
Rita Coelho
Educação infantil não tem meta de alfabetização
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Desafios contemporâneos
Nobel da Paz estará em evento educacional
Rita Coelho
Educação infantil não tem meta de alfabetização
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Assustam os casos de crianças e jovens com ansiedade, depressão e crises que se traduzem em sintomas também físicos nas enfermarias das escolas. É fato que a pandemia intensificou esse problema, que não é exclusivo de um país e muito menos de uma faixa etária, atingindo também adultos sobrecarregados. Tanto que nós temos focado tais casos em reportagens, palestras e podcast sobre saúde mental, inclusive, nossa matéria de capa de maio do ano passado se voltou a esse tema sob a ótica da gestão e docência — uma vez que entendemos que os educadores e educadoras, para abraçar os discentes, devem antes receber apoio e preparo emocional e mental.
Agora, nossa matéria de capa olha para os estudantes, que mais do que nunca precisam de acolhimento. É claro que a escola não é a culpada do aumento de ansiedade, automutilação e suicídio, mas, enquanto seu papel formador, ela deve incluir em seu currículo o autocuidado. O ambiente escolar precisa fugir da pressão por prova que faz menores de idade tomarem remédio (inaceitável).
É tempo de fortalecer a riqueza que a escola oferece: a convivência diversa com colegas, educadores(as) e outros colaboradores(as); intensificar atividades mão na massa, artísticas, culturais, olho no olho; ouvir o outro e ser ouvido. Leia a reportagem de Paulo de Camargo, página 20.
Em tempos de polarização política e, com certeza, por medo dos efeitos da internet, integrantes de governos costumam dar respostas vagas aos jornalistas. De forma honesta e reforçando o seu compromisso com a educação infantil, a entrevistada desta edição, Rita Coelho, conversou com a nossa editora de forma consistente. Rita é coordenadora da Coordenação-Geral de Educação Infantil (Cogei) do Ministério da Educação. Confira na página 8.
Um excelente início de segundo semestre para todos(as).
A revista Educação, composta por edições digitais e impressas, site, redes sociais e eventos, é publicada por RFM Editores
Ano 28 - Nº 305 agosto de 2024 ISSN 1415-5486
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Colaboraram nesta edição Alexandre Sayad Damaris Silva Fernando José de Almeida
João Jonas Veiga Sobral José Pacheco Maria Eugênia Paulo de Camargo Rubem Barros
Simône Midori Maki (diagramação) Maria Stella Valli (revisão)
COMERCIAL
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Explosão silenciosa de casos mostra que é urgente cuidar da saúde mental de crianças e adolescentes — e a escola tem um papel a desempenhar
Rita Coelho
Atuante nos direitos das crianças há pelo menos 30 anos, a coordenadora do MEC defende o desenvolvimento de múltiplas linguagens na educação infantil, incluindo as interações e brincadeiras
Escritor Milton Hatoum fala da importância de Graciliano, cujas obras entraram em domínio público. Páginas 14 e 15 matéria sobre editoras que relançaram as obras do alagoano. Página 16 entrevista com Hatoum
A passagem de um dos maiores educadores do país completou 10 anos em julho. Pessoas próximas falam da importância de seu legado RUBEM ALVES
Eleições municipais devem ter compromisso com as crianças e adolescentes. Movimento com grandes entidades apresenta diretrizes voltadas a essa faixa etária historicamente excluída
Apresentado por
CNA agora é CNA+
Grupo educacional nasce para viabilizar presentes e futuros por meio da educação
Com foco em expansão e o objetivo de diversificar os negócios na área de educação complementar, o CNA anunciou, durante a ABF Franchising Expo 2024, um novo posicionamento de mercado com a criação do grupo educacional CNA+. A ampliação da presença e atuação no segmento de educação já começou a se concretizar com a compra da franquia de escolas de tecnologia e inovação Ctrl+Play, em novembro de 2023, e aponta para novas aquisições no médio prazo.
“Vamos continuar a ampliação de nossos negócios. Nosso crescimento está em diversas áreas de atuação da educação complementar, seja com os cursos de idiomas, em que estamos buscando a expansão para a interiorização da marca, seja em disciplinas de tecnologia e inovação por meio da Ctrl+Play, que em apenas seis meses já está presente em todas as regiões do país”, destaca o CEO do grupo CNA+, Décio Pecin.
A partir do novo direcionamento estratégico, a pronúncia correta na leitura da nova marca passa a ser “CNA Mais”. O símbolo + vem para traduzir a potência da rede, indicando crescimento e evolução. O CNA+ já nasceu consolidado e com a expertise em negócios e gestão de rede de franquias com mais de 50 anos de atuação no mercado. O grupo conta atualmente com mais de 400 mil alunos/ano e cerca de 730 franquias CNA Idiomas, além de mais de 90 franquias Ctrl+Play.
Para além dos negócios, a área de parcerias e soluções educacionais do CNA+, o CNA NA ESCOLA, alia tradição e inovação levando propostas personalizadas
para instituições de ensino de todo o país por meio de parcerias que incluem: programa bilíngue para escolas privadas, o programa criado especialmente para alunos da rede pública de ensino, e o Ctrl+Play na Escola, nosso programa de inovação e tecnologia com cursos de programação e robótica.
O novo grupo educacional levará às instituições grandes oportunidades de parceria por meio de soluções que acompanham as tendências do mercado, reunindo múltiplas disciplinas em um só lugar e ampliando as experiências dos colégios, dos alunos e das famílias. “O CNA+ nasceu para viabilizar presentes e futuros por meio da educação, atendendo um público maior, principalmente, por ser acessível a todos, com horários, níveis, faixas etárias e trilhas de aprendizagem personalizáveis”, finaliza a CMO, Luciana Fortuna.
Faça a diferença em sua instituição oferecendo ensino de idiomas, tecnologia e inovação, com a expertise de um grupo educacional que já nasce sendo um dos maiores e mais tradicionais do Brasil. Entre em contato com a nossa equipe e descubra a melhor solução para a sua escola.
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Rita Coelho
Atuante nos direitos das crianças há pelo menos 30 anos, a coordenadora do MEC defende o desenvolvimento de múltiplas linguagens nessa etapa, incluindo as interações e brincadeiras, além de apresentar os avanços das políticas públicas
| Por Laura Rachid
Para a docente e socióloga, temos que mudar a concepção de brincar
Referência nacional em educação infantil, principalmente no que diz respeito às políticas públicas, os trabalhos e posicionamentos da docente e socióloga Rita de Cássia de Freitas Coelho acalentam educadores que, assim como ela, lutam para as crianças serem respeitadas em suas especificidades e, assim, serem reconhecidas como sujeitos de direitos. Por nove anos (2007 a 2016) Rita Coelho ficou à frente da Coordenação-Geral de Educação Infantil (Cogei), do Ministério da Educação (MEC), trabalhando com oito ministros. No terceiro mandato do governo Lula, Rita retoma a Cogei.
Doutora honoris causa pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), foi presidente da União Nacional de Conselhos Municipais de Educação (UNCME). Nesta conversa, contextualiza as conquistas da educação infantil, inclusive a mais recente, a Política Nacional Integrada para a Primeira Infância. Confira, a seguir, a entrevista exclusiva com a representante de educação infantil no MEC.
Como coordenadora-geral da Cogei de 2007 a 2016, o que a sua gestão trouxe para a educação infantil? E agora, como estão os trabalhos?
A gestão anterior foi importante em termos de projetos e políticas do governo para o MEC, além de ter qualificado a educação infantil no âmbito do governo federal. Havia uma parceria com o MDS [Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome] para atender as crianças do Bolsa Família e conseguimos ainda ampliar
as matrículas dessas crianças. Conseguimos rever as Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil, que eram de 1999, fizemos uma boa e valiosa discussão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que distingue a educação infantil, dá a ela uma identidade própria, não a confunde com o ensino fundamental. Inclusive, na Base há uma ruptura entre a proposta do ensino fundamental e a nossa proposta de educação infantil. Nossa gestão conseguiu defender e executar uma especialização na docência em educação infantil. Discutimos muito a questão da creche, das brincadeiras, várias publicações; os próprios parâmetros de qualidade da educação infantil, os indicadores de qualidade, estimulamos as escolas a utilizarem. Foi uma gestão que deixou rastros, deixou identidade.
O governo de hoje é de frente ampla. Eu não considero que ele seja um governo do PT ou um governo de esquerda. Temos características muito desafiadoras no âmbito do diálogo intersetorial, interministerial. É um diálogo em que a orientação da Presidência da República é qualificar as diferenças em um debate democrático e ético sem negar e apagar a voz daqueles que pensam ou que defendem posições diferentes. O que é um grande desafio numa sociedade polarizada, dividida, e em um Congresso em que o governo não tem maioria. Um exemplo desta dificuldade é o ensino médio, o qual discutimos há um ano. Então, muito do que fazemos é a busca do diálogo e da equidade. A prioridade hoje na educação é dialogar com todos, com quem não pensa como a gente, com quem não age como a gente. Mas dialogar com respeito e ética. Dialogar não significa negociar. Isso é um grande desafio, além de desgastante. A outra prioridade da Presidência da República e que nós temos perseguido no MEC, não apenas na educação infantil, é a equidade. Hoje nosso governo reconhece que a desigualdade é o maior problema do Brasil. Infelizmente, a política, inclusive de educação infantil, a política educacional, reproduz essa desigualdade. Acabamos de aprovar os novos Parâmetros Nacionais de Qualidade da Educação Infantil. Assim que forem homologados pelo ministro Ca-
milo Santana, iniciaremos a implementação. Também estamos implementando o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, outra prioridade do governo, e estamos trabalhando em ações que respeitam a identidade das crianças pequenas e a especificidade da educação infantil.
Vamos produzir os indicadores da educação no campo, que é uma das situações mais graves da infância e que pertencem às famílias mais pobres e vulneráveis presentes no Bolsa Família. Então, de modo geral, temos propostas, a diferença [com a outra gestão de Rita] é o contexto político do Brasil e a situação da infância muito atingida pela pandemia e pela crise econômica que o Brasil e parte do mundo estão vivendo.
Nacionais para a Educação Infantil abrange a interação
Após decreto divulgado em junho pelo governo federal, aguardase a Política Nacional Integrada para a Primeira Infância. Qual a importância desse documento e o que pode adiantar?
Saiu o decreto que compõe uma comissão, mas as pessoas não estão designadas. Primeiro, muito importante, quem coordena essa política é a Casa Civil, com Miriam Belchior; à frente, ela é uma profunda conhecedora da área social e da área de orçamento, sendo para nós motivo de satisfação. Comemoramos a coordenação da política de estar na Casa Civil pelo papel, características da Casa cvil e também pelo perfil de Miriam. Essa Política Nacional Integrada para a Primeira Infância é importante porque permite à educação infantil atuar na sua especificidade. Porque o que acontecia e ainda acontece é que as ações da primeira infância não estão articuladas, são políticas setoriais distintas, com padrão de orçamento distinto, com profissionais distintos. A saúde, por exemplo, é um sistema único. A assistência social é um sistema único. Nós, da educação, somos um sistema descentralizado, um sistema federal com 26 sistemas estaduais, um distrital e muitos sistemas. O padrão de financiamento nosso não é fundo a fundo. O Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação] tem características muito diferentes e não é gerenciado pelo Conselho de Educação ou pelos conselhos. Isso é um grande desafio.
Rita Coelho
E quanto mais programas e ministérios assumirem as suas políticas em relação à primeira infância, melhor para nós da educação infantil, porque o que acontece com criança subnutrida, desnutrida é que o posto de saúde manda pra creche. Isso não é problema nosso, é problema da saúde, do combate à fome. Crianças violentadas, negligenciadas pela família, mandam para a creche. Cadê o sistema de proteção? Cadê o atendimento das redes de proteção do Ministério de Direitos Humanos? Então, é muito importante essa Política de Primeira Infância para a sociedade e para o sucesso de todas as políticas, inclusive, para que a educação infantil, além de ser uma política muito efetiva com recursos constitucionalmente vinculados à matrícula, que ela tenha especificidades vinculadas ao desenvolvimento e à aprendizagem das crianças, como as interações e brincadeiras.
