovens e adultos.

Há algumas coisas polêmicas herdadas do governo Bolsonaro, não?

Ainda não tenho um quadro completo a respeito do chamado Parecer 50, aprovado no período anterior e que é muito polêmico, porque tem uma pegada um pouco mais, vamos dizer assim, medicalizada. O campo educacional tem o posicionamento de que, no território escolar, você tem de ter um trabalho de inclusão que seja propriamente educacional e não medicalizado ou a partir da presença de profissionais que não são da própria educação. É um tema que recebemos agora e ainda preciso estudar mais, como todos os demais conselheiros. Isso vai ser retomado a partir de setembro e com uma perspectiva de resolução, pois já houve muito debate a respeito. A expectativa é de que seja aprovada uma orientação mais clara para os sistemas de ensino sobre como o processo escolar dessas crianças, jovens e adultos deve acontecer.

TRANSFORMAÇÃO

Ideb: avaliamos para quê?

Um dos principais termômetros da educação brasileira mantém sua devida importância, mas necessita ser atualizado

Os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2023, divulgados em agosto, revelam tanto avanços quanto desafios significativos para a educação pública no Brasil. Em uma análise recente do Todos Pela Educação1, entre 2019 e 2023, destaca-se que, no universo de escolas públicas (contemplando redes estaduais e municipais) dos anos iniciais, houve redução ou estagnação do Ideb em 49% dos municípios, correspondendo a 60% das matrículas das redes públicas da etapa. Infelizmente, sem grandes surpresas, o que o indicador de 2023 nos mostra é que os desafios seguem sendo muitos e que os estudantes brasileiros estão muito aquém do esperado. Sem a superação dessas questões, o baixo desempenho educacional continua refletindo desigualdades históricas e estruturais que não podem ser ignoradas.

Chico Soares, especialista em avaliação educacional, destaca em seu artigo O Ideb precisa mudar para manter sua relevância que é fundamental que o Ideb evolua para refletir não apenas os resultados, mas também as condições em que esses resultados são alcançados. Ele questiona: “Qual qualidade? Qualidade para quem? Há resultados além do aprendizado que devem ser considerados?”. Dessa forma, Soares chama a atenção para a necessidade de renovarmos nosso foco na avaliação educacional.

Sabe-se que são muitos os fatores a serem considerados para se avaliar a real capacidade de aprendizado de um estudante. Por exemplo, dentre as habilidades requisitadas aos estudantes do 5º ano em língua portuguesa, espera-se que sejam capazes de “distinguir um fato da

opinião relativa a esse fato”, conforme o descritor D11 da Matriz de Referência do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Para além dos conhecimentos e procedimentos mentais necessários à consolidação dessa habilidade, é fundamental considerar as adversidades enfrentadas pelos alunos e as oportunidades de aprendizagem que lhes foram oferecidas, desde a infraestrutura escolar até a educação para as relações étnico-raciais. Nesse cenário, destaca-se a perspectiva da equidade. Os resultados do Ideb 2023 devem ser um chamado à reflexão crítica. Eles nos lembram que, apesar dos progressos, ainda temos um longo caminho a percorrer para garantir uma educação de qualidade. O Ideb deve ser um ponto de partida para uma discussão mais ampla sobre o que significa oferecer uma educação de qualidade. Precisamos de uma avaliação que considere não apenas os resultados, mas também as oportunidades de aprendizagem oferecidas a cada aluno.

1 Ideb/Saeb 2023 - Análises sobre as variações do Ideb e da Nota Saeb entre 2019 e 2023 das redes municipais e estaduais. Todos Pela Educação. Agosto, 2024.

Damaris Silva mestre em letras e especialista em gestão escolar

INTERNACIONAL

Após quatro anos da pandemia, por que estudantes ainda não recuperaram a aprendizagem?

