Revista Educação 294 maio 2023

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José Pacheco “O centro não é o aluno e nem o professor”

revistaeducacao.com.br

Ataques nas escolas Escola e casa não podem mais ser corpos à parte da sociedade

Reino Unido

Na formação, futuro docente fica mais da metade do tempo no estágio

EDUCACAO

Saúde mental

ANO 27 Nº294

Escola sob pressão

Professores exaustos e a necessidade de apoiar o emocional e a aprendizagem dos alunos

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CARTA AO LEITOR

“A gente espera do mundo e o mundo espera de nós”

As recentes e inaceitáveis barbaridades dentro do ambiente escolar clareiam a importância da atuação coletiva para o fortalecimento de uma cultura de paz. Governos, escolas e toda a sociedade precisam, juntos, construir um ambiente escolar seguro e acolhedor. A tarefa não é fácil e nem há um único caminho, mas o papel é de todos e todas, sem omissões. Projetos de combate ao bullying; educar crianças e jovens para um uso ético nas redes sociais; ampliar o apoio à saúde mental de todo o corpo escolar — esses são apenas alguns pontos.

Sobre isso indicamos a reportagem dos ataques nas escolas, página 30, e a coluna de Alexandre Sayad que fala a respeito do desafiante combate às desinformações, página 28.

O fato é que o Brasil passa por um chacoalhão, um processo que pede tomada de decisões levando em conta o bem-estar de sua população, o que implica ter como meta igualdade, diversidade e equidade. Isso vale também para o desenrolar do novo ensino médio, que se encontra em consulta pública; leia mais na página 22.

E é diante de tantos palpites, desgraças, novas aprendizagens, quebra de paradigmas e de um modelo econômico que parece não ter freio ao sempre exigir mais e mais de seus trabalhadores que a capa desta edição, página 16, chega para constatar que os professores e professoras estão cansados, e com razão. Muitos estão adoecidos e pedem até afastamento. Fica o convite à reflexão: como acolher as famílias e os alunos se o professor, antes de tudo, também precisa ser acolhido?

EDUCACAO

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Ano 27 - Nº 294 maio de 2023

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16 SAÚDE MENTAL

Acolhimento

Depressão, ansiedade e outros transtornos contribuem para o esgotamento mental de profissionais da educação. Os alunos também têm sintomas similares e naturalmente buscam acolhimento escolar, familiar e social

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ENTREVISTA

José Pacheco

A experiência do educador português no Brasil o fez perceber que a aprendizagem acontece em uma relação tridimensional que ele chama de paradigma da comunicação. Nesta conversa, também critica avaliações como Ideb e Pisa e conta de seu terceiro e último grande projeto

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COLUNA MIDIÁTICA

Alexandre Sayad

Desinformação é ingrediente para a manutenção do medo. Diante da força das fake news, de quem é a responsabilidade para a manutenção de um sistema de informação mais saudável e confiável?

36 É hora de praticar

Base Nacional Comum Curricular da educação infantil e do ensino fundamental completa cinco anos com desafios no avanço da implementação, especialmente na lógica das competências

Discutir variantes literárias na escola, como a afrodescendente, faz parte do processo de construção de uma sociedade igualitária LITERATURA NEGRA 52 Mundo plural

e mais

22 Novo Ensino Médio

30 Ataques nas escolas

40 Reino Unido

44 Transformação

46 Socioemocional

50 Futuro da escola

56 Maceió

60 Internacional

64 Diálogos

66 Entre margens

SUMÁRIO
BNCC E AS COMPETÊNCIAS
“O centro não é o aluno e nem o professor”

A experiência de José Pacheco no Brasil o fez perceber que a aprendizagem acontece em uma relação tridimensional que ele chama de paradigma da comunicação. Nesta conversa, também critica avaliações como Ideb e Pisa e conta de seu terceiro e último grande projeto

“Temos lideranças autoritárias que proíbem que o professor tome consciência daquilo que faz e quer mudar. Proíbem que ele mude. É um crime”

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ENTREVISTA
Rafael Botas

Oprofessor José Pacheco vive no Brasil há quase 20 anos. Internacionalmente conhecido como o criador da Escola da Ponte, em Vila das Aves, Portugal, ele inspira aqueles que buscam implantar uma educação contrária ao modelo tradicional. Não acredita em prova, divisão dos alunos por séries e quaisquer moldes cartesianos porque, segundo ele, as crianças e jovens não têm aprendido. “Aula não ensina”, há uma farsa em jogo, reconhece. “Então o que tem que acontecer é uma decisão ética de mudar a forma de trabalhar com as crianças, jovens e adultos.” Suas falas às vezes duras cutucam educadores e escolas que querem apenas reproduzir padrões educacionais.

“Ninguém tem o dom da verdade. A solução nasce quando as pessoas se encontram e dialogam. Pergunto: por que o Ministério da Educação e os universitários da ciência da educação recusam dialogar? Quantas vezes já convidei? Recusam”, insiste Pacheco, que em maio agora completará 72 anos e há mais de 10 anos é colunista desta publicação (leia sua crônica na pág. 66). Confira, a seguir, a entrevista.

do de Vermont, nos Estados Unidos, Domingos Fernandes. Um grande pedagogo português que fez doutorado numa área que era relativamente nova para nós, portfólio de avaliação. Hoje observo que as plataformas digitais têm portfólios de avaliação de alunos, mas todos pecam por considerar que a aplicação de teste dá algo viável em termos de avaliação de aprendizagens. Não é verdade.

Pisa, Ideb, Prova Brasil e outros “são os instrumentos de avaliação mais falidos que se conhece; pecam por serem apenas reprodução

Você critica a ‘sobralização’ do Ministério da Educação porque acredita que Sobral não dialoga com a realidade brasileira e ainda acha o Ideb decoreba. Mas qual a relevância dele e de outras avaliações como o Pisa?

Corro o risco de ser impertinente e desagradável para certos setores da educação. Mas muitos anos atrás, talvez 40 anos ou mais, participei de um trabalho chamado Avaliar da avaliação, o qual me deu a compreender que apesar de estar numa escola como a Ponte, eu não fazia avaliação, fazia aplicação de prova. Com um pouco mais de critério fazia avaliação criterial, fazia avaliação normativa no campo das atitudes. Só que eu dava uma nota a partir dos dados colhidos em testes, e os testes eram os do Pisa e outros que são os instrumentos de avaliação mais falidos que se conhece. Há muitos outros instrumentos de avaliação. Então fiz uma revisão do plano em prática e acabei por encontrar uma pessoa que tinha vin-

Os ‘piseiros’ (e a fórmula do Ideb), Prova Brasil, todos pecam por serem apenas a reprodução daquilo que é a informação colhida no discurso de um professor em sala de aula ou de uma consulta e pesquisa na internet. Ou seja, apenas aquilo que a memória a curto prazo conseguiu acumular. E essa memória a curto prazo, como o nome indica, debita num papel ou em um computador aquilo que a memória de curto prazo conserva. No quadro do instrucionismo, sabemos que numa sala de aula quase nada se aprende e no domínio cognitivo isso também acontece ou não acontece. Portanto, aquilo que é colocado numa folha ou computador faz com que a memória, que é esperta, esqueça. Ou seja, não existe aprendizagem. Aquilo que foi colocado num teste não é prêmio, não se conserva. Por que? Quando se trabalha segundo o modelo da instrução — ele nem sequer trabalha no modelo do paradigma da aprendizagem ou comunicação —, o que acontece é exatamente o debitar de informação do consumo acéfalo de currículo. Para ter aprendizagem ela terá que ter, fundamentalmente, os cinco grandes princípios de aprendizagem de [Jerome] Bruner baseados nas propostas de [Lev] Vygotsky e [Jacques] Delors: a aprendizagem deve ser significativa, integradora, diversificada, ativa e socializadora.

Numa sala de aula ou no espaço em que se aplica um teste, a aprendizagem não é significativa. O aprendiz não sabe porque é que está a aprender, não está ligado de forma intrínseca, ou seja, cognitivamente, afetivamente, emocionalmente, esteticamente ao objeto de estudo. Não é significativo e, portanto, não é aprendizagem, é acúmulo de informação na memória de curto prazo. As pessoas estão viciadas em instrução e nem isso se aplica mais.

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ENTREVISTA

José Pacheco

Não tenho nada contra Sobral. Até tenho grande admiração por algumas coisas que fazem. Mas não é esse o caminho, o qual nem nos Estados Unidos resultou. É uma solução neoliberal.

Há uma cidade, estado ou país que avalie os alunos de maneira que considere coerente?

Me pergunto onde estão essas escolas inovadoras — não sei. Não existe avaliação séria nas escolas. Existirá quando uma nova construção social de aprendizagem for construída. Podem falar de comunidades de aprendizagem de Ramón Flecha, mas elas não existem, são paliativos no velho modelo obsoleto. Só conheço a Escola Aberta, de São Paulo, que é diferente, mas ainda não é uma nova construção social. Conheci o Âncora [em Cotia, SP], a Ponte, conheço a rede de comunidade de aprendizagem que está a nascer em Maricá, Rio de Janeiro. O que acontece nessas escolas [citadas] é que o conhecimento nasce a partir de um projeto de currículo tridimensional, de subjetividade daquilo que é o projeto de vida do próprio aprendiz. Parte do currículo de comunidade, que parte dos saberes, problemas e potenciais de aprendizagem, que parte de um currículo universal de aprendizagens essenciais e que não são aquelas que estão no currículo de consumo. Porque produzir conhecimento é currículo, consumir currículo não é aprender, não é produzir conhecimento.

vejo testes matemático e língua portuguesa. Que autonomia e criatividade você desenvolveu nos estudantes para poder avaliar? Estamos a brincar com isso?

Essa pergunta só tem uma resposta: eu não conheço escolas que façam avaliação. Conheço as que têm salas, turmas e tudo mais da parafernália do século 19, onde você aplica a prova e considera que elas são suficientes para fazer uma classificação. É terrível que isso aconteça. Estamos envolvidos numa farsa. Sei que muita gente vai reagir mal com o meu discurso, mas estou disponível para dialogar. Não tenho a verdade ao meu lado, tenho a minha prática, ou melhor, a minha práxis fundamentada, por exemplo, no grande [Georgette] Nunziatti, o qual dizia que a escola mudará por meio da avaliação ou jamais mudará. Então, a avaliação é digamos que pedra angular de toda a mudança de inovação e enquanto ela continuar a ser aquela que o Pisa e testes do Ideb utilizam, ela é uma farsa, não é avaliação.

Os cinco grandes princípios de aprendizagem de Bruner baseados nas propostas de Vygotsky e Delors [indicam que] a aprendizagem deve ser significativa, integradora, diversificada, ativa e socializadora

Sendo as escolas que conheço — e conheço muitas escolas consideradas inovadoras e que ainda não são —, sei que elas estão em um ponto de partida para a criação de um projeto que propicie aprendizagens que permitam avaliá-las. Mas quando me dizem: ‘eu considero também a participação nas aulas, considero a criatividade, considero autonomia’, eu pergunto: onde estão os testes de autonomia? Onde estão os testes de criatividade? Eu só

Quais as diferenças do paradigma da instrução para o da aprendizagem e o da comunicação?

Quando fui para a educação, vinha da eletrotecnia, era um bom engenheiro eletricista, mas não sabia ser professor, sabia dar aula, e começa por aí o drama da ausência da produção do conhecimento. Eu dava aula e entrei em uma crise profunda de natureza moral porque não conseguia ensinar a todos, aliás, não há nenhum professor que consiga ensinar tudo a todos em sala de aula. Fui resolver esse problema recorrendo ao paradigma da aprendizagem: coloquei na minha sala de materiais de [Maria] Montessori, [Célestin] Freinet, instalei euritmia e tudo que era arte do [Rudolf] Steiner, fui estudar taxonomia de Bloom. Botei na minha sala tudo que havia de paradigma da aprendizagem, ou seja, o centro deixa de ser o professor para ser o aluno. Isso aconteceu pela primeira vez na Escola da Ponte. Eu não

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ENTREVISTA

José Pacheco

conheço escolas em que o centro seja o aluno [paradigma da aprendizagem]. Embora falem de empreendedorismo, autonomia do aluno, protagonismo, isso não acontece, está na teoria porque ultimamente, como diria meu amigo António Nóvoa, a teoria sofisticou e é um contraste com a miséria das práticas. Utilizam-se os termos, as modas, para disfarçar a miséria das práticas. Mas quando vim ao Brasil, percebi que em 30 anos na Ponte, pensando que o centro era o aluno, que o paradigma da aprendizagem era o final de tudo, compreendi que não é, o centro não é o aluno. O centro está em cada coisa, em cada pessoa, em cada objeto. O centro é relação, é criação do vínculo e isso é o paradigma da comunicação. Então penso que é necessária uma conversa séria que reúna as contribuições do paradigma da instrução, por exemplo, o papel da memória que é muito importante, com as contribuições do paradigma da aprendizagem, porque tem que haver o sujeito de aprendizagem com autonomia e também aquilo que hoje para a língua da comunicação nos traz. Estou a falar de Ramón Flecha, Lauro Oliveira Lima, Paulo Freire, de freirianos não praticantes que utilizam os testes, mas continuam a fazer a educação bancária.

Quais camadas os educadores precisam tirar para estarem nos paradigmas da aprendizagem e da comunicação?

O primeiro obstáculo é o eu, é a minha cultura profissional inculcada desde o berço, desde a educação familiar, passando pelos bancos da escola, pelo princípio do isomorfismo na formação, o modo como o professor aprende, como o professor ensina. Eu ensinava assim e acreditava que estava certo. Então é preciso passar pela crise moral e ética que eu passei e que todo mundo pode passar, basta que faça uma decisão ética, porque se nós trabalhamos dando aula e os resultados dos testes — voltando à avaliação — mostram que não se aprende, olha quanto analfabetismo está por aí, os miseráveis Ideb na matemática. Então se provam que dar aula não ensina, o que tem que acontecer é uma decisão ética de mudar a forma de trabalhar com as crianças, jovens e adultos. É uma mudança que leva à inovação. Infelizmente, há muita gente que disfarça o drama com modas pedagógicas e vai adiando e proibindo os professores de tomar essa decisão ética. Muitos professores querem tomá-la, só que o sistema que temos é hierárquico, autoritário, moral e intelectualmente corrupto e excludente. Temos lideranças autoritárias que proíbem que o professor tome cons-

ciência daquilo que faz e quer mudar. Proíbem que ele mude. É um crime.

Quando escuto falar de revogar ou não o novo ensino médio — agora isso está na moda —, pergunto: por que há ensino médio? Por que há segmentação no sistema? Qual o fundamento da existência do ensino médio, ou fundamental ou superior ou inferior? Qual é o fundamento? Este modelo que está não faz sentido nenhum e, portanto, discutir o ensino médio é debater o sexo dos anjos na educação. Não vale a pena, o que é preciso é uma nova construção social e ela está a surgir no Brasil e quero convidar o Ministério da Educação para diálogo.

Para você a escola não é prédio, são pessoas. Os CEUs (Centros Educacionais Unificados) se aproximam desse olhar coletivo oriundo das comunidades de aprendizagem de Lauro de Oliveira Lima?

CIEPS [Centros Integrados de Educação Pública], CEUs e todas as boas iniciativas que assisti no Brasil acabaram assimiladas pelo sistema, fazem aquilo que o sistema permite e ficam aquém do que deveriam ser. Para haver comunidades de aprendizagem é preciso passar por uma criação de círculos de aprendizagem, círculos de vizinhança, de proximidade. Teremos de passar por um processo de reelaboração de cultura profissional, de construção de protótipos da comunidade de aprendizagem, e isso nunca foi feito. Então quando alguém utiliza a expressão comunidade de aprendizagem, não sabe do que está a falar.

Você viaja o Brasil a convite de escolas que querem ser inovadoras e também participa dos principais eventos de educação. Agora [entrevista realizada no início de abril] está na Bahia. O que faz aí? Fale de sua rotina em apoiar escolas.

Estou em Ilhéus fazendo aquilo que sei: aprender com professores. Vou a trabalhar com um professor no chão de escola, é lá que vivo há mais de 50 anos [chão de escola] e é lá que vou acabar meu percurso profissional. O Brasil tem tudo o que precisa, infelizmente mantém um sistema criminoso que impede que todos aprendam. Que a Constituição seja cumprida, que a lei de Diretrizes e Bases de Darcy seja cumprida e o Estatuto da Criança seja cumprido.

Viajo trabalhando em escolas gratuitamente, muitas vezes à minha custa, e mantenho alguns lugares que eu posso chamar protótipos de comunidades de aprendizagem, uma nova construção social. É nesse sentido que

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O que acontece nessas escolas [Escola Aberta, Âncora e seu novo projeto em Maricá] é que o conhecimento nasce a partir de um projeto de currículo tridimensional, de subjetividade daquilo que é o projeto de vida do próprio aprendiz

Para haver comunidades de aprendizagem, diz que é preciso passar por uma criação de círculos de aprendizagem, círculos de vizinhança, de proximidade

falo da participação no chão de escola com professores. Várias Secretarias de Educação me chamaram. Eu não vou fazer a mudança e a renovação. Não é um português que vai mostrar ao Brasil como fazer. Eu apenas me disponibilizo para participar no chão de escola daquilo em que eu acredito. Eu acredito nas pessoas.