Como está a educação infantil no campo e indígena?
Do ponto de vista da oferta está mal. É um grande desafio para nós. Populações indígenas, algumas populações aldeadas, têm posições distintas em relação ao direito à educação infantil. Populações indígenas não aldeadas são atendidas na rede comum de educação infantil e muitas vezes sem que a rede respeite as especificidades da língua e cultura da população indígena. A mesma situação ocorre com a população do campo, uma vez que é composta por uma diversidade de populações: assentamentos, populações da agricultura familiar, ribeirinhos, pescadores, quebradeiras de coco e castanha etc.
[Extinta no governo Bolsonaro], o MEC retomou a Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão) e política de educação no campo e indígena está nessa Secretaria. E nós [da Cogei] estabelecemos com a USP de Ribeirão Preto e a Secadi um projeto de cooperação técnica em que priorizamos o atendimento da educação indígena e educação no campo. Esse projeto prevê seminários re-
gionalizados, diálogos com as populações indígenas, com o Fórum Nacional de Educação do Campo e com um grupo de pesquisadores nacionais que trabalham com essa problemática. A Maria do Socorro Silva é a diretora de Políticas de Educação do Campo e Educação Escolar Indígena na Secadi e a professora Ana Paula Soares representa a USP de Ribeirão. Temos ainda o apoio da Fapesp, que é uma das mais importantes fundações de pesquisa vinculadas às universidades. É uma prioridade nossa, um grande desafio, já que nossos indicadores não são bons e a própria concepção da política é complexa, inclusive, porque os indígenas têm línguas próprias.
Não entendemos que a educação infantil, na sua identidade, é preparatória para o ensino fundamental porque o seu objetivo é ampliar as experiências das crianças
É a primeira vez que a humanidade — isso não é problema do Brasil — compartilha a educação de crianças pequenas com o Estado, com o setor público. Alguns países compartilham na assistência social, outros na proteção, nós compartilhamos o dever do Estado com a educação desde o nascimento. E como que o Estado cumpre esse papel? Cumpre com regras próprias. Essa área é profissionalizada, com professor habilitado, com diretrizes curriculares coerentes com o desenvolvimento da criança. O eixo das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil abrange a interação e as brincadeiras, não é, a priori, o conteúdo. A priori, o ensino fundamental tem alguns conteúdos que devem ser desenvolvidos. A educação infantil tem muitos conteúdos, mas são [colocados] na medida do interesse e curiosidade do direito da criança. Aprender a falar, a ler, a escrever é um direito das crianças, ainda mais em uma sociedade letrada. Mas elas manifestam essa curiosidade de forma diferente e em ritmos diferentes e na educação infantil somos obrigados a respeitar essa criança que às vezes tem dois anos, três anos, quatro anos, cinco anos. Então, a alfabetização não é uma meta da ENTREVISTA
Qual o papel da educação infantil e por que é preciso diferenciá-la do ensino fundamental, principalmente no que diz respeito à alfabetização?
“Como gestora entendo que o meu papel é articular o coletivo”, avalia
Rita Coelho
educação infantil, ela é um direito da criança. O nosso trabalho tem que estar centrado nas interações, nas brincadeiras, na criatividade, na imaginação da criança, e não na aquisição do código. Alfabetizar na educação infantil não é juntar letras, é entender, é atribuir e se apropriar de significados que estão estabelecidos na nossa sociedade. O gesto da criança é uma linguagem que antecede a letra. O desenho é uma linguagem que antecede a letra. Ou seja, a nossa perspectiva é a de que as crianças têm direitos que devem ser garantidos, mas na especificidade do desenvolvimento das características de sua faixa etária. Então, não entendemos que a educação infantil, na sua identidade, seja preparatória para o ensino fundamental porque o seu objetivo é ampliar as experiências das crianças, estimular o desenvolvimento em grupo. Mas posso ter uma criança de três anos que distingue letra de número, que se interessa pelas letras, que desenha, que identifica. Como também posso ter uma criança de seis anos que sai da educação infantil sem esse interesse. Defendemos que a educação infantil tem que assegurar à criança práticas de oralidade, leitura e escrita, mas nós não temos meta, não temos que antecipar esse processo.
Por que há falta de conhecimento sobre a importância do brincar inclusive em creches e pré-escolas?
Como mudar isso?
Sou uma defensora de a gente começar a falar positivamente da educação infantil. Para um país que, na década de 70, essas crianças estavam em abrigos, sem nenhuma organização que respeitasse as especificidades delas, muito na perspectiva da sobrevivência, diria que hoje, quando entendemos que a criança tem que brincar, isso é um grande avanço. Temos até que mudar essa concepção de brin-
car: na minha infância brincar era uma coisa, hoje brincar é outra coisa. As mediações das brincadeiras são muito mais complexas, ricas, podem ser, inclusive, tecnológicas. Se tivéssemos um levantamento dos últimos 20 anos, acho que veríamos o tanto que hoje brincamos, o tanto que no currículo existem as propostas de brincadeiras, brincadeiras livres, brincadeiras individuais, coletivas, brincadeiras mediadas por objetos — mas a criança não precisa de objeto para brincar, ela transforma um graveto num avião, num cavalo, depende muito dessa ambiência que a gente cria. Então, primeiro: acho um avanço a questão de a brincadeira estar pautada na Política Nacional de Educação Infantil, na política dos municípios. Temos metas ambiciosas produzidas por pesquisadores, por estudiosos da área que, muitas vezes, desconsideram a realidade. O próprio Plano Nacional de Educação é uma meta nacional para uma realidade tão diversificada como a do Brasil e que acaba não sendo atingida por todos. Tem uma questão aí: temos que ter mais clara a graduação das nossas metas. Quando a gente diz que ‘muitos não brincam’, quantos brincam? Quantos são muitos? O segundo ponto é que o sistema escolar brasileiro tem características tradicionais rígidas que não acolhem a educação infantil, por exemplo, como a pré-escola foi concebida. Existem tradições mundiais do sistema escolar muito coercitivas, disciplinares, cuja brincadeira não é acolhida como um fator de desenvolvimento ou como uma meta. A avaliação é uma tradição, a organização por turma é outra tradição, o ano letivo também. A gente não nasce sabendo brincar, a gente aprende culturalmente a brincar e as brincadeiras variam de cultura para cultura. Há um filme do Instituto Alana, O território do brincar, muito interessante ao apresentar que as brincadeiras das crianças por regiões
Rita Coelho
são muito diferentes. Algumas, inclusive, são violentas para outras regiões.
Em um evento da Fundação Bracell, em junho, no Insper, SP, você alertou que o país tem 300 mil auxiliares na educação infantil.
Sim. O dado é complicado porque nem toda auxiliar está registrada como auxiliar. São quase 300 mil auxiliares monitoras, estagiárias, são muitas denominações. Por isso você [repórter] não encontra esse dado. Porque o Censo pergunta: ‘assistentes atuando na educação infantil’; o estagiário não é um assistente, monitor, então o que está acontecendo? A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) admite esse auxiliar, admite outros profissionais, inclusive, atuando na educação infantil. Mas a LDB não regulamenta. Qual é a formação? Qual é a carreira? Qual é a função desse auxiliar? Hoje os municípios criam uma legislação própria, ‘esticar’ de auxiliar, monitor, babá, pajem, estagiário e atribuem a eles diferentes funções, exigem diferentes formações e competências, então nós precisamos enfrentar essa realidade de estabelecer qual é a formação? Qual é a função? Qual é o perfil? É um problema. Primeiro queremos conhecer [esses profissionais]. Queremos conhecer a realidade, que é muito diferente. Segundo, queremos um debate nacional sobre isso: existe a necessidade desse outro profissional ou deveriam ser dois professores? Alguns municípios possuem dois professores, outros três. Se essa profissão é uma necessidade, nós temos que regulamentá-la, essa é outra etapa. Mas o pior problema, o que mais nos tem preocupado, é que os municípios, além de criarem esse trabalhador da educação, eles têm colocado esse auxiliar para exercer a docência na creche. Inclusive, sem a presença do professor. Nós precisamos dialogar e assim entender por que os municípios estão fazendo isso. É falta de dinheiro? É porque acham que a criança pequena não precisa de um professor? Então, o que estamos fazendo é conhecer para qualificar o debate, para depois tomarmos medidas. É para regulamentar? Não é para regulamentar?
Nos anos 80, como servidora do MEC em uma entidade ligada à Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) — o que hoje abarca o FNDE —, você participou da descentralização de alguns programas. Como foi isso? Naquele período, a estrutura da educação era muito hierarquizada. Ou seja, municípios e estados eram subordinados à União. Com a Constituição de 88, isso acabou. O sistema é federativo, organizado por colaboração e descentralizado. Então, aquela centralização de programas do MEC foi toda revista porque o estado, o município e o Distrito Federal são entes com igual identidade e autonomia, como a União. Por isso, houve um grande movimento de descentralização: descentralização do Programa Nacional do Livro Didático, descentralização do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar, do Programa Nacional da Alimentação Escolar. Foi uma consequência da Constituição de 88 que redefiniu a organização federativa do Brasil e acabou com essa hierarquia. Hoje, por exemplo, nós, do MEC, podemos definir parâmetros de qualidade, mas não posso obrigar o município a implementar esses parâmetros. O município tem autonomia para formular a sua política e para ter a sua identidade.
É a primeira vez que a humanidade — isso não é problema do Brasil — compartilha a educação de crianças pequenas com o Estado, com o setor público
A lei reconhece e regulamenta, mas ela não muda a realidade. No caso da educação infantil, ela é um instrumento e amparo de luta, mas não é uma garantia de atendimento, por exemplo. Tanto que a educação infantil é a etapa mais judicializada da educação. Como gestora entendo que o meu papel é articular o coletivo, seja ele o coletivo dos gestores públicos, seja o de gestores privados e o coletivo de movimentos sociais. Ninguém faz nada sozinho, ainda mais no Brasil, um país continental com tanta diversidade.
Os avanços são muito grandes. Não quero deixar de mencionar o Fundeb, um avanço importantíssimo, sendo em 2007 a primeira vez que tivemos recursos vinculados às matrículas da educação infantil no Fundo. E esse investimento financeiro vem crescendo.
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Após a entrada de sua obra em domínio público com os 70 anos de sua morte, editoras relançam principais livros do autor alagoano
| Por Rubem Barros
Graciliano Ramos nasceu em outubro de 1892, em Quebrangulo, Alagoas
Quando faleceu, em março de 1953, o escritor alagoano Graciliano Ramos contava 60 anos e, apesar de já reconhecido pela crítica, ainda não era o autor de grande sucesso que se tornou na década seguinte. Seu livro de maior vendagem era o romance Angústia, lançado em 1936, do qual a José Olympio Editora tirara sete edições. Até ali, Vidas secas, publicado dois anos mais tarde, em 1938, teve, além da primeira, mais quatro edições. Curiosamente, Angústia havia sido impresso sem o crivo final do autor, preso pelo Estado Novo no mesmo dia em que entregara o manuscrito para datilografar. Só foi rever a própria obra depois de pronta. Obsessivo em retrabalhar o texto, chateou-se com erros e excessos. Achava que o resultado final poderia ser mais enxuto. Depois, porém, corrigiu erros, mas a obra permaneceu com a estrutura de quando chegou ao público.
E talvez o autor também não pudesse imaginar que, após sua obra entrar em domínio público, a partir de janeiro 2024, seria objeto de tantos relançamentos. Até o momento, a reportagem contabilizou seis editoras que estão trazendo novas edições de seus livros, principalmente os três mais famosos: Angústia, Vidas secas e São Bernardo, este último originalmente lançado em 1934. Não que antes fosse um autor pouco vendido. Apenas na Record, editora que teve os direitos exclusivos sobre seus livros durante 49 anos (1975-2024), foram cinco milhões de exemplares, dos quais dois milhões apenas de Vidas secas. Este carimbou em definitivo sua condição de cânone da literatura brasileira nos anos 1960, quando passou a fazer parte das leituras obrigatórias para os exames vestibulares e ganhou uma versão cinematográfica assinada por Nelson Pereira dos Santos em 1963. Segundo Thiago Mia Salla, um dos maiores estudiosos da obra do alagoano, durante um grande período sua casa editorial daquele momento, a Livraria Martins Editora, lançava quatro edições anuais que totalizavam 300 mil livros. Por ano.