Pesquisadores de três empresas de testes divulgam atualizações sobre recuperação acadêmica nos EUA e oferecem possíveis explicações

Quatro anos após a pandemia fechar as escolas, todos nós queremos acabar com a Covid-19. Mas as últimas análises de três empresas de avaliação pintam um quadro sombrio de onde as crianças dos EUA estão academicamente e isso merece cobertura. Embora haja pontos positivos isolados, a tendência geral é a estagnação. Um relatório documentou que os estudantes estadunidenses não progrediram na recuperação no ano letivo mais recente de 2023-24 e ficaram ainda mais para trás em matemática e leitura, agravando as perdas de aprendizagem causadas pela pandemia. “No final de 2021-22, concluímos com otimismo que o pior já havia passado e que a recuperação havia começado”, escreveu Karyn Lewis, pesquisadora da NWEA, uma das empresas de avaliação. “Infelizmente, os dados dos últimos dois anos letivos não sustentam mais essa conclusão. O crescimento desacelerou para ficar atrás das taxas pré-pandêmicas, resultando em lacunas de desempenho que continuam a aumentar e, em alguns casos, agora ultrapassam o que antes considerávamos o ponto mais baixo.”

O exemplo mais gritante são os alunos do 8º ano, que estavam no 4º ano quando a pandemia estourou pela primeira vez em março de 2020. Eles agora precisam de nove meses de escola adicional para recuperar o atraso, de acordo com a  análise da NWEA, divulgada em julho de 2024. “Este é um momento de crise com os alunos do ensino fundamental”, disse Lewis. “Onde vamos encontrar um ano adicional para compensar essas crianças antes que elas deixem o sistema educacional?”

RESULTADOS SIMILARES

Todas as três análises foram produzidas por empresas com fins lucrativos que vendem avaliações para escolas: MAP, i-Ready e Star. Diferentemente

Os alunos do 6º ano em 2024, em média, sabem muito menos do que os alunos do 6º ano sabiam em 2019
As

crianças ficam para trás e não se recuperaram

dos testes estaduais anuais, essas avaliações provisórias são administradas pelo menos duas vezes por ano para milhões de alunos em todo o país no sentido de ajudar a monitorar o progresso, ou aprendizado, durante o ano. Essas empresas podem ter um motivo comercial para soar um alarme para vender mais de seus produtos, mas os relatórios são produzidos por estatísticos educacionais bem conceituados. A Curriculum Associates não detectou tanta deterioração quanto a NWEA, mas encontrou estagnação generalizada em 2023-24, de acordo com um  relatório divulgado em 19 de agosto de 2024.  Sua pesquisadora Kristen Huff descreveu as diferenças numéricas como pequenas e que têm a ver com o fato de que esses são testes diferentes, feitos por alunos diferentes e usam métodos diferentes para calcular os números. A principal conclusão de todos os relatórios, ela disse, é a mesma. “Como nação, ainda estamos vendo o impacto duradouro da interrupção da escolaridade e do aprendizado”, relatou Huff, vice-presidente de avaliação e pesquisa da Curriculum Associates.

Em suma, as crianças ficam para trás e não se recuperaram. Isso importa para as perspectivas futuras

Dos US$ 190 bilhões que o governo federal deu às escolas para a recuperação da pandemia, uma pequena quantia foi para a recuperação acadêmica, como tutoria ou escola de verão

de emprego e padrão de vida desses estudantes. No final das contas, uma força de trabalho menos produtiva pode prejudicar a economia dos EUA, de acordo com projeções de economistas e empresas de consultoria. É importante enfatizar que individualmente os alunos não regrediram ou não sabem menos agora do que costumavam saber. O aluno médio do 6º ano sabe mais hoje, em 2024, do que sabia no primeiro ano em 2019. Mas o ritmo de aprendizagem, ou taxa de crescimento acadêmico, tem sido instável desde 2020, com alguns alunos perdendo muitos meses de instrução. Os alunos do 6º ano em 2024, em média, sabem muito menos do que os alunos do 6º ano sabiam em 2019.

A Renaissance, uma terceira empresa, encontrou um padrão manchado de recuperação, estagnação e deterioração dependendo do ano escolar e da disciplina. (A empresa compartilhou seus resultados preliminares de meio de ano comigo por e-mail em 14 de agosto de 2024.) O mais preocupante é que ela descobriu que as habilidades matemáticas de alunos mais velhos, do 8º ao 12º ano, estão progredindo tão lentamente que eles estão ainda mais atrasados do que estavam após as perdas iniciais da pandemia. Esses estudantes estavam do 4º ao 8º ano quando a pandemia se intensificou pela primeira vez em março de 2020. Pelo lado positivo, a análise da Renaissance descobriu que os alunos do 1º ano em 2023-24 se recuperaram completamente e seu desempenho correspondeu ao que os alunos do 1º ano costumavam

INTERNACIONAL

fazer antes da pandemia. Os alunos do ensino fundamental do 2º ao 6º ano estavam progredindo lentamente e ficaram para trás.