Sempre que um professor me convida a participar de sua sala de aula, parto e valorizo aquilo que o professor sabe fazer que é dar aula, e vou com ele dar aula para mudar a sua forma de trabalhar. Acredito na capacidade dos professores, em suas capacidades de mudança, de decisões éticas. É isso que dá sentido a um aposentado da educação e aí [chão da escola] vou me manter enquanto puder.

Há um projeto com Secretarias de Educação que querem implantar comunidades de aprendizagem. Em que pé está?

Tenho algumas boas notícias. Assim como me juntei à Secretaria, lá em Portugal, da Escola da Ponte, assim como tentamos com a Secretaria de Cotia fazer o projeto Âncora, agora estou com a Secretaria Municipal de Maricá, no Rio de Janeiro, para acontecer a primeira rede de comunidade de aprendizagem da história. Ou seja, uma nova construção social cuja aprendizagem acontece e onde a avaliação acontece. É o terceiro e último grande projeto da minha vida e não vou acompanhar até o final, trabalho com uma grande equipe de educação humanizada. Estou a fazer 72 anos. E até porque o Brasil não é para amadores, como diria o Darcy. Quanto mais conheço o Brasil menos eu entendo.

Você ajudou a montar a proposta da recente Open Learning School, cujo anseio é o de construir uma nova construção social de aprendizagem de inovação em educação. O que significa?

Open Learning está em um segmento que não é o da escola pública. Até agora falei de escola pública, sou professor de escola pública e trabalho no chão da escola há mais de meio século. Mas quando um empresário me pediu para fazer uma escola como a da Ponte, decidi ir além. Esse empresário tem dois filhos, quer o melhor para eles e sabe que a escola da rede pública não é a escola que dá o melhor aos seus filhos. E também não é a escola particular, que se anuncia como inovadora, porque há muito marketing errado, falso. Portanto, ajudei a construir a chamada Open Learning School. É uma organização internacional, sede na China, e ajudo porque quero que essa nova construção social aconteça. Ela não acontece nessas escolas de mensalidades enormes e que são iguais ou piores que as escolas públicas. Quero ajudar. Ele tem recursos, tem dinheiro. É para a classe A, mas crianças e jovens da favela e da classe A merecem o mesmo respeito.

A nova construção social parte da premissa de que escolas são pessoas e na escola particular, Open Learning, eu posso fazer isso. Nas escolas ditas públicas, as lideranças não permitem. Infelizmente, são autoritárias, são ignorantes. Ali é um empresário e posso ajudar a fazer essa nova construção que acontece onde houver famílias que se preocupam com uma boa educação, onde houver gente que se junte para um círculo de aprendizagem.

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Educadores entre a exaustão e o afastamento

Depressão, ansiedade e outros transtornos contribuem para o esgotamento mental de profissionais da educação. Os alunos também têm sintomas similares e naturalmente buscam acolhimento escolar, familiar e social

Aestudante mineira de sociologia Karina Chaves (nome fictício), de 19 anos, sonha em voltar à sala de aula como professora para ressignificar o sentido da palavra escola em sua vida. “Quero levar uma perspectiva diferente para a educação de crianças e jovens, uma forma de cicatrizar as feridas que ficaram abertas no meu processo de aprendizagem”, conta. Vítima de abuso sexual quando criança e inserida em um ambiente familiar agressivo, sua entrada tardia no ensino formal, quase aos oito anos de idade, na rede pública da região metropolitana de Belo Horizonte, foi marcada por ainda mais problemas.

“Era uma criança muito introvertida e assustada, tinha dificuldades em focar atenção nas aulas e minha família sempre era chamada pela direção”, lembra. As constantes crises de ansiedade e ataques de pânico eram, muitas vezes, incompreendidas pelos pais e pela escola, já que ela mesma não conseguia contar a ninguém sobre os abusos que havia sofrido. “Os estudantes mais velhos sempre faziam bullying com os mais novos. Fui vítima de muito racismo e não me senti acolhida pela escola, cheguei a ser agredida fisicamente por uma professora que ficou indignada porque cheguei à aula com o dever de casa sem fazer”, recorda. A estudante tentou suicídio por duas vezes, uma delas dentro da própria instituição que frequentava. As

SAÚDE MENTAL
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memórias tristes deixaram marcas, mas há três anos Karina tenta se livrar dos traumas por meio do acompanhamento psicológico. “Fazer terapia foi fundamental para eu entender todo esse processo por que passei, inclusive o de sustentar o sonho de ser professora”, relata. O percurso escolar repleto de sofrimento mental também era a realidade de vários colegas. “Todos que apresentavam comportamentos diferentes da maioria passavam por ansiedade ou depressão”, lembra.

Embora os traumas e violências não sejam problemas recentes do ambiente escolar, pesquisas mostram que o sofrimento aumentou após a pandemia da covid-19. Um levantamento divulgado em setembro de 2022 mostra que seis em cada 10 jovens passam ou passaram por ansiedade e 50% sentem cansaço extremo. Os resultados, divulgados no relatório Juventudes e a pandemia: e agora? coordenado pelo Atlas das Juventudes e realizado em parceria com Conselho Nacional da Juventude, ainda mostrou que, dos mais de 16 mil jovens entrevistados entre 15 e 29 anos, 18% relataram depressão e 9% automutilação ou pensamento suicida.

Durante o período de isolamento social, tanto estudantes quanto profissionais de educação tiveram sobrecarga de estresse. Patrícia Rabelo, coordenadora de uma escola particular em Pará de Minas, MG, conta que sentiu o trabalho aumentar muito após a suspen-

“A sociedade brasileira está doente e a escola não é uma ilha. Ela é o espaço social onde mais se refletem os problemas das famílias desestruturadas e do estimulo à violência”, alerta a presidente do CPERS, Helenir Aguiar Schürer

são das aulas presenciais, em 2020. A adaptação dos profissionais às tecnologias remotas foi muito difícil. “Ninguém estava preparado”, recorda. Seu filho, que na época cursava o ensino médio, sofreu pela falta de socialização. “Por ser diabético, era do grupo de risco e só voltou após a segunda dose da vacina. Nós ficamos mais de um ano sem encontrar nossas famílias e eu não exigia que meu filho tivesse compromisso pedagógico, queria apenas manter sua saúde mental preservada.” No início deste ano, ela sentiu na pele todo o estresse causado pelos anos de exaustão e muita cobrança no trabalho. “Após o primeiro dia de aula de 2023, quando trabalhei das 7h às 22h, eu surtei. No dia seguinte, na terapia, perdi o controle, chorei muito. Até hoje estou tomando remédios”, conta.

ADOECIMENTO DA COMUNIDADE ESCOLAR

Diversas pesquisas realizadas nos últimos anos apontam que o adoecimento da comunidade escolar é um dos principais problemas a serem enfrentados hoje pela escola. Uma das mais recentes, Futuro da docência, realizada pela ONG Conectando Saberes e divulgada em fevereiro deste ano, mostrou que 75,5% dos profissionais da rede pública e privada no Brasil acreditam que questões psicológicas são um dos principais fatores que fazem os “É um esgotamento em função do ambiente, você tem vontade de trabalhar, mas o meio não contribui para o mínimo necessário. O problema não eram meus alunos, era a falta de motivação vinda da própria diretoria”, diz o professor Thiago Luiz

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Fotos: Arquivo pessoal

SAÚDE MENTAL

A solidão está em evidência, alerta o psicólogo Micael Mattos Ozi. “É preciso lembrar que somos seres sociáveis, necessitamos uns dos outros”

professores desistirem da carreira. O levantamento ouviu 6.430 profissionais da educação de todo o país. Outra pesquisa, Saúde mental dos educadores 2022, realizada pela Nova Escola em parceria com o Instituto Ame sua Mente, mostrou que mais de 20% dos profissionais consideram sua saúde mental ruim ou muito ruim. Os principais problemas apontados são: ansiedade (60,1%), cansaço excessivo (48,1%) e insônia (41,1%).

O professor de matemática da rede estadual de Minas Gerais Delcio de Brito Chagas, de 63 anos, começou a dar aula em 1994. Hoje, é o responsável pela biblioteca de uma unidade. Foi afastado da sala de aula por questões relacionadas ao estresse. “O professor está sempre mais desmotivado, mais triste e muito ansioso. Acho que as novas gerações estão desinteressadas pela escola. A diretora pediu a minha transferência para a biblioteca porque estava muito nervoso e poderia perder meu cargo como professor”, revela.

Outros professores, como é o caso de Thiago Luiz Santos de Oliveira, 42 anos, já tiveram que ser internados para tratar doenças relacionadas à saúde mental. Ele vem lutando contra uma depressão que o levou a diversas crises de ansiedade e ao afastamento do trabalho. Professor efetivo em uma escola estadual de Belo Horizonte desde 2006, foi coordenador e vice-diretor da unidade, mas começou a sofrer perseguições internas por colegas que não queriam vê-lo ganhando

espaço. “É um esgotamento em função do ambiente, você tem vontade de trabalhar, mas o meio não contribui para o mínimo necessário. O problema não eram meus alunos, era a falta de motivação vinda da própria diretoria”, comenta. Ainda afastado de suas atividades por questões de saúde mental, ele não quer mais trabalhar naquela unidade, mas não desistiu da profissão. “Penso que, apesar dos problemas, existem escolas que oferecem ambientes mais saudáveis para realização do trabalho docente”, conclui.

ENTIDADES DEBATEM CAMINHOS PARA SUPERAÇÃO DOS PROBLEMAS

Os casos de estudantes e profissionais da educação apresentados estão longe de ser um problema apenas dos mineiros. A saúde mental dentro do ambiente escolar tem preocupado e mobilizado categorias profissionais de Norte a Sul do Brasil. Em Roraima, por exemplo, o Sinter, sindicato que representa os trabalhadores de educação do estado, afirma que existe um percentual alto de professores afastados com problemas psicológicos. Um quarto dos profissionais da rede pública são readaptados, ou seja, saíram da sala de aula e estão em outras funções na escola. “Ansiedade, depressão, burnout e síndrome do pânico são as principais queixas. Há também casos de violência e assédio moral que tornam o trabalho vulnerável. Pra se ter uma ideia, o próprio sindicato oferece suporte psicológico gratuito para os professores”, afirma Cheiliana Lima, diretora da entidade e membra do Conselho Estadual de Educação de Roraima.

“Após o primeiro dia de aula de 2023, quando trabalhei das 7h às 22h, eu surtei. No dia seguinte, na terapia, perdi o controle, chorei muito”, revela Patrícia Rabelo, coordenadora de escola particular
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No Brasil, 75,5% dos profissionais da rede pública e privada acreditam que questões psicológicas são um dos principais fatores que fazem os professores desistirem da carreira, revela pesquisa da Conectando Saberes

Na outra ponta do país, no Rio Grande do Sul, o CPERS, que representa cerca de 80 mil trabalhadores, diz que as reclamações são frequentes. Segundo a presidente Helenir Aguiar Schürer, as cobranças e a desvalorização profissional são as causas de tantos problemas. “A sociedade brasileira está doente e a escola não é uma ilha, ela é o espaço social onde mais se refletem os problemas das famílias desestruturadas e do estimulo à violência. Uma educação voltada para a tolerância e o amor depende de uma mobilização geral da sociedade, os espaços educativos não conseguem fazer isso sozinhos”, afirma.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) confirma que o problema se agravou em função da pandemia da covid-19. Um levantamento chamado Novas formas de trabalhar, novos modos de adoecer, divulgado pela entidade no final de 2021, mostra que a ansiedade, depressão e o sentimento de desesperança estão entre os problemas que mais acometeram os professores durante o distanciamento social. Para a secretária nacional da CNTE de Saúde do Trabalhador da Educação, Francisca Seixas, cabe aos governos políticas públicas para prevenção e tratamento das pessoas adoecidas. “Precisamos de uma mudança no modelo de gestão que passe a valorizar o professor e dê espaço para que os profissionais e estudantes se expressem. O acompanhamento psicológico da comunidade escolar deve ser permanente, com prevenção à violência que afeta todas as pessoas envolvidas na escola”, ressalta.

CAMINHOS PARA A SUPERAÇÃO

A onda de ataques em escolas que chocou o país recentemente pode estar relacionada também a sofrimentos e mágoas que ex-alunos sentem do ambiente escolar. É o que avalia Ana Carolina D’Agostini, psicóloga, pedagoga e coordenadora de formações do Instituto Ame sua Mente. “Estamos vivendo o começo do fim de uma pandemia, em que a ansiedade e a depressão fizeram parte da realidade de muita gente. O problema agora é mais latente, é a violência armada, que muda totalmente o cotidiano de uma escola”, afirma. O caminho para reduzir ou aliviar esse quadro ainda é incerto, mas existem ferramentas eficazes que podem combater esses obstáculos. Dentro da escola, a alternativa pode ser a de fortalecer grupos que já funcionam, como

Em Roraima, um quarto dos profissionais da rede pública são readaptados. “Ansiedade, depressão, burnout e síndrome do pânico são as principais queixas. Há também casos de violência e assédio moral”, afirma Cheiliana Lima, do Conselho Estadual de Educação de Roraima

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SAÚDE MENTAL

grêmios, associação de famílias e comissões multidisciplinares formadas por professores e funcionários. “Precisamos compreender a natureza dos problemas e buscar soluções conjuntas, não apenas contra esses ataques armados, mas contra a prática do bullying, assédio contra professores, desrespeito à diversidade, intolerância. A escola deve ser vista como um microcosmo social e deve trabalhar para fortalecer o senso de pertencimento”, explica Ana Carolina. Já para as famílias, é importante estarem atentas ao tempo de tela dos estudantes nas redes sociais. “O jovem busca pertencer a algum lugar. Se não consegue essa sensação na escola ou na família, ele pode se ver nesses grupos extremistas, pode ser que não esteja conseguindo modular suas emoções”, ressalta.

Outros especialistas em saúde mental também acreditam que é preciso olhar a questão de forma ampla. A psicóloga e professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Deise Juliana Francisco, que faz parte do grupo de pesquisa Saúde Mental, Ética e Educação da UFAL, diz que o mal-estar na sociedade não vem da escola, apenas é reproduzido por ela. “É um conjunto que tem a ver com o modo de produção capitalista, que individualiza os problemas, não traz um olhar mais amplo. É um olhar cômodo, já que impede que a gente possa fazer mudanças sociais mais substanciais”, ressalta.

Ampliar a vigilância nas escolas para impedir a violência ou prestar atendimento individualizado aos profissionais sem garantir uma melhoria das condições de trabalho não irá mudar o quadro. “Eu acredito que as melhorias vêm através de políticas públicas para abrir espaços de escuta, criar melhores condições de vida, já que o nosso psiquismo parte das relações sociais. Toda a lógica capitalista é criada para a eficiência da produ-

Dos mais de 5 mil educadores entrevistados em todos os estados pela Nova
Escola, apenas 7,1% disseram receber apoio médico e psicológico

“A escola deve ser vista como um microcosmo social e deve trabalhar para fortalecer o senso de pertencimento”, defende Ana Carolina D’Agostini, coordenadora do Instituto Ame sua Mente

ção, mas o olhar deve ser mais humano, mostrando as individualidades de cada pessoa”, reitera Deise Francisco. Essa mudança, no caso docente, vem com a valorização profissional, já que muitos trabalham em várias escolas para complementar a renda, podendo gerar desgaste e desesperança quanto à carreira.

Outra saída para mitigar os problemas de saúde mental dentro do ambiente escolar é uma atuação em rede, juntamente com o Sistema Único de Saúde (SUS) para desenvolver um trabalho em equipe com os estudantes e professores. É o cenário ideal para o psicólogo Micael Mattos Ozi, que atende instituições de ensino e atuou, na pandemia, no projeto Psicólogos na Educação, da Secretaria de Educação de São Paulo, o qual envolveu atendimento online em grupo para educadores, alunos e responsáveis. “Dizemos na psicologia que não se trabalham questões graves de maneira solitária, é preciso mobilizar um grupo em casos como esse. Muitos estudantes procuram os professores para falar de seus problemas, mas às vezes nem o docente sente que tem saúde mental para acolher aquele jovem”, diz.

As vivências dolorosas que Micael atendeu durante a pandemia podem ter deixado marcas em uma geração inteira. “Ainda há pesquisas sobre o assunto, mas algo evidente é o aumento da solidão, que se agravou com o uso indiscriminado das redes sociais, não apenas em adolescentes, mas na sociedade em geral. É preciso lembrar que somos seres sociáveis, necessitamos uns dos outros”, afirma. Embora os caminhos para o enfrentamento dessas questões possam ser longos e difíceis, uma coisa é certa: o assunto é frequente dentro das instituições de ensino. Encontrar o diagnóstico já é um começo para se chegar ao bem-estar.

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NOVO ENSINO MÉDIO

Revoga ou reforma?

MEC cria grupo de trabalho para ouvir estudantes e profissionais da educação sobre o novo ensino médio. Enquanto isso, a divisão entre revogar ou não se mantém forte

A. O Novo Ensino Médio tem de ser revogado por inteiro.

B. Pode-se manter o modelo atual, desde que a estrutura física das escolas seja melhorada e haja um tempo maior para a implementação.

C. O Ministério da Educação (MEC) precisa definir parâmetros para balizar a criação dos itinerários e a adequada formação de professores.

