Revista Educação 302 abril 2024

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Cristine Takuá

Escola viva e os saberes indígenas invisíveis

revistaeducacao.com.br

Alfabetização

No mundo das palavras, nem todos têm acesso pleno a ele

EDUCACAO

O perigo das receitas prontas para a aprendizagem

ANO 28 Nº302 R$ 24,90

Como o cinema retrata a escola

Alguns dos filmes recentes se ocupam de eventos e figuras escolares para tocar em fatores extraescolares — políticos, sociais, culturais, econômicos, religiosos

Monster , do diretor japonês Kore-eda, foi premiado no Festival de Cannes de 2023
Neurociências

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MEC finalmente avança

Aaprovação pela Câmara Federal do texto da reforma do Novo Ensino Médio segue para o Senado à espera de um novo debate, afinal, há escolas que desde 2017 vêm se adaptando às regras. Contudo, é claro que as críticas colocadas do primeiro documento são importantes e necessárias para a construção de uma educação verdadeiramente plural. Nesse contexto, é preciso reconhecer a importância do programa Pé-de-Meia, com a aplicação de 7 bilhões de reais para buscar a permanência dos alunos do ensino médio.

Um ano e três meses após a posse, o Ministério da Educação, sob críticas, vai conseguindo fazer nossa educação andar. A velocidade é a permitida pelo embate das forças numa democracia. Vamos lembrar que, nos quatro anos do governo Bolsonaro, a pasta andou muito para trás, e a polarização num setor sensível como a educação torna tudo mais difícil.

Há outras ações que permitem perceber o avanço, como o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada ao final do 2º ano do ensino fundamental. Essa questão norteia a educação básica porque a capacidade leitora das crianças compromete toda a trajetória escolar.  Há também um esforço na recomposição das aprendizagens, com foco na alfabetização de 100% das crianças matriculadas no 3o, 4o e 5o ano afetadas pela pandemia. Confira nossa matéria sobre o assunto na página 32.

E por lembrar da pandemia, os esforços de municípios e estados, sob a liderança da União, podem levar esperança para as escolas públicas com o programa Escolas Conectadas. E se continuar a estratégia nacional de avançar com escolas em tempo integral, é possível que em alguns anos possamos comemorar um novo patamar de aprendizado das crianças.

EDUCACAO

A revista Educação, composta por edições digitais e impressas, site, redes sociais e eventos, é publicada por RFM Editores

Ano 28 - Nº 302

abril de 2024

ISSN 1415-5486

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Colaboraram nesta edição

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CARTA AO LEITOR Redação
REVISTA
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Imagem de capa do filme Monster Foto: Distribuição Imovision
Revista Educação 5

Filme Ervas secas

20 CAPA

Cinema

Algumas das ficções mais importantes da recente temporada se ocupam de eventos e figuras escolares para tocar em fatores extraescolares — políticos, sociais, culturais, econômicos, religiosos

Distribuição Imovision

Cristine Takuá

Como uma aranha, Cris Takuá liga fios de saberes indígenas de diferentes territórios. Nesta conversa, Cris fala do conceito de escola viva e a importância dos saberes invisíveis — ignorados pelo capitalismo e, consequentemente, pelo sistema educacional

Do povo Maxacali, Cris Takuá vive em uma aldeia Guarani entre Bertioga e São Sebastião, SP. Nesta imagem, à sua frente, a opy’i, casa de reza

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Iniciativas pedagógicas investem em cidadania digital para formar jovens críticos, conscientes e socialmente

MATEMÁTICA Experiência brasileira

No sertão do Piauí ou em Harvard, trabalhar de forma cooperativa, com discussões entre colegas, melhora a aprendizagem

ALFABETIZAÇÃO

Compromisso Nacional Criança Alfabetizada é nova tentativa de um pacto federativo pela alfabetização — área em que o Brasil tem um atraso histórico

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NEUROCIÊNCIAS

O discurso das neurociências como uma panaceia para os problemas em sala de aula com seu caráter sedutor acaba fazendo com que a divulgação científica séria fique deixada de lado

Revista Educação 6 26 Midiática 39 Transformação 42 Ayr ton Senna 52 Futuro da escola 54 Educação infantil
Diálogos
Entre margens
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mais
SUMÁRIO e
ENTREVISTA
responsáveis
DIGITAL 16 Como abordar
CIDADANIA
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Suposições
Carlos Papá
32 Políticas públicas

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SUA CARREIRA EM 2 MINUTOS

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Como uma aranha, ela liga fios de saberes indígenas de diferentes territórios. Nesta conversa, Cris fala do conceito de escola viva e a importância dos saberes invisíveis — ignorados pelo capitalismo e, consequentemente, pelo sistema educacional

A cultivadora de constelações A

floresta está entre as principais mestras de Cristine Takuá, do povo Maxacali. Moradora da Terra Indígena Ribeirão Silveira, no litoral norte de São Paulo, é formada em filosofia pela Unesp e ainda em licenciatura — deu aula para jovens Guarani Mbya e Tupi-Guarani por 12 anos na escola estadual desse território. Por desgastes políticos, em 2021 sai da escola.

Cocriadora do Fórum de Articulação dos Professores Indígenas do Estado de São Paulo (Fapisp), que conta com representantes dos povos em território paulista — Guarani Mbya, Tupi-Guarani, Nhandeva, Terena, Kaingang e Krenak —, atuou incansavelmente pela garantia de mais um direito mínimo negado: licenciatura intercultural indígena, uma vez que, segundo ela, quase 80% dos professores indígenas de SP possuem apenas a educação básica completa.

Entre as suas missões atuais está a expansão da proposta de escola viva, conceito baseado em conversas com Dua Busë, liderança Huni Kuĩ, e que se transformou no programa Escolas Vivas, cuja equipe conta com contribuições de diferentes indígenas, entre eles, Ailton Krenak e que, segundo Cris, tem como coração central a editora Anna Dantes. Como coordenadora geral desse programa que atinge cinco territórios indígenas entre São Paulo, Minas Gerais, Acre e Amazonas, Cris Takuá busca reativar as memórias ancestrais, processo que chama de ‘acordamento’ de memórias ancestrais. Conheça mais sobre as Escolas Vivas: https://youtu.be/2QDpIOU-0vI. Confira, a seguir, a entrevista exclusiva.

Em março agora, depois de anos de luta, os povos de SP conquistaram uma licenciatura intercultural indígena.

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Arquivo pessoal “Todo território indígena é uma escola viva, só que ao longo do processo de colonização, de interação com a sociedade, começaram as imposições”
ENTREVISTA

Fale sobre os descasos do estado — São Paulo só teve uma formação superior específica para indígenas, entre 2003 e 2008 — e o processo dessa conquista.

Ao longo de décadas fomos percebendo a violência institucional da Secretaria de Educação para com o entendimento do que é uma educação específica, bilíngue, muitas vezes até trilíngue, comunitária, intercultural. Muitos gestores que estão à frente da Secretaria, mas também das diretorias de ensino que estão mais diretamente conectadas com as escolas, não têm esse entendimento, o que dificulta bastante. Essa violência ficou mais evidente durante a Conferência Estadual de Educação Escolar Indígena, em 2013, e que há 11 anos não acontece mais. Naquele momento, pensamos em criar alguma organização que pudesse juntar os professores para pensar e discutir, mas também para nos articularmos politicamente. Surge então, em 2015, o Fapisp (Fórum de Articulação dos Professores Indígenas do Estado de São Paulo), no qual atuei na concepção e nos processos de encaminhamento. Sempre esteve clara a necessidade da formação do professor, mas também da carreira e do currículo, que são os pilares que estruturam o entendimento e o funcionamento das escolas como um todo.

Já em 2017, no Acampamento Terra Livre, em Brasília, durante um grupo de trabalho de educação, tomei conhecimento de que a educação escolar indígena de outras regiões, de certa forma, estava mais acelerada, no sentido de que alguns estados têm formação há mais de 10 anos, como Minas Gerais, Roraima e Mato Grosso do Sul. Nisso, fiquei sabendo que esses estados tinham a formação por meio do Prolind [Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas], vinculado à Secadi [Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão], do MEC. Nós, do Fapisp, descobrimos que nenhuma universidade de São Paulo tinha acessado esse edital. Foi então que começamos no final de 2017 uma saga de bater na porta da reitoria da USP, Unesp, Unicamp, UFSCar e a federal do ABC falando: precisamos de licenciatura, existe o edital via Prolind e queremos construir o nosso projeto político-pedagógico (PPP).

Com apoio de entidades e muitas pessoas o concluímos em 2019 e apresentamos o documento na sede do Ministério Público Federal (MPF) para a Secretaria de Educação de SP. Isso porque devido aos descasos e falta de diálogo aberto com a Secretaria, tivemos de acionar o MPF. Curiosamente, nenhum representante da Secretaria de Educação apareceu. Foi frustrante porque era um dos passos para a licenciatura se concretizar. Mas continuamos tentando negociar.

E com as eleições presidenciais de 2018 a licenciatura fica ainda mais longe.

Desde o golpe de 2016 já sentíamos o enfraquecimento das políticas públicas na área de educação tanto no governo federal quanto no estadual. Com a entrada do Bolsonaro no poder, essas políticas ficaram ainda mais abaladas, tanto que a Secadi, órgão responsável pela educação escolar indígena dentro do MEC, foi totalmente desmantelada financeiramente. Com isso, programas como o Prolind e Saberes Indígenas na Escola (produção de material didático) perderam seus recursos. Ou seja, voltamos à estaca zero. O sonho de acessar o Prolind acabou naquele momento e voltamos com o apoio do MPF para negociarmos com a Secretaria de Educação recursos via estado. Alegamos que o estado de SP tem a obrigação de ofertar formação para os professores indígenas; e andou um pouco.

Com a volta do governo Lula, conseguimos abrir diálogo com o MEC, até porque a Secadi é ativada e a Rosilene Tuxá, que fez licenciatura indígena, assume a coordenação do órgão. Nisso, abrimos diálogo para acessar o Prolind do MEC com a Unifesp, que sempre nos acolheu bem. O processo foi rápido e, em março deste ano, finalmente iniciamos a primeira turma, com 40 estudantes da licenciatura intercultural daqui de São Paulo e todos vão produzir material didático por conta da ação Saberes Indígenas na Escola. A licenciatura aqui contempla os povos que estão em território: Guarani Mbya, Tupi-Guarani, Terena, Kaingang e Krenak. É uma questão de tempo para essa licenciatura trazer transformações aos territórios.

O Fapisp e parceiros construíram um PPP diferenciado e que custou para ser aceito na Secretaria de Educação de SP. Perante os projetos convencionais, quais as principais diferenças/necessidades?

Quando fechamos o convênio com a Unifesp, a universidade pegou o nosso PPP e o adequou para o que hoje chamam de projeto político-curricular (PPC), por conta da criação do curso, mas, claro, respeitando a essência do que construímos coletivamente.

[Sobre os projetos convencionais], têm alguns diferenciais como o tempo de alternância, que a gente priorizou. O curso é organizado em dois tempos: o tempo na universidade que é integral e o tempo na comunidade para também pesquisar. A maioria dos professores já são das escolas, então retornam para continuar dando aula. Diferentemente de o aluno ir à universidade e ficar morando lá cinco anos, se desconectando de uma certa forma

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ENTREVISTA

Cristine Takuá

até energética-espiritual da comunidade, essa licenciatura prioriza muito o pé no chão da aldeia, o pé no chão da casa de reza, no diálogo constante com a comunidade.

Outro conceito é a questão curricular. Quando a gente vê a organização das escolas, falam em grade curricular, que dá a sensação de algo preso, enquadrado, dividido, fragmentado. Ficamos pensando como sair dessa concepção tão ruim e até feia. Nos veio a palavra constelação curricular — olhar para o céu e enxergar aquela imensidão de conhecimento, pensar esse universo de saberes que está contido dentro das culturas que vão ser contempladas pela licenciatura, lembrando que no estado de São Paulo temos Terena, Kaingang, Krenak, Guarani Mbya, Tupi-Guarani e Nhandeva. Esse céu produz conhecimento e é o próprio chão da aldeia, a memória dos anciãos, das parteiras, do conhecimento das plantas, dos sonhos.

Claro que ao levar isso à Secretaria surgiu estranhamento. Como assim constelação curricular? Do que estão falando? Mas seguimos firmando o que queremos e como queremos. No final, como o acordo foi feito com a Secadi por conta do Prolind, não precisamos de um aceite total da Secretaria de Educação porque ela não financia a licenciatura em nada. A única coisa que a Secretaria está fazendo é garantindo a liberação dos professores para não ficarem com falta na semana que eles vão ter curso, e até isso foi difícil.

Segundo Cris, a escola não ensina a respeitar o espírito das coisas porque ele é invisível, não está no livro. Sendo então descartado desse processo que chamam de educação

O que é uma escola viva?

Resumidamente, a minha percepção é a de que todo território indígena é uma escola viva, só que ao longo do processo de colonização, de interação com a sociedade, começaram as imposições. Podemos ir do tempo da catequese até os processos de ditadura militar. E é na chegada das escolas dentro das comunidades que se cria um afastamento dessa própria essência do que chamo de escola viva. Sempre existiu um modo próprio de transmitir, acessar conhecimento e sempre foi muito natural e próprio de cada cultura, cada território. Só que isso acabou sendo afetado por imposições como a do letramento e do tempo. Sinto que as escolas atravessam o tempo natural das coisas. E pra mim a escola viva pulsa uma memória. Como essa memória foi afetada por essas diversas imposições que perpassam muitas camadas, desde a língua até o conhecimento de pegar um barro e transformá-lo em cerâmica, ir colher um algodão e transformá-lo num fio e tecer, muitas memórias deixaram de ser vividas. Saberes e fazeres que sempre foram muito ancestrais deixaram de ser praticados por conta dessa violência colonial que adentrou os territórios e atingiu essa memória.