HABILIDADES

FONÉTICAS

A Curriculum Associates apontou dois pontos positivos inesperados em seus resultados de avaliação. Um é a fonética. No final do ano letivo de 2023-24, uma grande parte dos alunos do jardim de infância estavam no nível do ano escolar para habilidades fonéticas tanto quanto os alunos do jardim de infância em 2019. Isso é quatro em cada cinco alunos do jardim de infância. A empresa também descobriu que as escolas cuja maioria dos alunos é negra estavam mostrando um progresso de recuperação relativamente melhor. “É pequeno, e as disparidades ainda existem, mas é um sinal de esperança”, contou Huff, da Curriculum Associates.  Uma professora de matemática do ensino médio me disse que acha que o aprendizado não se recuperou e continuou a se deteriorar porque as escolas não se apressaram para preencher as lacunas imediatamente. Essa professora disse que quando as aulas presenciais foram retomadas em sua cidade, em 2021, os administradores a desencorajaram de revisar tópicos antigos que os estudantes tinham perdido e disseram para ela seguir em frente com o material do nível da série. “A palavra que estava circulando era ‘aceleração, não recuperação’”, disse a professora. “Essas crianças acabaram de perder 18 meses de escola. Talvez você possa fazer isso em estudos sociais. Mas a matemática se desenvolve sozinha. Se eu perder o 6º, 7º e 8º anos, como vou fazer equações quadráticas? Como vou fatorar? A pior coisa que eles já fizeram foi não fornecer essa recuperação assim que voltaram.” Esta educadora deixou seu emprego como professora em uma escola pública em 2022 e desde então tem dado aulas particulares a estudantes para ajudá-los a se recuperar das perdas de aprendizagem causadas pela pandemia.

IMPACTOS PARA ALÉM DA APRENDIZAGEM

O absenteísmo crônico é outro grande fator. Se você não aparecer na escola, provavelmente não vai conseguir recuperar o atraso. Mais de um em cada quatro alunos no ano letivo de 2022-23 estavam cronicamente ausentes, perdendo pelo menos 10 por cento do ano letivo. A deterioração da saúde mental também é

Uma professora de matemática do ensino médio acha que o aprendizado não se recuperou e continuou a se deteriorar porque as escolas não se apressaram para preencher as lacunas imediatamente

uma teoria importante para as dificuldades escolares. Um estudo realizado por pesquisadores da University of Southern California, divulgado em 15 de agosto de 2024, documentou sofrimento psicológico generalizado entre adolescentes e pré-adolescentes desde a pandemia. Os pré-adolescentes provavelmente enfrentavam hiperatividade, desatenção e má conduta, como perder a paciência e brigar. Essas dificuldades de saúde mental estavam correlacionadas com absenteísmo e notas baixas.

É fácil chegar à conclusão de que os US$ 190 bilhões que o governo federal deu às escolas para a recuperação da pandemia não funcionaram. (O prazo para assinar contratos para gastar o que sobrar desse dinheiro é setembro de 2024.) Mas isso não conta toda a história. A maior parte dos gastos foi destinada à reabertura de escolas e à atualização dos sistemas de aquecimento, resfriamento e ventilação de ar. Uma quantia muito menor foi para a recuperação acadêmica, como tutoria ou escola de verão. No início deste verão, dois grupos separados de pesquisadores acadêmicos concluíram que esse dinheiro levou a ganhos acadêmicos modestos para os alunos. O problema é que ainda é necessário muito mais.

Esta história foi produzida pelo  The Hechinger Report, uma organização de notícias independente e sem fins lucrativos nos EUA focada em desigualdade e inovação na educação.