D. Deve-se aumentar, do 1º até o 3º ano, a carga horária das disciplinas do currículo tradicional.

E. Nenhuma das alternativas anteriores.

“O estudante está sendo reduzido a um treinamento mecânico, técnico. Isso é uma proposta do mercado”, diz Guelda Andrade, do CNTE, e crítica à reforma

Se a reforma do ensino médio fosse uma prova de múltipla escolha, o gabarito seria facilmente contestado. Ainda bem que não é. Questões complexas exigem espaço para a discussão.

Esse é o caso da mudança aprovada em 2017, que começou a ser posta em prática no ano passado. Entre defensores e críticos, o único consenso parece ser que ninguém quer manter o ensino médio nos moldes anteriores, com índices altos de evasão e baixos de aproveitamento.

“Nós tínhamos 13 matérias espremidas em quatro horas de aula. Acompanho o sistema educacional de praticamente todos os países com mais ou menos o mesmo nível de desenvolvimento que o Brasil, e nenhum tem menos de sete horas e mais de oito matérias. Todos têm um procedimento em que o aluno escolhe uma área de aprofundamento”, afirma Claudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV).

O modelo em vigor, no entanto, é alvo de diversas críticas, que levaram o MEC a instituir, no início de março, uma consulta pública de 90 dias para ouvir estudantes e profissionais da educação antes de tomar qualquer decisão sobre o tema. “Foi correto suspender a implementação porque eles criaram um grupo de trabalho para identificar o que deu certo e o que deu errado, e tentar estabelecer um aperfeiçoamento”, diz Claudia.  Coordenado pela Secretaria de Articulação Intersetorial e com os Sistemas de Ensino (Sase) do MEC, o grupo conta com a participação do Conselho Nacional de Educação (CNE), do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação (Foncede) e do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed). De acordo com a

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portaria, os instrumentos usados serão audiências públicas, oficinas de trabalho, seminários e pesquisas nacionais com estudantes, professores e gestores escolares sobre a experiência de implementação. No fim do processo, a Sase tem 30 dias para entregar um relatório.

Maria Helena Guimarães de Castro, secretária executiva do Ministério da Educação (MEC) na época da reforma do ensino médio, em 2017, concorda com a pausa para verificar as dificuldades. “Acho bom que haja essa oportunidade para ouvir as diferentes partes e fazer ajustes. Tem bons exemplos em Minas, Mato Grosso do Sul, Goiás, Rio Grande do Sul e Ceará. Os estados têm alguns exemplos que funcionaram bem, e todo processo de implementação é complexo.”

Assim como Claudia, ela é contra a revogação. “Acho que é um retrocesso”, afirma Maria Helena. “O mundo inteiro tem ensino médio flexível. O igual para todos não estava oferecendo terminalidade para os nossos alunos. Os que se formam saem despreparados. São poucos os que vão para o ensino superior. A maioria vai para o mundo do trabalho sem competência ou habilidade para poder ter uma inserção boa.”

Dias antes da consulta pública instituída pelo ministro da Educação, Camilo Santana, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) se reuniram com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedindo a revogação da reforma.

“Essa proposta é muito pior do que o que se tinha antigamente. E já vínhamos de um diálogo para pensar uma nova proposta porque o que tínhamos não nos atendia”, afirma Guelda Andrade, MT, secretária de Assuntos Educacionais da CNTE. “Nosso campo tem proposta. Não queremos a revogação por capricho. Temos

O único consenso parece ser que ninguém quer manter o ensino médio nos moldes anteriores, com índices altos de evasão e baixos de aproveitamento

Para Claudia Costin, da FGV, o MEC deveria ter feito um programa olhando para o conjunto. “Teve rede que propôs 25 itinerários formativos, e umas avançaram numa direção mais cuidadosa, para ver como a coisa saía”

as Diretrizes Nacionais, a Conae (Conferência Nacional de Educação) de 2018 e a Conferência Nacional Popular de Educação, que resultaram na Carta de Natal como proposta, construída de forma coletiva e plural, com representação de todo o país.”

ITINERÁRIOS DESORIENTADOS

Em outro ponto, os especialistas são uníssonos: o MEC foi ausente durante o governo anterior, do presidente Jair Bolsonaro. “O que atrapalhou demais foi o fato de o MEC não ter dado a devida atenção. Não fez o monitoramento desses processos e o apoio aos estados, que deveria ter sido feito”, diz Maria Helena. Guelda reforça a crítica. “Os itinerários ficam muito soltos. Aí cada estado faz de um jeito. Às vezes não sabe como fazer e vai pondo qualquer coisa”, conta a secretária da CNTE, exemplificando com disciplinas para ensinar os alunos a fazer brigadeiro e a se tornar coach. “A escola precisa ser um espaço de construção do conhecimento, para que o nosso estudante seja capaz de fazer uma leitura crítica de mundo. Ele está sendo reduzido a um treinamento mecânico, técnico. Isso é uma proposta do mercado.”

Para Claudia, o MEC deveria ter feito um programa olhando para o conjunto. “Teve rede que propôs 25 itinerários formativos, e umas avançaram numa direção mais cuidadosa, para ver como a coisa saía.” Ela lembra também do agravamento do problema pelos dois anos de pandemia. “Boa parte dos alunos sofreu com escola

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NOVO ENSINO MÉDIO

fechada ou em rodízio por conta da covid, com perdas importantes de aprendizagem.”

Além dos itinerários soltos demais, especialistas apontam problemas como: a falta de estrutura nas escolas (de laboratórios a acesso à internet), a ausência de formação continuada dos professores; a necessidade de criar uma logística de transporte para alunos cursarem um itinerário que não existe na escola da sua cidade; e a carga horária menor para a formação geral.

O novo ensino médio prevê uma carga horária de 3.000 horas ao longo dos três anos de estudo. Embora aumente de quatro para cinco horas de aula por dia, o modelo diminui o total das disciplinas tradicionais. Antes ocupavam o tempo total, equivalente a 2.400 horas; agora respondem por 1.800. As 1.200 restantes são matérias dos itinerários formativos. Os alunos podem escolher entre cinco campos: matemática, linguagens, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica. As escolas não são obrigadas a oferecer todas as opções.

Guelda reforça que o currículo precisa dialogar com a realidade de cada região. “É o que Paulo Freire fazia. A gente defende um projeto de ensino médio com base nos princípios freirianos, que vão olhar para esse ser humano como um todo”, explica a profissional, ressaltando que cada parte do país tem uma demanda. “Se

Uma parcela do país não esquece que a reforma do ensino médio foi aprovada no período que chamam de golpe. Na imagem, o atual presidente Lula com o ministro da Educação, Camilo Santana

Alunos do Colégio Master, com unidades em Fortaleza e Natal, na aula de robótica. O ideal é que o Enem não fosse pautado pelo novo ensino médio, ou vice-versa”, diz Fabrício Pires, diretor do ensino médio

não tiver investimento pesado, não tem como fazer educação de qualidade.”

ENSINO INTEGRAL

O Censo Escolar 2022 registrou 7,9 milhões de matrículas no ensino médio; a maior parte (84,2%) na rede estadual e 12,3% em colégios particulares. Em relação aos alunos matriculados em tempo integral na rede pública, eram 20,4% no levantamento do ano passado e 11,7% no Censo Escolar 2019. “O novo ensino médio não só põe cinco horas diárias de aula, como aponta para a educação integral. Aí 1.800 horas para a formação geral são uma parcela muito pequena. Deveria ter uma porcentagem das horas totais, para dar uma formação sólida para os alunos.”

Na consulta pública, a CNTE é uma das entidades representadas pelo Fórum Nacional de Educação. “Estaremos lá e vamos ouvir. Mas é sempre bom lembrar que este formato tem promovido uma exclusão maior. Em vários estados, por exemplo, Pernambuco e Mato Grosso, temos relatos de pegar uma escola que atendia 2.000 alunos e colocar em tempo integral com esse formato de ensino médio, e ela passou a atender 300 estudantes”, conta Guelda. “Uns precisam trabalhar, outros precisam ficar em casa para cuidar do irmão. Precisamos ter uma bolsa de permanência para esses estudantes para que possam permanecer na escola.” Ela reforça que o processo de democratização do acesso precisa estar amarrado num tripé: matrícula, permanência e qualidade da formação.

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ENEM

Uma das questões indefinidas preocupa alunos e professores: o novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A partir de 2024, a avaliação já deveria medir o conhecimento dos itinerários formativos. No entanto, o modelo do próximo ano segue indefinido.

“A maior dificuldade para as escolas é entender como vai ser, numa eventual mudança do Enem, a cobrança dos itinerários formativos. Porque hoje você tem 27 estados rodando com itinerários diferentes”, diz Fabrício Pires, diretor do ensino médio do Colégio Master, com duas unidades em Fortaleza e uma em Natal. “O ideal é que o Enem não fosse pautado pelo novo ensino médio, ou vice-versa. Só que o Brasil não tem vagas para todos na universidade pública, então os alunos precisam se submeter a um processo seletivo. Essa consulta aberta é importante para ouvir professores e alunos e construir itinerários bem definidos, dando ao aluno a

opção de escolher uma área, mas também possibilitando a definição do Enem, de como vai ocorrer o exame.”

Maria Helena sugere que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) trabalhe para definir o Enem 2024, enquanto ocorre a consulta. “O maior problema foi o MEC não ter definido o Enem até o fim de 2021, como estava previsto na portaria e nas normas”, diz. “O Inep tem condições de começar a fazer essa discussão paralelamente à discussão do novo ensino médio ou também pode apresentar uma proposta de Enem de transição.”

Com menos aulas de disciplinas da formação geral, Guelda afirma que aumentaram as desigualdades entre as redes de ensino pública e privada. “O Enem está trazendo conhecimentos que os nossos meninos não estão vendo na escola, então é uma discrepância. Eles estão sendo prejudicados com isso”, afirma a secretária da CNTE.

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Desinformação é ingrediente para a manutenção do medo

As escolas ainda são um dos locais mais seguros para se estar na sociedade

| POR Alexandre Le Voci Sayad

Odebate sobre a segurança no ambiente escolar, ou a falta dela, volta e meia eclode na agenda da sociedade de uma maneira pouco clara, num ambiente nebuloso, propício a incertezas, como no caso dos recentes ataques de estudantes. Esse é um fenômeno recorrente; prova disso é que, como repórter desta revista Educação, na década de 1990, empreendi uma reportagem de capa que pouco diferia do que vivemos este ano — à exceção da ecologia dos meios de comunicação.

O que chamamos de desinformação, e aqui pontuo como excesso, imprecisão e origem duvidosa da maioria delas, pouco auxilia na compreensão do fenômeno por parte de educadores, famílias e dos próprios alunos. Afinal, o que é real, o que é exagero e quais os perigos que devemos temer? O medo pode ser um sentimento paralisante, e pouco útil, se experimentado em excesso. Socialmente, torna a sociedade vulnerável a manipulações, como a história comprova em diversos momentos.

Se voltarmos nossa atenção à relação entre medo e desinformação, a BBC, serviço público de comunicação do Reino Unido, viveu um episódio curioso em plena Segunda Guerra Mundial. Para combater a desinformação nazista, ativou um sistema de rádio em ondas curtas, transmitido em alemão, que levava contrainformação para a população que fazia parte do Eixo. Afinal, a propaganda

PL 2.630, das fake news, pede atenção da sociedade para não se tornar peça de enfraquecimento. Entre as propostas, político que espalhar desinformação será isento de punição

alemã de guerra era basicamente composta por desinformação, que tornava a massa manipulável às ideias imperialistas e higienistas do Reich. A BBC, à época, se tornou uma fonte exemplar de educação midiática.

Não é preciso voltar tanto tempo na história para encontrarmos outros exemplos. Ao contrário do que nossa memória insiste em nos enganar, as propagandas de cigarro veiculadas na televisão até meados dos anos de 1990 não convenciam as pessoas a fumar porque traziam a ideia de que o cigarro não fazia tão mal à saúde assim. Os perigos do tabagismo se tornaram públicos pela imprensa em meados da década de 1960 e ficavam cada vez mais evidentes ano após ano. As campanhas publicitárias nos envolviam emocionalmente e criavam uma espécie de atmosfera acolhedora e sedutora da qual era quase impossível escapar.

Faziam parte desse ambiente o patrocínio de shows de jazz contemporâneo, carros de Fórmula 1 envelopados como maços de cigarro e até homens viris em camisa cavalgando sobre as pradarias da América do Norte. A publicidade sempre utilizou, e manipulou, as emoções e os desejos para vender — poucas vezes utilizou a razão. O que a propaganda nazista, as marcas de cigarro e a onda de desinformação nos recentes ataques às escolas têm em comum é o fato de induzirem a população a ações baseadas em emoções, e não argumentos. Sem compreender e analisar a historicidade, o contexto, nú-

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MIDIÁTICA
De quem é a responsabilidade para a manutenção de um sistema de informação mais saudável e confiável?

meros e dados dos fatos, o medo e o pânico tornam-se maiores do que o risco real em si.

O pesquisador Pablo Ortellado, que analisou as redes sociais e o fluxo de informação durante o ataque e ameaças às escolas, apontou que o Brasil registrou pouco mais de 20 casos com vítimas nos últimos 20 anos; em termos estatísticos, é ínfima a possibilidade de uma pessoa ser atacada dentro de uma escola no Brasil, o que torna as instituições um dos locais mais seguros para se estar na sociedade.

O fato não exime os gestores e famílias de cuidados e responsabilidades, nem ignora o que de fato aconteceu. Mas reforça que a desinformação é um ingrediente essencial para a manutenção do medo na sociedade. Diante da dimensão do fenômeno, que se

estende de grupo de WhatsApp a conversa entre pais na porta das escolas, de quem é a responsabilidade para a manutenção de um sistema de informação mais saudável e confiável?

Não existe panaceia para esse caso, mostram diversos estudos. A resposta envolve de responsabilidades individuais a institucionais. Um sistema de desinformação só pode ser combatido por um conjunto de ações também sistêmicas envolvendo o poder público, as empresas de tecnologia e a própria educação. Individualmente, é importante reforçar que boatos e rumores só ganham ares de verdade quando são multiplicados. Ou seja, a população deve evitar curtir, postar, recomendar ou compartilhar informação não checada sobre ameaças ou atos de violência sob o risco de incitar o pânico, dar visibilidade pública a quem ameaça (muitas vezes é o que mais procuram), além de aumentar a própria violência.

Já a responsabilização das plataformas digitais e a regulação das mesmas por parte dos governos têm sido palco de debate e polêmica no mundo todo. No Brasil, o projeto de lei 2.630 corre em sua terceira versão nos grupos de debate do legislativo e executivo. Ele propõe, de maneira pouco clara, a responsabilização das big techs e indivíduos em caso de veicular conteúdo de desinformação ou ódio, pagamento às empresas de comunicação por publicação de conteúdos jornalísticos e, pasmem, imunidade parlamentar quando o sujeito da ação fizer parte do executivo ou legislativo.

O ponto mais relevante do projeto de lei diz respeito à oportunidade para a implementação da educação midiática nas escolas, corroborando o que propõe a Base Nacional Comum Curricular e suas sugestões com relação à fluência e ética digitais. O momento é de realização de um esforço da sociedade civil para evitar que o PL não se torne uma peça de desinformação em si, propondo ações impraticáveis, isentando políticos e favorecendo ainda mais o discurso de ódio e as fake news. Mãos à massa.

Alexandre Le Voci Sayad

é jornalista e educador, diretor da ZeitGeist e co-chairman da UNESCO MIL Alliance

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ATAQUES NAS ESCOLAS

A luta por uma sociedade livre do discurso de ódio

Não há mais espaço para pensar a escola, e nem a casa, como um corpo à parte da sociedade. Desde 2002, dos 25 ataques, 14 ocorreram nos últimos dois anos

Uma ameaça de massacre pichada na parede do banheiro dos meninos, com a indicação da data planejada para o crime, foi relatada ao professor Carlos (nome real preservado), da rede privada do Rio de Janeiro, no início deste ano letivo. O episódio remontou a outro, ocorrido há cerca de três anos e que ficou na memória do docente. Um aluno liberado para sair da sala durante a aula retornou de supetão, abrindo a porta com um solavanco vestindo uma balaclava — um tipo de touca que deixa apenas os olhos à mostra. Era apenas uma ‘brincadeira’, mas assustou os alunos e o professor, que temeu estar prestes a ser vítima de um ataque como os que têm sido noticiados recentemente. “Na hora, eu realmente achei que algo muito ruim iria acontecer. Foi um momento rápido, mas que me marcou muito, foi apavorante”, revela Carlos.

O temor do professor, infelizmente, se efetivou 25 vezes em escolas brasileiras desde 2002, de acordo com a nota técnica Extremismo violento em ambiente escolar, de Michele Prado do ‘Monitor do debate político no meio digital’, projeto de pesquisa realizado pelo Grupo de Políticas Públicas para o Acesso à Informação da USP. O aumento da tensão é justificado: 14 dos ataques ocorreram nos últimos 24 meses. Este ano já soma cinco vítimas fatais: a professora Elisabete Tenreiro, de 71 anos, na Escola Estadual Thomázia Mon-

Alunos da Escola Estadual Thomázia Montoro e secundaristas do movimento estudantil prestam homenagens às vítimas do ataque, na porta da escola, em Vila Sônia, SP

toro, na Vila Sônia, zona oeste da capital paulista, e os alunos da creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau, SC, Bernardo Cunha Machado, de cinco anos, Bernardo Pabst da Cunha, de quatro anos, Larissa Maia Toldo, de sete anos e Enzo Marchesin Barbosa, de quatro anos.