O que hoje venho falando e que está dentro dessa ação coletiva que sonhamos desenvolver é um processo de ‘acordamento’ das memórias, ativá-las novamente, despertar as consciências. Então, se um dia todos os territórios indígenas eram escolas vivas, hoje precisamos criar uma teia, uma corrente energética e de pensamento para ativar de novo esse saber, esse modo próprio, porque muitos conhecimentos deixaram de ser praticados, da roça ao fazer o parto. Onde foi que a gente perdeu o fio da meada desse processo natural de ser e estar no território de boa e bela maneira, que é como traduzo o bem viver, o teko porã [em guarani]? Então, para ser e estar de boa e bela maneira no nosso território, temos de ter o mínimo dos elementos para conseguir nos constituir e dialogar com tudo o que nos rodeia, que é a floresta. Pra mim a escola viva está totalmente conectada à floresta viva, porque para praticar esse conhecimento tem de ter a floresta junto com você, já que é nela que estão os remedinhos e toda a possibilidade de desenvolver a sua arte, de acessar esse conhecimento.

Como as escolas não indígenas podem implantar essa proposta viva? Você conhece alguma instituição fora das aldeias que já atue dessa forma?

Já conheci algumas escolas não indígenas que possuem propostas pedagógicas que são diferentes dessas que circu-

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Carlos Papá
Nós

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ENTREVISTA

Cristine Takuá

lam nas escolas municipais e estaduais brasileiras. A maioria delas são particulares, dessa forma, o acesso fica reduzido. Não tenho muito conhecimento, mas sei que existem propostas diferentes e essa vontade também é muito latente, tanto que muita gente já me procurava antes mesmo de eu começar a falar das escolas vivas. Há um certo romantismo também na cabeça de alguns educadores não indígenas de achar que na aldeia as escolas são lindas e perfeitas.

Precisamos nos despir desse pensamento colonial. Existe uma monocultura mental que paira na educação de uma maneira muito avassaladora. Devemos furar essa bolha para expandir e perceber que existe uma grande teia de conhecimentos que necessitam respeitar o dom de cada criança. Precisamos respeitar o sonho, o tempo, os processos próprios não só dos povos indígenas, porque temos escolas quilombolas, caiçaras, ciganas, pessoas de favela, de cidade. Existem ricos territórios educativos que são diferentes e carregados de memória que devem ser respeitados. Não tem como impor em um quadrado um currículo cujo material didático produzido é totalmente vazio de sentido.

Houve muita violência no processo de transmissão de conhecimento, como o etnocídio, em que muitas culturas e memórias foram de certa forma capturadas. Então, se hoje as escolas do Brasil querem respeitar e tornarem-se mais vivas, elas têm de começar a olhar para o seu próprio terreiro. Ao invés impor a língua inglesa dentro das escolas, por que não estudam tupi, nheengatu? Que as pessoas tenham conhecimento das línguas indígenas. Essa falta de referência do que está ao seu redor sempre me incomodou.

Enquanto professora, quais atividades e materiais aplica com seus estudantes?

No tempo em que dava aula na escola estadual, gostava muito do cinema, do audiovisual, porque acredito que essa imagem em movimento aproxima as realidades. Há muitos cineastas indígenas produzindo imagens que trazem essas reflexões das suas realidades, da sua cultura, da sua filosofia. A literatura é algo que também contribui e hoje também temos um movimento grande da literatura indígena. Uma das coisas que mais me encanta e que tenho feito com o Papá [seu companheiro] é trazer essa contação de história e a partir dela produzir desenho.

De modo geral, na escola sempre temos de escrever. Em algumas aulas que dava de filosofia, no lugar de ficar lendo e escrevendo, lendo escrevendo, desenvolvi um trabalho

sobre as plantas e falava aos jovens: vamos desenhá-las. É preciso aflorar a criatividade e que a pessoa se permita enxergar o mundo colorido e as formas que existem dentro dessa linguagem dos desenhos, da arte em si.

Você critica as escolas de modo geral por serem presas a números e letras.

Sim. Há uma preocupação que reflete na imposição do currículo que é a mania de ser obrigado a alfabetizar aos oito anos. Nisso, a base de estrutura quando uma criança chega à escola é a letra e o número, a letra e o número. Ninguém chega e pergunta: o que é que você sonhou hoje? Vamos transformar em um desenho seu sonho? Isso deveria ser considerado um processo importante do desenvolvimento cognitivo da criança. Só que não é. É totalmente esvaziado de sentido da nossa vida.

Uma vez meu filho me perguntou o porquê de um cálculo matemático dar 1,3333. Comecei a falar do infinito. Se a matemática e a física falassem para as crianças do lado filosófico que está por trás dos números seria muito mais interessante, porque nada mais reflete esse 1,3333 do que entender o que é o infinito, o que é o cosmos, o céu e toda essa dimensão, sendo que muitas vezes os professores de física e matemática ficam presos aos números e não trazem essa concepção que é tão bonita das realidades. Pedem para decorar a tabela periódica sem explicar que ela é a floresta viva, que os minerais são os seres sagrados. Falta encanto e que a essência do conhecimento das coisas se conecte. O conhecimento físico e químico das linguagens está conectado. O conhecimento é uma teia de relações, só que tudo é dividido na escola. Muitas vezes, o professor de física nunca vai falar com o professor de arte, que não vai falar com o de filosofia porque acha que cada um é um quadradinho. Não. Temos de acabar com a monocultura mental e perceber que essa relação é muito saudável e enriquecedora também quando a gente conecta os conhecimentos.

Por que é tão difícil a sociedade respeitar cosmovisões diversas?

Essa pergunta é complexa no sentido de que existe um racismo epistemológico, que é escancarado, não é nem disfarçado. Isso ficou muito nítido pra mim quando estudei filosofia e percebi em história da arte, estética, que a base do entendimento do que é arte para o mundo é o conceito europeu. Então, não há um respeito para as cosmovisões, para

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essas outras formas de ver o mundo, para outras epistemologias. Porque desde a colonização existe um pensamento muito enraizado no poder que insiste em querer inferiorizar o que logicamente não é enquadrado no sistema como o mundo ocidental quer enquadrar, que é a lógica do capital.

As filosofias indígenas, essas outras formas de conceber a relação entre o cosmos, o mundo, a Terra, o visível e invisível, não se encaixam nesse quadrado epistemológico cartesiano. Essa é a questão. Com isso, se hoje ainda existe um racismo do pensamento é porque as pessoas não se deram conta do que é estudar com as plantas, por exemplo. O tabaco é um grande professor, a chacrona é uma grande mestra de divisões. Contudo, se você não entende esses outros seres que não produzem livros, mas que te mostram uma realidade absurdamente transformadora, você não consegue entender por que as cosmosvisões indígenas falam da ciência da floresta. Se os grandes rezadores e rezadoras são os de-

tentores dessa ciência do invisível é porque eles conseguem dialogar com plantas, com os trovões, com as nuvens, com o silêncio, decifram sonhos. O Papá chama isso de códigos da floresta, que são ferramentas muito importantes no processo do aprendizado de criancinha até a vida adulta. Tudo o que existe ao nosso redor possui um espírito, um guardião. Cada povo chama de um jeito. Os Guarani chamam de ija, os Maxacali de yamiyxop, os Yanomami chamam de xapiri, os Hunin Kuĩ de yuxibu Esses seres-espíritos como a folha, a pedra, a água e a terra precisam de respeito. Só que a escola não ensina a respeitar o espírito das coisas porque ele é invisível, não está no livro. Como não está perceptível aos olhos da humanidade ele foi descartado desse processo que chamam de educação. Então, vejo que o grande fato das cosmovisões indígenas não serem respeitadas é o de ignorarem essa essência primeira de tudo, que são os espíritos-guardiões de tudo que habita esta Terra.

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CIDADANIA DIGITAL

Desinformação

vs.

sociedade

informada,

inclusiva e democrática

Iniciativas pedagógicas investem em cidadania digital para formar jovens críticos, conscientes e socialmente responsáveis

Não são poucos os desafios que o advento e popularização da internet, primeiro, e das redes sociais e inteligência artificial (IA), depois, trouxeram, ampliaram ou até modificaram. Questões que vão se apresentando no correr do tempo e, pouco a pouco, conhecidas, são nomeadas, avaliadas e, finalmente, enfrentadas. Caso, por exemplo, da infodemia, fenômeno reconhecido e declarado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2020, caracterizado pelo excesso de informações, algumas precisas e outras não, que tornam difícil encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis quando necessário; ou do cyberbullying, que, diferente do bullying, mais circunscrito ao ambiente escolar, ultrapassa fronteiras físicas, tornando difícil para a vítima escapar de ataques virtuais, que envolvem intimidação, humilhação e perseguição.

É neste cenário que a educação em cidadania digital emerge como uma ferramenta vital para o desenvolvimento de jovens críticos e conscientes, capazes de fazer uso das novas tecnologias a partir de critérios como consciência, responsabilidade, ética e segurança. O assunto, inclusive, já foi tratado pelo ministro da Educação, Camilo Santana. Em uma entrevista à plataforma governamental Canal Gov, ele reconheceu que a inclusão da cidadania digital no currículo escolar, mesmo como disciplina optativa, pode ser importante para o combate à violência e a promoção de um ambiente de aprendizagem seguro e respeitoso.

Oficialmente, porém, o conceito não é citado na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Mas, a cultura digital é. A BNCC, aliás, reconhece a importância da tecnologia na formação dos alunos, propondo a abordagem em sala de aula de aspectos como o entendimento do mundo digital e o uso ético das novas tecnologias.

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Uma compreensão que abre caminho para a cidadania digital ser incluída nos planos de ensino, como já fazem escolas como a Lourenço Castanho, em São Paulo, que, sob a direção pedagógica de Fabia Antunes, aplica noções e debates sobre a necessidade de se ter uma postura cidadã também no mundo online.

“No nosso currículo de letramento digital, as crianças, desde o primeiro ano, têm contato com a cidadania digital, aprendendo que, a partir do momento em que fazemos login e entramos no ambiente virtual, somos identificados, somos alguém e, portanto, somos sujeitos que têm direitos, deveres e responsabilidades”, detalha Fabia. “Este é um importante passo quando falamos de crianças que pensam que este é um ambiente onde ninguém vê o que está acontecendo”, frisa.

Fabia pontua que, na instituição, o letramento digital é trabalhado transversalmente, sendo tratado em diferentes disciplinas e fases de aprendizagem. “Hoje, não existe uma aula de informática, porque essa é uma competência que perpassa todas as outras e precisa ser abordada de maneira distinta com cada faixa etária”, estabelece. Ela cita que, no eixo da cidadania digital, são trabalhadas temáticas como identificação digital, segurança online, ética na internet e nas redes sociais e privacidade. “Tudo isso é ensinado continuamente até o ensino médio, onde alunos participam de debates mais complexos”, salienta, lembrando de aulas em que os estudantes dos anos finais trouxeram à tona a discussão dos direitos autorais, questionando quem referencia uma imagem criada por uma IA.

FAMÍLIA

Apesar dos esforços pedagógicos para que a educação midiática seja efetiva, Fabia Antunes admite que as famílias também precisam se engajar. “No ano passado, um grupo de pais nos procurou e fizemos uma série de ações de formação com eles. Esse tipo de iniciativa é crucial, pois a escola não pode fazer tudo sozinha. Afinal, não somos nós que compramos, para as crianças, celulares — que não estão na nossa lista de material didático”, assevera ela, que reconhece que esses debates nem sempre se dão de uma maneira previsível e sistematizada.

“A gente fala de cidadania e letramento digitais na teoria e prática educacional, mas, às vezes, também precisamos voltar a essas questões na prática cotidiana, como quando há brigas entre crianças ou adolescentes no WhatsApp, por exemplo”, cita. “Como essas coi-

sas acabam respingando na escola, nos vemos no papel de voltar a falar de princípios de respeito e de regras de convivência, mostrando que, na interação online, precisamos respeitar nosso interlocutor da mesma forma como faríamos se estivéssemos frente a frente”, reforça.

CHAVE-MESTRA

Essa compreensão ampliada da cidadania, como uma chave-mestra que norteia tanto a experiência online quanto a offline, é defendida também por Patricia Blanco, presidente executiva do Instituto Palavra Aberta, entidade sem fins lucrativos que atua, desde 2010, na defesa da liberdade de expressão e de imprensa, em prol do direito à informação e pela disseminação do conceito da educação midiática. “Eu tenho uma questão em relação a essa ideia de uma cidadania para o digital, porque acho que hoje a cidadania do mundo offline tem que valer também para o mundo digital. Afinal, vivemos em um mundo que não tem mais uma separação muito clara do online e do offline — tanto que já temos, inclusive, uma expressão, o ‘phygital’, para designar essa constante experiência híbrida entre o físico e o digital”, reflete.

A abordagem está presente na Escola Lourenço Castanho, SP. São trabalhadas temáticas como identificação digital, segurança online, ética na internet e nas redes sociais e privacidade, conta a diretora pedagógica Fabia Antunes

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Divulgação

CIDADANIA DIGITAL

Em 2019, a instituição liderada por Patricia lançou o EducaMídia, programa que visa disseminar e unificar o conceito de educação midiática e formar professores e educadores por meio de cursos online gratuitos, que trabalham o conceito de cidadania a partir do desenvolvimento da educação midiática informacional. “Defendemos que ela pode ser, evidentemente, uma disciplina específica ou até como uma eletiva que vai explicar o ambiente informacional, o eixo da leitura crítica, da produção de conteúdo, do fortalecimento da autoexpressão e da participação cidadã. Mas o ideal é que ela seja trabalhada transversalmente”, opina, celebrando que 12 mil pessoas já passaram pela formação.

APLICAÇÃO

“Se a gente avaliar, por exemplo, o que tem na BNCC, das 10 competências básicas, a gente consegue encontrar espaços para tratar de cidadania, cultura digital e educação midiática em pelo menos cinco, sendo algo que podemos desenvolver como uma camada para in-

A cidadania do mundo offline tem de valer também para o mundo digital, estimula Patricia Blanco, presidente executiva do Instituto Palavra Aberta

Pode

ser disciplina específica ou eletiva para explicar o ambiente informacional; fortalecimento da autoexpressão e da participação cidadã. Mas o ideal é que ela seja trabalhada transversalmente, diz

Patricia Blanco

terpretação do ambiente cada vez mais digital que a gente vive”, aponta Patricia Blanco, trazendo, em seguida, uma série de exemplos práticos.