A publicação referência mundial em inovação social, agora no Brasil

Com a missão de promover, informar e inspirar o campo da inovação social, buscando, cultivando e disseminando o que há de melhor em pesquisa e conhecimento baseado na prática, a plataforma reúne tópicos que vão dos direitos humanos ao investimento de impacto, passando por sustentabilidade, educação, saúde, ambiente, energia e desenvolvimento econômico, entre outros.

Cadastre-se e aproveite os conteúdos

Mantenedores institucionais

FUTURO DA ESCOLA

Escola Social Marista Irmão Rui, São Paulo

Alfaletramento garante a aprendizagem dos estudantes

Educadora defende que é preciso saber quem é o sujeito que aprende, como ele aprende, a sua história e relacionamento com a escola

Em um mundo cada vez mais globalizado e plural, o letramento tende a fazer parte mais e mais da vida dos seres humanos, e a escola deve contribuir para que este processo seja satisfatório e favoreça a inserção do educando na sociedade, que lhe permita atuar socialmente. É o que destaca Neuzita de Paula Soares, diretora da Escola Social Marista Irmão Rui, localizada em Ribeirão Preto, em São Paulo. Desde 2002, a instituição atende gratuitamente 790 crianças e jovens entre seis e 18 anos em situação de vulnerabilidade, ofertando o ensino fundamental, médio e projetos de contraturno escolar.

“A proposta educativa da escola tem como intencionalidade garantir não apenas a apropriação da leitura e da escrita, mas também colaborar para o processo de proficiência de interpretação daquilo que se lê e daquilo que se escreve. Para a Escola Social Marista Ir. Rui, o alfaletramento processual e contínuo é compromisso de democratização social e cultural do conhecimento, pressupostos que sedimentam os caminhos para a cidadania”, diz Neuzita.

Desde 2002, a escola atende gratuitamente 790 crianças e jovens em situação de vulnerabilidade

Para a diretora Neuzita de Paula Soares, a intencionalidade pedagógica da escola é voltada também para a proficiência de interpretação daquilo que se lê e daquilo que se escreve

Para garantir o alfaletramento, expressão que a escola utiliza para dizer que alfabetiza e letra os alunos ao mesmo tempo, foi criado em 2018 o projeto Travessia. Ao identificar que os estudantes possuíam variados índices de aprendizagens ou defasagens, o projeto chega para reduzir as dificuldades em língua portuguesa e matemática. Funciona como atendimento complementar no contraturno escolar e é estruturado com base em trilhas de aprendizagem que impactam o desenvolvimento cognitivo e socioemocional dos atendidos.

“O projeto Travessia é de recomposição de aprendizagens e visa a equidade acadêmica por meio da personalização dos processos de alfabetização, construídos a partir dos diferentes tempos de aprendizagem e singularidades de cada estudante, por isso possui modelagens específicas dentro de cada segmento atendido”, conta Neuzita de Paula Soares.

Fotos: Divulgação

PROPOSTA PEDAGÓGICA

“O projeto é atualizado anualmente e, como o nome diz, visa uma travessia para o estudante: de um lugar de não aprendizagem de leitura, escrita e base matemática ocasionada por inúmeros fatores, para um lugar de aprendizagem, de acesso, no qual haja, de fato, inclusão”, pontua a diretora.

Desta forma, para iniciar o processo de recomposição da aprendizagem de determinados alunos, professores especializados realizam entrevistas e análises individuais diagnósticas com os estudantes. Depois dessa etapa do projeto, organizam percursos acadêmicos que são alinhados à agenda de atividades de cada criança ou jovem.

À medida que vão seguindo o percurso, os professores modulam os tempos e complexidades de atividades e o momento de conclusão do projeto. Quando a criança conclui esse programa, segundo a diretora Neuzita, ela está fortalecida para seguir com a sua turma; nisso, recebe um certificado simbólico, que normalmente é um marco nos rendimentos e na autoestima.

SUCESSO DO PROJETO

“Desde sua implantação, são dezenas de estudantes alfaletrados, que após cumprirem o percurso e estarem em condições similares ao restante da turma, são dispensados do projeto de forma amorosa e simbólica — como quem vence uma barreira importante. São vários estudantes que conseguem superar as dificuldades e seguir a trajetória escolar com suas turmas”, diz a diretora. Em 2023, o percentual foi de 89% de sucesso, considerando o cruzamento de dados como: estudantes que fizeram sete pontos ou mais de média; aqueles com melhora crescente na média de português e matemática; estudantes com melhora parcial na média de português e matemática; estudantes que progrediram de séries, e os índices de aprovação e frequência na escola.