Para os leitores que buscam conhecimento aprofundado da obra do escritor, o trabalho feito por Thiago Mia Salla para a Todavia aparece em primeiro plano. O organizador e professor da ECA/USP pesquisa a obra do escritor alagoano desde a sua graduação, tendo realizado dois doutorados sobre ele, nas áreas de letras e ciências da comunicação, ambos na USP.
Depois de procurado por outras editoras, sua opção pela Todavia se deveu à promessa de publicação integral da obra, com a possibilidade de fazer acréscimos analíticos em muito pautados por diretrizes filológicas. “O mais comum é as editoras optarem por publicar os mais rentáveis, procurando um retorno rápido. Estamos começando por aí, com Vidas secas, Angústia e o infantil inédito Os filhos da coruja. Mas o exemplo da caixa com 26 volumes de Machado de Assis me animou a escolher a Todavia”, diz Mia Salla. Em 2025, outros três títulos devem chegar às livrarias: São Bernardo, um livro de cartas inéditas trocadas com outros escritores e intelectuais e mais um, ainda “segredo de estado”. Sempre muito mencionado como um livro composto por pequenos contos — ou um “romance desmontável”, como o batizou Rubem Braga — Vidas secas teve efetivamente uma trajetória singular. Nasceu de um conto, Baleia, publicado em O Jornal, em 1937, mas como fru-
to do pedido do tradutor argentino Benjamín Garay a Graciliano antes de sua prisão (1936-1937).
Desencarcerado e sem dinheiro, o escritor ofereceu ao tradutor “uns dois ou três contos por mês” a 25 pesos por conto. Em resposta, Garay pede “coisa regional e pitoresca”. Recebe Baleia, “um negócio de bicho, de alma de bicho”, define Graciliano. A ideia evolui para uma série de contos com corte regional, mas já como embrião de um romance. E, como se vê na cronologia levantada pelo organizador da obra, o autor publica em jornais e revistas 10 dos 13 capítulos do livro, por vezes apenas excertos dos capítulos, como foi o caso do segundo, O mundo coberto de penas. Este, por sinal quase foi o nome do romance, trocado à última hora. Antes, ainda aventou-se a hipótese de nomeá-lo Baleia, ou ainda Cardinheiras. Ao que parece, prevaleceu a sugestão do produtor editorial da José Olympio, que achava que o título tinha de se pautar pelos personagens, “que têm vidas secas”. Assim ficou. Nos capítulos prévios, toda essa história é contada em minúcias.
Vidas secas é um marco na literatura brasileira e na obra do autor. Como frisa o crítico Antonio Candido, é a passagem da narrativa ficcional para a de confissão nos livros de Graça. Mia Salla realça a narrativa em 3ª pessoa, com uso do discurso indireto livre, com poucos diálogos, com a aridez do espaço físico traduzida em aridez da fala.
As obras de Graciliano traduzem esse homem brasileiro alijado de uma vida que, urbanizada, parece prometer novo futuro para quem sai dali. A não ser que retorne, derrotado, para o chão que a muitos parece inescapável. Leia no site a reportagem completa com detalhes das editoras que estão relançando obras de Graciliano: Record, FTD, Penguin de Bolso, Global Editora e Via Leitura.
Desde cedo fã das obras de Graciliano Ramos, o escritor Milton Hatoum, autor de Dois Irmãos e de Relato de um certo Oriente (que chega agora aos cinemas, com direção de Marcelo Gomes), fala, a seguir da importância do escritor alagoano. E confirma que em 2025 chega às livrarias o último volume de sua trilogia O lugar mais sombrio, ainda sem nome, mas que terá a mãe como narradora. Confira:
Você conheceu a obra de Graciliano Ramos na adolescência?
Sim. Foi uma espécie de farol na minha vida de leitor e depois de escritor. Naquela época eu não descobri todas as sutilezas da linguagem e da questão social, política e psicológica. Depois, fui atrás da crítica sobre o Graciliano, tem muita coisa. Foi um mestre da concisão, dizia muito com poucas palavras. Isso é impressionante num país muito verborrágico.
Angústia, nesse sentido, é um livro um pouco fora da curva. Antonio Candido, num primeiro momento, disse que era a pior obra dele. Depois repensou. É um livro que sai do padrão?
Bastante. Tem aquela espécie de solilóquio caudaloso, o próprio romance pede essa linguagem. O que ele queria dizer não passava pela linguagem concisa dos outros livros, tem um fluxo dele, do Luís da Silva. Conversei com o Antonio Candido sobre isso, e ele de fato se corrigiu na avaliação crítica do Angústia. É um romance fantástico. O Graciliano jogou com isso. Repudiava, se autoflagelava, mas nunca proibiu, não saiu do catálogo. Em certos aspectos é mais denso do que os outros livros.
Quais foram tuas descobertas como leitor maduro?
Ele juntou uma complexidade social e psicológica e até histórica na obra dele. E com uma linguagem muito precisa. Nesse aspecto, é um discípulo de Flaubert, um autor que sempre admirei muito e acho que ele também admirava. Tem essa precisão flaubertiana, essa exigência da frase lapidar. É um estilo de corte clássi-
Milton Hatoum conta que Graciliano foi um farol em sua vida de leitor e escritor
co. Ele não quis inventar uma linguagem, foi por outros caminhos, pelo caminho da comunicação com o leitor sem nenhuma concessão do ponto de vista da facilidade. E há uma façanha em Vidas secas, além da questão social e da carência: a fome, a miséria, a pobreza estão muito próximas da carência do saber, do conhecimento. O Fabiano e a família não conseguem argumentar porque não conseguem pensar. O pensamento deles não alcança uma argumentação. É um pouco o que está acontecendo no Brasil. Fabiano é muito atual. A façanha, do ponto de vista técnico, foi trabalhar com o discurso indireto livre, que não separa a fala dos sertanejos da fala culta do escritor, do escritor urbano, culto. É como se ele falasse de dentro da mente das personagens. Isso já existia um pouco em O Quinze, da Rachel de Queiroz. Mas em Vidas secas a palavra do matuto, do sertanejo, é interiorizada, não se separa do fluxo do discurso narrativo. É uma consciência dos sertanejos que não é falseada. Isso foi importante para mim quando descobri essa técnica de não falsear a voz e o pensamento dos sertanejos.
Em São Bernardo, o universo é outro, mas também funciona como uma alegoria de certos tipos brasileiros, uma conjugação de poder e desejo muito poderosa na figura do Paulo Honório.
O Paulo Honório representa o que é hoje a bancada do boi. É isso, só que muito mais complexo do que a bancada do boi, que é muito xucra. Esses políticos, os latifundiários não têm complexidade psicológica... é um caso em que a personagem é mais complexa do que a pessoa. O Paulo Honório é uma personagem atormentada, consegue subir na vida e comprar a fazenda com falcatruas e assassinatos. É um criminoso que se apaixona, e aí começa a desconfiança, o ciúme, o delírio, acha que a Madalena está influenciando os trabalhadores, doutrinando os empregados, o mesmo que acontece hoje, só que 90 anos atrás! É uma loucura a atualidade desse romance. Primeiro essa implicância, essa agressão aos professores, no caso à Madalena; depois essa acusação, essa loucura ideológica do comunismo. (RB)
Em Avaliação Socioemocional.
A FTD EDUCAÇÃO, em parceria com o INSTITUTO AYRTON
SENNA, atua junto à METODOLOGIA OPEE ao oferecer um instrumento de avaliação socioemocional* que permite o desenvolvimento dos estudantes a partir de uma metodologia BASEADA EM AUTORRELATO.**
*Exclusivo para escolas da rede privada.
**Avaliação socioemocional para Ensino Fundamental Anos Finais e Ensino Médio.
Explosão silenciosa de casos mostra que é urgente cuidar da saúde mental de crianças e adolescentes — e a escola tem um papel a desempenhar
| Por Paulo de Camargo
C.A. é um jovem como tantos outros do 2° ano do ensino médio de um colégio privado na zona norte de São Paulo. Craque em tecnologia, frequentemente burla as lições quando acessa as plataformas didáticas adotadas em sua escola para se perder em navegações paralelas pela web. Mas surpreendeu a todos quando, depois de uma desilusão afetiva, começou a se ferir durante as próprias aulas com objetos que tinha às mãos, até mesmo uma régua quebrada.
Na zona leste, o dia a dia da diretora N.I. já é tomado por casos como crises de ansiedade, pânico, depressão e até por cuidados com quem já tentou suicídio. Do outro lado da cidade, em uma reconhecida faculdade privada, os professores se surpreenderam com uma sessão descontrolada de choro coletivo de jovens adultos após uma prova. Os casos desta matéria são reais e optou-se pelas iniciais para proteger os menores envolvidos. Assim, episódios que poderiam parecer isolados tornam-se cada vez mais exemplos de um fenômeno que toma os contornos de uma epidemia. Há uma explosão
silenciosa de evidências da deterioração da saúde mental de crianças e adolescentes, alarmando especialistas.
A última edição da pesquisa Panorama da saúde mental, lançada em junho, trouxe dados que deveriam soar como sirenes. Dentro do recorte de faixa etária de 16 a 24 anos, 22,8% dos jovens disseram pensar quase todos os dias em se ferir ou que era melhor estar morto. O estudo é realizado semestralmente pelo Instituto Cactus, organização focada em direitos humanos, e pela AtlasIntel. É um dado assombroso. Para que se tenha uma ideia, no recorte etário seguinte, de 25 a 34 anos, o percentual cai a 6,5%. O mesmo estudo mostra que os jovens dormem pouco (78,8%), dizem sofrer bullying (36,1%) e demonstram um abalado sentido de autoestima: metade dos respondentes se julgam pouco inteligentes e 71,3% se percebem como pessoas pouco atraentes. “É um cenário grave, que já vinha se intensificando antes da pandemia, e agora se mostra com mais força”, diz a pesquisadora Mariana Rae, coordenadora de projetos do Cactus e mestre em saúde pública pela Universidade Harvard.
FENÔMENO MULTIFATORIAL
Segundo o psiquiatra Mauro Victor de Medeiros Filho, chefe da Enfermaria Infantil do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP, os dados epidemiológicos vêm mostrando que os transtornos psiquiátricos são um desafio global. Os índices que medem os transtornos mentais tendem a se agravar no tempo da adolescência — chegam, segundo ele, a 20%.
Por que os mais jovens? “Influem tanto fatores biológicos, como as mudanças hormonais, como os psicossociais, como a pressão por desempenho e autonomia, competição por prestígio”, diz o psiquiatra. Profissional
“Muitas vezes chamo os pais de um aluno para conversar e depois fico sem saber se socorro os adultos ou se protejo a criança”, se desespera diretora
“Há carência na convivência básica, inclusive com a família”, alerta o psicólogo Rodrigo Nejm
que orienta diversas escolas básicas no tema da saúde mental, Medeiros diz que vêm sendo recorrentes os casos de depressão, ansiedade, bem como de falta de maturidade e comportamentos de risco, como autolesão e mesmo o suicídio.
Fenômeno complexo, o tema da saúde mental coloca em xeque as famílias, mas também as escolas — afinal, quais são os limites do mandato dessa instituição, formada basicamente por pedagogos e educadores? E quais são as responsabilidades dos pais? Não há resposta fácil. Até porque, a sensação de um mundo que enlouquece está se difundindo em toda a sociedade, e as fronteiras entre o que pode ser caracterizado como doença e as frustrações e angústias da vida se misturam. Por isso, o primeiro passo é entender do que estamos falando.