No conteúdo de língua portuguesa, ela sugere que o tema pode ser trabalhado na identificação de gêneros textuais, na interpretação de textos e até no campo jornalístico-midiático, com a verificação de conteúdo. “Em ciências, podemos trazer questionamentos sobre desinformação na área de mudanças climáticas ou ensinar o estudante a verificar fontes de estudos científicos”, prossegue. “Na matemática, a questão pode aparecer no enunciado de um problema ou ao tratar uma estatística — temos, inclusive, um plano de aula, o Números Podem Mentir, para mostrar como dados matemáticos podem ser distorcidos a partir de leituras enviesadas”, acrescenta.

Os efeitos desse esforço, destaca Patricia, são muito positivos. “Tem um caso que sempre gosto de citar, voltado à Educação de Jovens e Adultos, o EJA, na região de Sobradinho, em Brasília, onde essa camada da educação midiática foi aplicada por uma professora que, ao fazer isso, viu seus alunos se darem conta de que a democracia também é para eles, que eles podem votar e escolher seus representantes”, relata, reforçando que a cidadania digital não é só sobre o uso seguro da internet, mas também sobre como formar indivíduos capazes de contribuir para uma sociedade mais informada, inclusiva e democrática.

Revista Educação 18
Michell Santana

Apresentado por Neuromitos desvendados e a ciência por trás da educação eficaz

Você já se questionou se está sendo vítima de um neuromito sem sequer perceber?

A NeuroConecte traz à luz esse intrigante fenômeno, em que ideias sobre o cérebro humano nem sempre são o que parece.

Adriana Fóz, diretora da NeuroConecte, estará na Bett Brasil palestrando sobre O extraordinário cérebro aprendiz, e disponibilizará gratuitamente um e-book apresentando 10 neuromitos que circulam entre educadores. E claro, também os fatos por trás destas crenças em prol de uma aprendizagem mais assertiva.

A comunicação entre neurocientistas e educadores enfrenta desafios devido à complexidade do conhecimento neurocientífico e à dificuldade de traduzi-lo em práticas pedagógicas. Até mesmo professores bem informados sobre o cérebro podem cair na armadilha de acreditar em neuromitos, havendo a necessidade de um equilíbrio

entre entusiasmo e ceticismo, aliado a uma troca qualificada de conhecimentos entre cientistas e educadores.

A NeuroConecte, por meio de pesquisas e eventos como Neuromitos e fatos, lidera a luta contra os neuromitos, oferecendo esclarecimentos e discussões fundamentadas. Afinal, a neurofilia, ciência que estuda o fascínio pelo cérebro, pode levar a interpretações equivocadas se não houver vigilância. Participações de renomados neurocientistas em eventos promovidos pela NeuroConecte fortalecem o compromisso com a verdade científica.

Este material reforça a importância de se basear em evidências científicas sólidas para aprimorar as práticas educacionais, combinando ciência e experiência. O diálogo contínuo entre professores, cientistas e especialistas — um neuropapo pelo conhecimento — é essencial para um futuro de educação mais eficaz e fundamentado.

LOCAL:

Bett Brasil, Expo Center Norte, São Paulo, SP

23 de abril

Palestra inspiradora por Adriana Fóz

às 17hs, no auditório 4

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Filmes retratam a escola como incapaz de lidar com as singularidades

Algumas das ficções mais importantes da recente temporada se ocupam de eventos e figuras escolares para tocar em fatores extraescolares — políticos, sociais, culturais, econômicos, religiosos

| Por Sérgio Rizzo*, do Porto, Portugal

Ao menos desde que o diretor francês Jean Vigo (1905-1934) despertou o ódio das autoridades religiosas e governamentais de seu país com o iconoclasta Zero de conduta (1933), sobre crianças que organizam uma revolta no internato onde estudam, sabemos que convém prestar atenção redobrada a filmes ambientados em escolas.

Muitos deles têm um olho no que acontece ali, entre os muros dos prédios em que funcionam organizações públicas e privadas voltadas à formação de crianças e jovens, e outro olho nas sociedades em que suas histórias são ambientadas.

Nesses casos mais ricos de representação do sistema educacional, as conexões estabelecidas pelas histórias narradas e pelo comportamento dos personagens são muito claras: se nenhuma escola pode ser uma ilha completamente isolada de seu entorno sociopolítico, é inevitável que ela seja obrigada a lidar com as pressões vindas dele e as incorpore ao seu cotidiano, às vezes por caminhos tortuosos e traumáticos. Narrativas dedicadas a essas ressonâncias aprenderam também, ao

longo do tempo, a explorar a força simbólica que as relações de poder na educação nos oferecem.

Não causa surpresa, portanto, que alguns dos filmes mais importantes da recente temporada tenham se ocupado de eventos e figuras escolares para tocar em fatores extraescolares — políticos, sociais, culturais, econômicos, religiosos. Ao fazer esse exercício de observar o sistema educacional como a parte do todo que ajuda a entender o mundo em que vivemos, eles dão a entender que trabalhar com educação, se nunca foi das atividades mais fáceis de desempenhar, reveste-se hoje de uma pesada carga de responsabilidades, talvez inédita, o que contribui para explicar a baixa atratividade da profissão.

E também não surpreende que esses filmes sejam realizados em diferentes países, a sugerir que, descontadas as particularidades culturais de cada sociedade, há algo de universal em certo mal-estar que sobrevoa a escola na terceira década do século 21. Não é preciso, aliás, recorrer ao cinema de ficção para que esse mal-estar seja examinado. Basta frequentar escolas, como o fazem diariamente os educadores, para apalpar os

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CINEMA

Em Monster, os protagonistas adultos são um professor e a mãe de um aluno que passa a se comportar de maneira estranha. Dirigido pelo japonês Kore-eda, teve destaque no Festival de Cannes do ano passado, incluindo o Palma Queer

tentáculos visíveis do fenômeno. No caso de quem está distante, não há desculpa: o noticiário fornece informações suficientes para que se tenha ideia das atuais tensões do universo escolar.

OBRAS DE VALOR

Três longas-metragens que começaram a circular em 2023 e que já foram lançados no Brasil se apresentam, pela repercussão que provocaram, como representantes poderosos desse recorte: o japonês Monster, de Hirokazu Kore-eda, que obteve o prêmio de melhor roteiro e foi também o vencedor da Palma Queer (dedicada a obras que representam aspectos do universo LGBTQI+) no Festival de Cannes do ano passado; o

Se nenhuma escola pode ser uma ilha completamente isolada de seu entorno sociopolítico, é inevitável que ela seja obrigada a lidar com as pressões vindas dele e as incorpore ao seu cotidiano, argumentam alguns filmes

Um dos corroteiristas do turco Ervas secas, Akin Aksu, foi professor de artes em uma escola pública da Anatólia, período em que escreveu um diário. O material foi a base para a história do filme, que ganhou o Cannes de 2023 como melhor atriz

turco Ervas secas, de Nuri Bilge Ceylan, que recebeu o prêmio de melhor atriz no mesmo festival; e o alemão

A sala dos professores, de Ilker Çatak, indicado ao Oscar 2024 de filme internacional.

Monster foi realizado por um diretor e roteirista habituado, em seus filmes, a tratar de temas relacionados à infância e à família, como Ninguém pode saber (2004), O que eu mais desejo (2011) e Assunto de família (2018), Palma de Ouro de melhor filme no Festival de Cannes. Autor de crônicas intimistas sobre estratos da sociedade japonesa em que o contraste entre a tradição e a modernidade provoca ruídos, Kore-eda pode ser visto também como um mestre no trato das relações intergeracionais. Seus filmes lembram que a convivência entre pessoas de diferentes idades (e portanto experiências) é o motor da humanidade.

Mosaicos, portanto, em que a percepção de mundo de

Revista Educação 21 Fotos: Divulgação

CINEMA

pessoas mais velhas entra em choque com a de pessoas mais novas — adultos e crianças aprendendo a dividir o mundo. Em Monster, os principais protagonistas adultos são um professor (interpretado por Eita Nagayama) e a mãe de um aluno (papel de Sakura Andô). O menino passa a se comportar de maneira estranha, e supõe-se que a explicação esteja na escola. Nuvens de suspeita envolvem o professor, que se vê preso a uma espiral de incompreensão e desespero diante das acusações (totalmente descabidas, na sua visão) formuladas contra ele.

CULPADO-INOCENTE

Em Portugal, o filme recebeu um título mais sugestivo: Culpado-inocente-monstro. De um relato para outro, ou de uma versão dos fatos para outra, a mesma pessoa pode ser considerada inocente, ou culpada, ou até mesmo monstruosa — digna de cancelamento na lei da selva das redes sociais. À medida que a narrativa avança, compreende-se melhor a complexidade do que está em jogo naquela situação, e também a dificuldade em explicar e entender essa complexidade num mundo que busca respostas rápidas e simplificadas para tudo. O roteirista do filme, Yûji Sakamoto, disse ter se baseado em experiências pessoais para escrever a história.

De acordo com Kore-eda, todos os personagens estão “aprisionados por muros invisíveis”. “A mãe é restringida pelas normas sociais, e o professor é restringido pela sua masculinidade, assim como pelo sistema escolar”, disse à época do lançamento. “E as crianças vivem nesse mundo que os adultos criaram e são afetadas por ele, em termos da violência que lhes é perpetrada. No entanto, elas são capazes de escapar disso. É como se os adultos tivessem sido deixados para trás e as crianças tivessem ido em frente e alcançado a sua própria autorrealização. Eu queria que fosse uma realização positiva.”

O tal “mundo que os adultos criaram”, na frase de Kore-eda, é também o que afeta duramente os estudantes de Ervas secas. Seu diretor e corroteirista, Nuri Bilge Ceylan, notabilizou-se por narrativas longas, ambientadas em regiões interioranas e ermas da Turquia, em que as personagens lentamente se apresentam ao espectador e, também lentamente, interagem entre elas, como a lembrar que se aproximar de outro ser humano para melhor entendê-lo é uma tarefa trabalhosa, que muitas vezes conduz a uma percepção enganosa e frustrante. Era uma nez na Anatólia (2011) e Sono de inverno (2014) são exemplos desse cinema esteticamente rigoroso.

ESTRANHOS ACONTECIMENTOS

Um dos corroteiristas de Ervas secas, Akin Aksu, trabalhou como professor de artes em uma escola pública da Anatólia, para onde foi deslocado compulsoriamente, e manteve durante três anos um diário sobre o cotidiano. Esse material foi a base para a história do filme, narrada por um professor de Istambul (Deniz Celiloglu) que se recorda de estranhos acontecimentos ocorridos quando lhe atribuíram aulas em uma pequena cidade remota, onde todos os habitantes parecem se conhecer e as informações circulam à ‘boca pequena’, de acordo com a expressão brasileira, criando percepções sobre todos.

Mais uma vez, uma acusação faz caminhar a trama. O delegado regional de ensino recebe uma denúncia que envolve dois professores. Diz que não acredita nela, que fará o possível para que ela não tenha prosseguimento, mas recomenda que os acusados se entendam com o diretor da escola e com as alunas que expuseram o problema. A partir daí, o que passa a ocorrer guarda alguma semelhança com a trama de Monster. Indignado com a acusação, mas temeroso de que talvez tenha agido de maneira inadvertida para que houvesse incômodo, o professor-narrador procura investigar a situação — e, ao fazê-lo, desrespeita outros sinais vermelhos.

Paralelamente, ele se envolve em outro terreno movediço, de caráter pessoal. Se a escola passa a lhe parecer um ambiente hostil, perigoso mesmo, seus outros movimentos fora dali revelam a sua fragilidade e

Além de abordar infância e família, o diretor japonês Kore-eda pode ser visto também como um mestre no trato das relações intergeracionais. Seus filmes lembram que a convivência entre pessoas de diferentes idades é o motor da humanidade
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Em A sala de professores — indicado ao Oscar 2024 —, a atriz Leonie Benesch é uma professora que decide investigar o caso de furtos na escola após acusação segundo ela de cunho xenofóbico

também a sua dificuldade em se relacionar com outras pessoas. Aspectos exclusivos dele, apenas? Ervas secas sugere que não. Logo, os demais envolvidos no episódio escolar, sendo pessoas como ele, e ainda por cima mais jovens, são passíveis também de incompreensão e de julgamentos equivocados. Onde está, no fim das contas, a verdade? Talvez em algum ponto intangível que foge ao alcance de meros mortais.

NÃO BASTA ACREDITAR, DEVE PROVAR

Uma das primeiras cenas de A sala dos professores, dirigido pelo alemão de origem turca Ilker Çatak, retoma esse desafio filosófico em uma aula de matemática. A jovem protagonista (Leonie Benesch) lança uma pergunta a seus alunos pré-adolescentes: existe algum número entre 1 e 0,999? Uma aluna diz que sim, e vai ao quadro para apresentar uma equação que valide a sua tese. Outro aluno, para quem a resposta é “não”, faz o mesmo. Por fim, a professora diz qual era o seu objetivo: assinalar que não basta acreditar em uma tese para que ela se torne verdadeira — é preciso comprová-la. Não se trata, evidentemente, de um momento qualquer na rotina daquela turma.

O princípio da narrativa encontra-se justamente na necessidade de comprovação, outra forma de se referir à busca pela ‘verdade’. Naquela escola, têm ocorrido furtos. A direção e alguns professores estão empenhados em descobrir o responsável, e uma investigação canhestra leva a um dos alunos da classe da protagonista. É um filho de imigrantes, cujos pais são severos e garantem que o filho jamais cometeria um ato como aquele. Incomoda-

da com a acusação, que lhe parece ter fundo xenofóbico, a professora decide investigar por conta própria o caso dos furtos. Detetive amadora, ela afunda-se num pântano que custará caro a diversas pessoas, inclusive a ela.