LETRANDO PROFESSORES

Para letrar alunos é indispensável formar professores. O projeto possui docentes exclusivos, focados em matemática e língua portuguesa. Esses profissionais realizam cursos, recebem orientações de gestores de cada segmento sobre os percursos, dedicam-se a construir caminhos personalizados com os estudantes e estabelecer articulações com os processos desenvolvidos em sala de aula.

De acordo com Neuzita de Paula Soares, dessa forma não há segregação e sim complementaridade entre as metodo-

Criado em 2018, Projeto Travessia busca minimizar defasagens dos estudantes

logias desenvolvidas em sala e o trajeto individual de cada estudante, no fortalecimento das potencialidades e na superação da ‘travessia’ de dificuldades de aprendizagens.

“Não existe receita para alfaletrar, existe processo, método e sensibilidade para compreender o estudante na sua inteireza, no caminho percorrido por ele em relação às aprendizagens, enfim, em saber quem é o sujeito que aprende, como ele aprende, a sua história e relacionamento com a escola”, explica.

OUTRAS INICIATIVAS

Além do projeto Travessia, a Escola Social Marista Irmão Rui possui outras iniciativas que visam atender diferentes demandas da escola. Buscando fortalecer a equidade acadêmica, por exemplo, através do projeto Biblioteca Interativa, a instituição incentiva idas à biblioteca da escola. O espaço conta com 12 mil obras voltadas a crianças no processo de alfabetização, até aos jovens em preparação para os vestibulares. Estes, junto com a bibliotecária, leem e discutem sobre as obras que estão nas listas das provas.

Já com o intuito de fortalecer o vínculo entre família e escola, a instituição possui iniciativas como o projeto Angico, nome que faz referência à árvore nativa brasileira, de porte grandioso e resistente às mudanças climáticas, assim como as famílias dos alunos da escola, que possuem histórias riquíssimas pautadas na diversidade de origem e constituição. O projeto estimula a participação dos familiares em fóruns e eventos que acontecem dentro do ambiente escolar.

Projeto Biblioteca Interativa garante acesso à leitura
Fotos: Divulgação

Escola dá sustentação à colonialidade

É preciso eliminar a paralisia educacional e construir um projeto decolonial em diálogo com a história e cultura indígena

OBrasil parece viver em uma eterna ‘festa estranha com gente esquisita’, porque — como em poucos países — há, por estas bandas, o hábito nacional de aceitar que determinadas leis ‘não vão pegar’. Em qualquer sociedade minimamente esclarecida, a expressão em si seria absurda. Todavia, nestas terras, tratamos a frase como sentença e descaso rotineiro.

A Lei 11.645/08 que torna obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira é evidentemente transformadora porque modificou a Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394/96) que, por sua vez, já havia sido alterada pela 10.639/03. Contudo, é um exemplo claro de legislação que não pega. Ora devido à falta de interesse efetivo na aplicação desse dispositivo legal, ora porque quem a sugere não a fiscaliza nem pune quem não a cumpre. A deliberação é bastante interessante porque impõe às instituições de ensino o que já deveria estar ocorrendo por entendimento da contribuição clara dos povos indígenas na formação de nossa brasilidade.

Como estamos longe de fazer valer o normativo, a lei capenga no papel e na prática das salas de aula. E se sobrevive, é devido à força e ao empenho efetivo da militância de alguns poucos profissionais de educação comprometidos com a causa e entusiasmados pela temática indígena, sobretudo com aquilo que a lei não especifica ou não aventa — como a obrigatoriedade dela no ensino superior. La-

mentavelmente, estamos bem distantes ainda de tornar natural o que se forja legal.