Há diferentes formas de definir as doenças que afetam a saúde mental, que nem sempre cabem na categoria de transtornos medicamente estabelecidos. Em termos simples, transtornos são estados que geram sofrimento psíquico prolongado, levam à perda de capacidade de reação e impactam a qualidade de vida. “O diagnóstico leva em conta a quantidade e combinação de sintomas, bem como seu tempo de duração”, explica Mariana Rae. Ela observa, no entanto, que o parâmetro não é aquele estado de vida perfeita. “Não se trata de ter como referência aquela positividade tóxica que existe nas redes sociais. Isso só acaba levando à patologização e à medicalização de sofrimentos que fazem parte da vida, e não são propriamente transtornos”, lembra.
E os problemas da vida não são poucos, não é? Crise econômica, desemprego dos jovens, insegurança, violência, incerteza, intolerância e preconceito social, desestruturação dos núcleos familiares. Mesmo as mudanças climáticas vêm sendo apontadas como um novo fator de desequilíbrio emocional. Mas, se todos estão no mesmo barco, por que os temas de saúde mental não nos afetam igualmente?
Bem, em primeiro lugar, se há algo que o mundo contemporâneo deixa claro é que não estamos todos no mesmo barco. A desigualdade social, a intolerância e o preconceito deixam suas marcas também no campo da vida interior. Estudos apontam que os problemas da saúde mental estão entre os que mais impactam os indivíduos que se dizem não binários. Da mesma forma, no estudo do Instituto Cactus, os que se sentem deprimidos são 21,6% entre aqueles com renda de até R$ 2.000,00, e 11,2% entre os que têm renda superior a R$ 10.000,00. As mesmas correlações podem ser encontradas em vários outros recortes, como idade, gênero, renda, escolaridade e raça.
Mas, ao mesmo tempo que essas diferenças devem ser notadas, o drama não se reduz aos recortes estatísticos, e permanece sendo uma bomba-relógio para todos. A piora nos indicadores de saúde mental é real e precisa ser compreendida pelos educadores.
UMA SOCIEDADE DOENTE
Para o pesquisador espanhol José María Avilés, da Universidade de Valladolid, não há uma causa única, e há um contexto mais amplo de transformações. “São as exigências que a sociedade globalizada coloca para os adolescentes e jovens, como um ideal de êxito econômi-
Escola deve se converter em um espaço para a convivência”, diz o espanhol José María Avilés
Por que os mais jovens? “Influem tanto fatores biológicos, como as mudanças hormonais, como os psicossociais”, diz o psiquiatra Mauro Victor de Medeiros Filho
co, social, físico, pessoal, de fama, de brilho”, acredita o pesquisador. As redes sociais tornaram essas demandas exponenciais, promovendo uma cultura do desejo, do culto à autoimagem, do selfie, do individualismo.
A frustração acontece, segundo explica, quando o mundo virtual tropeça na vida real. No mundo lá fora, a realidade é também de recursos escassos, competição, conflitos, tristeza, vida vivida. “Estamos falando da capacidade dos jovens de administrar fracassos e outros sentimentos que, se não forem equacionados, podem ser canalizados para a violência, a depressão, a automutilação”, analisa.
Nesse pouco admirável mundo novo, a tecnologia certamente desempenha um papel que precisa ser mais bem compreendido. Está em curso, por exemplo, um debate internacional sobre a consequência do uso excessivo de telas. Para o psicólogo Rodrigo Nejm, pesquisador associado da Universidade Federal da Bahia, há controvérsias nessa discussão, mas o essencial deve ser preservado. “Há um problema na saúde mental dos adolescentes e precisamos olhar para isso”, considera. Nejm acha perigoso apostar em uma única causa. Por isso, diz, as pesquisas vêm olhando para as correlações existentes e não para a relação direta de causa e efeito. Em outras palavras, é preciso ir além da busca do “que”, e sim procurar o “como”. Assim, as redes sociais podem ser questionadas pela forma como vêm sendo utilizadas para estimular o consumo, a competição, o engajamento que adquire contornos de dependência psíquica. Deve-se discutir o acesso por faixas etárias que não deveriam receber os conteúdos ali veiculados, bem como o design que gera o uso compulsivo em usuários mais vulneráveis.
Escolas devem se aproximar de instituições como serviços de saúde e investir em formação docente, orienta
Karen Scavacini, do Instituto Alere
O pesquisador chama atenção para o fato de que os próprios adolescentes identificam o mal-estar em que se encontram. Segundo a pesquisa TiC Kids Online, quase 25% dos adolescentes entre 11 e 15 anos dizem que já tentaram usar menos a internet, mas não conseguiram. Um quarto tem consciência de que fica menos tempo com a família e com os amigos por conta dos exageros digitais. Ao mesmo tempo, os jovens sentem as dificuldades de autorregulação.
“Essa é uma dimensão importante que tem a ver com desenvolvimento de competências sociais e com os limites da faixa etária”, afirma o pesquisador. “São pessoas que ainda desenvolvem a capacidade de autorregular seu comportamento, suas respostas sociais, e por isso precisam de cuidado e proteção”, diz Nejm. Até porque, lembra, a capacidade de autorregular o uso das redes, criadas para maximizar o engajamento, não é trivial, sequer para os adultos.
É verdade: a tecnologia já faz parte da vida das crianças e jovens. Mas, algo muito diferente é considerar que as novas gerações são nativos digitais — o que significaria dizer que “nasceram sabendo” utilizar esses recursos. “Não é porque nasceram agora que já trazem as habilidades sociais necessárias para se fazer um uso seguro, ético das redes”, diz. “As crianças e jovens estão à deriva e, assim, mais vulneráveis ainda às plataformas”, enfatiza. Por isso, não têm recursos internos para lidar com a pressão das comparações, as tentativas de aliciamento, de coerção, com a discriminação. “Pior: quando entram na internet para buscar informações sobre saúde mental, correm outro risco, pois não têm habilidades para encontrar auxílio especializado e encontram fontes que vão piorar a desinformação”, alerta Nejm.
A questão não está apenas no excesso de tempo online, mas naquilo que se deixa de fazer enquanto se navega. Por exemplo, brincar, conversar, conviver, praticar esportes, tomar sol. “Os jovens têm dificuldades com questões absolutamente normais da adolescência, que são pedagógicas, como gaguejar para conversar com a paquera. Há carência na convivência básica, inclusive com a família”, alerta o pesquisador. Portanto, não é que a mediação pelas telas sempre seja ruim. “É nocivo quando se usa a mediação das telas para se blindar do constrangimento natural das convivências reais”, completa.
Em um cenário tão agudo, é importante diferenciar os diagnósticos médicos de transtorno e as questões que envolvem a gestão cotidiana das emoções, alerta Avilés, da Universidade de Valladolid. Afinal, escolas não são clínicas, e, no caso de transtornos, devem trabalhar em diálogo com a família e com profissionais da psicologia e psiquiatria para melhor acolher as crianças e jovens. Ampliar a interação com os pais é essencial. Faz parte deste cenário famílias desestruturadas, que não conseguem dar aos filhos o amparo necessário e cobram da escola que o faça. “Muitas vezes chamo os pais de um aluno para conversar e depois fico sem saber se socorro os adultos ou se protejo a criança”, se desespera a diretora S.P., de uma escola pública municipal de Bebedouro, no interior paulista. Ela vem se assustando com o crescente uso de medicamentos por jovens e por episódios tristes, como a recente tentativa de um jovem de 12 anos que saltou de um pontilhão. “Crianças usam Ritalina como se chupassem bala”, exemplifica. Os pais esperam que os professores façam algo, mas os educadores não têm formação para tanto, não sabem o que fazer e também estão adoentados”, alerta.
Escolas não são clínicas, e, no caso de transtornos, devem trabalhar em diálogo com a família e com profissionais da psicologia e psiquiatria
Com todos esses desafios, no cotidiano educativo, e com o auxílio do Estado e das instituições e outros profissionais de saúde, as escolas precisam ocupar, sim, um papel central que lhe pertence, assumindo-se definitivamente como uma instituição cujo papel vai além do acadêmico — um espaço cujos valores e desenvolvimento emocional tenham tanta prioridade como o ensino de matemática e linguagens. “Devemos romper barreiras de uma vez e a escola deve se converter em um espaço para a convivência”, argumenta Avilés. Na visão do pesquisador, a escola deve deixar de atuar apenas reativamente, quando os problemas estão instalados. Para ele, é preciso preparar os indivíduos para enfrentar conflitos, dúvidas e ansiedades normais da existência. “Os alunos precisam desenvolver formas de autorregulação emocional para que controlem melhor o que acontece em suas vidas quando estão com outras pessoas”, diz Avilés.
“Devemos agir para levar os jovens a construir competências para que estejam mais preparados quando surgirem situações de frustração, da mesma forma como fazemos para desenvolvê-los em todas as áreas acadêmicas”, diz. “O que estamos fazendo para construir empatia, proteção e outros valores fundamentais na convivência?”, questiona. Para ele, esse é o atual mandato social da escola.
“As escolas precisam ter responsabilidade com a educação socioemocional e também estar preparadas para situações de crise”, concorda a psicóloga Karen Scavacini, do Instituto Alere, voltado à saúde mental. Da mesma forma, a seu ver, as instituições de ensino não podem ter nenhuma tolerância com situações de violência, como o bullying e o cyberbullying, e buscar construir ambientes saudáveis.
Autolesões e suicídios têm sido recorrentes, conta Mauro Victor de Medeiros Filho, chefe da Enfermaria Infantil do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP
O desenvolvimento emocional precisa ganhar a mesma prioridade que o ensino de matemática e linguagens
“Os jovens estão em um momento de vida em que o sentido de pertencimento, a escuta do que os pares acham dele são muito importantes na formação de autoestima”, diz Karen. Por isso, ambientes de muita comparação, pressão por padrões podem trazer riscos como o aumento da ansiedade, estresse, perda de sono, exemplifica. “Quando o jovem acha que está todo mundo mais feliz com ele, isso pode afetar sua saúde mental”, diz.
Na sua visão, as escolas devem atuar em três frentes: ajudar a identificar os alunos com dificuldades psicológicas e psiquiátricas, ajudar as famílias a procurar por apoio profissional e adotar programas mais inclusivos para os alunos que precisam de adaptação pedagógica e emocional. Além disso, afirma a psicóloga, é fundamental que as escolas se aproximem de outras instituições, como serviços de saúde, e invistam em formação dos professores.
Tudo é novo e desafiador, e por isso investir em aprimorar a formação das equipes é fundamental. Mas, mesmo quando tudo parece tão confuso, Avilés faz um alerta: nos tempos das redes sociais, as crianças e jovens precisam de pessoas por perto. “Quando eles não sabem o que fazer, precisamos estar fisicamente juntos, para que seja possível produzir interações sociais”, recomenda Avilés.
Isso implica, na sua análise, abrir tempo pedagógico para o “estar com”. “Precisamos estar juntos até mesmo para ajudar as crianças e jovens a construir seus relatos sobre o que sentem”, lembra. Sem isso, muitos constroem narrativas negativas sobre si mesmos.
Por fim, diz, todos precisamos colocar a mão na consciência. “Devemos pensar que tipo de sociedade estamos construindo, com que valores, com que modelo econômico. Se os desequilíbrios e as desigualdades aparecem de maneira tão bruta, como faremos para construir uma sociedade com mais igualdade e equilíbrio para eles?”, pergunta.
Estimulados, jovens brasileiros se destacam em competições e projetos internacionais, inclusive no MIT
| POR Alexandre Le Voci Sayad
Em julho, o MIT (Massachusetts Institute of Technology) tornou-se a mais brasileira das escolas de engenharia dos Estados Unidos. O “AI & Education Summit” reuniu estudantes de ensino médio de todo o mundo, que apresentaram projetos envolvendo inteligência artificial para soluções comunitárias. Pesquisadores do próprio MIT, além de lideranças das big techs, analisaram centenas de projetos, e elegeram o aplicativo Land Slide, criado pelos estudantes Felipe Ferraz, Henrique Ambrogi e João Vitor Battiferro, da Escola Lourenço Castanho, de São Paulo, como o vencedor na categoria “Inovação e Criatividade”.