A esses três filmes perturbadores podemos acrescentar uma dupla de produções recentes dos EUA, indicadas ao Oscar 2024, que também abordam aspectos do mal-estar no universo educacional: American fiction e Os rejeitados. No primeiro, dirigido por Cord Jefferson, um escritor que trabalha como professor de literatura (Jeffrey Wright) desagrada uma aluna — que, por sua vez, o denuncia à direção da universidade — por causa do uso de uma palavra que, segundo ela, deveria ser banida (ainda que esteja no título da obra em análise). O identitarismo entra em cena ali e acompanha o protagonista no desenvolvimento da história.

De todos os filmes aqui mencionados, o único a ser ambientado em outra época é Os rejeitados, dirigido por Alexander Payne (que já representou a escola com ironia profunda em Eleição). Mas, embora a trama do filme ocorra no início dos anos 1970, seu alcance estende-se obviamente à atualidade, sobretudo à dificuldade de respeitar as diferenças — algo fácil de resolver em discursos, e não tão fácil assim na ação. A convivência forçada entre um professor (Paul Giamatti) e um de seus jovens alunos (Dominic Sessa) demonstra que tanto um como o outro não ‘cabem’ na escola, mais uma vez representada como um ambiente hostil incapaz de lidar com as singularidades.

*Sérgio Rizzo é jornalista e crítico de cinema

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Sony/divulgação

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Como criar o hábito de estar bem informado

Se a leitura do rótulo de alimento se tornou rotina, cuidados básicos para checar se a informação é verídica ou falsa também podem ganhar força

Nos dias de hoje, dificilmente consumimos algum alimento industrializado sem ler o rótulo nutricional. Há 21 anos essa rotulagem tornou-se obrigatória no Brasil. Cada um presta atenção em pontos que mais interessam, como a presença de glúten, açúcar, gordura, corante ou algum ingrediente alérgeno. Segundo a FDA, que fiscaliza essa questão nos Estados Unidos, 10 anos depois de implementada a obrigatoriedade, a população daquele país passou a consumir 50% menos gordura trans.

Na verdade, ler o rótulo de alimentos tornou-se um hábito. Muitas vezes olhamos os rótulos sem perceber que desviamos a atenção para isso — mesmo que por alguns segundos. O mesmo pode se dizer em relação ao uso de cinto de segurança no banco do passageiro dos veículos. Quem tem mais de 40 anos de idade pode se lembrar de que essa atitude foi considerada por muito tempo como

‘opcional’. O sabor amargo e caro de uma lei nos fez perceber quanto o uso do aparato de segurança é fundamental. Trata-se hoje de um gesto quase que automático: sentamos e o afivelamos.

Quando pensamos no nosso consumo diário de informação — perante a quantidade, imprecisão e diversidade de fontes — estamos também lidando com um hábito.

Há mais de 10 anos, por exemplo, quando os produtos de jornalismo, guardiões da informação de qualidade, eram mais escassos e evidentes, o considerávamos uma ‘garantia’ — em outras palavras, líamos, escutávamos ou assistíamos ao jornal de preferência. Metade do percurso para nos sentirmos seguros estava percorrido, já que nos identificávamos e confiávamos naquele veículo e naqueles profissionais.

A nem tão recente explosão da desinformação nos levou a hábitos menos saudáveis. É comum, por falta de tempo ou atenção, nos apegarmos à primeira informação que nos chega, via WhatsApp ou redes sociais. Seja porque o jor-

MIDIÁTICA
Shutterstock

As políticas públicas são necessárias para que as mídias digitais também sejam obrigadas a publicar seus ‘rótulos’, como: evitar notícias falsas, explicitar as fontes de informação, apontar o uso de IA, barrar discurso de ódio e racismo, e creditar autores e outros veículos

nalismo se diluiu em milhões de canais e produtores de histórias em todo o mundo, ou talvez porque aquela notícia, com aquele enfoque, por menos verdade que seja, nos atrai mais. Os algoritmos de inteligência artificial, por sua vez, nos conhecem muito bem e são capazes de nos entregar, sem muito esforço, informações com as quais mais nos identificamos. É uma maneira de nos adequarmos ao que tem sido chamado de ‘economia da atenção’.

O nó da desinformação mora justamente em como qualificar essa atenção. Quando precisávamos gastar alguma energia, tempo e dinheiro para correr atrás das notícias, buscávamos acurácia. Ninguém gostava de ser enganado; a relação de confiança entre veículo de informação e consumidor foi, de certa maneira, uma busca pela verdade. Conhecer a linha editorial de um jornal ou revista e saber também criticá-la quando necessário nos faziam leitores/espectadores ativos.

A passividade da chegada da informação em excesso em nossos celulares nos tornou obesos, se compararmos essa situação à tabela nutricional dos alimentos citados acima. Hoje não lemos os rótulos, mas nos guiamos apenas pela aparência e sabor. Se há excesso de açúcares, gorduras, corantes e outros produtos químicos, de imediato isso não importa. É fácil ser seduzido por um hambúrguer de fast-food quando não sabemos do que eles são feitos.

Por conta disso, os países que têm vencido a desinformação a atacam por todos os lados, como uma epidemia. Afinal, para compreendermos um rótulo nutricional, ou

nos atentarmos em afivelar o cinto de segurança, é necessário algum letramento. Para isso, a educação midiática na escola tem sido a base para se construir um leitor de mundo preparado para este tempo. Mas a guerra à desinformação não pode se resumir a ela.

As políticas públicas são necessárias para que as mídias digitais também sejam obrigadas a publicar seus ‘rótulos’, como: evitar a publicação de notícias falsas e abusivas, explicitar as fontes de informação, apontar o uso de inteligência artificial na produção de conteúdo, barrar discurso de ódio e racismo, e creditar autores e outros veículos.

O objetivo final desse cerco é transformar nossa relação com a informação em um hábito saudável. Todos esses processos, que devem durar a vida toda, têm como objetivo desenvolver habilidades críticas para serem utilizadas no mais prosaico cotidiano. Tais como:

Questionar conteúdos apelativos ou demasiadamente emocionais.

Buscar a mesma notícia em outras fontes ou veículos.

Evitar informações compartilhadas em redes sociais.

Conhecer quem escreveu, assinou ou enviou a informação.

Aprofundar-se mais sobre o tema em leituras complementares.

Compreender a intencionalidade da informação.

Não compartilhar quando não se tem certeza da acurácia da informação.

Tal qual os primórdios da leitura dos rótulos nutricionais, percorrer os procedimentos acima pode não parecer algo rápido. Mas a criação de uma cultura do consumo de informações de qualidade é fundamental para o exercício da cidadania; tende a se tornar algo corriqueiro quando incorporada à rotina, como afivelar o cinto de segurança.

A metáfora entre o consumo de informação e a alimentação não é inédita, nem nova. Olhando sob outro ângulo, em Dieta da informação (ed. O’Reilly, 2020), o autor Clay Johnson defende que nosso consumo de notícias também deve se parecer com um prato colorido e saudável de comida, ou seja, devemos apostar na diversidade de fontes e temas. Retomando a ideia da ‘economia da atenção’, sugiro apenas a leitura dessa livro após o término deste artigo.

Alexandre Le Voci Sayad é jornalista, educador e escritor. Mestre em inteligência artificial e ética pela PUC-SP e apresentador do Idade Mídia (Canal Futura).

Revista Educação 27

MATEMÁTICA

Aprende mais quem aprende junto

No sertão do Piauí ou em Harvard, trabalhar de forma cooperativa, com discussões entre colegas, melhora a aprendizagem

Tudo começou por causa de uma competição nacional, mas logo a disputa despertou o espírito de equipe e de trabalho colaborativo, virando norma na Escola Estadual Augustinho Brandão, de Cocal dos Alves, Piauí. O caso começou em 2005, na primeira edição da Olimpíada Brasileira de Matemática da Escola Pública (Obmep), quando vários estudantes passaram para a segunda fase e o professor Antônio do Amaral criou um grupo de estudos para prepará-los.

Segundo Antônio, o grupo era de estudos para todos, inclusive ele mesmo, porque conta não ter tido uma formação inicial muito forte. “Tinha muito exercício que a organização da Obmep nos mandou treinar que mesmo

“O professor deixa a gente livre para se movimentar, então vou conversar com quem pede”, conta Janayna Lopes, da Augustinho Brandão, que já ganhou duas medalhas de bronze na Obmep. Aos 14 anos, a jovem quer ser professora de matemática

eu não sabia como resolver”, lembra-se. Iam assim, professor e alunos aprendendo juntos. Se levou a bons resultados? A ótimos. Logo no primeiro ano da Olimpíada, estudantes da pequena cidade de 5 mil habitantes ganharam três medalhas. De lá para cá, todos os anos Cocal dos Alves tem alguns de seus alunos laureados.

O professor Amaral, assim como outros professores da escola, estimula os estudantes a se ajudarem mutuamente. Essa colaboração se dá de múltiplas formas. “Cada professor tem sua forma de agir, mas, de forma geral, a escola se organiza de modo que os estudantes laureados sejam monitores, liderem grupos de estudos, ou projetos de nivelamento”, explica o docente, que hoje atua como coordenador de projetos na Secretaria Estadual do Piauí.

Os estudantes que se destacam na Obmep acabam servindo de modelo positivo para os demais. É uma figura, contudo, diferente da figura do professor. “Esse aluno premiado se torna exemplo pelo interesse e dedicação que apresenta. Fica sim com uma certa autoridade entre os colegas, por ser alguém que valoriza seus estudos”, explica. E cabe aos docentes apresentarem a proposta de trabalho de um jeito que todos se sintam bem. “O estudante que se esforça sente-se reconhecido. É uma interação que promove o conhecimento. Temos na escola um clima muito propício para estudar e melhorar”, garante.

ESTUDANTE ESTIMULADA

Aluna da Augustinho Brandão, Janayna Lopes, de 14 anos, já ganhou menção honrosa e duas medalhas de bronze na Obmep. Continua se dedicando com a esperança de aumentar a coleção de prêmios. Mas não pensa só no seu sucesso pessoal; também aproveita para ajudar os colegas com a matemática. “Em geral, eu faço os exercícios de matemática muito rápido, e no resto do tempo da aula, aproveito para ajudar. O professor deixa a gente livre para se movimentar, então vou conversar com quem pede”, relata.

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Arquivo
pessoal

Segundo a estudante, os colegas gostam muito de tirar dúvidas com ela, porque a linguagem é mais próxima entre dois estudantes do que entre professor-aluno. Janayna diverte-se ao contar que, no 9º ano, eram tantos que pediam ajuda que ela nem conseguia ‘dar conta’ de atender a todos. “Mas não sou só eu; tem mais alunos que ajudam nas aulas”, diz ela, que pretende ser professora de matemática no futuro. Além da matemática, é comum que as aulas de redação na escola sigam esquemas semelhantes, onde alunos circulam em sala para discutir suas ideias uns com os outros.

Os resultados continuam sendo positivos para todos. O Ideb — uma das principais avaliações do país — do ensino médio na cidade é de 5,8, dois pontos acima da média brasileira para escolas estaduais, que é de 3,8. Em matemática, a nota do Saeb — outra avaliação importante — dos estudantes de ensino médio de Cocal dos Alves foi de 330, bem superior à média nacional, de 262.

O exemplo da cidade do Piauí mostra na prática algo que estudos na área de educação vêm mostrando tam-

bém: aprende-se mais quando se aprende de forma cooperativa. “Quando se trabalha por grupos, mesmo a criança que ensina também aprende. O diálogo é produtivo para todos, porque discutem, contestam, falam suas próprias ideias. Dessa forma, estão processando as informações, não só ouvindo a professora falar”, afirma Tatiana Hochgreb, senior fellow na Escola de Educação da Universidade Stanford, nos Estados Unidos.

O PAPEL DO PROFESSOR NESSE PROCESSO

E, claro, não se deve ficar restrito à matemática. É possível promover estudos cooperativos em todas as disciplinas, em várias idades. Estratégias de aprendizado com os pares podem render frutos até mesmo no ensino superior. A Faculdade de Medicina de Harvard, uma das melhores do mundo, adota estudos cooperativos em grande parte da carga horária — chamam de metodologia Case-Based Collaborative Learning (CBCL), que significa aprendizagem cooperativa baseada em

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MATEMÁTICA

casos. Em palestras, o diretor da escola, George Daley, costuma dizer que os estudantes aprendem mais uns com os outros do que com os docentes.

Em qualquer etapa da educação, cabe ao professor planejar atividades apropriadas. “O ideal são propostas que não tenham só uma maneira certa de fazer, que deem espaço para o grupo tomar decisões, argumentar. O professor precisa fazer perguntas que levem os estudantes a discutir e explorar”, explica Tatiana.

O docente, porém, precisa estar atento para perceber as dinâmicas dos grupos de estudantes. Para Tatiana, o educador se torna uma espécie de engenheiro criativo e observador. “É um desafio, mas o papel do professor é mais de planejar e, na sala de aula, ir observando e fazendo intervenções. Ele precisa circular, para ouvir o que os alunos dizem, como está a compreensão”, diz a pesquisadora de Stanford.

Os docentes que desejem promover a aprendizagem colaborativa já têm à disposição um grande arcabouço teórico para nortear boas práticas, seja em livros como os de Rachel Lotan, pesquisadora do tema, ou mesmo em cursos como os oferecidos pela rede PED Brasil, na qual um dos módulos trata do “trabalho em grupo em salas de aula heterogêneas”. “É importante ter estratégias de como organizar os grupos. O ideal não é deixar juntos só os ‘bons’, ou os amigos. Deve-se mudar a configuração a cada projeto. Outro ponto é estabelecer normas para o trabalho, coisas como ‘todos têm de contribuir’ e ‘ninguém termina enquanto todos não terminam’”, cita Tatiana sobre pontos de atenção.

MUDANÇA CULTURAL

O desafio de promover mais aprendizados cooperativos não é apenas para o professor, mas para a própria estrutura escolar. Embora seja uma prática que dispense investimentos financeiros em tecnologias ou

“Está dentro da nossa cabeça que eu, adulto, preciso manter o controle”, expõe Ciça Melo, cofundadora do Movimento Paratodos

O professor de matemática Antônio do Amaral estimula os estudantes a se ajudarem mutuamente. Hoje é coordenador de projetos na Secretaria Estadual do Piauí

mudanças de infraestrutura, é preciso uma mudança cultural. “Está dentro da nossa cabeça que eu, adulto, preciso manter o controle. E muitos se preocupam: e se um aluno ensinar errado para o outro? Mas eu sempre pergunto de volta: e se o professor ensinar errado? Todos podemos errar”, afirma Ciça Melo, cofundadora do Movimento Paratodos e parte do conselho diretor do Instituto Apontar.