Por este tipo de crime carecer de uma sistematização maior, o número de ameaças e suspeitas de ataques no país é impreciso. A partir das últimas semanas, forças de segurança de todas as instâncias têm empreendido esforços em mapear e agir preventivamente para evitar novas ocorrências. No estado da Bahia, segundo em número de ataques, atrás apenas de São Paulo, nove adolescentes suspeitos de envolvimento e propagação de ameaças de ataques contra escolas foram apreendidos em apenas dois dias, em abril. Na escola do professor Carlos, no Rio de Janeiro, o caso da ameaça pichada na parede do banheiro está em investigação.

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RESPOSTAS IMEDIATAS

As autoridades educacionais também estão mobilizadas para mitigar os danos já causados por essa realidade. As Secretaria de Educação de Blumenau e dos estados de São Paulo e Espírito Santo, locais onde ocorreram os últimos ataques com vítimas fatais, passaram à revista Educação posicionamentos sobre o que tem sido feito. “Contratação de psicólogos e segurança particular, botão de acionamento prioritário e reforço no policiamento e na Ronda Escolar estão entre as medidas” previstas pelo governo de São Paulo. Há também um projeto de lei a tramitar “que vai colocar de forma permanente um policial em cada escola”.

“A intensificação da atuação da Patrulha Escolar e a abordagem quanto à temática da violência nas unidades de ensino, por meio dos Temas Integradores do Currículo do ES, com o desenvolvimento de ações

pedagógicas multidisciplinares, visando a conscientização sobre a cultura da paz” são as ações planejadas pelo governo do Espírito Santo. Em novembro de 2022, um ataque a duas escolas na cidade de Aracruz deixou quatro mortos e 12 feridos.

“Contratação de vigilância armada, implantação de câmeras de segurança em todas as unidades de ensino municipais, revisão de muros e cercas, controle de acesso de pessoas nas escolas, plano de contingência da Secretaria de Defesa Civil e Secretaria de Educação, ampliação de equipes multiprofissionais, com psicólogos e assistentes sociais” são iniciativas da prefeitura de Blumenau.

UM OLHAR PARA FORA

Reflexo de um conjunto complexo de fatores, a escalada deste tipo de violência no Brasil não terá uma

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Fernando Frazão/Agência Brasil

ATAQUES NAS ESCOLAS

solução simples. Olhar para o país com mais registros de ataques contra escolas, os Estados Unidos, pode ser um caminho na busca por direcionamentos. “Dados levantados pelo Washington Post de 1999 até maio de 2022 indicam 185 mortos e 369 feridos em ataques violentos a escolas; 331 escolas atacadas e 2021 como o ano com o maior número de eventos, com 34 incidentes nos EUA”, informa o relatório O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental. O documento, elaborado por 11 pesquisadoras e ativistas dedicadas à educação pública e à prevenção do extremismo, sob a coordenação de Daniel Cara, dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, foi produzido no contexto da transição governamental da presidência do Brasil.

Dos 25 casos registrados no Brasil, as armas de fogo estiveram presentes em 12 dos ataques. Em comum com os EUA, nos últimos anos, a legislação mais flexível para aquisição de armas aumentou em sete vezes o número de civis armados por aqui. A quantidade de CACs (grupo formado por caçadores, atiradores e colecionadores) subiu de 117.467, em 2018, para 813.188, em 2022, conforme dados obtidos pelo G1 via Lei de Acesso à Informação junto ao Exército Brasileiro. Para além do risco que a efetiva maior circulação de armas impõe a toda sociedade, a realidade ainda fomenta uma cultura armamentista que, sob o rótulo de ‘autodefesa’, estimula uma resolução individual de conflitos, à margem da lei.

Outra questão que a ampla experiência estadunidense com casos de violência contra escolas aponta é que a presença de policiais em escolas não aumenta a segurança e nem previne ataques desta natureza. Colégios com policiais baseados registraram tiroteios com alguns dos maiores números de vítimas, como os casos de Parkland e Santa Fe, ambos em 2018, com 17 e 10

A quantidade de grupo formado por caçadores, atiradores e colecionadores subiu
de 117.467, em 2018, para 813.188, em 2022

Guilherme Alves, da SaferNet Brasil, coloca a educação crítica como fundamental para que os usuários façam melhores escolhas no ambiente online

mortos, respectivamente. Os dados são do relatório do Instituto Nacional de Justiça, a agência de pesquisa do Departamento de Justiça dos EUA.

RADICALIZAÇÃO ONLINE

Ir a fundo no entendimento da origem desta violência também pode elucidar parte das dúvidas do porquê da frequência dos ataques escalou. “A internet talvez tenha facilitado uma coisa que sempre existiu na sociedade. O cultivo do ódio não é, infelizmente, uma matéria nova nas nossas vidas por causa da internet”, relembra a psicóloga Ana Maria Zampieri, psicóloga e coordenadora do Programa de Ajuda Humanitária Psicológica (PAHP), em entrevista ao podcast desta revista Educação , o Brasil Educação . O que parece ser ‘novo’, então, são os locais para onde a violência tem sido direcionada: as escolas, e os agentes de efetivação dessa violência, jovens que guardam, em geral, alguma relação com o espaço que decidem atacar.

De 22 casos avaliados na nota técnica Extremismo violento em ambiente escolar, citada anteriormente, 14 desses criminosos tiveram sinais de radicalização

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Nos EUA, colégios com policiais baseados registraram tiroteios com alguns dos maiores números de vítimas, como os casos de Parkland e Santa Fe, ambos em 2018, com 17 e 10 mortos

online comprovados na investigação dos crimes. Isso significa que antes de chegar o dia em que decidiram efetivar um ataque violento a uma escola, a maioria dos autores dos crimes se abasteceu de discursos de ódio voltados a grupos específicos — mulheres, negros, pessoas LGBTQIA+, professoras, etc. — em chats de jogos, fóruns da deep web (zona da internet que não pode ser detectada facilmente pelos tradicionais motores de busca, garantindo maior privacidade e anonimato para os seus navegantes) e também em publicações de redes sociais.

Este último espaço, por estar acessível a todo usuário sem requerer nenhum conhecimento específico, tem sido alvo de pressão por parte do governo brasileiro para elevar os níveis de moderação de conteúdo dada a gravidade da situação. Uma das medidas emergenciais tomadas para coibir a circulação de postagens potencialmente nocivas foi a criação do Canal de Denúncias Escola Segura pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, em parceria com a ONG SaferNet Brasil, para recebimento de informações de ameaças e ataques contra as escolas.

“A criação de canal específico para gestão desta crise foi importante porque a plataforma é operada diretamente por agentes designados pelo Ministério da Justiça destacados para avaliar os conteúdos”, explica Guilherme Alves, gerente de projetos na SaferNet Brasil e mestre em tecnologia e sociedade. Segundo ele, que trabalha no braço de educação da ONG, com formação de professores e jovens em cidadania digital, há muito a ser feito quanto ao uso mais consciente das tecnolo-

gias. “Existe uma diferença muito grande entre ‘saber mexer’ e ter capacidade reflexiva. A gente ouve muito os pais dizendo que os filhos sabem muito mais do que eles sobre internet e que não sabem como intervir. Mas ao contrário do que ainda se diz, não existe um mundo virtual em oposição a um mundo real, e sim apenas um mundo”, comenta Guilherme, defendendo que uma educação crítica é fundamental para que os usuários façam melhores escolhas no ambiente online.

OUTRA ESCOLA PARA OUTRA SOCIEDADE

Com o objetivo de apoiar escolas neste caminho, a SaferNet lançou este ano a disciplina Cidadania Digital, voltada ao ensino médio e que pode ser ministrada por professores de qualquer matéria. Gestores interessados em viabilizar a disciplina em seus colégios podem entrar em contato pelo site www.safernet.org.br

Em meio à tensão provocada pelos boatos com ameaças de novos ataques, a professora de sociologia da rede privada do Rio de Janeiro e mestre em educação Nathálya Souza ressalta a ansiedade que toma conta dos ambientes escolares somada a uma necessidade aumentada de atenção aos alunos. “Ainda não temos protocolo, diretriz de como agir caso um ataque ocorra no nosso trabalho. Então, ficamos nos perguntando como acalmar os alunos se também estamos todos preocupados?”, questiona a professora.

“Precisamos cuidar mais dos professores e educadores, atendê-los de múltiplas formas, inclusive com reconhecimento salarial e revisão de carga-horária. Como reflexo da nossa sociedade, os professores convivem muitas vezes com agressões psicológicas e até físicas. Será que não está faltando à escola falar sobre valores e o sentido da vida? O sentido de estar neste país, nesta cidade, estudando”, sugere a psicóloga Ana Maria Zampieri.

Não há mais espaço para pensar a escola, e nem a casa, como um corpo à parte da sociedade. A professora Nathálya defende que acolhimento e diversidade sejam valores tanto dentro da escola quanto do núcleo familiar para que se possa caminhar para uma sociedade livre de discursos de ódio. “É preciso construir momentos de identificação com o espaço escolar. Escola não é só lugar para educação formal, é lugar de afeto. A saúde mental de quem está lá dentro, alunos, professores e trabalhadores no geral, precisa ser prioridade”, argumenta Nathálya.

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Aluna do 3º ano do ensino fundamental da Escola Municipal Professor Antônio Sérgio Teixeira utilizando a ferramenta Scratch

A educação digital se tornou obrigatória nas escolas públicas. E agora?

Conheça o projeto da primeira cidade a implementar letramento digital em todas as escolas municipais de ensino fundamental

Uma parceria público-privada foi a solução para levar a educação digital para 100% da rede pública de Poços de Caldas. Por meio de projetos de programação e robótica inseridos semanalmente no currículo e com uma aceitação com avaliação superior a 8,9 na avaliação continuada de professores e alunos, a rede de ensino se tornou um exemplo a ser seguido por municípios e estados do Brasil, apesar dos desafios.

Ano passado, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ganhou um complemento por meio de um parecer aprovado pelo Ministério da Educação que estabelece normas para a computação na educação básica. Em janeiro deste ano, o presidente Lula sancionou a Política Nacional de Educação Digital ( PNED) — Lei 14.533 —, um conjunto de normas que modifica a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e torna obrigatória a educação digital em todas as escolas públicas do país.

Algumas escolas já conseguem trabalhar com a computação e a robótica de forma interdisciplinar em

sua matriz curricular, mas Poços de Caldas se tornou a primeira rede municipal no Brasil a implementar uma solução que atende a 100% dos requisitos da BNCC e da P NED para todos os alunos.

NA PRÁTICA

Na Escola Municipal Professor Antônio Sérgio Teixeira, os alunos criaram animais com o uso da ferramenta Scratch para um projeto sobre a fauna brasileira. “Para eles foi algo novo, pois aguçou a curiosidade, a vontade de aprender e o entusiasmo em fazer essa pesquisa usando o computador e viajando pelo mundo da tecnologia. Esse tema [letramento digital] é de suma importância na educação básica. Por exemplo, os alunos tiveram a oportunidade de conhecer melhor os animais que compõem nossa fauna brasileira de uma forma prazerosa, utilizando a tecnologia a seu favor”, conta Flávia Beatriz Furtado Leite de Vasconcelos, professora do 4º ano do ensino fundamental.

O uso da tecnologia não é necessariamente a ferramenta principal para o aprendizado do pensamento compu-

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APRESENTADO POR
studio
Crianças do 1º ano da Escola Municipal Dona Vicentina Massa na atividade desplugada Labirinto do Robô Fotos: Divulgação/equipe Ativamente

tacional. No caso da Escola Municipal Mariquinhas Brochado, os alunos trabalham projetos desplugados, ou seja, que não precisam necessariamente de ferramentas digitais. “Em uma atividade, trabalhamos o livro A infância da bruxa Onilda, de Eva Furnari, de maneira diversificada e interdisciplinar. Os alunos foram convidados a desenhar a bruxa, votar em ingredientes para a poção mágica e nós [professoras] nos vestimos de bruxa para fazer a poção mágica com os ingredientes secretos que cada turma escolheu. Com a atividade incentivamos a criatividade e a imaginação de cada aluno. Trabalhar projetos desse tipo, mesmo não sendo digital, envolve uma série de habilidades e conhecimentos que possibilitam que os alunos desenvolvam o raciocínio lógico e se tornem mais colaborativos e participativos nas atividades escolares”, explicam as professoras do 1º ano do ensino fundamental, Gisleine Costa Albino e Marisa de Araujo Dias.

Nessas experiências, o conteúdo da disciplina se potencializa e o uso das ferramentas digitais auxiliam no desenvolvimento de habilidades e competências relacionadas ao currículo da educação digital. “É gratificante ver todos os alunos trabalhando com os computadores e vivenciando atividades plugadas e desplugadas que incentivam a linguagem tecnológica e as práticas com o pensamento computacional”, declara a Secretária Municipal de Educação de Poços de Caldas, Maria Helena Braga, que completou 60 anos de magistério e é incentivadora do projeto.

PROJETO ATIVAMENTE

EM POÇOS DE CALDAS

Essas atividades foram realizadas dentro do programa Ativamente, desenvolvido desde março de 2022 pela empresa A Recreativa em parceria com a Prefeitura de Poços de Caldas por meio da Secretaria Municipal de Educação. O município foi pioneiro ao implementar em 100% de suas escolas, urbanas e rurais, esse projeto, que oferece

A iniciativa não possui uma disciplina na matriz curricular, mas está presente em atividades complementares, conta Thaís Morgana, responsável pelo projeto Ativamente na Secretaria de Educação de Poços de Caldas

às instituições ferramentas como laptops de última geração, internet de alta velocidade, kits físicos de atividades, e formação e plantão didático aos professores. O objetivo do programa é trabalhar com o pensamento computacional, a programação e a robótica em todos os níveis de ensino. No caso de Poços de Caldas, ocorre ao longo de todo o ensino fundamental, do 1º ano ao 9º ano, sendo que cada escola possui liberdade para inserir os projetos de acordo com sua realidade, inclusive com o seu ano letivo.

“Não temos ainda uma disciplina, integramos (semanalmente) todas essas vertentes dentro da nossa matriz curricular. Os alunos do 1º ano e 2º ano fazem todo o trabalho com o professor. Do 3º ao 5º ano já há apoio do monitor que temos da empresa. E do 6º ano ao 9º ano todo esse conteúdo está inserido dentro da carga horária de cada disciplina. Então, se for um professor de língua portuguesa, ele integra essas atividades à língua portuguesa”, explica Thaís Morgana, responsável pelo projeto Ativamente na Secretaria de Educação de Poços de Caldas.

“Todo esse desenvolvimento ocorre em uma aprendizagem com significado, estamos sempre trabalhando temas relacionados à comunidade onde os alunos e a escola estão inseridos. Além da tecnologia, conseguimos inserir tópicos do dia a dia que são muito importantes e outros tópicos que a Política Nacional de Educação Digital prevê que sejam abordados para os alunos, como: cibersegurança, cyberbullying, como lidar com fake news, tudo que envolve, de fato, letramento digital”, complementa Rubens Massa, CEO do A Recreativa.

Contudo, os conceitos sobre letramento digital ainda não estão familiarizados entre os educadores do país. Tanto que conseguir mostrar a importância do que está sendo proposto, incluindo a necessidade dessa fluência digital não só para os alunos, mas para eles, foi um dos principais desafios para a implantação do projeto, conta Thaís Morgana. O fato de a BNCC trazer a obrigatoriedade da cultura digital, computação e, mais recentemente, o sancionamento da PNED para dentro das escolas, tem feito os educadores se abrirem mais para essas mudanças. Atitude comum, afinal, o que é novo tende a gerar desconforto. “Enquanto Secretaria, cabe a nós assessorar, apoiar e tentar diminuir as arestas que possam surgir quanto às inseguranças dos professores, que são muitas”, esclarece.

*Programação e robótica nas escolas municipais: o pioneirismo de Poços de Caldas é tema de um episódio do podcast Brasil Educação, da revista Educação. Disponível no Spotify e Apple.

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Arquivo pessoal

A fase ainda é de implantação

Base Nacional Comum Curricular da educação infantil e do ensino fundamental completa cinco anos com desafios no avanço da implementação, especialmente na lógica das competências

| Por Paulo de Camargo

Em meio ao burburinho político da transição de governo e turbinado pela invasão golpista de Brasília, em janeiro, um aniversário importante para a educação brasileira passou quase despercebido: em 22 de dezembro de 2017, o Conselho Nacional de Educação (CNE) promulgava a resolução que instituía a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Infantil e do Ensino Fundamental e orientava a sua implementação, em todas as escolas brasileiras. Desde então, uma das mais ambiciosas políticas públicas da educação começou uma corrida de obstáculos, que passou por um Ministério da Educação (MEC) ausente, ministros pouco interessados no tema e uma pandemia avassaladora, que provocou a suspensão das aulas. É com esse passado complicado que a primeira parte da BNCC completa cinco anos, por isso mesmo com muitos desafios. Para olhar o copo meio cheio, é preciso reconhecer que a BNCC sobreviveu, em meio a um cenário tão pouco favorável à implantação de políticas públicas desse porte. Durante esse período, os educadores de praticamente 100% das redes públicas e privadas se debruçaram sobre o novo documento para estudá-lo, entendê-lo e iniciar seu processo de implantação – que traz, entre outras mudanças estruturais, o foco no desenvolvimento de competências e habilidades.