E nessa toada de desconsideração, seguimos arraigados em estereótipos, em preconceitos coloniais e em visões deturpadas sobre quase tudo relacionado à nossa ancestralidade, provocados pela concepção colonialista impregnada na educação brasileira que oficializa o ideário positivista eurocêntrico e excluí a história e a cultura indígena como basilares na formação do país. Os materiais escolares, comprovando esse itinerário torto, afirmam que nossa história oficial começa em 1500 e escamoteia muita atrocidade feita. O que caracteriza um desprezo absoluto às populações que aqui viviam (vivem) e que tornaram (tornam), inclusive, o país preservado e habitável para toda sorte de invasores.

Se a escola é espaço da diversidade, da pluralidade, da construção de uma sociedade íntegra e solidária, deve assumir esse papel na construção de um projeto decolonial justo e reparador

Estagnados em dois caminhos inférteis — a não aplicação efetiva da lei e a concepção desajustada e desastrosa no que tange os povos indígenas —, aceitamos a paralisia educacional. Para sair desse atoleiro conceitual e prático, há necessidade clara de reconstruir na escola e na sociedade rumos que corrijam essas falhas e incorreções. A começar por uma mudança de rota no que é proposto pela lei para que trilhemos um trajeto sob a perspectiva da decolonização, a fim de estabelecer compreensões mais razoáveis sobre a presença e a participação indígena na construção desta nação. Diferindo, evidentemente, nesse percurso, o ensino de história indígena — promovido em parceria com as vozes originárias — do en-

sino tradicional que tangencia, apenas, quando muito, a presença indígena no Brasil.

Isso exigirá, sem dúvida, uma revisão da abordagem e do imaginário que vem sendo sustentado ao longo dos anos sobre os indígenas nas diversas fontes adotadas na escola. Urge mudar essa percepção, desde as compreensões rasteiras que limitam as distinções dos povos ancestrais como se não houvesse entre eles diferenças socioculturais sólidas a preconceitos escancarados às suas crenças e aos seus modos distintos de vida.

Nessa reavaliação retificadora da história e da cultura indígena com a polifonia (várias vozes) de representantes dos mais de 300 povos que vivem no Brasil, há necessidade de colocar o dedo na ferida e fazê-la sangrar, como se fez e se faz com esses povos desde que os portugueses aportaram por aqui. A começar pela compreensão do epistemicídio, que condena o abafamento dos saberes dos povos autóctones ao etnicídio, destruição sistemática dos modos de vida, até chegar ao ponto crucial de lançar luz aos silenciamentos históricos, políticos e culturais impostos a essas populações. Ou seja, desnudar a indiferença às causas dos povos originários em relação às suas lutas por um lugar digno e igualitário na sociedade; revelar as insistentes manifestações e os enfrentamentos desses povos na retomada de boa parte de terras que lhes pertence (estamos em pleno embate sobre o marco temporal); entender, sem folclore e sem discriminação, que há autóctones que vivem nas florestas, nas áreas rurais e nos centros urbanos; solidarizar-se com a

Nessa toada de desconsideração, seguimos arraigados em estereótipos, em preconceitos coloniais e em visões deturpadas sobre quase tudo relacionado à nossa ancestralidade

luta pela garantia de direitos e pela a atuação ativa nas instituições que definem os rumos do país; indignar-se diante dos insistentes assassinatos dos povos ancestrais por posseiros, grileiros e fazendeiros; e aceitar que temos muito o que aprender com a educação promovida pelos indígenas, especialmente em tempos de emergências climáticas e de esgotamento dos recursos naturais. Não há dúvida de que a escola é uma das sustentações da colonialidade, porque atua de forma metódica na dominação epistêmica do poder. Cabe, então, a ela, contribuir para que se desvalide a supremacia do conhecimento ocidental que nega e aniquila os saberes ancestrais. Se a escola é espaço da diversidade, da pluralidade, da construção de uma sociedade íntegra e solidária, deve assumir esse papel na construção de um projeto decolonial justo e reparador. E não é com as festinhas comemorativas e com cartazes no dia 19 de abril. É no processo sólido de desconstrução do apartamento intencional que tornou o indígena uma figura abstrata e literária de contemplação ou um ser primitivo, miserável, sem direito e indigno de respeito.