Ela conta que, com boa vontade, qualquer escola é capaz de incluir ao menos algum tempo para os estudos em grupo, nem que sejam em horários no contraturno. “Às vezes se trata simplesmente de oferecer um espaço físico da escola, que já está disponível. É sempre bom que tenha algum funcionário por perto, mas, dependendo da idade, nem é preciso ser supervisionado 100% do tempo”, diz Ciça. Ela cita que na Escola Municipal Pará, na cidade do Rio de Janeiro, a diretora fez projetos que deram ótimos resultados, nos quais alunos com altas habilidades ajudaram nos estudos dos colegas.

Para Ciça, especialmente na adolescência, esse tipo de abordagem é sadia e pode trazer bons resultados até mesmo do ponto de vista emocional. “Biologicamente, é o momento em que o indivíduo precisa se afastar um pouco do adulto que ele tem como referência, e sentir que ele também é capaz”, explica.

Por trabalhar com inclusão, ela vê ainda que são estratégias que promovem a empatia e o respeito mútuo. “Nossa inteligência é múltipla. Às vezes, uma certa criança sabe mais e ajuda as outras. Mas o professor pode encontrar algo em que o outro, o que precisou de ajuda, também seja bom e possa ensinar aos colegas. Que seja a receita de um biscoito que ele conhece, por exemplo”, cita a conselheira do Apontar. (LA)

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ALFABETIZAÇÃO

O mundo é feito de palavras, mas nem todos têm acesso pleno a ele

Compromisso Nacional Criança Alfabetizada é nova tentativa de um pacto federativo pela alfabetização — área em que o Brasil tem um atraso histórico

| Por Paulo de Camargo

Desde pequenas, as crianças da Escola Companhia da Criança, em Santos, SP, começam a ter os primeiros contatos com as letras. Por diferentes estratégias, integram-se a um mundo já todo impregnado pela palavra escrita, muitas vezes pela voz e pelas mãos de seus professores. Aos quatro anos, demonstram interesse em entender seus próprios nomes, e se inicia então um trabalho mais sistematizado de alfabetização — que vai tornar as crianças, por volta dos seis a sete anos, leitores e escritores progressivamente autônomos.

“É considerada alfabetizada a criança que compreendeu a base alfabética do sistema de escrita e consegue lhe atribuir uma função social”, explica a diretora Luana Serra, mestra em educação e professora de metodologia de alfabetização. “O sujeito está imerso em práticas sociais de leitura e escrita desde que nasce. Assim, desde as primeiras turmas, fazemos um investimento grande na formação leitora”, diz.

A história da Escola Companhia da Criança está longe de representar a experiência vivida pela maior parte das crianças brasileiras. Os dados oficiais recentes demonstram que mais da metade dos alunos de 2º ano do ensino fundamental, aos oito anos, ainda não estão alfabetizados. É um quadro histórico grave, círculo vicioso que se retroalimenta. Crianças não alfabetizadas terão dificuldades em cascata ao longo da escolaridade. Basta dizer que a Educação de Jovens e Adultos (EJA) de Ensino Médio recebe cada vez mais alunos com dificuldades relacionadas, afinal, à competência leitora. Ou seja, após anos de escola, muitos alunos saem da escola sem terem sido alfabetizados.

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A cada governo, um novo programa é lançado — geralmente, ligado à ideia de um pacto nacional. É o caso do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, de 2023. Este sucedeu a Política Nacional de Alfabetização (PNA), de 2019, ponta de lança da chamada ‘guerra dos métodos’, no contexto do movimento de polarização ideológica que privilegiou então o método fônico (característico das cartilhas antigas) em oposição às práticas construtivistas, associadas ao ideário da esquerda — mas que nunca foi um método único, e sim um paradigma epistemológico que explica como as crianças constroem a competência leitora, em um movimento de apropriação, não de cópia e repetição mecânica.

Não que não seja o caso mesmo de um deus-nos-acuda nacional. Assegurar a alfabetização no início dos anos iniciais do ensino fundamental é sobretudo cumprir um direito das crianças a se inserir na sociedade letrada, tornando-as capaz de ler textos, bulas, gibis, cartazes, embalagens, histórias, placas de rua, livros, enfim, prosseguir na escolarização para existir plenamente em um mundo feito de palavras. Mas é preciso sair da etapa dos grandes anúncios e garantir uma política continuada que tire o Brasil da insustentável posição de um país incapaz de letrar suas crianças.

OBSESSÃO NACIONAL

“É considerada alfabetizada a criança que compreendeu a base alfabética do sistema de escrita e consegue lhe atribuir uma função social”, explica Luana Serra, diretora da Escola Companhia da Criança, em SP

“Alfabetizar todas as crianças na idade certa deve ser uma obsessão nacional. A alfabetização é a pedra angular de todo o sistema educacional e deve ser a prioridade das prioridades. Infelizmente, não é isso que ocorre”, critica o sociólogo Cesar Callegari, ex-secretário Nacional da Educação Básica do MEC, que participou de algumas das mais bem-sucedidas iniciativas de formação de professores alfabetizadores, como o CEFAM, em São Paulo.

Para Callegari, a questão é complexa e tem entre seus agravantes o descaso com os desvalorizados professores alfabetizadores, a falta de continuidade de políticas, sucessivamente desmontadas pelos governos que assumem, e a falta de integração entre educação infantil e ensino fundamental 1. Segundo o especialista, é preciso também que o governo federal apoie — e cobre — os municípios, responsáveis constitucionalmente pela oferta do ensino fundamental.

Para ele, as circunstâncias atuais moldaram o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada. O novo programa é baseado nos eixos da Gestão e Governança, na Formação de Profissionais de Educação, na Infraestrutura Física e Pedagógica, no reconhecimento de Boas Práticas e Sistemas de Avaliação. Como muitos estados e municípios já tentam implementar seus próprios programas, como é o caso do Ceará — considerado por muitos modelo de políticas públicas da área —, o programa é necessariamente descentralizado. “É compreensível, mas ao mesmo tempo é temerário, já que muitos desses entes federativos têm fracassado em suas políticas de alfabetização”, argumenta Cesar Callegari.

Em um cenário de descalabro político, no entanto, a questão do método apareceu para muitos como a pílula da salvação, que nunca foi. “É um fenômeno multifacetado, e por isso precisamos abordá-lo em diver-

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ALFABETIZAÇÃO

sos aspectos, linguísticos, sociais e mesmo políticos, quando pensamos no direito das crianças”, diz Gilcinei Carvalho, diretor do Centro de Estudos de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE), da Universidade Federal de Minas Gerais. O CEALE se tornou conhecido pelas ideias da pesquisadora Magda Soares, uma das mais respeitadas alfabetizadoras brasileiras, falecida no início de 2023.

Em entrevista à revista Educação, em 2016, Magda Soares chamou a atenção para o que importa: os fundamentos. “Não há como reduzir a complexidade do processo a um método, se você entende método como modo de agir alicerçado em fundamentos teóricos. No caso da alfabetização, fundamentos psicológicos — psicologia do desenvolvimento, cognitiva, no que se refere à criança — e fonologia, psicolinguística, sociolinguística, no que se refere ao objeto”, disse, à época. Para os que defendem a antiga cartilha do bê-á-bá, a autora lembrava que a taxa de reprovação da alfabetização foi sempre alta, e apenas produzia exclusão.

Gilcinei Carvalho pontua que ainda é cedo para avaliar a proposta do MEC, mas a princípio concorda com o foco na formação docente. Ele lembra que, mesmo nos cursos de pedagogia, não há qualquer prioridade para se formar um professor alfabetizador. Da mesma forma, na

organização das escolas, o lugar do educador das séries iniciais é sempre o mais precário e nem de longe o mais atrativo, inclusive do ponto de vista salarial. “Não é o educador mais experiente que está nesse lugar”, lembra. Por isso, para ele, é preciso mesmo construir a identidade profissional dos professores alfabetizadores.

Carvalho lembra que a experiência de sucesso conduzida por Magda Soares no município de Lagoa Santa, em Minas Gerais, foi alicerçada na formação em rede. “Nós defendemos o direito do professor de realizar uma contínua reflexão de seu conhecimento baseado em suas práticas cotidianas — não teórica, mas em serviço”, diz o pesquisador.

Hoje, o paradigma que vem orientando muitas políticas públicas — como é o caso de Sobral, CE — aposta em outros aspectos, como o peso da gestão e da avaliação. Esse é outro calcanhar de aquiles das políticas públicas nacionais. O que, como e para quê avaliar nos anos iniciais?

Especialmente após a pandemia, sob o signo da recuperação das aprendizagens, os alunos vêm passando por avaliações municipais, estaduais e federais — quando não internacionais. Pouco desse conhecimento, porém, retorna para o professor ou serve para aprimorar o processo de alfabetização em sala de aula. Em outras palavras, não se trata de uma avaliação formativa, mas somativa, que apenas gera pontuações. Nessa lógica, tornou-se comum ver redes em que se treina para o dia da avaliação, por uma boa posição nos rankings.

Segundo o pesquisador Ernesto Faria, presidente do Instituto Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (IEDE), não se pode jogar o bebê com a água do banho. “Aconteceram avanços importantes na avaliação nas últimas décadas”, diz. Para ele, é importante que tenha se consolidado uma cultura de políticas públicas de avaliação ao final do 2º ano dos anos iniciais. Mas, na sua opinião, é preciso olhar para a frente e aprimorá-las.

Parte das questões das provas oficiais, por exemplo, são respondidas tendo o professor como mediador da leitura. Se isso permite que os alunos não deixem a prova em branco (e, portanto, não se extraia nenhuma informação de seu estágio de aprendizagem), por outro lado não se chega a saber o grau de autonomia como leitores. Ele defende uma discussão sobre o peso da mediação e os momentos em que é necessária.

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Arquivo pessoal
Gilcinei Carvalho, do CEALE, lembra que a experiência de sucesso conduzida por Magda Soares no município de Lagoa Santa, em MG, foi alicerçada na formação em rede

“É preciso também ampliar o papel formativo das avaliações, aumentando o repertório à disposição do professor”, acredita. “Os alunos precisam ser expostos a mais tipos de textos, ampliar o vocabulário, aumentar a proficiência”, lembra. Rever a avaliação passa também por elevar o nível de complexidade. Mesmo com os péssimos resultados, é necessário lembrar que as avaliações brasileiras ainda mantêm uma régua baixa, se comparados com o que acontece fora do Brasil. “Os textos aos quais os alunos são expostos aqui são bem menos complexos”, diz Ernesto Faria, que realiza seu doutorado na Universidade de Coimbra.

Mas, para muitos pesquisadores da área, não basta pensar no instrumento avaliativo. “Tratando-se de alfabetização, o caminho importa, e o processo avaliativo precisa ser coerente com o caminho realiza-

“Se os modelos avaliativos estão ultrapassados é porque por trás deles há uma concepção de alfabetização também ultrapassada”, critica Nalu Rosa, vice-presidente da Rede Latino-Americana de Alfabetização

Mais da metade dos alunos de 2º ano do ensino fundamental, aos oito anos, ainda não estão alfabetizados. Quadro histórico e grave. Na foto, estudante da Companhia da Criança, que vivencia experiência oposta à realidade do país

do”, diz Nalu Rosa, vice-presidente da Rede Latino-Americana de Alfabetização. “Mas, qual caminho? Considerar alfabetização como decodificação de palavras, como junção de fragmentos sonoros, palavras definidas por famílias, sílabas, palavras soltas, entre tantas outras práticas, é um equívoco, tamanha a descontextualização”, considera. “Se os modelos avaliativos estão ultrapassados é porque por trás deles há uma concepção de alfabetização também ultrapassada”, critica.

Os educadores temem, também, algo que já acontece em muitos lugares: uma visão de educação infantil que torna essa etapa preparatória para o ensino fundamental. Crianças pequenas, sentadas em carteiras quando seus pés mal alcançam o chão, em aulas para ler e escrever com o apoio de métodos apostilados.

Para o pesquisador Paulo Fochi, da Unisinos, é preciso reiterar sempre que a educação infantil não é uma etapa preparatória para o ensino fundamental. “Ao mesmo tempo, devemos lembrar que o direito das crianças de ler e escrever é um direito de participação, de expressão, de compreensão do mundo, e isso não pode ser negligenciado em hipótese alguma”, lembrou, em um evento recente realizado em São Paulo.

Para ele, a legislação brasileira é avançada, e ajuda a não cair nos polos. “Repactuar aprendizagens não pode significar levar os alunos a experiências sem sentido e repetitivas, e a práticas utilitaristas e simplificadas, baseadas em treinos repetitivos, que desde os anos 1970 sabemos que são equivocados”, argumenta. “Precisamos pensar com mais atenção sobre a natureza do ler e escrever, que não se reduz à decodificação. Aí sim a educação infantil pode ajudar na alfabetização, pensando tudo dentro da sua especificidade”, finaliza.

Revista Educação 35
Divulgação

Apresentado por Arco Educação

Respire, corpo escolar. E confie. Você é capaz

Nem sempre a formação continuada docente e reuniões dão conta de tudo o que hoje a escola e professores devem desenvolver com os estudantes. Dessa forma, conheça cinco programas educacionais compromissados com as necessidades atuais

São tantas as demandas da escola do século 21 que receber suporte para implantar projetos com qualidade teem sido uma das grandes alternativas exitosas das instituições escolares. Entre os desafios já corriqueiros: “A escola tem que trabalhar a mente e as emoções dos estudantes.” “Quero que meu filho passe no vestibular.” “Como eu, professora, posso aplicar atividades de resolução de problemas para a turma?” “Tem que ter gosto pela leitura e olhar crítico”.