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BNCC E AS COMPETÊNCIAS
Escola Crianças & Cia, no Rio de Janeiro. Na educação infantil, as competências se expressam principalmente nos campos de experiência e objetivos de aprendizagem Fotos: Divulgação

Publicado no segundo semestre do ano passado e ouvindo 2 mil escolas, o último Relatório de avaliação e monitoramento da BNCC, executado pelo Caed/Universidade de Juiz de Fora, mostrou que sete em cada 10 professores e técnicos das secretarias de Educação têm uma percepção positiva dos efeitos da Base sobre o currículo, e que o processo vem avançando. É o caso da Escola Estadual Alceu Amoroso Lima Espaço de Vida, que oferta ensino fundamental, em Natal, RN. “A implantação sofreu uma grande lentidão em função da pandemia. Nossa escola começou a trabalhar em 2019, com formações e planejamento, mas o processo precisou esperar a aprovação e publicação do Documento Curricular do Rio Grande do Norte. Depois, recriamos o documento pedagógico da nossa própria escola. Hoje estamos a 70% da implementação”, conta o coordenador-geral Andrey Oliveira.

Para olhar o copo meio vazio, é preciso lembrar que a BNCC está longe de ser implantada. É preciso avançar na compreensão do processo para que se verifique as transformações reais trazidas pela Base. “Como sempre na educação brasileira, é preciso estudar o que acontece de fato em sala de aula, como isso impacta o que o aluno está fazendo. Senão, o risco é que tudo fique no plano do discurso”, alerta a pesquisadora Filomena Siqueira, doutora em administração pública e gerente pedagógica no Instituto Reúna. Assim como ela, os estudiosos da área vêm alertando que sua implementação não ocorre da maneira esperada e que mais pesquisas são necessárias. “Nós não temos muitas evidências, em geral, de que há um contexto favorável para isso acontecer na educação brasileira”, diz a pesquisadora.

Até porque não é um processo automático: entre o texto legal que sai dos gabinetes de Brasília e o chão da escola há um longo caminho, que requer prioridade, recursos, formação de professores, recursos didáticos, avaliação e tempo para que as escolas se apropriem, de fato, das novas

A Base não é o currículo, ainda que muitas redes tenham feito, na prática, um copy-paste dos textos oficiais. É um documento de referência sobre as aprendizagens essenciais

Literatura infantil na capacitação de professores da Escola Crianças & Cia

normativas. Para começar, vale a pena retomar o próprio conceito da BNCC e sua confusão mais comum: a Base não é o currículo, ainda que muitas redes tenham feito, na prática, um copy-paste dos textos oficiais. Trata-se de um documento de referência sobre as aprendizagens essenciais que compõem os direitos de crianças e adolescentes de todo o país. Ou seja, é o documento a partir do qual escolas e redes devem construir sua proposta pedagógica — e fazer com que aconteça de verdade, mudando práticas educativas arraigadas, como a avaliação.

Como um de seus pilares, o documento traz, por exemplo, a centralidade para o tema do desenvolvimento de competências – ou seja, o conhecimento mobilizado, em ação, em que saber é, também, saber fazer. Assim, pela primeira vez na educação brasileira, foi estabelecido um conjunto de 10 competências gerais que devem orientar o currículo (veja pág. 37).

“Não é uma mudança trivial”, diz Filomena. Afinal, mudar a lógica de aulas sobre conteúdos para o foco na formação de crianças e jovens capazes de pensar criticamente, comunicar-se, argumentar, planejar, agir em função do que aprendeu, não é mesmo algo simples. Até porque não significa abandonar os chamados conteúdos disciplinares. Discutir o balanço curricular adequado entre conteúdos e competências é uma preocupação que acontece em muitos países que fizeram reformas curriculares recentes.

“A lógica mais natural para as escolas é partir dos conteúdos, e o exercício tem sido fazer essa inversão, identificar os conteúdos relacionados às competências que se quer desenvolver”, concorda a diretora Esther

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BNCC E AS COMPETÊNCIAS

Carvalho, do Colégio Rio Branco, em São Paulo. “Quando se muda a metodologia, a rotina da sala de aula, e se desenvolve uma estrutura que permite ir além do que se estava habituado, sim, conseguimos trazer as competências para o dia, mas não é nada fácil, estamos no início do processo”, diz a educadora.

DESAFIOS DAS COMPETÊNCIAS

Mas, quais seriam as competências mais desafiadoras para os educadores? A revista Educação fez uma enquete virtual com educadores e confirmou a percepção dos especialistas da área e de outros levantamentos.

Em geral, os professores ouvidos por esta publicação acreditam na direção apontada na BNCC: quase 70% dizem que foi um avanço para o ensino brasileiro. Mas apenas metade se sente segura sobre os conhecimentos das 10 competências e um quarto ainda se ressente de poucas oportunidades de formação. O maior desafio se encontra no campo da competência número 5 – a competência digital.

Ouvindo gestores e professores, o estudo Consensos e dissensos sobre alinhamento à BNCC, publicado pelo Instituto Reúna, ainda durante a pandemia, mostrou que, de forma geral, incorporar as competências no cotidiano é uma pedra no sapato dos docentes. Entre as competências, aquela julgada como maior dificuldade para os docentes é a que diz respeito à cultura digital, seguida pelo desenvolvimento do pensamento científico, crítico e criativo, e argumentação.

No caso da educação infantil, é preciso fazer uma distinção importante, lembra a pesquisadora Bruna Ribei-

ro, da Universidade São Paulo e uma das consultoras do MEC, no tempo da construção da proposta. Nessa etapa, a ideia de competências é representada pelos direitos de aprendizagem; em vez das áreas de conhecimento, surgem os campos de experiência. “É uma forma diferente de se pensar o arranjo curricular, com outro paradigma. Nesse sentido, a implementação da Base passa pela desconstrução do modo de se pensar e fazer educação, que ainda é muito centrado na organização curricular por área do conhecimento”, explica Bruna.

“A BNCC propõe um arranjo centrado nas experiências de aprendizagem das crianças. É uma distinção importante para não cair em uma armadilha comum de encaixar os campos de experiência na mesma lógica fragmentada das áreas. Vi alguns municípios e escolas tratando os campos de experiência como se fossem uma lista de disciplinas, como se fosse um check list”, conta.

Nesse contexto, é óbvio que o investimento contínuo em formação de professores é um passo imprescindível, mas também aqui há questionamentos. Não apenas a oferta de formação precisa ser aprofundada, mas os educadores pedem foco nas 10 competências gerais e buscar o que se chama homologia dos processos — ou seja, sair do velho “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”, passando do discurso sobre a teoria para o exercício da prática, em um modelo que posteriormente possa transformar de fato as práticas dos professores.

É o que tem procurado fazer a diretora Maria Cecília Ani Cury, da Escola Criança & Cia, do Rio de Janeiro, trazendo para a formação dos professores os mesmos princípios definidos na BNCC da Educação Infantil. “A BNCC inovou em muitos aspectos, fez diferença e oxigenou procedimentos já existentes. Os professores tiveram que modificar métodos enraizados”, lembra Cecília. “O tempo todo é preciso investir na formação docente, especialmente em momentos de mudanças que exigem uma nova postura. Professores são movidos a sonhos. São fortalecidos na relação com o aluno e sentem-se recompensados com a sua evolução”, finaliza.

Mas, é um esforço que não se esgota e não tem prazo para acabar. Para Mara Custódio, diretora da Escola Primeiros Passos, em São Paulo, o desafio agora é tornar o foco nas competências uma ação cotidiana. “É difícil conseguir essa centralidade diária porque a tendência de retomar velhos hábitos a toda hora assola a instituição escolar. É preciso muita persistência no dia a dia”, finaliza.

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Escola Estadual Alceu Amoroso Lima Espaço de Vida, em Natal, está a 70% da implementação da BNCC, diz o coordenador-geral Andrey Oliveira Divulgação

As 10 competências gerais da BNCC

1 CONHECIMENTO

Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva;

2 PENSAMENTO CIENTÍFICO, CRÍTICO E CRIATIVO

Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas;

3 REPERTÓRIO CULTURAL

Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural;

4 COMUNICAÇÃO

Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e cientifica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo;

5 CULTURA DIGITAL

Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva;

6 TRABALHO E PROJETO DE VIDA

Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade;

7 ARGUMENTAÇÃO

Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta;

8 AUTOCONHECIMENTO E AUTOCUIDADO

Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocritica e capacidade para lidar com elas;

9

EMPATIA E COOPERAÇÃO

Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza;

10

RESPONSABILIDADE E CIDADANIA

Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.

Revista Educação 39 Shutterstock

REINO UNIDO

Feedbacks no dia a dia da formação docente

Relatórios do estágio nas escolas avaliam minuciosamente a ação do futuro professor a cada aula

| Por Luciana Alvarez, de Londres

No curso de formação docente do Reino Unido, todo futuro professor aprende uma lição importante ao receber feedback de seu trabalho. Ter suas aulas observadas por professores experientes que, depois, avaliam detalhadamente a adequação das ações e sugerem ajustes é um dos mais importantes processos da formação inicial de professores britânicos. Esses relatórios vão lapidando o que é feito em sala de aula e preparam os professores para continuar recebendo avaliações de seus trabalhos como forma de aperfeiçoamento mesmo depois de formados.

Diferente do Brasil, a formação docente se dá em um curso de pós-graduação. Pessoas formadas em qualquer área podem se inscrever para essa pós, que tem duração de um ano. O processo seletivo costuma ser bastante exigente, com análise de currículo, de cartas de indicação e uma carta de apresentação explicando qual a principal motivação para ingressar na carreira.

“Eles chegam pra gente depois de ter terminado um curso na universidade. Muitos já tiveram outras experiências profissionais, passaram um tempo no mercado trabalhando”, conta o brasileiro Arthur Galamba, que desde 2014 trabalha com formação docente na Inglaterra e atualmente é diretor do curso de formação de professores de ciências do King’s College.

Ao longo desse ano de estudos, o futuro docente passa cerca de 65% do tempo na sala de aula de uma escola básica e apenas 35% na universidade. Mas esse estágio prático é supervisionado o tempo todo, seja por um professor universitário, seja por um tutor da escola básica. Esses dois responsáveis se dividem para avaliar cada plano de aula e cada aula dada, com relatórios escritos praticamente minuto a minuto. As observações dos mais experientes são focadas na gestão da sala de aula, com recomendações bastante práticas. Dominar o conteúdo da disciplina que vão lecionar é um pressuposto ao se entrar no curso de formação.

Os feedbacks têm como base os documentos oficiais do governo britânico, que determinam as diretrizes do que deve fazer um docente. Dessa forma, o aluno sabe por quais critérios será avaliado. Ainda assim, não é fácil ser analisado tão minuciosamente. “A observação em sala de aula faz uma diferença positiva enorme, mas foi a experiência de aprendizagem mais intensa e difícil que eu já passei — e olha que eu cursei física e tinha experiência como professor no Brasil”, garante Arthur Galamba, que antes de cursar a pós-graduação que o

habilita a lecionar no Reino Unido, se licenciou em física na Universidade Federal de Pernambuco e deu aulas em escolas brasileiras.

Quem está do outro lado tem outros tipos de desafios. Dar os feedbacks exige, além de conhecimento real do dia a dia da sala de aula, uma delicadeza na abordagem. “Sempre que há alguma oportunidade para apontar o lado positivo, incluo um comentário positivo”, conta Arthur, agora como observador de aulas de outros professores.

Quando é preciso fazer uma crítica, o cuidado com a linguagem precisa ser redobrado. “Tento construir a frase da forma mais respeitosa possível, até porque minha missão é incentivar esse professor, dar apoio a ele; não é para desistir da profissão”, afirma o professor do King’s College. Segundo ele, nem sempre os alunos recebem bem suas avaliações logo de cara, mas vão se acostumando ao longo do percurso formativo.

Num exemplo de como costuma proceder, ao apontar num relatório de um professor em treinamento que a atividade inicial proposta numa aula foi complexa demais, Arthur Galamba inicialmente pergunta ao orientando se considera plausível o que pediu para seus alunos e, depois, pede para que ele ‘considere’ propor algo mais simples numa próxima aula. “Nunca dou uma or-

O que se espera de um professor

Dar os feedbacks exige, além de conhecimento real do dia a dia da sala de aula, uma delicadeza na abordagem. “Sempre que há alguma oportunidade para apontar o lado positivo, incluo um comentário positivo”, diz Arthur Galamba, avaliador no King’s College

dem. A decisão final de como vai ser a aula é dele, não é obrigado a aceitar minha sugestão”, diz.

Contudo, ao estabelecer uma relação de respeito e confiança, o que costuma acontecer é que o futuro professor acate as sugestões de seus formadores. “Apontar como sugestão é um discurso até meio retórico, porque ao fim e ao cabo eu estou sim avaliando. Sou respeitoso nas minhas palavras, mas o aluno sabe que eu conheço do que estou falando, que tenho mais experiência”, explica.

O chamado Teachers’ Standard é um documento do Ministério da Educação inglês que estabelece as atribuições e responsabilidades dos professores. Trata do que se espera como um comportamento ético dos docentes — diz que eles devem tratar todos os alunos com dignidade e respeito, observar valores britânicos como a democracia, as liberdades individuais, a tolerância religiosa — e dos requisitos para se promover aprendizagens em sala de aula. A parte da atuação docente propriamente dita tem oito itens. Cada item tem detalhamentos, mas em resumo são os seguintes:

1. Estabeleça expectativas altas que inspirem e motivem;

2. Promova o progresso dos estudantes;

3. Demonstre conhecimento do assunto e do currículo;

4. Planeje e conduza aulas bem estruturadas;

5. Adapte para atender aos avanços e necessidades;

6. Faça uso produtivo das avaliações;

7. Gerencie os comportamentos para assegurar um ambiente seguro para aprendizagens;

8. Cumpra outras obrigações profissionais (comunicação com as famílias, trabalho com a equipe escolar, etc.).

Revista Educação 41 Arquivo pessoal

Feedback na formação continuada REINO UNIDO

Aproveitando uma formação com feedbacks tão intensos, algumas escolas conseguem dar continuidade a essas práticas para que os professores sigam se aperfeiçoando. Na Ashcroft Academy, uma das escolas públicas mais concorridas de Londres, a direção incentiva a manutenção de uma mentalidade aberta a feedbacks de superiores e colegas.

Phill Hall, vice-diretor da escola, compara os professores com esportistas de alto desempenho. “O Rafael Nadal tem um treinador. Provavelmente, se for jogar contra o treinador, ele que vai ganhar. Mas ainda assim escuta o treinador. A gente recebe feedback não por ser ruim, mas porque sempre pode melhorar”, diz. A Ashcroft oferece etapas que seriam semelhantes ao fundamental 2 e ensino médio do Brasil.

Como nem sempre há tempo para que um professor assista às aulas de seus colegas, a escola tem usado a tecnologia para promover esses feedbacks de maneira assíncrona. Com um tablet e um programa de edição chamado Iris Coaching, cada professor pode gravar suas aulas. Em geral, eles esco-

lhem trechos de até cinco minutos em que usam alguma técnica que querem aperfeiçoar para mostrar aos colegas. O breve clipe da aula entra no sistema e os demais deixam suas impressões registradas por escrito.

O exemplo vindo de cima ajuda a quebrar as resistências dos professores a tal exposição.

“Mesmo quando a gente erra, não é algo para esconder. Como todo mundo compartilha seus vídeos, até eu, que sou a chefe do departamento, os profes sores mais novos acabam se sentindo à vontade para compartilhar também”, afirma Lisa Armstrong, coordenadora do departamento de ciências. Atualmente em seu departamento, todos os 15 professores gravam aulas e comentam as aulas dos colegas.

Claro que cada professor tem a liberdade de só compartilhar com os colegas o trecho em que se sentir confortável, quando estiver pronto. Em geral, estão tentando melhorar algumas ações pontuais, como por exemplo, quanto tempo esperar respostas dos alunos quando fazem uma pergunta em sala. “E o professor continua trabalhando até ficar bom nisso”, explica Lisa.

Segundo ela, as gravações podem ajudar também a melhorar a autoestima dos docentes, porque há um perfil de professores que são muito autocríticos. Estes, ao exporem suas aulas, ficam surpresos com os feedbacks elogiosos que recebem. “Alguns dos meus melhores professores não veem como são bons. Então também faz parte do trabalho dar reforços positivos”, afirma.

*A reportagem visitou a Ashcroft Academy e o King’s College a convite da Bett Brasil

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Luciana Alvarez “Mesmo quando a gente erra, não é algo para se esconder”, orienta Lisa Armstrong, coordenadora na Ashcroft Academy

Já parou para pensar que não tem nada que nos separa do amanhã? O futuro é construído hoje, e para que o amanhã chegue trazendo mais avanços para a sociedade é preciso desenvolver habilidades e competências fundamentais para os desafios que virão.