A questão que o sistema se propõe a solucionar não poderia ser mais verde e amarela: alertas para áreas com riscos de deslizamento de terra. A tragédia de São Sebastião, litoral norte de São Paulo, ocorrida em 2023, estimulou os estudantes a realizar uma pesquisa em campo e pensar em uma solução envolvendo programação, inteligência artificial e internet das coisas. Com sensores, um sistema de monitoramento de umidade aciona um alerta com recomendações de ações de segurança, estas criadas por inteligência artificial — afinal, o sistema está integrado ao ChatGPT. O desenvolvimento do protótipo foi orientado pelo professor André Lozano.
O prêmio acontece justamente no ano em que o Brasil ocupa a 44ª posição entre 57 países-membros e parceiros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) na avaliação do Pisa, que mede a criatividade. A nota média dos brasileiros foi 23, enquanto a média dos países da OCDE foi 33, em uma escala de 0 a 60 pontos.
Iniciativas como a do MIT abarcam duas questões contemporâneas de uma vez só, de forma transversal: a incapacidade de disciplinas isoladas lidarem com questões complexas (como a ética da inteligência artificial) e o desenvolvimento de criatividade, aqui compreendida
O pós-humanismo não é uma declaração anti-iluminista na sua essência, e tampouco retira da educação a responsabilidade de formar seres humanos responsáveis e éticos
como uma competência. Alvo de críticas, o que a avaliação do Pisa trouxe de positivo foi apresentar a criatividade não como um dom inato, ou mágico, mas como uma competência que a escola deve desenvolver no estudante, e deve também avaliar.
Além disso, a conferência no MIT está no âmbito da iniciativa Raise (Responsible AI for Social Empowerment and Education) do MIT Media Lab, em colaboração com MIT Schwarzman College of Computing e MIT Open Learning. A faculdade foi uma das primeiras a desenvolver um currículo aberto de letramento algorítmico e a se preocupar com a chegada da inteligência artificial na vida dos estudantes.
É possível enumerar algumas centenas de razões que tornam a compreensão de como funcionam sistemas de inteligência artificial um elemento fundamental para a educação hoje. Se o filósofo e comunicador canadense Marshall McLuhan acreditou que a eletricidade tenha sido um fator decisivo para impactar as relações humanas e sociais, hoje alguns pesquisadores acreditam que o impacto da inteligência artificial será tão grande quanto. Novamente, a lâmpada elétrica se torna um ícone de nossas extensões humanas — “a tecnologia do homem é o que ele tem de mais humano”, acreditava o canadense.
O pós-humanismo não é uma declaração anti-iluminista na sua essência, e tampouco retira da educação a responsabilidade de formar seres humanos responsáveis e éticos. Pelo contrário, é um sinal de alerta contundente de que artefatos e técnicas exercem uma influência na vida da sociedade que não pode ser ignorada, ou estaríamos exercitando um pensamento crítico que ignora o ‘todo’ (sistêmico). A criatividade, como a aplicada ao projeto dos estudantes brasileiros, ainda é um atributo humano.
Difícil encarar a contemporaneidade sem estar interconectado. A complexidade e interconexão entre os fenômenos que acontecem no mundo hoje, muito bem estudada e divulgada pelo francês Edgar Morin, exige respostas à altura. Muitas vezes a construção de pontes entre elementos pouco prováveis tem sido uma reação das escolas para esse desafio. Por outro lado, educadores e outros profissionais que não tiveram formação para a criação dessas ‘travessias disciplinares’ podem sentir-se impotentes e até frustrados diante das questões que os cercam. O mesmo vale para os familiares que procuram nos modelos educativos do passado, como nos currículos rígidos, soluções para o presente.
Filho de escola pública, mas hoje no Sesi, o brasileiro Gabriel Rocha já esteve em mais de 30 olimpíadas
A educação pública, que alcança 90% dos estudantes do Brasil, também cultiva boas práticas. O mineiro Gabriel Rocha, de 14 anos, estudante da rede pública até o ano passado, e hoje bolsista do Sesi, tornou-se uma das crianças mais prolíficas em matemática graças ao seu envolvimento com a disciplina e a criatividade. Foi estimulado pelas Olimpíadas Científicas — é vencedor de mais de 30. Começou no Concurso Canguru de Matemática, em 2021, e hoje é um ‘caçador de asteroides’ do programa Cidadão Cientista IASC/MCTI, parceria entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e o International Astronomical Search Collaboration.
Retirar a aura mística da ‘criatividade’, e posicionar essa competência como elemento de outras disciplinas, sobretudo nas exatas, é uma tarefa já prevista na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), mas precisa tornar-se uma realidade no chão das escolas. Isso inclui fortalecer a criatividade humana, inclusive, na interação com outros objetos, como os algoritmos de inteligência artificial, para a construção de sistemas transparentes e éticos — ou seja, criar pontes imprescindíveis entre a competência e a ciência, no cotidiano dos estudantes.
Alexandre Le Voci Sayad é jornalista, escritor e educador. Mestre em inteligência artificial e ética, é consultor da Unesco e apresentador do programa Idade Mídia, no Canal Futura.
A passagem de um dos maiores educadores do país completou 10 anos em julho. Pessoas próximas falam da importância de seu legado
| Por Laura Rachid
Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas”, alertava Rubem Alves, educador crítico ao modelo tradicional de ensino e cujas bases de sua pedagogia estão no amor, na liberdade e na curiosidade. Nascido em 15 de setembro de 1933, em Boa Esperança, Minas Gerais, sua passagem, aos 80 anos, completou 10 anos em 19 de julho de 2024. Rubem está vivo em seus 160 livros publicados em pelo menos 12 países, entrevistas, estudantes que tiveram nele a figura docente e por quem o conheceu de diferentes formas. Nisso, continua inspirando pessoas que admiram a simplicidade (esplendorosa) da vida e que acreditam na humanidade. Conversamos com sua filha caçula Raquel Alves, seu orientando na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), localizada no estado de SP, Severino Antônio, e a presidente do Instituto Rubem Alves, Maria Amélia Moscom.
Raquel é a mais nova dos três filhos de Rubem e a única mulher. Ela nasceu com lábio leporino, o que fez os textos acadêmicos de seu pai darem espaço para poesias recheadas de empatia, respeito e sensibilidade — características fundamentais para Raquel Alves crescer acreditando em si e em seus potenciais. Afinal, a riqueza do mundo é a diversidade humana e da natureza, já o julgamento só impede o crescimento. Quando seu pai escreveu A operação de Lili (ed. FTD Educação), a caçula tinha entre cinco e seis anos. “Eu estava no hospital a caminho de uma cirurgia e ele criou essa história para me ajudar a lidar com o medo.
Fotos: Arquivo familiar
Fotos: Arquivo
Já com a camisa pré-cirúrgica, a enfermeira veio me buscar. Nisso ele falou: ‘espere só um tiquinho’. E em papel datilografado leu a história, me conduziu a refletir quem eu era ali e que tudo daria certo”, lembra Raquel Alves, hoje com 48 anos.
No contato diário entre pai e filha, a caçula diz ter aprendido que história e livro são coisas separadas. “A história entra na gente, o livro não. Porque continuamos falando sobre a história mesmo sem ter o livro.”
Outro exemplo desse ensinamento é notável em Como nasceu a alegria (ed. Paulus), em que Rubem escreveu por conta do sofrimento de bullying vivido por Raquel. “Me sentia diferente e um dia chorei. E ele conversou: ‘Lembra como a florzinha era amada? Como ela fazia as flores em volta dela, no jardim, sorrirem?’”.
Raquel Alves é pós-graduada em arquitetura e urbanismo, mas desde a passagem do pai tem intensificado sua atuação como escritora e palestrante, levando adiante o legado de Rubem. Os momentos de leitura e conversa após uma história que vivenciou com seu pai reforçam para Raquel a importância de conduzir a criança, uma vez que ela ainda não tem bagagem de vida para associar todas as mensagens. Como palestrante, destaca a importância da leitura para o desenvolvimento da segurança emocional.
RUBEM ORIENTADOR
Hoje com 72 anos, Severino Antônio, conselheiro do Instituto Rubem Alves e autor de obras de educação e de literatura, conheceu Rubem nos anos 90, em sua entrevista como parte do processo seletivo para o mestrado em educação na Unicamp. “Um professor de meia-idade, sentado ao meio da mesa dos avaliadores, surpreendentemente me pediu que falasse das coisas de que gostava. Foi uma experiência de espanto e, ainda mais, de liberdade. Já trabalhava como professor de literatura e redação havia mais de 10 anos. Tinha me preparado para as arguições convencionais, sobre autores, leituras, argumentos e contra-argumentos. E, com a inusitada provocação, pudemos conversar genuinamente sobre muitas questões. Dentre elas: os múltiplos sentidos de educar, de aprender e de ensinar; a necessidade vital da arte e da
Rubem e Raquel Alves, a filha que o despertou para a poesia
Organizado por sua filha Raquel Alves, com prefácio de seu amigo e também professor José Pacheco, o e-book Entre o saber e o sabor: os dilemas da educação (ed. RFM) reúne crônicas de Rubem Alves no período em que foi colunista na revista Educação, de 2007 a 2012. Está dividido em quatro capítulos: O dilema da educação; A sabedoria da convivência; A arte de pensar; e O prazer de ler. Compre o e-book por R$ 30,00. Envie um e-mail para karlita@rfmeditores.com.br com o assunto E-book Rubem Alves.
O tamanho de suas habilidades e conhecimento também era o mesmo de sua humildade: Rubem Alves foi educador, escritor, teólogo, psicanalista, pastor presbiteriano sem catequizar, mestre em teologia, perseguido pela ditadura empresarial-militar, professor emérito na Unicamp, colunista na revista Educação, entre outros marcos. Seu doutorado em filosofia nos EUA, no final dos anos 60, teve como tese a teologia da libertação, sendo, então, um dos percursores.
literatura; a importância da beleza e da afetividade na educação das crianças; a dimensão poética da linguagem e da existência”, recorda Severino Antônio.
Segundo Severino, que o teve como orientador de seu mestrado e doutorado, o pensamento pedagógico de Rubem dá rosto e palavras a uma vertente neorromântica e humanista de educação, “que reitera o primado da sensibilidade, da imaginação e engenho criativo, da educação dos sentidos, da leitura como relação lúdica e amorosa com os textos, da atitude de cultivar sempre a curiosidade, da beleza como forma de sabedoria, da escuta que acolhe a voz do outro, da necessidade de priorizarmos a felicidade das crianças em seus aprendizados dentro e fora das salas de aula”.
Em tempos de crise civilizatória que ameaça a sobrevivência de todos no planeta, Severino Antônio reforça caminhos, como os propósitos da educação humanista. “Dentre eles, os textos de Rubem Alves e suas falas continuam sendo inspiração e esperança para muitas das pessoas que convivem com as crianças, ensinando e aprendendo, criando e recriando o trabalho educativo e a própria existência.”
Se para Severino a convivência é um dos marcos que teve com Rubem Alves, sua filha Raquel utiliza a mesma palavra para definir como seu pai traduziria o ato de educar no ambiente escolar. “Quando a gente convive, a gente observa os outros”, destaca Raquel, que entende essa prática como a espinha dorsal das habilidades socioemocionais, uma vez que assim é possível notar que cada pessoa tem suas próprias particularidades, comportamentos e questões.
“A segunda questão [do ato de educar] é que a escola tira o prazer pela leitura e pelo próprio aprendizado, porque ela vai entrando nas minúcias, como se ela sempre começasse pela partitura e não pela música. O encanto pela aprendizagem, a vontade de querer aprender, tem que estar muito ligada com o sentido que aquilo faz”, analisa Raquel Alves.