Engajada em expandir esse olhar 360º, a Arco Educação, companhia brasileira de soluções educacionais, atende mais de 1 milhão de estudantes por meio de seus programas voltados a todas as necessidades exemplificadas aqui e outras. Conheça alguns deles, todos bem avaliados e que se preocupam não apenas com o desenvolvimento dos estudantes, mas dos educadores e famílias.

Augusto Cury e os códigos da inteligência

Com o intuito de colaborar com a educação no Brasil e no mundo, o psiquiatra e escritor Augusto Cury idealizou a Escola de Inteligência (EI), um programa que atende da educação infantil ao médio visando o desenvolvimento de uma sociedade emocionalmente mais saudável. Criado em 2010, o programa pioneiro é líder em educação socioemocional, tendo mais de 1.200 escolas parceiras em todo o território nacional e no Paraguai. “A Teoria da Inteligência Multifocal (TIM),

Estudantes durante o HackaNAV, do Nave à Vela

Rafaela Perim, gerente socioemocional da Escola da Inteligência

da autoria de Cury, é o fio condutor do programa, que também dialoga com outras abordagens, como as Inteligências Múltiplas, de Gardner, a Sociointeracionista de Vygotsky e a aprendizagem significativa de Ausubel. Para além disso, estamos em constante alinhamento com as descobertas da neurociência e da psicologia”, conta Rafaela de Oliveira Perim Poma, gerente socioemocional da EI.

O cardápio da vida é repleto de perdas, frustrações, injustiças, decepções, e tantas outras intempéries. Mas como lidar com os desafios da vida de maneira inteligente e saudável? “Aprendendo a decifrar os códigos da inteligência, tais como código da autocritica, código da gestão do pensamento e das emoções, código da criatividade, da resiliência e tantos outros. Os códigos da inteligência são chaves para que cada estudante possa ser protagonista da sua história e esteja mais bem preparado não só para os vestibulares, mas para a vida”, argumenta Rafaela.

Currículo maker

Aplicar uma cultura de inovação nas escolas significa fomentar a criatividade, o pensamento crítico e a resolução de problemas entre alunos e educadores. Segundo Felipe Margall, gerente educacional do Nave à Vela, entre as principais barreiras para a efetivação dessa prática está a “resistência à mudança por parte de professores e gestores, falta de recursos financeiros e tecnológicos, e uma cultura escolar tradicional que prioriza a conformidade sobre a experimentação”.

permitindo que uma estudante com deficiência visual explorasse as características do personagem. Isso mostra que aplicar a cultura maker vai além de ter um laboratório com ferramentas, e sim sobre como usá-las para necessidades específicas”, constata Felipe Margall.

Fluência em inglês naturalmente

Segundo pesquisa do British Council, apenas 1% da população brasileira fala inglês fluentemente. Sabendo desse desafio para as escolas, o PES English destaca-se desde 2011 por oferecer um programa de inglês abrangente com livros didáticos internacionais, exames de proficiência, carga horária flexível e suporte pedagógico presencial e online. “Nascido dentro de uma escola, o programa compreende a fundo a realidade da sala de aula brasileira”, afirma Mônica Alves Bertolin, gerente de consultoria educacional.

Mônica

gerente

O Nave à Vela é especialista em integrar atividades práticas ao currículo escolar por meio de cinco pilares: 1 Coleções abrangentes para todos os níveis da educação básica; 2 Suporte pedagógico presencial especializado; 3 Curso de Inovação Educacional (CRIE) — formação completa e certificada para professores abordando nossas coleções e áreas maker; 4 LAB NAV, um espaço maker exclusivo com todos os materiais necessários para as aulas de inovação; e 5 HackaNAV, competição para alunos do 8º ano e 9º ano e que tem como premiação uma viagem de 12 dias na NASA, EUA.

“Uma escola parceira do NAV usou a impressora 3D para criar o busto de um personagem de uma história,

No PES English, o currículo da escola parceira segue as regras brasileiras e o inglês não necessariamente entra em todas as disciplinas, como matemática, tendo uma abordagem integrada entre língua e conteúdo, con forme apropriado. “Há experiências que promovem também o desenvolvimento de habilidades e competências necessárias para os cidadãos do século 21 como colaboração, pensamento crítico, criatividade e multiculturalidade”, conta Larissa Magalhães de Almeida Rodrigues, gerente de consultoria pedagógica.

Educação financeira comportamental

Entre as novidades da BNCC está a inclusão da educação financeira como um tema transversal. Cintia Melo, coordenadora pedagógica do Gênio das Finanças, orienta: “um erro que o educador pode cometer ao pensar o currículo é considerar apenas o empreendedorismo e as finanças de um viés puramente matemático, sem abordar a relação integral que o educando tem como tomador de decisão. Nesse sentido, nosso programa

Felipe Margall, gerente educacional do Nave à Vela Larissa Magalhães, gerente de consultoria pedagógica do PES English Bertolin, de consultoria educacional do PES English

Apresentado por Arco Educação

nasce não somente para atender a necessidade da BNCC, mas por acreditarmos na importância da formação plena. Por isso, alinhamos pilares que desenvolvem desde a consciência na tomada de decisão até a relação desse indivíduo com o meio e com o outro”, detalha.

Cintia Melo, coordenadora pedagógica do Gênio das Finanças

O Gênio das Finanças é um programa de educação financeira que, por meio da economia comportamental, psicologia e pedagogia, promove o desenvolvimento de competências e habilidades para uma relação responsável, ética e consciente com o consumo. “Com material físico inovador, plataforma digital robusta e assessoria pedagógica especializada, desenvolvemos ações direcionadas a toda a comunidade escolar, alunos, professores, gestores e famílias”, completa Cintia Melo.

Em transformação: Brasil como país de leitores

Nos últimos dados da Pesquisa Retratos da Leitura, o país perdeu 4,6 milhões de leitores. E a maioria deixa de ler logo que conclui o ensino médio ou a graduação, alerta Cristiane Mateus, coordenadora editorial da Maralto Edições. “A maior necessidade é criar uma cultura leitora dentro da escola e não apenas desenvolver atividades relacionadas aos livros. Mas como fazer isso? É aqui que entra o Programa de Formação Leitora com um conjunto de ações articuladas em torno do livro e da leitura como hábito”, explica Cristiane.

Cristiane Mateus, coordenadora editorial da Maralto Edições

A Maralto possui um catálogo de literatura diverso com quase 300 obras e mais de 130 premiações, inclusive o Prêmio Jabuti. Entre os destaques: assessoria literária, que realiza um trabalho de formação para professores, o encontro com as famílias e o autor. “O professor torna-se um mediador de leitura e a família tem papel fundamental. O Colégio Nacional, em Uberlândia, criou com o apoio da assessoria literária o primeiro Clube de Leitura de Pais”, finaliza Cristiane Mateus.

Bett Brasil 2024

As cinco empresas citadas estarão na Bett Brasil, que este ano será no Expo Center Norte, SP, de 23 a 26 de abril. Não deixe de passar nos estandes e conhecer as novidades em primeira mão.

Como de costume, Augusto Cury estará no espaço da Escola da Inteligência na Bett, em 26 de março, às 17h, para um papo sobre Intoxicação digital, com momento também para a aguardada sessão de autógrafos.

E tem mais. Felipe Margall, gerente do Nave à Vela, convida: “Ofereceremos diversas atividades práticas, destacando a interdisciplinaridade e o uso da cultura maker. Apresentaremos o CRIE, nosso exclusivo Curso de Inovação Educacional para educadores parceiros, e aceitaremos inscrições para o HackaNAV 2024 das nossas escolas parceiras que forem nos visitar”.

E o PES English na Bett? “Os visitantes poderão conhecer todos os diferenciais do programa e perceber a energia da nossa equipe e como esse time transforma a educação neste país”, instiga a gerente Larissa Magalhães.

A equipe pedagógica do Gênio das Finanças estará no espaço para dialogar com o público interessado. Quem passar por lá conhecerá em primeira mão os temas da nova coleção do programa.

Já a Maralto terá assessores atendendo as escolas e realizando ao vivo demonstração de como funciona a assessoria literária na prática, além de sessões de autógrafos com escritoras como Daniela Pinotti e Raquel Matsushita.

Visite os estandes, vivencie experiências e conheça mais sobre os programas:

ESTANDE F40 ESTANDE B22 ESTANDE F40 ESTANDE B22 ESTANDE F40

TRANSFORMAÇÃO

Mais que aprender, vivenciar

No sul do país, projeto de escola municipal integra sustentabilidade e educação desde a infância

| Por Damaris Silva

Em Bento Gonçalves, importante município da Serra Gaúcha, conheci uma proposta articulada com o compromisso da educação verdadeiramente sustentável e consciente. Trata-se do projeto “A vida em foco! Mãos pequeninas que transformam o mundo!”, desenvolvido na Escola Municipal Infantil Bom Pastor, que está cultivando a consciência ambiental de crianças. O projeto é uma iniciativa que transcende o dia a dia em sala de aula e as páginas dos livros, integrando a sustentabilidade na educação desde a infância.

A turma do jardim, com alunos entre quatro e cinco anos de idade, embarcou em uma jornada de descoberta e cuidado da vida como um todo. O projeto idealizado pela professora Josiane Pagani, em parceria com a equipe gestora e educadoras da escola, tinha como objetivo principal tornar palpáveis as perspectivas previstas em seu material didático acerca do desenvolvimento sustentável e da responsabilidade ambiental, mas foi muito além. As crianças foram convidadas a plantar, regar e observar o crescimento das plantas por meio do plantio de mudas e sementes na escola e na comunidade escolar.

A professora descreve: “Saímos aos arredores da escola para observar os diferentes tipos de árvores presentes (tamanhos, cores, texturas, cheiros e formas das folhas etc.). Realizamos o plantio de algumas mudas de árvores”. Com isso, se tornou possível levar alimentos, conhecimentos e práticas também aos lares. O impacto do projeto estendeu-se, pelo conhecimento e pela experiência prática, às suas próprias casas: as crianças passaram a influenciar suas famílias a promoverem mudanças em seu comportamento diário em relação ao meio ambiente.

Ao final, inspirando-se na famosa obra Doze girassóis, de Vincent van Gogh, a professora Josiane Pagani criou um elo entre arte e natureza por meio de uma atividade de releitura da obra, com produções artísticas das próprias crianças. Uma forma de aproximar ao universo da educação infantil o exercício de apreciação e fazer artísticos, conectados à beleza e a importância da biodiversidade.

Crianças da Escola Municipal Infantil Bom Pastor, RS, durante a iniciativa “A vida em foco! Mãos pequeninas que transformam o mundo!”

O projeto está alinhado com os princípios da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que valoriza experiências que promovem o conhecimento sobre si mesmo, o outro e o mundo. Além disso, está em harmonia com alguns dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), tais como saúde e bem-estar; cidades e comunidades sustentáveis; e a vida terrestre.

O que vimos aqui foi a vivência de responsabilidade e amor pela natureza. “A vida em foco! Mãos pequeninas que transformam o mundo!” é um manifesto de como a educação pode e deve integrar a sustentabilidade em seu núcleo. As crianças de Bento Gonçalves não estão apenas aprendendo sobre sustentabilidade, mas vivendo-a. Um exemplo da verdadeira essência da educação para o desenvolvimento sustentável.

Fotos: Arquivo pessoal Damaris Silva mestre em letras e especialista em gestão escolar
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AYRTON SENNA

Mudar a realidade do país por meio da educação

Mais do que números, o foco tem sido transformar vidas e desenvolver o potencial de cada estudante

| Por Ewerton Fulini*

Essa é uma história que nem todos conhecem: Ayrton Senna não era só apaixonado pelo automobilismo, mas pelo Brasil. Em 1994, dois meses antes do acidente em Ímola, na Itália, ele compartilhou com Viviane Senna, sua irmã, que sonhava com um país onde todos tivessem a oportunidade de serem vitoriosos. A família levou adiante a vontade do piloto e, em novembro do mesmo ano, fundou o Instituto Ayrton Senna, com o objetivo de transformar a realidade do país por meio da educação.

Após três décadas de atuação, olhar para a história do Instituto nos permite fazer uma releitura das transformações do Brasil no âmbito educacional. Embora o país tenha avançado em termos econômicos e em posicionamento global, em pleno 2024 ainda enfrentamos problemas do século passado. Dados alarmantes do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), de 2021, apontam que quase 65% das crianças não se alfabetizam no ano escolar adequado. Segundo o IBGE, somente 47% das pessoas que concluíram o ensino médio estão empregadas, enquanto esse número sobe para 79% considerando as com ensino superior completo. Essas são desigualdades que colocam o Brasil em 87º lugar no ranking do IDH mundial, com 22,5 homicídios por 1.000 habitantes, conforme aponta o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Ao lado desses obstáculos históricos, como a alfabetização, recomposição de aprendizagem, combate à evasão e fracasso escolar, o Brasil ainda precisa lidar com desafios emergentes. Estamos falando de desenvolver capacidades como criatividade, resiliência emocional, determinação, foco, autoconfiança, tolerância ao estres-

Entidade já atuou em todos os estados, em mais de 3 mil municípios e vem impactando a vida de mais de 30 milhões de estudantes

se e colaboração, entre outras, aquilo que chamamos de competências socioemocionais ou soft skills. Isto é, habilidades necessárias para uma boa adaptação no mundo do trabalho e nos desafios do século 21.

Somam-se a esse cenário os efeitos da pandemia, que fragilizou ainda mais a alfabetização de crianças e adolescentes, impossibilitados de aprender com qualidade devido ao ensino remoto. Se até 2019 apenas 55% estavam alfabetizadas no ano adequado, em 2022, essa porcentagem caiu para 36%, segundo dados do Saeb. Desse modo, olhar para os últimos 30 anos também nos permite afirmar que o Instituto Ayrton Senna não apenas buscou investir naquilo que acreditamos estar na raiz de tantos outros problemas sociais, a educação, mas que acompanhamos de perto as transições e novas demandas impostas.