É isso que fazemos no Nave à Vela.

Levamos a Inovação Educacional para escolas de todo o Brasil a partir do Maker, uma poderosa ferramenta para estimular o protagonismo do aluno e desenvolver habilidades para resolução de problemas reais.

Embarque com a gente e seja uma escola inovadora!

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Sistema educacional e professores precisam olhar para a sociedade pluriétnica e pluricultural

As desigualdades entre brancos e negros gritam e são vistas em diferentes meios, inclusive no desempenho da aprendizagem

| Por Damaris Silva

Os percursos tortuosos que se impõem ao conceito de meritocracia no Brasil distorcem informações importantes sobre o desempenho dos estudantes durante seu percurso escolar e acadêmico. São muitos os meandros e, dentre eles, a importância da representatividade na educação, especificamente em sala de aula, e o quanto a falta de diversidade nos processos de formação docente, nos currículos escolares e no próprio corpo docente afetam o processo de aprendizagem dos alunos.

Na última edição do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), aplicado em 2021, a população negra, que já possuía desempenho abaixo da média, teve quedas no desempenho em matemática e leitura acima do verificado para a população branca. A variação das notas entre os negros foi de 13 pontos em matemática (de 225 para 212) e de seis pontos em leitura (de 205 para 199); ao passo que a variação das notas entre a população branca foi de seis pontos em matemática (de 250 para 244) e cinco em leitura (de 228 para 223).

São diversas e complexas as respostas a esse cenário. Dentre elas, Nilma Lino Gomes e Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, em seu artigo O desafio da diversidade, dão destaque à complexidade das relações entre educação, cultura escolar, processos educativos entre outros, chamando a atenção para a necessidade de os pesquisadores dedicarem esforços à articulação entre a diversidade étnico-cultural e esses aspectos, desde a formação inicial dos docentes à continuada e permanente. No texto, as autoras chamam atenção para a grande lacuna causada pela não inclusão da diversidade cultural na formação de professores e nos currículos escolares. Dada a complexidade e relevância da temática, vemos aqui a necessidade de incorporar à prática docente uma nova competência pedagógica, que olhe para essas questões em diálogo com a sociedade pluriétnica e pluricultural,

Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva foi relatora das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

como esta em que nós e nossos alunos estamos inseridos.

As informações destacadas mostram que o fio condutor da diversidade étnica entre o corpo docente, bem como a inclusão da diversidade cultural nos currículos escolares são peça-chave na construção de um ambiente educacional mais justo. Há, portanto, uma grande empreitada que está posta. É impositiva a oferta e o olhar para a diversidade étnica na educação. Neste ano, teremos mais uma aplicação do Saeb. Espera-se que os impactos da pandemia na educação tenham se atenuado, uma vez que o retorno presencial vem ocorrendo de modo contínuo desde 2022. Entretanto, as consequências do racismo na educação, não.

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Irene Santos Shutterstock Damaris Silva mestre em letras e especialista em gestão escolar
TRANSFORMAÇÃO

APRESENTADO POR

Ballet Paula Castro

dentro das escolas

A escola Gato Xadrez, fundada em 1973, com sede em São Paulo, em parceria com o Ballet Paula Castro, que possui 45 anos de tradição, atualmente conta com três unidades próprias em São Paulo.

Atuando dentro da escola, o Ballet Paula Castro oferece o ballet para os alunos que estudam no período da tarde ou manhã, ou seja, no horário contraturno, diz a diretora Marina Maltez.

Uma parceria que já dura seis anos, Marina conta que o nível de satisfação das famílias é alto. “São professores que trabalham com a metodologia da escola ENBC (Escola Nacional de Ballet de Cuba), onde desenvolve um trabalho pedagógico com qualidade com nossas crianças.

“No final de todos os anos apresentamos uma aula expositiva para as famílias, para que conheçam a dinâmica da aula de dança, a metodologia, a linguagem, os exercícios e para que percebam o desenvolvimento da criança, que recebe um certificado de conclusão do curso”, explica a diretora da escola.

A parceria do Ballet Paula Castro com a escola Gato Xadrez existe há seis anos. “O nível de satisfação das famílias é alto, constata a diretora Marina Maltez

A prática estimula nas crianças o trabalho em grupo

“Ver a felicidade da minha filha, com a professora de ballet e ao lado das amigas, confiante e orgulhosa, é um ganho enorme”, diz Vanessa, mãe da Mariah

Estimular o trabalho em grupo e fazer com que se sintam importantes são princípios trabalhados com as crianças, desenvolvendo a desinibição e a postura diante dos desafios ao longo da vida.

“É muito especial e gratificante ver a emoção da minha filha no palco, independente, orgulhosa e feliz em mostrar o que aprendeu nas aulas de ballet”, expressa Vanessa, mãe de Mariah, aluna da escola Gato Xadrez.

Além da escola Gato Xadrez, o Ballet Paula Castro está presente em grandes escolas de São Paulo e clubes, participando ativamente no calendário escolar. Além das aulas de ballet atuamos nas escolas com as modalidades de ginástica artística, teatro musical, jazz, sapateado e hip hop.

Revista Educação 45

SOCIOEMOCIONAL

Emoções e autoconhecimento dentro do currículo

A preocupação com as competências socioemocionais estende-se aos docentes: tanto na formação, para que estejam aptos a trazer o tema para a sala de aula, quanto na possibilidade de aprimorar suas próprias habilidades

Organização, respeito, autoconfiança e curiosidade. Cada vez mais o mundo contemporâneo exige que a escola ofereça aos alunos a oportunidade de desenvolver competências como essas ao longo da educação básica. As chamadas competências socioemocionais finalmente entraram no debate educacional –e no currículo – e trouxeram às instituições de ensino a necessidade de adaptação a essa nova realidade. O processo não é simples, mas é importante para a formação integral dos estudantes. E a preocupação estende-se aos docentes: tanto na formação, para que estejam aptos a trazer o tema para a sala de aula, quanto na possibilidade de aprimorar suas próprias habilidades.

Além dos desafios do século 21 – como novas demandas do mercado de trabalho e avanços tecnológicos como a Inteligência Artificial (IA) –, marcos como a aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) reforçaram a importância de olhar para o desenvolvimento socioemocional dos estudantes e de promover uma formação mais completa.

“A partir da Base Nacional Comum Curricular, cada secretaria – sendo estadual ou municipal – teve de olhar, revisitar o seu currículo de modo a contemplar de forma intencional o trabalho com essas múltiplas dimensões, múltiplas competências dos estudantes”, explica Silvia Lima, gerente de projetos do Instituto Ayrton Senna, entidade que tem se tornado referência no assunto. Ela ressalta, porém, que a Base fortalece o que outros marcos legais e documentos já indicavam, por exemplo, o relatório de Jacques Delors, da Unesco (1996), que fala das aprendizagens para o século 21.

O QUE SÃO E IMPORTÂNCIA

De acordo com Silvia Lima, as competências socioemocionais nada mais são do que capacidades individuais que se manifestam por meio de pensamentos, sentimentos, comportamentos, atitudes e valores. “Essas competências favorecem que possamos viver e conviver melhor. Não só conosco, mas também com as outras pessoas”, conta.

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A Escola Teia Multicultural avalia os alunos por meio do boletim socioemocional

É justamente por isso que são consideradas tão fundamentais: por permitirem que o aluno tenha uma formação mais completa. “Essas competências são úteis não só para a vida deles como estudantes, ou seja, para a aprendizagem, mas também para a relação com as pessoas fora da escola”, enfatiza.

Segundo Silvia, o ambiente escolar é adequado para esse processo por representar um espaço de confiança para que as competências sejam exercitadas e desenvolvidas, com um trabalho intencional e contando, ainda, com a mediação do professor. Trata-se de uma oportunidade para que o aluno, inclusive, avalie como está conseguindo ou não desenvolver essas competências e possa trabalhar a autopercepção.

No Instituto Ayrton Senna, conta Silvia, adota-se um modelo que agrupa as competências socioemocionais em cinco macrocompetências: autogestão, engajamento com os outros, amabilidade, resiliência emocional e abertura ao novo. “Pegando como exemplo a amabilidade, dentro dessa macrocompetência tem competências específicas que devem ser trabalhadas, como a empatia, o respeito e a confiança”, acrescenta.

Na Teia Multicultural, os professores recebem formações semestrais específicas, o que inclui o trabalho de autoconhecimento, conta a diretora pedagógica Georgya Corrêa

COMO DESENVOLVÊ-LAS

O desenvolvimento dessas competências deve ser atrelado aos demais saberes que a escola deve trabalhar. Não se trata, portanto, da criação de uma disciplina de competências socioemocionais – mas sim de olhar para a intencionalidade de desenvolvê-las e de realizar esse processo de forma conjunta aos demais conteúdos em sala de aula.

Silvia Lima, do Instituto Ayrton Senna, exemplifica: se um professor de língua portuguesa vai trabalhar um gênero textual, como o cordel, por exemplo, ele pode observar de que forma usar esse conteúdo para desenvolver também o aspecto socioemocional dos alunos. Além de aprender sobre a estrutura do texto, a definição do que é um cordel e sua origem, o aluno também pode conhecer, escrever e produzir um cordel, desenvolvendo a curiosidade para aprender sobre outra cultura, ou mesmo ter a oportunidade de trabalhar com os colegas, em cooperação.

“O professor precisa, de forma intencional, olhar sua aula, qual conteúdo específico vai trabalhar – pode ser um problema de matemática ou um cordel – e, a partir daí, olhar também quais competências socioemocionais estará trabalhando atrelado a esse conteúdo”, explica.

Na Escola Teia Multicultural, instituição particular de educação básica de São Paulo, o socioemocional é abordado por meio de diferentes medidas, que vão da formação docente ao boletim socioemocional, que permite avaliar as habilidades dos alunos e, também, de forma mais ampla, de cada turma.

Fotos: Arcevo pessoal

Produzido bimestralmente para estudantes da educação infantil ao ensino médio, o boletim traz aspectos e habilidades socioemocionais dos estudantes, organizados em um tripé: o eu (relacionado ao autocuidado, autopercepção e autoconhecimento, por exemplo),

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SOCIOEMOCIONAL

o outro (associado às relações sociais) e o ético (relacionado ao cumprimento de regras). Dentro desses temas, há diferentes tópicos. “É um retrato, um boletim da forma que ele [estudante] se comporta socialmente no ambiente escolar. E, também, como ele se percebe, como percebe a importância do outro, das relações com o outro, e como lida com as questões éticas”, resume Georgya Corrêa, diretora pedagógica e fundadora da Escola Teia Multicultural e da edtech Asas Educação.

O documento também leva em conta as múltiplas inteligências e estilos de aprendizagem dos estudantes.

“A gente aprende usando todas as nossas possibilidades, mas uma pessoa pode ser mais auditiva, mais sinestésica ou mais visual”, afirma a diretora. Desta forma, se há a identificação de que um aluno tem mais facilidade com o aspecto visual, pode ser sugerida a elaboração de cartazes para que ele possa aprender aquilo em que tem mais dificuldade, por exemplo.

Segundo Lucas Briquez, diretor administrativo da Teia Multicultural e CEO da edtech Asas Educação, o boletim também permite uma análise mais geral. “A partir dessa avaliação individual, a gente consegue fazer uma avaliação coletiva, no sentido de levantar, em cada turma, quais habilidades socioemocionais estão com necessidade maior de serem desenvolvidas”, afirma. Assim, é possível buscar atividades específicas de acordo com a necessidade do grupo.

ATENÇÃO AO EDUCADOR

Para que o desenvolvimento socioemocional dos alunos seja possível, porém, é fundamental olhar para o

Adriana Fóz reforça que essas competências não podem ser aprendidas em um livro didático ou de forma desarticulada das situações da vida

educador. Deve ter acesso a formações específicas e também à possibilidade de aprimorar suas próprias habilidades nesse sentido. “Tem muitas pesquisas, extremamente robustas, dizendo que o professor que desenvolveu as suas competências socioemocionais é muito mais capaz de ensinar para o aluno, de poder colaborar com esse processo e de que essa aprendizagem seja efetiva”, afirma Adriana Fóz, neuropsicóloga e diretora da NeuroConecte.

O Instituto Ayrton Senna agrupa as competências socioemocionais em cinco macrocompetências: autogestão, engajamento com os outros, amabilidade, resiliência emocional e abertura ao novo, conta Silvia Lima

Georgya Corrêa, da Teia Multicultural, aponta que, além de pós-graduações, formações dentro do próprio ambiente escolar são opções de aprimoramento. Ela conta que, na instituição, há formações semestrais específicas. “São alguns dias que os professores têm tanto de trabalho de autoconhecimento, para se perceber, se conhecer, quanto formação em habilidades socioemocionais.”

O grande objetivo, no fim das contas, deve ser o de criar um ambiente que possa oferecer oportunidade de desenvolvimento para o aluno, sempre com uma vivência prática. Adriana Fóz lembra que as competências socioemocionais não podem ser aprendidas em um livro didático ou de forma desarticulada das situações da vida. “É algo que é ongoing, é vivido. É no momento em que a gente vai fazendo esses treinos”, afirma. A diretora Georgya Corrêa concorda: “É na vida vivida que se desenvolvem as habilidades socioemocionais”.

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Compromisso social como base para a formação

Colégio se compromete com o trabalho social para despertar nos alunos consciência em relação aos problemas existentes na sociedade

Éna primeira fase da infância que as crianças começam a compreender e desbravar o mundo. O Colégio Maria Imaculada de Brasília respeita esse momento, tanto que nessa fase seus alunos aprendem desde cedo a trabalhar com experiências sociais que visam o desenvolvimento de pessoas capazes de entender e respeitar as diferentes realidades.

Por meio do material didático Toni Itinerários — coletânea direcionada à educação infantil e alinhada à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) —, os professores desenvolvem projetos que procuram incentivar a pesquisa e o trabalho em equipe, e iniciativas sociais.

“Neste primeiro semestre letivo, o Toni Itinerários tem como tema o sistema solar. Para além dele, a professora produziu um projeto que incentiva as crianças a observar o céu em família à noite e descobrir em que fase que a lua estará naquele momento. São atividades que envolvem os familiares e que trabalham com as vivências cotidianas. Geralmente, as crianças fotografam e registram os momentos, trazem para o colégio o material solicitado, e em seguida, em rodas de conversa, elas debatem sobre o assunto com a turma”, conta Gláucia Pereira de Souza, coordenadora de educação infantil.

Gláucia afirma que o material didático na educação infantil deste ano também aborda a valorização da cultura indígena, que seguindo o perfil do colégio de preocupação com o social, será trabalhado de forma interdisciplinar. “Não vamos celebrar o Dia do Índio, faremos diversas atividades de valorização da cultura indígena. Por exemplo, o professor de música vai confeccionar com as crianças instrumentos indígenas.

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Série apoiada pela
FUTURO DA ESCOLA
Amanda F. N. Perissé/Col. Maria Imaculada de Brasília Dia da Partilha: um dia pensado de acordo com a proposta da Agenda Pão em todas as mesas

Já a professora de artes trará uma artista indígena. Estamos muito voltados para essa questão do compromisso de valorizar e respeitar as diferenças.”

PARA ORIENTAR

Outra prática, mas dessa vez desenvolvida pelo próprio colégio, é o projeto Agenda, que procura trabalhar, com base em um tema específico, atividades que ressaltem a importância do compromisso social ao longo dos meses. Em 2023, o tema central para todos os segmentos escolares é a fome, intitulado Pão em todas as mesas. “Em março o assunto foi A fome tem lugar. Por isso, a professora de geografia trouxe um panorama de como está a realidade no mundo, no Brasil e no Distrito Federal, pois aqui em nossa região também temos lugares em que a fome é um problema”, destaca a Irmã Sarah Reis, coordenadora do fundamental 1.

Em abril, mês da Páscoa, por meio de uma campanha foram arrecadados chocolates para crianças e famílias carentes do Distrito Federal. O tema da Agenda também é trabalhado em todos os componentes curriculares que, por meio de pesquisas e aulas interativas, ensinam aos alunos a importância do dever social de cada indivíduo à luz do evangelho, já que o Colégio faz parte de uma Rede Católica de Ensino.

“Nossa Agenda é inspirada diretamente no tema da Campanha da Fraternidade. Ano passado, como o tema da campanha foi Fraternidade e Educação, nossa Agenda seguiu o tema Semeia. Por exemplo, em um mês semeamos a humildade, trabalhamos a importância da solidariedade e dos valores cristãos. Em 2020, ano da pandemia, nosso tema foi Olhar para ver, e fizemos atividades que envolviam ouvir histórias de pessoas fora e dentro da escola, cuidando do indivíduo, e também as famílias”, explica a Irmã Sarah.

TRABALHO EM REDE

O Colégio Maria Imaculada faz parte da Rede Concepcionista de Ensino, fundada por Santa Carmen Sallés em 1892, na Espanha. Atualmente a Congregação das Irmãs Concepcionistas Missionárias do Ensino está presente em 16 países, quatro continentes, tendo 10 unidades no Brasil: quatro no estado de São Paulo, uma no Rio de Janeiro, três no Distrito Federal e duas em Minas Gerais, onde foi fundada a primeira unidade no Brasil, em Machado, que completará 111 anos.