e orientador educacional

João Jonas Veiga Sobral Escritor, professor de língua portuguesa

ENTRE MARGENS

Campanha eleitoral, um pesadelo

Entre promessas imprudentes, sociedade necessita refletir sobre o ato de

educar

| Por José Pacheco

Algures, 1º de julho de 2044

No decurso de uma campanha eleitoral, cheguei à fala com candidatos à eleição. Diálogo difícil, pois, sempre que eu lhes falava de aprendizagem, eles falavam de aulas, se lhes falava de educação e de crianças, eles falavam de dinheiro. As propostas dos partidos, no campo da educação, eram paupérrimas. Eram a negação de princípios constitucionais. Iam na contramão de corajosas iniciativas como a da secretaria de Mendes [RJ]. Ofendiam a memória de insignes educadores e políticos como Darcy. Veja-se, por exemplo, o que a ‘iniciativa liberal’ propunha, no âmbito da ‘inclusão de alunos com necessidades especiais’:

“Os alunos com necessidades especiais devem ser enquadrados na escola de uma forma que atenda à gravidade das suas necessidades. Se essas necessidades forem compatíveis com um ritmo normal de aprendizagem — por exemplo, se forem de natureza motora — então os alunos devem ser incluídos em turmas normais.

Se, por outro lado, as necessidades especiais não forem compatíveis com um ritmo normal de aprendizagem — por exemplo, se forem de natureza cognitiva ou comportamental — então esses alunos devem ser inscritos em turmas especiais lideradas por professores e outros profissionais devidamente habilitados para lidar com essas limitações”.

“Enquadrados na escola”, “ritmo normal de aprendizagem”, “turmas normais”, “turmas especiais”…um chorrilho de disparates.

Também no domínio da ‘inclusão’, os programas eleitorais dos partidos eram autênticos pesadelos. Os seus autores, certamente, não teriam lido a Declaração de Salamanca. Os políticos e ‘especialistas’ que os redigiram pareciam saídos das catacumbas pedagógicas da proto-história da educação.

Em contraponto com o festival de horrores eleitoreiro, havia quem quisesse “combater a mercantilização, reverter a precariedade, defender o fim dos exames. Alguns candidatos

falavam de “combate à burocracia e autonomia institucional, assegurando a autorresponsabilidade das escolas, rever a organização dos mega-agrupamentos, recuperar a gestão democrática, reestabelecer um modelo colegial de direção escolar e uma reforma do sistema de ensino centrado nos conteúdos e na ilusão de que uma prova escrita é um instrumento infalível de avaliação de um aluno, ou de uma escola” (sic).

Havia quem propusesse “construir comunidades educativas preparadas para os desafios do século XXI, escolas que transitassem para um modelo de educação assente num conhecimento dinâmico” (sic).

Mas também havia negacionistas que evocavam ‘evidências científicas’ para forçar a continuidade da mesmice. E o Paulo desabafava:

“Há tempos, eu prometi não escrever sobre temas políticos. Peço perdão por fazê-lo. A todas e todos que se sentirem incomodados me desculpo. Há tempos em que não se pode esconder na poesia, nem buscar consolo na memória do menino que um dia fui e que deixei perdido numa distante esquina do tempo.

O dia de hoje é para esquecê-lo, de apagar da mente o pesadelo destes dias impregnados pela ignorância profunda, oriunda de gentes que pouco sabem, que não se compadecem dos aflitos, que desconhecem o amor, que se apegam a mitos.

No julho de 2024, regressei a Maricá para ajudar a Bruna a retomar um projeto de comunidade interrompido por efeito da corrupção moral, econômica e ética. E o amigo Paulo expressava a sua indignação relativamente a uma situação específica, mas que podíamos transpor para o quadro de uma profunda crise a que Darcy chamou projeto — urgia humanizar o ato de educar.

José Pacheco
Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal) josepacheco@editorasegmento.com.br

Não tem muito tempo?

Atualize seus conhecimentos com as leituras da coleção Sua Carreira em 20 Minutos, elaborada pela Harvard Business Review Press

SUA CARREIRA EM 2 MINUTOS

Assessoria pedagógica especializada é um dos diferenciais do CNA NA ESCOLA

O CNA NA ESCOLA, programa bilíngue do CNA+ que atende instituições de ensino tanto na matriz curricular quanto no período estendido, foi criado com o objetivo de ajudar escolas brasileiras a superar os obstáculos rumo ao ensino de idiomas de qualidade. O programa leva aos colégios parceiros uma proposta personalizada de ensino bilíngue dentro de suas próprias instalações, em consonância com as principais demandas educacionais do século 21.