TRAJETÓRIA

Para a implementação de nossas iniciativas em educação, firmamos parcerias com redes de ensino municipais e estaduais e oferecemos formações de professores, apoio em gestão e monitoramento e conteúdos educacionais. Desenvolvemos essas soluções com base em evidências científicas e a partir de paradigmas como o da eficiência e do combate à desigualdade, via

Revista Educação 42
Shutterstock

Se até 2019 apenas 55% estavam alfabetizados no ano adequado, em 2022, essa porcentagem caiu para 36%, segundo o Saeb. O Instituto tem buscado reverter esse cenário

implementação em larga escala. Para que os projetos educacionais não sejam passageiros, trabalhamos para que essas iniciativas sejam institucionalizadas como parte da política pública educacional dos territórios.

Além disso, para promover uma educação de qualidade, adotamos uma abordagem colaborativa, realizando coalizões com o terceiro setor. O objetivo não é apenas sensibilizar a população, mas engajá-la ativamente em debates que visam mudar políticas públicas educacionais. Sendo assim, desde a sua fundação, o Instituto Ayrton Senna esteve presente em todos os estados do Brasil, alcançando mais de 3 mil municípios e impactando a vida de mais de 30 milhões de estudantes. Mais do que números, nosso foco tem sido transformar vidas e desenvolver o potencial de cada um.

Fotos: IAS/divulgação

os passos de quem enxergou pela primeira vez seu valor, Marcos se tornou professor e coordenador pedagógico pela mesma rede pública onde estudou.

Essa história reflete um desafio imenso para milhões de crianças e adolescentes no Brasil: a falta de oportunidades. Marcos é ex-aluno de um dos nossos programas, chamado SuperAção Jovem, que tinha como objetivo promover o protagonismo juvenil de estudantes do ensino fundamental e do ensino médio. Desde a fundação do Instituto, essas e outras iniciativas alcançaram mais de 36 milhões de estudantes em todo o país.

Marcos, assim como tantos outros estudantes impactados nas últimas décadas, se conectam com duas faces do legado de Ayrton Senna. A primeira é amplamente conhecida pelos brasileiros e fãs mundo afora, que é justamente a coragem, garra e determinação pela vitória, características muito bem conhecidas durante sua trajetória na Fórmula 1. A outra está conectada com o sonho do piloto de que mais pessoas também tenham a oportunidade de ter seu potencial desenvolvido, assim como ele teve.

Inicialmente rotulado como adolescente ‘problemático’ na escola, Marcos Ferrari fez parte do programa do Instituto, SuperAção Jovem. Sua professora o presenteou com um livro e tudo mudou.

Um exemplo marcante do impacto do Instituto é a história de Marcos Ferrari. Inicialmente rotulado como adolescente problemático na escola, Marcos se encaixava na imagem clássica do aluno rebelde que xinga os colegas, toma advertências e se sente incompreendido dentro da sala de aula. Até que uma professora percebeu que a comunicação era uma habilidade a ser explorada. Ela presenteou o garoto com um livro, que mudaria o curso da sua vida. Ele passou a ler um livro atrás do outro e, em pouco tempo, se tornou o primeiro aluno da sala. Nos anos seguintes, Marcos se tornou presidente do grêmio na escola, representante de turma e se envolveu, cada vez mais, na vida coletiva escolar. Hoje, aos 28 anos, seguindo

Hoje é professor e coordenador pedagógico

Em um ano especialmente importante para a educação no Brasil, marcado por debates sobre o novo ensino médio, estabelecimento de metas de alfabetização para os próximos 10 anos e eleições municipais em curso, queremos relembrar e ressaltar esse legado para inspirar governos, famílias, e toda a sociedade. Afinal, somos todos responsáveis por garantir o direito das crianças e adolescentes à educação de qualidade, de forma que elas sejam capazes de tomar as melhores decisões para o seu futuro. Mais do que tudo, reafirmamos nosso compromisso com o sonho de Ayrton Senna de transformar a realidade do Brasil por meio da melhor ferramenta capaz de trazer oportunidades: a educação.

*Ewerton Fulini é vice-presidente do Instituto Ayrton Senna

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NEUROCIÊNCIAS

O perigo das receitas prontas

O discurso das neurociências como uma panaceia para os problemas em sala de aula com seu caráter sedutor acaba fazendo com que a divulgação científica séria fique deixada de lado

| Por Luciana Alvarez

Oprocesso de aprendizagem é complexo, mas o excesso de cobrança por resultados e a pressa em obtê-los fazem com que muitos educadores e educadoras acabem recorrendo a receitas prontas, várias delas supostamente baseadas nas neurociências. Sem conhecimentos prévios na área e com pouco tempo para se aprofundar, profissionais da educação acabam sendo vítimas em potencial para os neuromitos, um antigo tipo de fake news sobre o cérebro.

Entre as ideias erradas sobre o funcionamento cerebral que circulam na educação, uma das mais persistentes é o mito dos diferentes ‘estilos de aprendizagem’ — visual, auditivo, sinestésico. Na realidade, quanto mais estímulos, e mais variados, melhor para todo mundo.

E não faltam cursos rápidos e sem base teórica, além de influenciadores de redes sociais com pouco ou falta de conhecimento. “Vende-se uma ideia de que a aprendizagem é um processo só do cérebro, e dentro dele estará tudo resolvido. Isso é no fundo uma ingenuidade, uma falha de perceber a complexidade do que é aprender”, afirma o neurocientista Fernando Louzada, pesquisador do departamento de fisiologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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Esse movimento não é recente. Louzada conta que há 20 anos se preocupa com a questão. “Comprei meia dúzia de livros sobre o brain based learning (aprendizagem baseada no cérebro): é só bobagem. Resvala muito na autoajuda”, critica.

Para Louzada, que também é pós-doutor e coordenador do Laboratório de Cronobiologia Humana da UFPR, onde estuda as relações entre sono, aprendizagem e desempenho escolar, não cabe a um estudioso do cérebro ditar como um professor deve ou não ensinar, mesmo quando o docente está usando um conceito ‘errado’. “Conversei uma vez com um professor que disse que passou a separar os alunos segundo esses supostos estilos de aprendizagem e teve resultados ótimos. Que ele continue com a prática então, porque a experiência dele em sala é o que importa — só não dá para ele dizer que é uma prática com base nas neurociências”, alerta.

NEUROFICAÇÃO

Mais do que espalhar bobagens insignificantes, o discurso das neurociências como uma panaceia para os problemas em sala de aula com seu caráter sedutor acaba fazendo com que a divulgação científica séria fique deixada de lado. “A quem interessa essa forma exagerada de divulgar? De um lado, a gente tem uma pressa jornalística, uma vontade de produzir lides bonitos e atraentes. De outro, temos a motivação de aumentar clientes, de vender cursos, livros, cliques em sites, etc.”, pondera o pesquisador da UFPR.

Colocar as neurociências em tudo ou exagerar o seu peso é chamado por Fernando Louzada de neuroficação. Assim, além dos riscos trazidos pelos neuromitos, há outros provocados pela neuroficação, como a nega-

Adriana Fóz concorda que o ‘segredo’ de incluir as neurociências na educação é torná-las fonte de conhecimento e reflexão, mas nunca como uma indicação certa de atividade ou didática

Para Louzada, não cabe a um estudioso do cérebro ditar como um professor deve ou não ensinar, mesmo quando o docente está usando um conceito ‘errado’

ção da própria contribuição das neurociências. Uma das repercussões da ideia do papel exagerado das neurociências é muitos pedagogos acharem que tudo nessa área é um absurdo e rejeitarem as possíveis contribuições. Classificam como um modismo”, acredita ele.

Até mesmo o prefixo ‘neuro’ deveria ser usado com mais moderação. Fernando Louzada cita que é importante os professores conhecerem um pouco sobre nutrição para ensinar aos alunos, mas nem por isso precisam estudar a ‘nutrieducação’.

No momento atual do desenvolvimento científico, acreditar que as neurociências podem dar contribuições certeiras e prescritivas para a educação não passa de uma ilusão. Ligar de forma direta o que acontece com os neurônios de cada um com o que acontece em sala de aula, na interação entre um conjunto de pessoas, é um salto simplesmente grande demais, defende Louzada. “A psicologia cognitiva estabelece uma ponte melhor; deveríamos fazer uma ligação entre as neurociências e a psicologia cognitiva; e outra da psicologia cognitiva para a educação. Talvez seja melhor a gente olhar mais para as evidências da psicologia”, pondera.

Mas, se entender o funcionamento do cérebro não pode mostrar o que fazer em sala de aulas, qual seria a diferença para o educador conhecer o que diz a investigação neurocientífica? “Conhecer os mecanismos do cérebro pode não fazer falta, mas, se o professor quiser saber porque tem interesse, é fantástico. São conhecimentos que podem ampliar a autonomia do professor, fazê-lo repensar as ferramentas de avaliação, entender aspectos de transtornos ou dislexia e TDAH, ou mesmo do comportamento dos adolescentes”, cita o pesquisador.

Portanto, conhecer o funcionamento cerebral serve para integrar uma nova dimensão na compreensão do processo de ensino e aprendizagem. Louzada se apoia numa metáfora literária, da experiência do escritor José Saramago na ópera de Lisboa, para mostrar o valor das

Revista Educação 47
Gustavo
Morita/revista Educação

NEUROCIÊNCIAS

neurociências. Quando Saramago se sentou atrás da coroa que enfeitava o recinto, viu que a coroa só existia pela metade; que a parte de trás era oca, cheia de pó e teias de aranha. “Para conhecer as coisas, é preciso dar a volta toda”, escreveu o português. Na educação, a neurociência é mais um passo para completar a volta.

VISÃO AMPLA

Adriana Fóz, neuropsicóloga, educadora e diretora da NeuroConecte, concorda que o ‘segredo’ de incluir as neurociências na sala de aula é torná-las fonte de conhecimento e reflexão, mas nunca como uma indicação certa de atividade ou didática. “Se um professor vê um aluno embotado, é interessante ele saber que a emoção vai afetar a qualidade da aprendizagem. Mas o que fazer para mudar aquela situação, isso tem de vir mesmo da experiência daquele professor, da relação que ele mantém com seus alunos. Educar é um processo dialético”, explica.

O papel do professor não se confunde com o do psicólogo ou psiquiatra, mas, como o aprender envolve as emoções, ou seja, é preciso ter sensibilidade para as questões emocionais. Da mesma forma, um professor deve estar atento a problemas físicos e deve encaminhar a um oftalmologista uma criança que precisa enxergar bem para ser capaz de aprender a ler e escrever.

Ter o cuidado de entender como os processos cerebrais interferem na aprendizagem, portanto, aproxima o professor da sua função primordial de educar. “O professor não precisa ser médico, mas, se o aluno mostra sinais de uma patologia que dificulta a aprendizagem, o professor precisa identificar e encaminhar. Vale para a saúde física e mental. O professor não é o responsável pela saúde, mas por fatores de proteção”, afirma a diretora do NeuroConecte.

Adriana Fóz reconhece que o excesso de preocupação com os caminhos do cérebro pode até atrapalhar

O discurso das neurociências como uma panaceia para os problemas em sala de aula acaba fazendo com que a divulgação científica séria fique deixada de lado

O principal para os professores é entender que o cérebro se modifica, se reorganiza, se renova; fenômeno chamado plasticidade cerebral, pontua a neuropsicóloga Adriana Fóz

na rotina. “A situação de aprendizagem no espaço escolar tem uma especificidade, que se dá naquele momento, e que não deve ter excesso de preocupação de como funcionam os processos de aprendizagem”, diz.

Segundo ela, o principal para os professores é entender que o cérebro se modifica, se reorganiza, se renova; fenômeno chamado plasticidade cerebral. “O cérebro é plástico quando se desenvolve na infância, na adolescência e sempre que se aprende. Essa última forma de mudar o cérebro é a vocação da educação”, explica.

Portanto, na prática docente, não é necessário entender o papel da dopamina no sistema de recompensa, defende Adriana. “Há professores que se interessam, mas nenhum precisa saber detalhadamente dos mecanismos. O que é interessante — e o que ajuda no dia a dia — é o professor entender, por exemplo, que o adolescente vai ter menos sensação de prazer, que a emoção do adolescente suprime a capacidade de decisão. Quando briga, quando sofre alguma ameaça, quando se sente péssimo por algum motivo, não vai conseguir pensar na prova”, exemplifica.

Para não precisar se tornar um especialista em cérebro e ainda assim ser capaz de ‘dar a volta toda’ e entender o que se passa no processo de ensino e aprendizagem sob diversos ângulos, o caminho para os professores deve incluir formações de qualidade. “Temos visto uma explosão de cursos, vários sites, páginas no Instagram, e muita porcaria. O processo de formação docente nessa área precisa ser muito cuidadoso, valorizar a experiência que os professores já têm, e ser orientado por profissionais sérios”, aconselha Adriana.

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Arquivo pessoal

NEUROCIÊNCIAS

Antes da sala de aula

Quando se trata de incluir conhecimentos sobre o cérebro na educação, a maior parte tem ficado sob responsabilidade do professor. Contudo, há diversos fatores externos que influenciam no cérebro e sua capacidade de aprender, como sono, alimentação, e ambiente seguro. São pontos que dependem muito mais de políticas públicas amplas do que escolhas pessoais dos docentes em sala.

“Não é papel do professor tratar uma depressão, nem alimentar fisicamente o aluno. Mas uma criança que não comeu bem tem menos capacidade de manter a atenção. E a desnutrição na infância vai ter consequências no desenvolvimento; não há plasticidade que dê conta de mudar isso depois”, alerta Adriana Fóz.

Entra ainda na conta das políticas públicas mais amplas a necessidade de promover atividades físicas ao longo de toda a vida escolar. Embora a relação mais óbvia seja com a saúde física, pesquisas em todo o mundo já comprovaram que os exercícios ajudam no desenvolvimento cerebral.

Questões relacionadas à hora de dormir e acordar também afetam a capacidade de aprender. De forma geral, a privação traz problemas de consolidação das memórias, mas especialmente na adolescência o ho-

rário para acordar muito cedo é prejudicial. “Hoje é difícil um educador falar que dormir é perda de tempo, algo que se ouvia com frequência 30 anos atrás. A informação chegou, mas mudar os horários da escola é complexo”, afirma Fernando Louzada.