Principalmente na educação infantil, as atividades escolares costumam envolver as famílias, reforça a coordenadora de educação infantil, Gláucia Pereira de Souza

Irmã Sarah é coordenadora do fundamental 1 na unidade de Brasília e também coordenadora provincial de educação da Rede Concepcionista de Ensino. No mundo, a rede possui mais de 25 mil alunos

São cerca de 25 mil alunos no mundo e 3.800 alunos no Brasil. São ofertados cursos do infantil até o ensino médio. A mensalidade varia para cada unidade, assim como cada uma desenvolve atividades, campanhas solidárias e realiza doações para instituições conforme sua realidade.

Além disso, dentre as 10 unidades no Brasil, três são obras sociais, ou seja, oferecem de forma gratuita alguns níveis escolares. Segundo a Ir. Sarah, todos os alunos possuem os mesmos acessos, os educadores e coordenadores trabalham em rede nas formações, e as decisões são feitas em equipe, para que todos tenham direitos iguais de aprendizagem. “Não somos apenas conteudistas. Tem uma frase da Santa Carmen Sallés que eu gosto muito: ‘A instrução só não basta, é preciso chegar ao coração’. Então trabalhamos juntos e nos esforçamos para formar essa pessoa que é mente, mas que também é coração.”

“Hoje temos crianças que estão preocupadas com o meio ambiente, com a fome, com o que vai acontecer no futuro. Porém, ainda existe um desafio, precisamos conduzi-las. O antigo nunca vai ser antigo. Os valores não podem ser ‘esfriados’. Temos que nos manter firmes. E eu vejo esperança [na educação]”, conclui a Ir. Sarah.

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LEITURA

O valor da literatura negra na educação antirracista

Discutir variantes literárias na escola, como a afrodescendente, faz parte da construção de uma sociedade igualitária

Alei 10.639 de janeiro de 2003 estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira dentro das grades curriculares dos ensinos fundamental e médio de escolas públicas e privadas do Brasil. Segundo dados oficiais do IBGE, a população afrodescendente no Brasil ultrapassa 51% — maioria populacional que não encontra representatividade política e cultural nas áreas importantes do país.

“Há quase uma ausência de discussões nas escolas sobre as temáticas literárias ligadas à população negra, o que é contraditório, pois nosso maior escritor em língua nacional, Machado de Assis, é um escritor afrodescendente, dado desconsiderado na análise da sua obra”, explica Edimilson de Almeida Pereira, poeta, ensaísta e autor de diversas obras premiadas de literatura infantojuvenil.

Mauricio Negro: vemos livros belíssimos com um ritmo de difusão e distribuição desproporcional a sua qualidade por falta de canais de escoamento e falta de experiência

Embora existam escolas com projetos antirracistas consistentes ainda há resistência das equipes gestoras de escolas municipais, estaduais e particulares, em trabalhar a literatura de autoria negra em sala de aula. Madu Costa, escritora de literatura infantil e de cordel, pedagoga e arte-educadora, conta que em 2002, numa escola particular católica, a coordenadora que também era negra, convidou-a para um bate-papo com os alunos que estavam trabalhando seus livros, que a própria coordenadora havia comprado para desenvolver um projeto antirracista. O bate-papo não aconteceu, pois a direção da escola boicotou a presença da escritora com alegações injustificáveis. “É importante que todas as escolas trabalhem com a formação dos profissionais docentes, pedagogos, auxiliares, faxineiros, cantineiros, porque toda a escola é educadora. Que ninguém fique de fora desse processo, para que a educação antirracista possa funcionar”, orienta Madu.

Atribuir um sentido pedagógico e ensinar a literatura negra nas escolas é determinante contra o racismo, por meio da inclusão de novos conteúdos, do estímulo da escrita de autorias negras que mostrem diferentes pontos de vista, do incentivo à formação de bibliotecas onde essas obras sejam incluídas e estudadas por professores e alunos a fim de enxergar uma nação multicultural e não mais eurocêntrica.

Rosana Macarroni, professora de português, redação e literatura, há 28 anos no colégio Carlos Drummond de Andrade, da rede particular de São Paulo, lembra de um jovem negro, seu aluno nos anos do ensino médio, e que desde o 1º ano não se relacionava bem com os colegas da classe. O aluno não conseguia se enturmar, o que o prejudicava na execução dos trabalhos, apresentações e saídas pedagógicas que eram feitas em grupo. A professora

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Arquivo pessoal

“Assim como o processo de exclusão foi ensinado, a inclusão também pode ser aprendida por meio do reconhecimento de elementos culturais decisivos para a nossa identidade nacional”, diz Edimilson de Almeida Pereira

afirma que não há dúvida de que o fato de o garoto ser negro era o motivo de ser deixado de lado, além da situação econômica de sua família. Aluno bolsista, sua mãe não podia pagar uma escola particular, e o fato de ser pobre não permitia que ele participasse dos passeios com os alunos nos finais de semana, tampouco visitá-los ou convidá-los para conhecer a sua casa. Rosana acrescenta que no início deste ano foi surpreendida pela visita do ex-aluno negro, e lembrou dos vários pedidos da mãe, nas reuniões da esco-

Para Edimilson de Almeida Pereira, na diversidade e no confronto encontramos consensos mínimos que nos permitem avançar como sociedade e gerar uma literatura com variadas perspectivas e interpretações

Madu Costa critica que, apesar de 20 anos da lei, há muita resistência das equipes gestoras de escolas municipais, estaduais e particulares em trabalhar a literatura de autoria negra em sala de aula

la, para que seu filho tivesse as mesmas oportunidades dos alunos brancos e para que o ajudassem nas relações em sala de aula. O aluno persistiu e contou feliz e orgulhoso, em sua visita, que está cursando a faculdade na área de tecnologia na Unidrummond, que faz parte do mesmo grupo educacional da escola onde fez o ensino médio. “Trabalhamos o racismo em sala de aula e vencemos o preconceito; de alguma forma ele se afeiçoou ao grupo Drummond e seguiu sua vida acadêmica”, emociona-se.

A criança negra permanece fora do protagonismo literário, ocupando papéis subalternos ou marginais. “A escola tem o dever de mostrar aos alunos a presença da criança negra, indígena e asiática, como protagonista das suas histórias, pois não é um privilégio da branquitude”, declara Madu, autora de livros premiados que circulam por Portugal, Áustria, Alemanha, Itália, Estados Unidos, Moçambique, Angola, entre outros países. A escritora negra defende que são os negros que devem escrever e ilustrar suas obras, pois conhecem a história de sua ancestralidade. “O ilustrador negro tem a sensibilidade para ilustrar as crianças negras sem estereotipia, sem exageros, respeitando os traços de beleza étnicos do nosso povo; não se trata de preciosismo e sim de um entendimento legítimo, pois quem vai contar a minha história sou eu”, afirma.

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Fotos: Arquivo pessoal

LEITURA

A educação antirracista pressupõe cuidados, como a remodelação do vocabulário que contém palavras e expressões racistas: denegrir, ‘a coisa tá preta’, ‘fome negra’, mulata, entre outras. Mudar a expressão escravo, para escravizado, ensinar sobre as questões estéticas: o cabelo crespo, nariz redondo com as narinas abertas, boca carnuda, a melatonina na pele, que são adaptações do ser humano às condições do ambiente africano. “São fagulhas do que deve ser feito, é preciso criar uma fogueira de informações para uma educação antirracista que pressupõe todos esses cuidados”, pontua Madu.

Habituada a levar seus alunos de 14 a 17 anos, para assistir à peça teatral O cortiço, baseada no romance do escritor brasileiro Aluísio Azevedo, que denuncia a exploração e as péssimas condições de vida dos moradores dos cortiços cariocas, Rosana diz que vê com frequência alunas chorando durante a peça, pois emocionam-se com o que veem. “Elas não sentem a dor na pele, pois estão ali, sentadas no teatro e são de uma classe social privilegiada, mas é quando se colocam no lugar do outro, possibilidade que a obra literária nos dá“, explica a professora.

Na literatura brasileira há uma tradição de autores não negros que escreveram sobre negros reforçando estereótipos de exclusão, como as personagens negras do romantismo, retratadas em condição de subordinação. Em contrapartida, a reação de indivíduos negros contra esse discurso discriminatório mapeia até os dias de hoje as nossas relações sociais.

“Elas [público branco] não sentem a dor na pele, pois estão ali, sentadas no teatro e são de uma classe social privilegiada, mas é quando se colocam no lugar do outro, possibilidade que a obra literária nos dá“, defende Rosana Macarroni Santana

“Eu não acho que haja conflito em valorizarmos tanto os projetos de autoria negra, quanto aqueles que são de temática negra, mas que são produzidos por autores não negros”, diz Mauricio Negro

Atualmente há um repertório expressivo de escritores e ilustradores não negros que ilustram temáticas negras com obras premiadas. Mauricio Negro, autor-ilustrador, designer gráfico, gestor cultural com diversos livros publicados sobre os povos originários e afrodescendentes, vê a necessidade de remar junto e não acha que há conflito em valorizar tanto os projetos de autoria negra quanto aqueles que são de temática negra, mas produzidos por autores não negros. “Não podemos criar barreiras, isso não ajuda em nada; mas ainda assim, sou muito cuidadoso na produção dos livros e projetos para que haja o protagonismo das pessoas que têm o seu lugar de fala”, esclarece Mauricio, que é um ilustrador não negro de livros de temática negra.

Há uma grande abertura e um interesse crescente das editoras em contemplar a literatura afro no Brasil, explica o ilustrador. “Eu gostaria que as editoras tivessem ainda mais apuro não só na produção dos projetos, mas na interlocução com as instituições privadas e públicas, para que esses projetos ganhem asas.”

É possível falar de literatura brasileira num país multicultural que se diversifica na articulação dos discursos. Nas escolas, debates e discussões das equipes gestoras devem acontecer com regularidade para levar esses discursos numa linguagem acessível aos jovens estudantes. “Educar hoje é mais do que nunca lidar com situações que não tenham uma conclusão, um fechamento absoluto. Essa é a ideia de um país aberto, que se constitui no conflito, nas arestas, mas que não impede a articulação de diálogos e a criação de consensos mínimos”, conclui Edimilson.

Revista Educação 54 Arquivo pessoal

Primeiro desenvolver o professor

Parceria capacitará em tecnologia digital docentes da rede municipal de Maceió. O objetivo final é estimular os alunos a aprenderem por meio de diferentes linguagens

Os professores ainda não estão preparados para utilizar a tecnologia digital em seu dia a dia. Se em junho de 2020 o relatório voltado à rede pública Trabalho docente em tempos de pandemia apresentou que somente 28,9% dos mais de 15 mil respondentes de todas as regiões do país tinham facilidade para lidar com recursos tecnológicos — realizado pelo Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente da Universidade Federal de Minas Gerais (Gestrado/UFMG) —, hoje, em 2023, a realidade não é diferente.

Tanto é que das 10 competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a que os educadores sentem mais dificuldade para colocar em prática é a 5, sobre cultura digital, indica enquete online da revista Educação realizada em abril deste ano (leia mais na pág.36).

Diante desse cenário, a empresa alagoana Trakto firmou recentemente uma parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Maceió para oferecer soluções voltadas à implantação de um projeto de tecnologia digital na escola. Primeiro os professores da rede terão formação de digitalização, o que inclui aprender desde o básico, por exemplo, ligar um computador e acessar a internet, até chegar à fase de montar uma aula criativa para estimular os alunos, o que inclui técnicas de storytelling para entenderem as possibilidades de linguagens.

“Decidimos iniciar o projeto com os professores e depois com os alunos. Trabalharemos a criatividade do professor e não a pedagogia. A nossa atuação será com a parte lúdica porque acreditamos que um ambiente criativo interfere na aprendizagem”, explica Paulo Tenório, CEO da Trakto.

Além do preparo docente, o projeto inclui a montagem da Sala do futuro, que respeitará as individualidades de cada escola. O kit inclui TV multimídia para cada instituição, e notebook e celular de ponta para todos os professores. “Queremos que o professor tenha condições de

Formação inclui a capacitação tecnológica e também busca tornar a aula do professor mais criativa e, assim, reter o aluno

se inserir nesse mundo tecnológico. Não é aposentar o quadro e o giz, mas estimular o aluno a aprender”, resume José Neto, secretário de Educação de Maceió.

Durante o isolamento social em decorrência da pandemia, a antiga gestão municipal de Maceió não distribuiu computador ou notebook para os seus professores trabalharem de casa — a demora no apoio tecnológico, infelizmente, ocorreu em diferentes partes do Brasil. Foi só no final de 2021 que Maceió passou a disponibilizar 120 reais mensais, com direito a retroativo, para o docente pagar a internet de casa ou celular — os professores continuam recebendo o benefício. “Perdi meu celular dando aula. Gravei muito vídeo na pandemia”, conta a professora de educação infantil da rede municipal de Maceió Renata dos Santos.

Vale ressaltar que o projeto de tecnologia digital começa a ser colocado em prática após uma escuta com professores da rede, ou seja, se baseia nas necessidades apresentadas pelos próprios educadores. A parceria impactará 3 mil professores e quase 55 mil alunos lotados em 146 escolas do município.

*A reportagem viajou a Maceió a convite da Trakto

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MACEIÓ
Divulgação/Trakto

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Anos finais do fundamental precisam de resgate

A distância do nível de aprendizagem entre as etapas educacionais nas avaliações não é aceitável. Especialista chama os anos finais de ‘patinho feio’ e pede atuação federal, ao mesmo tempo que educadoras relatam possíveis causas dos anos iniciais da rede municipal de Maceió terem boa avaliação

De maneira geral, o país tem observado avanços nos últimos 10 anos, ainda que lentos nas metas de avaliações educacionais, como é o caso do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), tido como o principal termômetro que mede a qualidade de aprendizagem dos alunos da rede pública e particular. Contudo, ponto curioso e que acontece por todo o Brasil é a diferença entre as etapas educacionais de uma mesma localidade. Falando especificamente da rede pública, em Maceió, enquanto o Ideb de 2021 para os anos iniciais constatou 4.9, os anos finais atingiram 4.1, e o ensino médio 3.4. Professoras da rede municipal da capital alagoana escutadas nesta reportagem e especialistas acreditam que uma das respostas desse contraste está na professora polivalente, presente apenas nos anos iniciais, e que acaba criando um vínculo maior com seus alunos e com a própria família. Essa polivalente leciona em diferentes disciplinas e dá aula para menos turmas. Já o professor dos anos finais é focado em uma disciplina e tende a lecionar para mais turmas.

Para Cesar Callegari, presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada e presidente por dois mandatos da Câmara da Educação Básica no Conselho Nacional de Educação (CNE), as crianças sentem um baque na passagem dos anos iniciais para os finais, tanto de organização curricular como da própria escola. Ele reforça que a queda de aprendizagem em avaliações dos anos iniciais para o ensino médio é gerada pelo esquecimento dos anos finais, em que se observa a existência de poucos projetos. “Essa etapa educacional é considerada o ‘patinho feio’, há um abandono e negligência do nosso país. A estrutura é muito diferente. anos finais possuem muitos professores que acabam atuando de maneira desarticulada. Claro que o ensino médio tem barreiras, mas carrega uma herança de problemas construídos e aprofundados durante os anos finais.”

Quando foi secretário municipal de Educação de SP (2013-2014), a gestão de Callegari reestruturou os anos finais, para, principalmente, as crianças não perderem o contato com o professor referência, esse polivalente, que a partir da reestruturação passa a ser articulador de diferentes disciplinas. “Um dos problemas sérios é

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MACEIÓ, IDEB
Arquivo pessoal Contação de história para as crianças da Escola Municipal Luiz Pedro da Silva IV

a quantidade de professores de diferentes disciplinas que raramente se comunicam e se articulam. Os alunos perdem a referência e isso gera um processo de ensino fragmentado que dificulta o desenvolvimento educacional dos adolescentes”, alerta.

Callegari conclui que a reorganização dos anos finais precisa ser desenvolvida em larga escala como política pública, com um grande apoio do governo federal principalmente na estrutura de funcionamento.

MACEIÓ, DESTAQUE PARA OS ANOS INICIAIS

A preocupação com a frequência escolar pode ser um dos motivos que fez a capital de Alagoas ultrapassar em duas edições consecutivas do Ideb as metas dos anos iniciais do ensino fundamental. Em 2017, Maceió alcançou 5.0 no Ideb e em 2019 chegou a 5.3, se colocando como a quinta capital do país que mais cresceu no Ideb nos anos iniciais naquele período. Na edição de 2019, a nota mais alta de uma capital nos anos iniciais ficou com Teresina, que atingiu 7.4. Já Aracaju ficou com a nota mais baixa, 4.8. Contudo, cada região possui as suas especificidades e os dados não podem ser colocados em competição.

Ideb 2021 escola pública

Fonte: Ideb 2021, Inep/Qedu

“Existe uma forte busca ativa. Se a criança falta um dia, observamos, no segundo dia ligamos para a família querendo a justificativa”, conta Ana Maria da Silva, professora dos anos iniciais da rede municipal de Maceió. Ela também enxerga como positivo o programa Conquista Maceió, espécie de reforço escolar no contraturno para estudantes do 2º ao 9º ano do fundamental desenvolverem habilidades de escrita e leitura.