AGENTES DE MUDANÇA PARA TRANSFORMAR E LIBERTAR
Fundado em 2012, o Instituto Rubem Alves mantém viva sua filosofia e está localizado em Campinas, cidade em o educador morou por anos. Já teve Raquel Alves como presidente e hoje tem à frente Maria Amélia Moscom. A entidade se compromete em preservar e disse-
Rubem Alves no Prêmio Jabuti 2009, cujo livro
’Ostra feliz não faz pérola’ (ed. Planeta do Brasil) ficou em 2º lugar na categoria Contos e Crônicas
Rubem Alves, doutorado em Princeton, EUA. 1963-1964
Severino Antônio teve Rubem como orientador de seu mestrado e doutorado na Unicamp
minar suas ideias sobre educação, cultura, espiritualidade e amor.
“Para os que, a exemplo de Rubem Alves, buscam crescimento pessoal, e o fazem também por meio da literatura, da poesia, da filosofia e das questões fundamentais da existência, oferecemos um espaço físico e virtual de acolhimento e conexão. Também promovemos a inclusão, a diversidade e o respeito à natureza, seguindo os valores humanistas e a visão holística que Rubem tanto defendeu”, conta a atual presidente.
Maria Amélia conta que o Instituto segue os preceitos de Rubem voltados à essência da vida, são eles: 1. A vida na sala de aula; 2. A vida no meio ambiente; 3. A vida na espiritualidade. E 4. Conexão com a vida.
Saiba mais em https://www.institutorubemalves.org.br/
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No combate às desigualdades econômicas e raciais, mecanismos de financiamento recebem atualização para apoiarem a equidade
| Por Damaris Silva
A luta pela redução de desigualdades é presente e urgente em nosso país. No cenário educacional, políticas públicas voltadas para essa questão são fundamentais para garantir uma educação de qualidade para todos.
Recentemente, o Ministério da Educação (MEC) anunciou que o Fundeb — uma das principais fontes de financiamento da educação do país — terá um foco maior em equidade e nas prioridades educacionais. A partir de 2024, a distribuição de recursos levará mais em conta a necessidade de reduzir desigualdades socioeconômicas e raciais, por meio da implementação do Valor Aluno Ano Resultado (VAAR) no Fundeb. Trata-se de um mecanismo que visa assegurar uma distribuição mais equitativa dos recursos educacionais, beneficiando especialmente as escolas situadas em contextos mais vulneráveis.
Entre as principais condicionalidades para o recebimento dos recursos está a redução das desigualdades educacionais, socioeconômicas e raciais medidas nos exames nacionais do sistema nacional de avaliação da educação básica, respeitadas as especificidades da educação escolar indígena e suas realidades.
Quando olhamos para os resultados do Brasil no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), temos uma comparação interessante com o Chile. Enquanto 73% dos estudantes brasileiros não atingem o nível básico de matemática, no Chile, esse número é 44%. Em leitura, 50% dos brasileiros não atingem o nível 2 de
proficiência, comparado a 34% no país chileno. Em ciências, 55% dos brasileiros estão abaixo do nível mínimo, contra 36% dos nossos vizinhos.
Ao compararmos os dois países, há um ponto de atenção importante na experiência chilena: desde 1990, o país se vale de estratégias para a redução de desigualdades como o aumento de cobertura e retenção de alunos de baixa renda, programas de apoio e reforço a alunos em situação de vulnerabilidade. O Chile conseguiu esses avanços implementando um “Sistema de Asseguramento de Qualidade da Educação”, que inclui, entre outros fatores, o pilar da equidade como essencial para o avanço em qualidade.
Equidade na educação é uma pauta que deve estar no centro das nossas discussões. A implementação de políticas públicas como as do novo Fundeb deve ser reconhecida como um avanço necessário e replicada, na medida do possível, nas mais variadas esferas. Seja na gestão de uma sala de aula ou na administração de sistemas educacionais, promover a equidade e reduzir as desigualdades deve ser imperativo em nossas práticas.
Damaris Silva mestre em letras e especialista em gestão escolar
A publicação referência mundial em inovação social, agora no Brasil
Com a missão de promover, informar e inspirar o campo da inovação social, buscando, cultivando e disseminando o que há de melhor em pesquisa e conhecimento baseado na prática, a plataforma reúne tópicos que vão dos direitos humanos ao investimento de impacto, passando por sustentabilidade, educação, saúde, ambiente, energia e desenvolvimento econômico, entre outros.
Mantenedores institucionais
Carlos Nobre, Vera Iaconelli, Paulo Fochi e mais estarão no evento presencial da revista Educação voltado a líderes escolares. Será em 25 e 26 de setembro, em SP
A9ª edição do Grande Encontro da Educação (GEE) acontece em 25 e 26 de setembro, na cidade de SP. Carlos Nobre, cientista brasileiro Nobel da Paz (por meio de um trabalho coletivo de mudanças climáticas), a psicanalista Vera Iaconelli e o educador referência em educação infantil Paulo Fochi são presenças confirmadas, além de outros renomados pesquisadores(as) e educadores(as) que discutirão temas que movimentam a educação brasileira.
Saúde mental, criatividade, degradação ambiental, conviver em sociedade, inteligência artificial generativa, habilidades socioemocionais e outros assuntos serão debatidos neste evento organizado pela revista Educação especialmente para líderes escolares.
Ingresso para um dia de evento está na faixa de R$ 250,00, a depender do lote. Já o passaporte para os dois dias varia de R$ 350 a R$ 420. Terceiro lote os valores serão outros. Para mais informações e garantir o seu ingresso, acesse: https://especial.revistaeducacao. com.br/grande-encontro-da-educacao-2024. Welcome coffee, almoço e coffee break inclusos no valor de cada ingresso, seja para um dia ou passaporte.
O evento será das 8 h às 17 h, no Centro do Professorado Paulista, bairro Liberdade, na cidade de São Paulo.
Endereço: Av. da Liberdade, 928, Liberdade, São Paulo, SP (próximo ao metrô São Joaquim). O ingresso inclui certificado de participação, welcome coffee, almoço e coffee break.
O jornalista e publisher da revista Educação, Edimilson Cardial, garante: “O educador(a) precisa ampliar seu repertório. Se ele não tiver dados científicos para balizar seu pensamento na discussão de mudanças climáticas, por exemplo, a menção de um pensamento terraplanista pode causar confusão em sala de aula. Isso vale para saúde mental, práticas antirracistas. Como os palestrantes são especialistas reconhecidos pelo público e pela academia, não há como ignorar. Ao fim de dois dias de debates, ninguém sairá o mesmo do GEE, afinal, planejamos o ano inteiro para oferecer uma visão do mundo que nos rodeia, os problemas que enfrentamos e como temos que fazer para superar tudo isso”.
Carlos Nobre, climatologista e cientista brasileiro referência mundial em aquecimento global. Em 2007, junto a uma equipe internacional, recebeu o Prêmio Nobel da Paz por conta do relatório coletivo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
Vera Iaconelli, psicanalista, mestre e doutora em psicologia. Autora das obras Mal-estar na maternidade (ed. Zagodoni), Criar filhos no século XXI (ed. Contexto), e Manifesto antimaternalista (ed. Zahar, 2023). É diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, membra do Instituto Sedes Sapientiae e da Escola do Fórum do Campo Lacaniano.
Paulo Fochi, pedagogo com especializações em educação infantil e gestão escolar, mestrado e doutorado em educação e doutorado sanduíche (Capes) na Universitat de Barcelona. Fundador do Observatório da Cultura Infantil (OBECI), uma comunidade de apoio ao desenvolvimento profissional de professores. Foi consultor e redator da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a Educação Infantil.
Luciana Viegas, educadora e ativista por pessoas com deficiência, especialmente pessoas negras com deficiência. É diretora executiva do Vidas Negras Com Deficiência Importam, consultora em acessibilidade e interseccionalidade para projetos de diversidade e inclusão, como o Sistema Educacional para uma Transformação Antirracista (SETA). Discursou em 2023 nas Nações Unidas e foi nomeada para a lista D-30 Disability Impact de 2022 da Diversability.
Dora Kaufman, pós-doutora, professora e pesquisadora referência em impactos éticos e sociais da inteligência artificial (IA). Escreveu os livros A inteligência artificial irá suplantar a inteligência humana? (ed. Estação das Letras e Cores) e Desmistificando a inteligência artificial (ed. Autêntica).
Luciene Tognetta, coordenadora do Convivência na escola: virtudes, bullying e violência, do respeitado Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem), criado em 2005 e vinculado à Unesp e Unicamp. Referência nacional em bullying e convivência escolar. É doutora em psicologia escolar, escritora e professora na Unesp. Referência nacional em bullying e convivência escolar.
25 de setembro
• Picadeiro — a mente na corda bamba
• Reproduzir a mente humana — impactos da IA na educação
• Conviver em sociedade — sempre um desafio
• O pensar criativo na educação
26 de setembro
• Sensibilizar, para conter a degradação ambiental
• Enxergar cada um, trazer todos(as)
• Harmonia interior — o único caminho para o êxito
Além de apresentações artísticas nos dois dias realizadas pela UNIU - Escola de Dança, Movimento e Arte. Em breve divulgaremos demais painéis. O evento conta com certificado de participação pela Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, da USP de Ribeirão Preto.
Cesar Callegari, sociólogo, é presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada. Foi secretário de Educação Básica do MEC e secretário de Educação do município de São Paulo. Foi membro do Conselho Nacional de Educação, presidiu a Comissão de Elaboração da Base Nacional Comum Curricular, mas deixou em 2018 o cargo por discordâncias no encaminhamento da BNCC.
Madu Costa, pedagoga, arte-educadora, escritora, cordelista, narradora de histórias, compositora, cantora, assessora pedagógica. Seu foco está nas questões étnico-raciais. Recebeu o Troféu Baobá de 2024, considerado pela imprensa de São Paulo e por sua idealizadora Andrea Souza, como ‘O Oscar dos Contadores de Histórias’. Em breve os demais palestrantes.
Com as melhores e mais completas soluções educacionais para a sua escola.
Há mais de 50 anos no mercado e presente em 19 países, a Santillana Educação facilita o acesso ao conhecimento para milhões de pessoas em todo o globo, liderando a transformação da aprendizagem das crianças e jovens para que sejam protagonistas de suas trajetórias.
Nossas soluções inovadoras e de qualidade, adequadas aos desaos do mundo atual, colaboram com o desenvolvimento dos indivíduos de toda a comunidade escolar, incluindo gestores, professores, famílias e alunos.
E as escolas cívico-militares, servem para quê?
| Por Fernando José de Almeida
Uma de inspiração grega que estimulava a pensar livremente sobre os valores da vida e a origem e sentido das coisas e a latina, mais preocupada com a praticidade do que se aprendia e fazia a junção de todas as ricas culturas dos povos conquistados.
A depuração histórica da escola na sociedade ocidental moderna articula as duas finalidades. Quer ser prática e ativa, mas tem o compromisso de fazer pensar sobre a existência, sobre o futuro, as relações humanas e formar uma nova geração que conheça o que já foi cultivado pela história do ser humano. Toda a história, as geografias por onde viveu e que construiu, as artes que pro-
duziu, o que viveu em guerras que morticinaram tantos e tantos seres inocentes, as ciências que se acumularam nos tempos e que podem mudar a vida humana, para o bem e para o mal. Para distinguir o que é um bem histórico as novas gerações precisam pensar. Dialogar. Alterar-se. Conhecer melhor o outro. As escolas-colégios buscam fazer isso.
A escola apresenta o que a família não consegue explicar sobre toda a complexidade do mundo cuja criança vai viver. Mostra-lhe o mundo que não cabe na sua casa ou na sua cidade — e o modo como ela se expressa. Ela aprende na escola a ler e escrever. E ler e escrever o mundo de forma que todos a compreendam e ela possa compreender o todo do universo. Mostra que o mundo muda. Os dinossauros somem. Um ditador pode ser derrubado pelas leis.
A escola traz-lhes a oportunidade da apropriação do simbólico na escala mundo, como diz Douglas Santos, A palavra (falada e escrita), o número (a geometria, a álgebra), o mapa, as cores, a música, a gestualidade... (a prática esportiva, o teatro, o afeto, as artes, o convívio...).