Tendo como principal propósito educar para o desenvolvimento de pessoas e a construção de uma sociedade melhor, o CNA NA ESCOLA torna a experiência de ensino de línguas mais completa e eficiente, estimulando a inteligência, o pensamento lógico e a concentração dos alunos. Além de uma abordagem educacional inovadora, material didático exclusivo e experiências imersivas, o programa ainda oferece às escolas uma assessoria pedagógica especializada capaz de otimizar o processo de ensino-aprendizagem.

A assessoria pedagógica do CNA NA ESCOLA vai além da resolução de problemas e do papel consultivo, permitindo que o programa ofereça duas possibilidades de atendimento aos colégios parceiros e auxiliando-os de perto no processo de implantação de suas soluções. Na primeira, a instituição pode alocar no programa bilíngue os professores da franquia CNA+ de sua região, que já são treinados e capacitados para lecionar no programa. Na segunda opção, é possível que os professores da própria escola ministrem o curso, contando com a assessoria pedagógica para capacitar e treinar esses profissionais.

Dirigir e coordenar uma escola não é uma tarefa simples e exige capacidade de gestão em diferentes cenários, especialmente quando pensamos em um contexto de transição do ensino tradicional para o ensino bilíngue. Nesse sentido, a assessoria pedagógica do CNA NA ESCOLA facilita muito o processo. Quando a instituição opta por manter seu quadro de professores e aproveitar os profissionais da escola para o programa bilíngue, o programa oferece treinamentos por meio da UniCNA, a Universidade Corporativa do CNA+, que visa oferecer uma solução de capacitação alinhada com nossa missão, visão e valores, e personalizada para nossos colaboradores e parceiros.

Dentro do escopo da Universidade Corporativa há, inclusive, uma trilha específica para professores de escolas atendidas pelo CNA NA ESCOLA. Ao direcionar os esforços de aprendizagem de forma ali-

Apresentado por

nhada aos objetivos estratégicos do CNA+, as trilhas de aprendizagem voltadas a professores se tornam uma ferramenta valiosa para promover o desenvolvimento contínuo desses profissionais. Dessa forma, elas não apenas fortalecem as habilidades técnicas, mas também incentivam a construção de competências interpessoais e a capacidade de aplicar o conhecimento de maneira prática, criando colaboradores mais versáteis e preparados para os desafios do ensino bilíngue.

A assessoria pedagógica do CNA NA ESCOLA oferece dois pontos de apoio para as escolas que utilizam o programa, sendo um deles dentro da própria instituição, por meio do acompanhamento de um coordenador que centralizará todos os processos e será responsável por receber os materiais, realizar treinamentos, aplicar provas e distribuir as informações para todos os professores e toda a comunidade escolar, e um segundo ponto de apoio na franquia mais próxima, que estará sempre pronta para atender às necessidades da instituição.

Graças às mais de 730 franquias espalhadas por todo o Brasil, o CNA NA ESCOLA também oferece às escolas parceiras a possibilidade de um atendimento físico muito próximo e de substituição imediata de professores em casos de emergência. Ou seja, mesmo quando opta por manter seu quadro de professores e capacitá-los pela UniCNA, a instituição segue contando com a disponibilidade dos professores da franquia, se precisar.

A qualidade da assessoria pedagógica do CNA NA ESCOLA permite que a instituição mantenha em seu quadro de funcionários os professores que já estão acostumados com os alunos e com o ambiente de ensino, podendo, ainda, oferecer capacitação para que esses profissionais estejam aptos a fazer uso de uma metodologia de ensino pronta, com a qualidade de uma das maiores e mais tradicionais redes de ensino de idiomas do Brasil, adaptada para a sua própria estrutura. Faça a diferença. Entre em contato com o CNA+ e descubra a melhor opção de programa bilíngue para a sua instituição.

Entre em contato com a nossa equipe e descubra como levar o programa CNA NA ESCOLA para a sua instituição.

cna.com.br/cna-na-escola (11) 3053-3923

a câmera e saiba mais:

Aponte

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.