A rua da Escola Municipal Luiz Pedro da Silva IV não possui asfalto, ainda é de barro. Localizada na Cidade Universitária, um dos maiores bairros da capital, educadoras constatam que o índice de violência por lá é alto. Mesmo assim, a escola está entre as mais bem avaliadas de Maceió no Ideb, tanto que em 2019 atingiu 6 pontos nos anos iniciais e como estímulo a escola ganhou 10 mil reais da prefeitura. “Trabalho na escola dos meus sonhos. Com esse valor investimos em infraestrutura tecnológica. Toda sala de aula tem Smart TV. Já no Ideb de 2021 fomos para 5.2 e recebemos 8 mil reais”, conta a vice-diretora Cláudia Coimbra, que atua na escola há 10 anos.

Cláudia sabe a importância do Ideb, mas entende também que a avaliação não pode ser apenas objetiva. “Precisamos olhar o aluno como um todo porque ele não é só nota. Tem que ter avaliação subjetiva”, esclarece.

Com 260 alunos e 12 professores, Sou mais leitura é um dos projetos da escola da vice-diretora Cláudia para os anos iniciais. A proposta é desenvolver o gosto pela leitura a partir do contato da criança com o livro. “Tentamos fazer a diferença na vida dos nossos alunos. O recurso é usado adequadamente para o desenvolvimento da criança. Priorizamos as compras de materiais de apoio pedagógico. O nosso programa de leituras tem autores como Ruth Rocha”, completa Célia Bernarde, coordenadora pedagógica

A aproximação com a comunidade escolar tende a ser outro ponto de referência da escola. “Quase 99% dos pais confiam na nossa equipe. Damos respaldo a eles. E há muita troca de conversas entre professor, coordenador e gestão. Mostramos que todos os atores são importantes. Isso faz com que andemos juntos, até porque não construímos nada sozinhos”, pontua Cláudia Coimbra.

A vice-diretora se recorda de uma aluna que pediu para levar um livro ao pai que está preso. “Como não pode entrar metal na prisão, encadernamos um livro originalmente com espiral”, finaliza. (LR)

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A cobertura da mudança climática nos livros didáticos

Estudo da Universidade Estadual da Carolina do Norte revela que a maioria dos livros didáticos de biologia aborda menos conteúdos sobre mudanças climáticas do que antes de 2010

As evidências das consequências devastadoras das mudanças climáticas no planeta estão aumentando rapidamente, mas os livros didáticos das faculdades não estão acompanhando. Um estudo divulgado no final do ano passado descobriu que a maioria dos livros didáticos universitários de biologia publicados na década de 2010 continham menos conteúdo sobre mudanças climáticas do que os livros didáticos da década anterior e deram atenção cada vez menor a possíveis soluções para a crise global.

O estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade Estadual da Carolina do Norte, foi baseado em uma análise de 57 livros didáticos de introdução à biologia publicados entre 1970 e 2019. Os pesquisadores descobriram que a cobertura das mudanças climáticas aumentou ao longo das décadas, para uma média de 52 frases nos anos 2000.

Mas esse número caiu na década de 2010, para uma média de 45 sentenças. São menos de três páginas, de acordo com Jennifer Landin, professora associada de ciências biológicas da Universidade Estadual da Carolina do Norte, e coautora do estudo.

“É realmente uma quantidade muito pequena de conteúdo”, diz ela. “Eu certamente acho que podemos entrar em mais detalhes explicando as relações entre o carbono, de onde vem esse carbono, como ele se rela-

ciona com os combustíveis fósseis, de onde vêm os combustíveis fósseis. Existem todos esses elementos que podemos abordar e que acho que estão sendo ignorados.”

Jennifer e sua coautora, Rabiya Ansari, forneceram algumas hipóteses para o declínio no conteúdo das mudanças climáticas. Um motivo pode ser a reação política: o aumento da atenção da mídia sobre o tema nas décadas de 1990 e 2000, com o Protocolo de Kyoto — o tratado internacional para reduzir as emissões de gases de efeito estufa — as conferências climáticas da ONU e o filme Uma verdade inconveniente, levaram a uma crescente controvérsia em torno da mudança climática e o crescente negacionismo climático. Os editores de livros didáticos muitas vezes tentam evitar a controvérsia para obter a aprovação de seus livros nos conselhos de educação, observaram os autores.

Outra razão pode ser a experiência dos autores de livros didáticos. A parcela de autores com formação em biologia celular ou molecular aumentou na última década entre os livros estudados, enquanto aqueles especializados em ecologia e comunicações científicas (que podem ser mais propensos a enfatizar a mudança climática) diminuíram, explica Jennifer Landin.

Revista Educação 60 INTERNACIONAL
Os editores de livros didáticos muitas vezes tentam evitar a controvérsia para obter a aprovação de seus livros nos conselhos de educação

O estudo também identificou outras tendências. A cobertura de soluções climáticas caiu para apenas 3% do conteúdo total sobre mudanças climáticas, de um pico de cerca de 15% na década de 1990. As informações sobre mudanças climáticas foram cada vez mais deixadas para as páginas finais dos livros didáticos; nos livros da década de 2010, esse material não apareceu até que os leitores tivessem lido quase 98% do texto, em comparação com 85% nos livros da década de 1990.

“Essa foi provavelmente a parte mais deprimente deste estudo”, afirma Jennifer. “Se os instrutores estão

examinando o livro em ordem, há uma boa chance de que isso seja esquecido ou ignorado.”

Tyler Reed, diretor sênior de comunicações da editora McGraw Hill, cujos livros didáticos estavam entre os estudados, escreveu em um e-mail que os títulos publicados antes de 2020 agora estão desatualizados e foram atualizados. Ele escreveu que as aulas introdutórias de biologia devem cobrir uma “enorme quantidade” de material sobre uma variedade de tópicos, e que a empresa possui estratégias em vigor, incluindo um processo de revisão por pares, para garantir que esteja usando dados atualizados sobre mudanças climáticas.

Rabiya Ansari, que atuou como coautora enquanto estudante de graduação na Carolina do Norte, disse que ficou ‘chocada’ com o quão pouco os livros didáticos deram de espaço às mudanças climáticas, embora as descobertas fossem consistentes com sua própria experiência educacional.

Como aluna de escolas públicas de ensino fundamental e médio em Durham, Carolina do Norte, na década de 2010, Rabiya conta que suas aulas raramente abordavam a mudança climática. Quando ela chegou à faculdade e começou a conversar com colegas sobre o aquecimento global, ela disse: “Percebi que todos nós tínhamos desinformação ou falta de informação sobre isso, em termos do que está causando isso e que ações podemos tomar”.

O estudo identificou algumas maneiras pelas quais o conteúdo das mudanças climáticas melhorou nos últimos anos, principalmente na descrição das consequências do aquecimento das temperaturas. Os livros didáticos dos anos 70 e 80 se concentravam principalmente na descrição da mecânica do efeito estufa, enquanto os livros publicados nas décadas posteriores continham significativamente mais informações sobre danos, como aumento do nível do mar, riscos à saúde humana, perda de espécies, clima extremo e escassez de alimentos.

*Esta história sobre o conteúdo da mudança climática foi publicada originalmente no The Hechinger Report, uma organização de notícias independente sem fins lucrativos nos EUA focada na desigualdade e inovação na educação.

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Adistopia vislumbra um futuro catastrófico, sombrio, violento e corroído. Nesse ‘lugar ruim’, conforme propõe a etimologia grega, não há trilha para esperança. Na distopia, persistem os versos de Dante: “Deixai toda esperança, vós que entrais deixai´” como lema do dia.

Todavia, é no presente que os romances e os filmes distópicos encontram eco. É preciso que no tempo em que a obra foi escrita se anuncie a possibilidade de tragédia, de infortúnio, de calamidade, de flagelo, de devastação e de convulsão social para que a verossimilhança se dê. Porque é na vida desastrosa vivida que a distopia se depara adiante com a cruel contingência.

São muitas as obras que anunciam o fim dos tempos ou a barbárie como forma naturalizada do viver. De Fim de partida, de Beckett, a Black mirror, de Charlie Brooker, percebemos tempos de corrosão de valores e de convívio com os cataclismos da vida.

Por nossas bandas, o filme Medida provisória, direção de Lázaro Ramos, baseado no premiado livro e na longeva peça Namíbia, não, de Aldri Anunciação, sugere um futuro próximo, com um governo autoritário e vingativo, ordenando que os ‘melanino-acentuados’ sejam de-

Presságios de uma distopia escolar

A distopia, na vida crua, se avizinha às escolas, não apenas como objeto de conhecimento ou de estudo, mas como prenúncio e augúrio do há de vir

portados para algum país africano, como forma mentirosa de compensação. O filme faz alusão à sanha racista, furiosa e odienta que assola nosso país, disfarçada em tolerância amistosa. O absurdo distópico faz sentido porque vivenciamos, na vida cotidiana, com frequência, hostilidades, agressões e assassinatos contra negros. E assim, no presente tenebroso há o respaldo suficiente para que o futuro macabro abra as cortinas do horror. A distopia, na vida crua, se avizinha às escolas, não apenas como objeto de conhecimento ou de estudo, mas como prenúncio e augúrio do há de vir. A violência em todas as suas formas dá as caras no ambiente escolar, com sutilezas e brutalidades. A lida nas escolas não vem sendo nada tranquila e razoável e, não raro, flerta com a agressividade. A relação entre os docentes e os seus gestores e pares nem sempre prima pela ética e pelo bom trato. Puxam-se tapetes por gosto, por fastio, por ambição e por maldade. Se há corporativismo, há em algumas ocasiões ausência de senso de coletividade e de grupo.

Entre alunos e professores há muitas ranhuras. Com provocações e dissimulações de ambas as partes, a interlocução vez ou outra azeda. E não há, por parte das famílias, complacência e parceria muitas vezes. Toma-se, nas peleias, parte a favor dos filhos (alunos)

Revista Educação 64
DIÁLOGOS

com voracidade cega, usualmente. E os grupos de WhatsApp, com a máxima de que “o inferno são os outros” não cansam de reafirmar Sartre e batalha campal. A contenda não é nova no universo escolar. O Ateneu, de Raul Pompeia, já desnudou a escola como microcosmo da sociedade: “Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta”. A novidade que veio dar à praia é a violência escancarada e armada nas escolas.

Vivemos em tempos de terror. A vulnerabilidade dos jovens às ideologias extremistas, a ausência de regulação e de controle das plataformas digitais belicosas, a falta de discussão sobre valores humanos na escola e em casa, ausência de cuidado com a saúde emocional somados ao pânico tocado por boatos e ameaças nas redes sociais são terreno fértil para o caos. Sobretudo quando os alardes se confirmam em fato e morte.

Simbolicamente, em uma escola de São Paulo um adolescente de 13 anos assassina a facadas uma professora de 71 anos, com muito serviço prestado à educação e à ciência. Em Blumenau, um homem de 25 anos mata a machadadas crianças de quatro a sete anos com brutalidade atroz. Nesse encontro bárbaro, perverso, grotesco e intolerável, vemos gerações sucumbindo ao horror. E mais precisamente a infância e a velhice abatidas terrivelmente diante de nossos olhos atônitos. Seguiram-se, depois, como de costume, outros crimes e facadas contagiados pelos exemplos violentos oferecidos e ensinados. Esse presente tão grande do qual devemos nos afastar está adoecido. É preciso pensar esse tempo, não apenas na acepção de reflexão e de conjecturas, mas no sentido de penso, de curativo ou atadura. É preciso remediar todo esse malfeito com o qual nos acostumamos nesses últimos anos. É preciso erradicar essa doença raivosa já familiarizada para que o presente não seja o presságio de um futuro distópico nas escolas.

Não podemos aceitar que as escolas sejam lugares inseguros de violência e de morte. Não faz sentido que consideremos natural que, em um ambiente escolar, sejam necessárias medidas de penitenciárias e de campos de concentração. É quase o decreto de falência de uma sociedade quando nos obrigamos a cercar as escolas com arame farpado, cerca elétrica, portas giratórias, detector de metais, seguranças armados e toda sorte de segurança de quem está pronto para guerra. Um trabalho consistente que compreenda as dores do mundo se faz mais necessário e urgente nas escolas e nas famílias.

Não podemos aceitar que as escolas sejam lugares inseguros de violência e de morte. Não faz sentido que consideremos natural que, em um ambiente escolar, sejam necessárias medidas de penitenciárias e de campos de concentração

Periga que em um tempo distópico próximo (arquitetado?) as escolas sejam abandonadas, porque se tornaram lugar de morte e de sangue, e as famílias em seus bunkers educarão seus rebentos, em um ‘homeschooling’ do medo e da exclusão.

Para que a distopia não se cumpra com seus sortilégios, há de se ater, nas escolas, a uma educação para a vida, para a tolerância, para o amor, para o bem e para valorização do conhecimento. Estamos embebidos e embriagados em cálices de ódio e de vingança, e a taça borbulha e transborda.

Antes que tudo isso se perca, a sociedade — em casa e nos grupos de redes sociais, nos escritórios, nos consultórios, na mídia, nas universidades — deve se dar conta desse desatino e desse destino malfadado. E, sobretudo, preparar a si, as crianças e os jovens para que na escola se viva a boa-fé, as virtudes e a fascinação pelo saber que engrandece para que esse lume agourento que acende faíscas de raiva e morte seja apagado. Ainda há tempo, não nos afastemos, vamos de mãos dadas.

Revista Educação 65
João Jonas Veiga Sobral Escritor, professor de língua portuguesa e orientador educacional

ENTRE MARGENS

Supostas inovações da ainda velha escola

Aula de 50 minutos, padrão dogmático, fundamentalista, intocável

Maricá, 7 de março de 2043

Estávamos em 2023. Rumo a Brasília, para participar da Conane. Ultimei uma ‘lista de verificação’ daquilo que de ‘alternativo’ havia sido feito em 10 anos.

Na primeira das conferências, elaborara uma proposta de critérios de avaliação de supostas ‘inovações’. E, na posição de observador atento, iria aferi-la, tendo por referência um artigo do mestre Pedro. Não irei transcrevê-lo integralmente, apenas usarei alguns excertos.

“Abordo a proposta do processo formativo sem cronometragens artificiais em anos, séries, ciclos. A mania de cronometrar processos não físicos, como aprendizagem, é resquício positivista instrucionista, que recua à gestão ‘científica’ de Taylor, quando cronometrou, tim-tim por tim-tim, processos produtivos e modos de os agilizar.

Os nomes variaram historicamente muito. Houve a época da escola que fazia alfabetização, e depois um ‘ginásio’. Este virou depois ‘ensino médio’, precedido de um ensino fundamental. Com a LDB, temos outras etapas cronometradas, começando por ‘educação infantil’ (enquanto o fundamental e o médio são ‘ensino’, a infantil é ‘educação’!).

A cronometragem aparece em tudo, ademais. O ano tem dois semestres. O ensino fundamental passou de oito para nove anos, um gesto de total irresponsabilidade, já que só piorou os anos finais, ficando por isso mesmo.

A alfabetização demora três anos (dos seis aos oito anos) – o governo tentou reduzir para dois, mas as prefeituras não aceitaram. Chamou-se a isto de ‘idade certa’ para alfabetizar, à revelia dos alfabetizadores mais lúcidos, como Magda Soares, que consideram alfabetização um processo vital interminável.

Segundo a ANA (Avaliação Nacional da Alfabetização), os resultados deste tipo de política educacional (Pacto pela Alfabetização na Idade Certa) são absolutamente pífios: na média, metade se alfabetiza em três anos; muitos estados ainda devem mais de 80%.

Os dados indicam uma escola ‘analfabeta’, inepta como alfabetizadora e que, neste imbróglio inacreditável, deturpou a expressão da LDB da ‘progressão continuada’ (direito de avançar na escola, aprendendo) para ‘progressão automática’, fenômeno estapafúrdio do estudante que vai ‘caindo para cima’, sem aprender.

‘Anos de estudo’ perderam totalmente o sentido, porque é uma cronometragem fraudulenta: chega-se ao fim do ensino médio analfabeto em matemática. Amém.

Houve época em que ‘ciclos’ pareciam a salvação da lavoura, ao invés de anos sequenciais, apenas para encobrir a mesma fraude do descuido com a aprendizagem.

Uma das noções mais tolas é postular que a alfabetização se complete aos oito anos. Gostamos de encenações formalistas e burocráticas, apenas para encobrir nossa inapetência escandalosa em termos de cuidar da aprendizagem dos estudantes.

Uma das cronometragens mais fraudulentas é a aula de 50 minutos, um padrão nacional dogmático, fundamentalista, intocável. Não faz nenhum sentido, nem mesmo se fosse para só transmitir conteúdo.

Sendo aprendizagem fenômeno aberto e complexo, 50 minutos não é referência para nada, representando apenas uma visão tacanha de escola/fábrica que monta peças cronometradas. Não existem aprendizagem de 50 minutos, nem leitura, nem produção de conhecimento, nem autoria. Mas a escola é tudo e só isso!

Juntei este naco de prosa a outras contribuições para a elaboração de um critério: qualquer projeto que mantivesse intacta a segmentação cartesiana e a tradicional padronização do tempo não poderia ser considerado ‘alternativa’, nem contribuiria para uma ‘nova educação’.

Revista Educação 66
José Pacheco Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal) josepacheco@editorasegmento.com.br

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