Aí a profundidade amplia e o currículo escolar traz-lhes a dimensão ética, estética e moral das disciplinas. A escola mostra os males no mundo e como se indignar com eles. Na escola nasce o senso crítico. Crítico das guerras sujas, das violências, das fomes e das conquistas da cultura.
A terra é plana? Foi criada há pouco mais de 6.000 anos? Ou é quase esférica (um geoide) e possui 4 milhões e 500 mil anos?
Será verdade que o melhor escravo é o negro, pois, ao ser surrado, sangra menos? (Geografia ensinada por Kant)
O “nome das coisas”; a “qualidade das coisas”: processualidade e identidade — substantivos, adje -
tivos e verbos — a construção frasal e a requalificação do ato de pensar. Tudo isso que a escola ensina tem sentido.
As escolas talmúdicas, escolas católicas de formação de seminaristas, escolas de teologia islâmica e outras escolas confessionais religiosas cumprem importante função histórica, mas não se ajustam à função leiga, crítica e universalizante de uma agenda formativa da escola pública estatal de hoje. Os currículos especializados que constituem a alma das escolas religiosas são culturalmente preciosos, mas não como estruturantes de políticas educacionais de sociedades plurais e leigas.
As agendas militarizantes da dimensão escolar valem — assim como as religiosas — para setores restritos da sociedade que não representam nem realizam a universalidade e o direito de todos.
A defesa do território, os métodos de convencimento por armas, as pesquisas bélicas e os instrumentos de controle social necessários e valorizados para o estado de guerra ou contenção social não se coadunam com os objetivos do desenvolvimento social universal da formação dos aprendizes. Eles não dariam conta da complexidade e do senso crítico necessários à construção de políticas universais dos currículos escolares.
Seus nichos de interesse não contemplam o sentido universalizante do pensamento humano. A disciplina, a obediência, o cumprimento de ordens, o rigor não são os fins da educação. Estes são meios que se submetem a um bem maior da organização social e da formação das novas gerações que são o aprender, o conhecer outro, dialogar, o refletir, o respeitar o diferente, o raciocinar, o produzir projetos sociais de paz e convívio entre os seres humanos de todos os tempos e lugares.
Fernando José de Almeida
é professor de pós-graduação em educação: currículo na PUC-SP e foi secretário municipal de Educação da cidade de São Paulo (2001-2002).
| Por Maria Eugênia
As eleições municipais são um momento essencial na criação de novos projetos que garantam os direitos das crianças e adolescentes e assim transformem o momento atual e o futuro deles. Esse público, com menos de 18 anos, no Brasil representa quase um quarto da população, segundo dados do Censo Demográfico 2022.
A Agenda 227, um movimento apartidário que busca garantir os direitos das crianças e adolescentes, surgiu há dois anos, tendo como objetivo estimular a qualificação dos programas de governo das candidaturas à Presidência da República nas eleições
Movimento com grandes entidades apresenta diretrizes voltadas a essa faixa etária historicamente excluída de 2022. O movimento conta com o apoio de mais de 400 organizações de todas as regiões brasileiras, incluindo o Instituto Alana, a Fundação Itaú e a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. Recentemente, com o intuito de colocar a infância e a adolescência como vetor prioritário nos debates eleitorais deste ano e, por consequência, avançar no cumprimento do que preconiza o artigo 227 da Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Marco Legal da Primeira Infância, o movimento lançou um documento intitulado Prioridade absoluta nas eleições 2024: diretrizes para uma gestão municipal comprometida com a infância e a adolescência.
“O Movimento Agenda 227, analisando todas as dimensões dos direitos humanos de crianças e adolescentes e do desenvolvimento sustentável, elaborou um conjunto de diretrizes com ampla articulação da sociedade civil organizada e as apresenta para as pessoas candidatas às prefeituras municipais”, conta Lucas Lopes, secretário executivo da Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes e integrante da coordenação colegiada da Agenda 227.
De acordo com ele, é no município que os direitos das crianças e adolescentes se concretizam, por meio de políticas, programas e serviços. “As eleições municipais são uma janela de oportunidade para discutir e propor um projeto de cidade cujas crianças e adolescentes estejam no centro das prioridades. E por quê? Porque programas de governo que não garantem esses direitos não são compatíveis com o desenvolvimento sustentável — econômico, social, ambiental e institucional — da sociedade”, explica Lucas Lopes.
DIRETRIZES DO DOCUMENTO
O documento elaborado pela Agenda 227 divide as propostas em eixos temáticos voltados ao ECA, à Inclusão, diversidade e interseccionalidades, e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.
Para Lopes, as diretrizes oferecem às candidaturas uma visão sistêmica dos principais aspectos necessários para uma administração pública comprometida com os direitos das crianças e dos adolescentes. Entre esses aspectos estão o orçamento público, a intersetorialidade, o fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, a participação social e o for-
“As eleições municipais são uma janela de oportunidade para discutir e propor um projeto de cidade cujas crianças e adolescentes estejam no centro das prioridades”, afirma Lucas Lopes
Lucas Lopes, da Agenda 227: é no município que os direitos das crianças e adolescentes se concretizam
talecimento dos conselhos e o alinhamento com as metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. “Não basta a intenção das pessoas candidatas, é preciso uma agenda alinhada ao Estatuto da Criança e do Adolescente, às políticas nacionais vigentes e às demandas sociais de crianças e adolescentes, bem como das organizações de defesa de direitos”, pontua Lucas.
No que diz respeito às diretrizes relacionadas à educação, para Maria Thereza Marcilio, presidente da Avante - Educação e Mobilização Social, que integra o Grupo de Trabalho de Educação da Agenda 227, a questão intersetorial embasada no orçamento é fundamental para a garantia da educação.
“Não adianta a gente pensar só no fortalecimento da área da educação se a gente não tiver saneamento básico na cidade, se não houver coleta de lixo adequada, se as ruas não facilitam o trânsito, se temos muita violência, se o posto de saúde não está funcionando, se nada é oferecido para complementar a educação na área de lazer, esportes, se não existem espaços urbanos de convivência…”, pontua Maria Thereza. Para ela, a escola, o centro de educação, exerce um papel fundamental na vida da criança, em sua educação, na prevenção à violência, na atenção à saúde, mas sozinha não dá conta de garantir todos os direitos às crianças e adolescentes. Então, é necessário que haja uma ação articulada das políticas intersetoriais junto com a família.
“São vários aspectos que a gente precisaria levantar sobre essas diretrizes, lembrando sempre que o foco é o território em que essa criança está e essa atenção integral e integrada, que deve existir”, diz a presidente da Avante.
Após as eleições, a Agenda 227 ainda promete atuar no monitoramento das propostas do Plano país para
a infância e a adolescência, um documento criado pela Agenda que aponta caminhos para o mandato presidencial de 2023 a 2026, e que reúne um conjunto de propostas, programas e ações do governo, que ao serem adotadas pela administração federal, poderão impulsionar as políticas públicas voltadas ao público infantil e adolescente.
Para Juliana Diamente, que é doutora em educação e professora no Núcleo de Educação Infantil da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), quando se fala do cenário de disputa eleitoral, embora crianças e adolescentes sempre apareçam nos discursos, propagandas, imagens e na mídia, isso não significa necessariamente firmar um compromisso ou ser fiel a elas nas agendas políticas.
“Isso porque historicamente há uma dívida brasileira com as crianças e os adolescentes que não decorre somente da desigual distribuição de renda, mas também da desigual distribuição dos benefícios das políticas sociais. Isso pode ser explicado em parte por uma hierarquização etária da sociedade brasileira (adultocêntrica), que incide na baixa prioridade dada às crianças no que se refere às suas condições de vida (educação, moradia, saúde, nutrição, cultura)”, explica Juliana. Porém, segundo ela, é fundamental reconhecer a presença de ações e políticas voltadas para as infâncias e as juventudes, favorecidas, sobretudo, por um contexto internacional, por avanços nas agendas de pesquisas, por necessidades públicas. Há uma construção no campo teórico, por exemplo, que incide na agenda política e vice-versa. A ideia da criança
Maria Thereza
Marcilio, da Avante
- Educação e
Mobilização Social: foco no território e na atenção integral e integrada
“As crianças precisam fazer parte do projeto político da sociedade que queremos”, diz a doutora em educação Juliana Diamente
como sujeito de direito, desde a promulgação do ECA, é um exemplo disso.
Garantir o direito das crianças é garantir aquilo que é fundamental para que vivam com dignidade (educação, saúde, moradia, alimentação, cultura). Mas não só isso: que sejam protegidas em todos os âmbitos de suas vidas (física e emocionalmente) e que possam participar dela, reconhecendo seus pontos de vista, seus conhecimentos e experiências, pontua Juliana. De acordo com ela, é preciso questionar, do ponto de vista da agenda política, o que se concebe quando falamos sobre os direitos das crianças: “quais direitos e de quais crianças?”.
“Para isso, o primeiro passo é reconhecer a existência delas nos territórios (nos espaços), mas de todas elas: bebês, crianças maiores ou jovens; meninas e meninos; brancas, negras, indígenas; com ou sem deficiências; moradoras das cidades ou do campo; de ocupações, de comunidades; de diferentes classes sociais, etc... e pensar de maneira ampliada e articulada essa ideia de direitos”, pontua a professora.
Também é preciso ser fiel às concepções que reconhecem as crianças como sujeitos ativos, parte das estruturas e processos sociais, à medida que produzem (e são produzidas) por seus territórios, e criar mecanismos de escuta e participação de todas elas. “Como escutamos os bebês? Ou todos aqueles outros que não falam verbalmente? Quem chamamos e consideramos chamar para pensar sobre isso? Em quais espaços/tempo do território? As crianças precisam fazer parte do projeto político da sociedade que queremos”, finaliza Juliana Diamente.
Colégio Marista João Paulo II, Distrito Federal
Ao restringir dispositivo, projeto Mente Presente incentiva jovens a treinar a sua habilidade de concentração
Atecnologia pode ser uma grande aliada na globalização, integração das informações e até mesmo na construção de protótipos digitais de forma rápida, mas o uso excessivo pode prejudicar o sono, o foco, a interação e a memória, por exemplo. É o que destaca Luciana Winck Corrêa, vice-diretora do Colégio Marista João Paulo II, localizado em Brasília, Distrito Federal, instituição de ensino responsável pela criação do projeto Mente Presente, iniciativa criada para restringir o uso
de celulares dentro das salas e auxiliar os estudantes a melhorarem sua habilidade de concentração.
“Nós não precisamos demonizar o celular nem o computador, mas precisamos ajudar na autorregulação, e o grande objetivo do projeto foi esse: não proibir o uso, mas restringir para que a gente treine a capacidade de saber ficar sem por um tempo”, destaca Luciana, que já atua há três anos como vice-diretora.
A iniciativa surgiu após uma palestra para famílias e educadores com o psicólogo Cristiano Nabuco, especialista da Universidade de São Paulo (USP) em dependência digital. A partir da conversa com o profissional, a escola resgatou recortes da palestra para conscientizar não só os alunos sobre a importância da disciplina do desligamento do celular, mas também os responsáveis pelos estudantes, e passou a utilizar um armário com nichos para guardar os smartphones durante as aulas.
“A nossa escolha foi um armário com nichos com uma porta única, ou seja, uma chave única que fica com o professor e é a mesma que ele utiliza para trancar a sala de aula, quando é hora do intervalo. O professor já aproveita no primeiro período e faz a chamada com o celular sendo colocado lá e depois, em um dos intervalos, o celular é liberado”, explica a vice-diretora.
A troca de bilhetes entre os colegas, estudantes mais atentos e elevação de resultados na aprendizagem são algumas manifestações positivas após a implementação do projeto. Os alunos também passaram a interagir mais entre si.
“Notamos que os espaços de convivência, principalmente em torno de algo que eduque, começam a ser mais procurados. A gente tinha muito estudante que se retirava para dentro do ginásio e ficava sozinho por lá, não que não aconteça hoje, mas diminuiu bastante e notamos mais convivência”, argumenta a vice-diretora.
Conscientizar os estudantes da importância do projeto foi uma surpresa positiva para os educadores do Marista João Paulo II. Luciana conta que ao apresentarem os motivos pelos quais é necessário se distanciar das telas durante as aulas no projeto piloto, que aconteceu de setembro a dezembro do ano passado do 6º e 7º ano, os estudantes já guardavam os smartphones no armário, embora ele ainda não estivesse sendo utilizado.
Este ano, quando o projeto passou a funcionar também no ensino médio, Luciana Winck destaca que houve resistência de um ou outro estudante, já que se trata de uma mudança de cultura, mas que não existiu nenhum problema de disciplina.
“A gente está letrando, mas letrar não é simplesmente restringir o celular. Restrição tem a ver com saúde, saúde mental e emocional, saúde da aprendizagem. Então, não é uma proibição por disciplina. A gente fez muito essa distinção no início para que os jovens não tivessem justamente a resistência em disciplinar algo que você não discutiu”, argumenta a vice-diretora.
TECNOLOGIA NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM
Embora o uso dos celulares na sala de aula seja restrito, o colégio apresentou outros tipos de tecnologias para que os alunos pudessem fortalecer o processo de aprendizagem. Como é o caso do laboratório de informática itinerante com Chromebooks e iPads, a plataforma Iônica da FTD Educação e as aulas de robótica.
A inserção da inteligência artificial (IA) no dia a dia dos estudantes, e a capacitação de professores para que esses possam “perder o medo do uso” da IA, segundo Luciana, são outras inovações utilizadas. De acordo com ela, a implementação das novas tecnologias está sendo benéfica para os alunos e educadores.
“A gente teve a parceria para formar alguns professores num curso de extensão com uma faculdade do Distrito Federal, que agora vão fazer o curso de inteligência artificial, voltam contando o quanto é possível
“Não precisamos demonizar o celular nem o computador, mas nós precisamos ajudar na autorregulação”, diz a vice-diretora Luciana Winck
Projeto tem apresentado estudantes mais atentos e elevação de resultados na aprendizagem
perder o medo de uso e que é possível criar com a inteligência”, completa Luciana Winck.
O envolvimento das famílias dos estudantes foi indispensável para que o Mente Presente alcançasse sucesso. Fora do ambiente escolar e nas casas dos estudantes, foi sugerido pela escola e pelo professor Nabuco que os responsáveis negociassem quais seriam os momentos em que o celular poderia ficar guardado em uma caixa e longe do alcance tanto dos estudantes como dos outros membros da família.
Para auxiliar as famílias nessa tarefa e incentivar o diálogo entre si, o colégio ofereceu palestras relacionadas à comunicação não violenta. “Porque tudo está interligado, você não pode simplesmente deixar de se comunicar. Você só vai escolher que horas vai se comunicar [pelo celular] e que horas dará espaço pra alimentar uma outra comunicação, que tem sido muito restrita, desde a pandemia”, orienta Luciana Winck sobre a iniciativa da escola em conjunto com as famílias.
“Tanto o pai, que é um educador em casa, quanto o professor, que é um educador na escola, o papel deles é ser humanos, é manter a relação de que a aprendizagem necessita para que ela aconteça. Há muitos anos a gente fala que aprender não é mais reproduzir, mas não executamos na prática essa preocupação com o desenvolvimento das relações. Então, um projeto como esse, ou outros que existem por aí, são importantes porque dão força para projetos de relacionamento humano”, finaliza a vice-diretora Luciana Winck Corrêa.
E ela pode ser ceifada com uma educação baseada em repetições sistemáticas
| Por João Jonas Veiga Sobral
Nossos adolescentes obtiveram resultados preocupantes em prova do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), realizado pela OCDE, que propunha avaliar a capacidade crítica e criativa deles na resolução de problemas e no encaminhamento de respostas ou hipóteses em testes que exigiam criatividade, inventividade e engenhosidade.
A 44ª colocação nas provas não é lugar honroso para a educação brasileira como também não surpreende se levarmos em consideração a forma como nossas aulas cotidianas são conduzidas e o que aponta o relatório final: “(a maioria dos estudantes) apresenta ideias óbvias e tem dificuldade de propor mais de uma solução para um problema”. Do total de 60 pontos, o Brasil marcou 10 pontos a menos da média (23). Isso entristece e preocupa.
O Pisa sugere que criatividade é “a competência para se envolver produtivamente na geração, avaliação e melhoria de ideias que possam resultar em soluções originais e eficazes, avanços no conhecimento e expressões impactantes da imaginação” e afirma que é possível ser desenvolvida por meio da prática demonstrada em contextos cotidianos. O que afasta de vez a noção de que sujeitos imaginativos, inventivos, criadores, inovadores, engenhosos, férteis, fecundos e criativos já nascem prontos por conta de uma graça qualquer da natureza ou divina, como se fosse um dom natural que não pode ser trabalhado, exercitado, treinado e também ensinado.
A Matriz de Referência para Pensamento Criativo do Pisa, em sua terceira versão, da Diretoria de Avaliação da Educação Básica (Daeb), de 2021, indica bons cami-
nhos para desmistificar o equívoco e para lançar luz nessa treva obscura em que tropeçam nossos alunos no dia a dia escolar: “As escolas desempenham um papel crucial para ajudar os jovens a descobrir, desenvolver e definir seus talentos — incluindo seus talentos criativos. Elas desempenham um papel vital em fazer as crianças sentirem que são parte da sociedade em que vivem e que têm os recursos criativos para contribuir para o seu desenvolvimento (Tanggaard, 2018)”.
E prossegue: “Para aumentar a motivação e o interesse dos estudantes na escola, é necessário desenvolver novas formas de aprendizado que se relacionem com energias criativas e reconheçam o potencial criativo de todos os estudantes. Esse desenvolvimento pode ajudar particularmente os estudantes que demonstram pouco interesse na escola e levá-los a expressar suas ideias e alcançar seu potencial (Hwang, 2015)”.
E vaticina que “para alguns educadores, o desenvolvimento das habilidades de pensamento criativo dos estudantes pode fazer parecer que o tempo de outras disciplinas do currículo será reduzido. Na realidade, os estudantes podem pensar criativamente na organização das próprias disciplinas. O pensamento criativo pode ser desenvolvido enquanto promove a aquisição de conhecimento de conteúdo por meio de abordagens que incentivem a exploração e a descoberta, em vez de automação e aprendizados mecânicos (Beghetto; Baer; Kaufman, 2015)”.
cubar ideias criativas nos processos de aprendizagem é tão importante quanto a articulação de ideias e a construção do pensamento crítico.
Há muitas outras proposições de percursos pedagógicos que visem a solucionar nossa ineficiência na prova do Pisa. Vale a leitura da Matriz e uma discussão mais fecunda da escola. Sobretudo porque raramente se discute, em conselhos de classe e em reuniões pedagógicas, a dificuldade que nossos alunos enfrentam quando a pergunta pede mais de uma solução inovadora ou inventiva. Já passou da hora de observar que apenas a memorização e a insistente passividade na aprendizagem são um mal que se oferece aos jovens.
O Pisa sugere que criatividade é “a competência para se envolver produtivamente na geração, avaliação e melhoria de ideias
que possam resultar em soluções originais e eficazes”
O que fica evidentemente claro nas orientações formuladas pela Matriz de Referência é a necessidade de que se abram espaços nas aulas (de todas as componentes curriculares) para que os alunos possam aplicar na prática alguns dos conhecimentos teóricos aprendidos em aula. Não há como negar que o pensamento criativo e as possibilidades de formulações hipotéticas, críticas e inovadoras para as demandas do mundo moderno devem ser fomentadas com orientações sistemáticas e com modelos de avaliação consistentes. In-
Em tempos de inteligência artificial e de memória coletiva substanciosa de dados nas redes à disposição em celulares e em computadores, urge mudar radicalmente alguns encaminhamentos de nossas aulas. Isso não significa abrir mão de conteúdos essenciais, porque é com repertório humano, cultural, social, histórico, linguístico, artístico, matemático e científico que se constrói a originalidade e a inventividade. E é com reprodução vazia e com repetições sistemáticas de conteúdos destinados a nascer e morrer nas provas que se ceifa a criatividade. Se desejamos criar uma inteligência coletiva, propositiva e transformadora, além da memória coletiva, precisamos desejar mais do que sucesso em exames vestibulares que exigem apenas a reprodução do que está posto. Devemos alçar voos mais altos e promissores nas aulas, nas avaliações, no ranking do Pisa e no futuro de um país que claudica rasteiro na educação básica.
Escolas esqueceram de desenvolver autonomia e senso crítico.
Por que não usar o digital a serviço da humanização?
| Por José Pacheco
Vila Wesley, 22 de junho de 2044
O episódio aqui descrito ocorreu no tempo do WhatsApp e do Facebook, que, há uns 20 anos, eram modos de as pessoas inventarem fofocas e conversarem sobre insignificâncias. Estávamos no tempo das ditas ‘novas tecnologias’, mas, na verdade, eram tecnologias digitais rudimentares e, não raras vezes, utilizadas para manipular ou criar dependentes de ágeis polegares.
Recordo-me de te ver, querido Marcos, às voltas com sites de design, na internet. E da Alice pesquisando numa plataforma digital disponibilizada pela faculdade de psicologia. Foi numa empresa de produção dessas plataformas que o episódio incluso nesta carta se desenrolou. O dono da empresa quis conversar comigo e foi até Cotia, à Escola do Projeto Âncora. Conversamos:
“Professor, você tem aqui um belo projeto. Trabalham com plataforma de ensino?”
“Não. Nós criamos uma plataforma, mas de aprendizagem” — respondi.
“De aprendizagem? E essa plataforma tem o currículo todo, os conteúdos?”
“Não. Aqui, os jovens não consomem currículo. Eles constroem currículo, produzem conhecimento, a partir de projetos.”
“Que tipo de projetos os professores preparam para os alunos?”
“Não preparam. Constroem projetos com os seus educandos. Elaboram roteiros de estudo, acompanham a pesquisa, ajudam a criar evidências de aprendizagem, que, depois, eles partiham com os colegas.”
“E têm lousa digital nas salas de aula?”
“Não há salas de aula. Nem lousas digitais.”
“Como? Então…” — E a conversa ficou densa, carente de explicitação.
Para a suavizar, perguntei:
“Quais são as vantagens de uma plataforma de ensino?”
“A vantagem é que os alunos podem escolher o que querem estudar.”
“Dá-me um exemplo, por favor.”
“Por exemplo, um aluno escolhe estudar raiz quadrada.”
“E por que razão ele escolhe estudar raiz quadrada nesse dia?”
Após alguns segundos, com ar de quem reflete, respondeu:
“Nunca tinha pensado nisso.”
Pois não… Naquele tempo, os alunos consumiam um currículo “pronto-a-vestir”, em plataformas digitais. Aulas previamente planejadas quase dispensavam o professor. Os pais queixavam-se de ver os filhos amarrados a computadores, esquecendo que, quando bebês, ao invés de chupeta, lhes tinham posto nas mãos um computador, para que se calassem.
As ‘novas tecnologias’ transformaram-se em panaceias do modelo escolar. Apenas serviam para o consumo acéfalo de conteúdo, na dependência de vínculos afetivos precários estabelecidos com identidades virtuais.
A internet era generosa na oferta de informação. Tudo o que um professor pudesse ensinar estava disponível, de modo mais atraente, num computador. Os professores mantinham-se ancorados em práticas obsoletas, servidas em lousas digitais, ou replicando aulas congeladas no YouTube. O modo como utilizavam a internet fomentava imbecilidade e solidão. As escolas tinham-se enfeitado de informação sem cuidar da comunicação, sem lograr desenvolver autonomia e senso crítico.
Nesses recuados tempos, a democracia viveu tempos sombrios. A sociedade padecia de medo, egoísmo, fundamentalismos. A escola pública estava à mercê de interesses vis, subserviente, mercantilizada.
Educadores atentos aperceberam-se da sua quota-parte de responsabilidade. E, no início dos anos 20, a crise cedeu lugar a novas práticas sociais. O espectro de novas inquisições se desvaneceu. Chegara o tempo de usar o digital ao serviço da humanização da escola.