O pesquisador acredita que é uma pena que, depois de toda a flexibilidade oferecida durante a pandemia, as escolas tenham voltado exatamente para a rotina de antes, sem fazer concessões para quem tem mais dificuldade de estar atento logo cedo. Apesar de serem complexas, as mudanças de horário são possíveis. “Nos EUA eles foram muito pragmáticos. Os economistas calcularam o prejuízo da privação de sono, quantificaram o gasto com as faltas e o mau desempenho. Levando para esse lado, atrasar o início da aulas deixou de ser gasto”, relata.

Os esforços dos docentes em aprender sobre o funcionamento do cérebro só terão significado se as crianças chegarem para estudar já alimentadas, com o sono em dia, tendo praticado exercícios físicos e vivendo um ambiente que garanta a estabilidade emocional. “Se você consegue garantir esse patamar, outras questões vêm depois”, conclui Louzada.

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Shutterstock

Escola é organismo vivo

Colégio se transforma e oferece aprendizagem 100% digital a partir do 8º ano, isso sem deixar de desenvolver competências socioemocionais e projeto de vida

Se o desafio da educação é integrar o digital na educação, o Colégio Sir Isaac Newton já avançou nessa etapa. Localizada na cidade de São Paulo, a instituição começou em 2022 a implantação de um projeto para então oferecer às turmas a partir do 8º ano aprendizagem 100% digital. Entre as dinâmicas está a abolição dos livros didáticos impressos, uma vez que o colégio entende que os livros didáticos são responsivos e estão no portal. Essa alternativa vem sendo tentada em vários países, e naturalmente a resposta virá da avaliação do aprendizado. Num mundo em transformação, Marcos Roberto da Ponte está otimista, afinal tecnologia é o habitat dessa geração, diz ele, que é o presidente da Associação Sir Isaac Newton, mantenedora do colégio.

Durante a implementação dessa nova proposta, a es-

cola direcionou seu trabalho não só para os alunos, mas também no auxílio aos professores, que passaram por uma nova formação para compreenderem o funcionamento do portal digital e assim orientarem os estudantes.

Otavio Augusto Moreira, diretor do colégio, conta que os estudantes se tornaram mais participativos devido à inserção do ensino digital na instituição. “Como retorno, temos os resultados no desempenho dos nossos alunos nas aulas, nos vestibulares e nas Olimpíadas de Conhecimento. Além de terem uma participação maior nas aulas, interagem muito mais entre eles e com os professores. Percebemos o desenvolvimento em relação às ferramentas digitais, chegando a um protagonismo real”, destaca.

O diretor ainda reforça que a instituição investiu na criação de um ambiente de aprendizagem disruptivo, o Espaço Inovação, formado por um conjunto de salas e mobiliários que facilitam o desenvolvimento integral do aluno.

Turmas a partir do 8º ano são 100% digitais

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DA ESCOLA Série apoiada pela
FUTURO
Colégio Sir Isaac Newton, São Paulo Colégio Sir Isaac Newton/divulgação

TECNOLOGIA E CUIDADO HUMANO

O Colégio Sir Isaac Newton diz que é possível abraçar a tecnologia digital sem esquecer do lado humano. “Nossa instituição é um organismo vivo e em constante modificação, com forte atuação no projeto pedagógico, no qual o aluno é o protagonista por meio do método sociointeracionista, aliado a uma estrutura física e tecnológica de ponta, o que nos torna referência no mercado educacional”, afirma o presidente Marcos Roberto da Ponte.

Otavio Augusto enfatiza que a instituição se preocupa, para além da formação acadêmica, com o desenvolvimento socioemocional dos alunos. A formação acontece, por exemplo, com o suporte de materiais didáticos. Na educação infantil e fundamental 1, utilizam materiais para desenvolverem atividades práticas e lúdicas. Há recursos que também trabalham o projeto de vida e a atitude empreendedora. Já no fundamental 2 e ensino médio, existe integração de conhecimentos que visa preparar o aluno para a sociedade.

A instituição é um organismo vivo e em constante modificação, em que o aluno é o protagonista por meio do método sociointeracionista, e aliado a uma estrutura física e tecnológica de ponta, diz o presidente Marcos Roberto da Ponte

Otavio Augusto Moreira, diretor do colégio, conta que hoje os estudantes se tornaram mais participativos devido à inserção do ensino digital

O Colégio Sir Isaac Newton mostra que é possível abraçar a tecnologia digital sem esquecer do lado humano

“Nessa fase dos anos finais do ensino fundamental e no decorrer do ensino médio, desenvolvemos a integração dos conhecimentos tecnológicos, científicos, filosóficos, éticos e estéticos, objetivando a formação integral da pessoa e sua atuação na sociedade contemporânea. O resultado são indivíduos conscientes na construção de sua vida com liberdade, autonomia, responsabilidade e compromisso com o bem comum”, explica Otavio Augusto.

GESTÃO ESCOLAR

Para Marcos Roberto, presidente da Associação, mais do que nunca as escolas precisam se modificar. É preciso que antecipem o futuro, proponham situações e problemas para os alunos, e atuem como uma consultoria para os estudantes.

Já os mantenedores e gestores devem “proporcionar estruturas adequadas e tecnologias inovadoras que realmente façam a diferença na vida dos alunos”, orienta Marcos Roberto.

“Se as escolas tiverem a capacidade de serem curadoras competentes para os jovens, acredito que poderemos formar os sonhados cidadãos com as devidas habilidades e competências para o século 21”, finaliza o presidente.

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Fotos: Colégio Sir Isaac Newton/divulgação

Quais crianças os quadrinhos representam?

Imaginativas, ingênuas, mas também sábias são alguns dos estereótipos encontrados na linguagem dos quadrinhos sobre representação infantil

| da revista Educação Infantil

Cascão, Mafalda, Calvin, Charlie Brown e sua turma. Personagens infantis que perpassaram a infância e se mantêm vivos no imaginário adulto de diversas gerações. Mas, que crianças eles representam?

Qual concepção de infância simbolizam?

A análise do funcionamento dos estereótipos de criança no discurso humorístico é o objeto de estudo de Márcio Antônio

Gatti em sua tese de doutorado, defendida na Universidade Estadual de Campinas.

Em boa parte dos textos, a criança é representada pela imagem de ‘incompletude’, revela o estudo. Isso se dá porque, na construção de estereótipos, a criança é normalmente vista com relação ao adulto. No campo humorístico, ser criança é basicamente estar ‘fora do

normal’. “Mas não do normal enquanto criança, mas diferir de um padrão normal do adulto. Constitui-se, assim, como o Outro do adulto, ou, numa ordem inversa, o adulto se constitui como o Outro da criança”, escreve Márcio.

Por outro lado, o que é ‘esperado’ na criança — atitudes em contraposição a ‘coisas que o adulto não faz’ — também é objeto do humor. Ao serem exageradas, se tornam cômicas. Um exemplo usado pelo autor é a imaginação infantil. Analisando três tiras de Calvin e Haroldo, Márcio mostra como elas exploram basicamente dois estereótipos infantis: crianças são ‘imaginativas’ e ‘incansáveis’. “O exagero na representação desses traços estereotípicos contribui, nas tiras, para ressaltá-los como verdades (...)”, descreve Por outro lado, a ‘anormalidade’ é usada para ressaltar que a criança pode também, no campo humorístico, dizer coisas que ao adulto seriam proibidas. “Mesmo que à criança propriamente dita, isto é, à criança verdadeira, não possamos atribuir este papel, dada a sua conhecida imaturidade”, destaca o autor, lembrando que “não estamos querendo defender que as crianças são assim

Analisando três tiras de Calvin e Haroldo, Márcio mostra como elas exploram basicamente dois estereótipos infantis: crianças são ‘imaginativas’ e ‘incansáveis’
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EDUCAÇÃO INFANTIL
Bill Watterson /Reprodução

Uma coisa é o modo como a ciência vê os sujeitos e as crianças, outra é o modo como a sociedade os vê, como os discursos os representam

vistas pela ciência. Uma coisa é o modo como a ciência vê os sujeitos e as crianças, outra é o modo como a sociedade os vê, como os discursos os representam. É aqui que podemos defender a ideia e a hipótese geral da ‘incompletude’.

Questões de gênero também ficaram claras no trabalho. Quando se analisam as diferenças entre os estereótipos de meninos e meninas, há uma relação intrínseca com o processo civilizador. Para os meninos, um

traço estereotipado é bastante relevante: a incorreção. “Mostramos como várias imagens de criança são fruto de nossa própria ‘evolução’ civilizatória. Assim, tanto no caso da diferenciação da representação de meninos e meninas, como também traços como a falta de higiene são tipicamente oriundos do processo civilizador”, escreve Márcio. O autor ressalta, entretanto, que a visão estereotipada não é, necessariamente, uma visão negativa ou preconceituosa.

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Peanuts Worldwide LLC/divulgação Shutterstock

O cerco irrefletido da proibição de celular na escola

Jovens padecem da falta de projeto educativo consistente e sistemático das famílias e das escolas para uso adequado, saudável e responsável desses aparelhos

| Por João Jonas Veiga Sobral

Muitas escolas decidiram, neste primeiro semestre, proibir o porte do celular em sala, no convívio escolar no ensino fundamental, nas saídas pedagógicas e nos estudos do meio.

Quando anunciadas as medidas, nas primeiras reuniões entre família e escola, houve aplausos efusivos dos pais, talvez porque eles mesmos não conseguissem mais impor limites e monitoria mínimos e razoáveis para o porte e o uso dos aparelhos pelas crianças e pelos adolescentes. No entanto, de forma contraditória, ficaram incomodados quando o veto se estendeu para os estudos do meio, sobretudo porque a regra tirou-lhes o conforto e o controle (precário?) que poderiam ter dos filhos em viagem de três a cinco dias. Já houve relatos de que alguns pais, em conluio com os filhos, burlaram a regra e permitiram que os smartphones fossem levados clandestinamente na bagagem.

As justificativas dos colégios para a interdição dos aparelhos e similares se basearam em constatações óbvias: perda de concentração dos alunos, prejuízos cognitivos na aprendizagem, indisciplina, bullying digital, ansiedade dos jovens, maus resultados no Pisa, perda de habilidades motoras e por aí vai. A medida chegou tarde às escolas brasileiras e, em muitas instituições, de forma atabalhoada e improvisada e revelou mais desespero da comunidade educativa (pais e escolas) do que um debruçar consistente, lúcido e estudado da situação que há anos já se anunciava perigosa e até catastrófica.

Executivos do Vale do Silício e das big techs há mais de 10 anos já limitavam o uso do celular e de tablets pelos fi-

lhos e os matriculavam em escolas primordialmente analógicas, tão criticadas pelos entusiastas da modernidade, com quadro-negro, giz, cadernos, livros, caneta, lápis, borracha, réguas, paredes forradas de produção acadêmica de crianças. Nada produzido pelas impressoras.

No coração e no epicentro da economia digital, os aparelhos digitais já eram proibidos nas escolas sob a justificativa de que educação tem de ser um processo criativo e crítico; sobretudo no ensino fundamental. Eles compreendiam que o que desencadeia o aprendizado é a emoção, a criatividade e os afetos, e isso dependia exclusivamente da interlocução humana, porque somos nós, e não as máquinas, que produzimos esses processos. Entendiam também que crianças e

As justificativas dos colégios para a interdição dos aparelhos se basearam em constatações óbvias: perda de concentração dos alunos, prejuízos cognitivos na aprendizagem, indisciplina, bullying digital, ansiedade dos jovens
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DIÁLOGOS

O que se temia lá no Vale do Silício vem se concretizando de fato, por conta de um estímulo demasiado e pouco reflexivo dos celulares

mílias e das escolas para uso adequado, saudável e responsável desses aparelhos.

Não podemos dizer que os adultos que educaram e educam essas duas gerações foram surpreendidos com os resultados preocupantes que o uso intenso dos celulares provocou. Se há mais de 10 anos havia pelo mundo exemplos de uso responsável, limitado e restrito dos telemóveis e dos tablets, por aqui havia um encantamento obtuso e deslumbrado por eles. Com as metodologias ativas, com as estações por rotação, com as salas de startups, etc., defendia-se o uso para valer pelas crianças nas escolas. E, em casa, por comodidade e por falta de tempo dos pais na interlocução com os filhos, o uso foi liberado de forma pouco responsável. Deu-se o celular sem um pingo de formação para o uso.

adolescentes postos horas diante de uma tela perderiam habilidades cognitivas, motoras e relacionais fundamentais para o convívio social e para o desenvolvimento humano. Esses executivos temiam pelo futuro das crianças cujos pais e colégios estimulavam desde cedo o uso desses aparelhos em casa e nas escolas. Acreditavam que em 15 anos, quando os jovens se tornassem adultos, teriam sérios problemas cognitivos, emocionas e relacionais.

Hoje, os recrutadores de RH vêm sofrendo para encontrar na geração Z, vítima desse estímulo, profissionais capacitados cognitiva e emocionalmente. Há relatos de que alguns jovens não conseguem se concentrar com qualidade no trabalho e muitos postulantes a um emprego levaram os pais para entrevistas. O que se temia lá no Vale do Silício vem se concretizando de fato, por conta de um estímulo demasiado e pouco reflexivo dos uso dos celulares.

Esse é o primeiro reflexo de uma geração que, no Brasil, foi fartamente incitada a usar smartphones em casa e na escola. A geração atual, por sua vez, não só usou de forma potencializada celulares e tablets em casa e na escola, como foi amplamente estimulada pelas escolas a fazê-lo, na contramão do que se fazia no Vale do Silício e em muitos países da Europa que obtinham resultados mais significativos em exames de escala mundial.

A geração atual, que usou incessantemente celular durante a pandemia, tornou-se refém das redes sociais, de sites problemáticos como o Discord, de influenciadores, de deep web, de fake news, de correntes perigosas no WhatsApp. Além disso, ela padece do vício de estar conectada à internet o tempo todo e da falta de um projeto educativo consistente e sistemático das fa-

Quando o desespero bateu à porta, escolas o proibiram e pais aplaudiram a decisão, embora em casa a dependência ainda corra frouxa. O celular, nos colégios, foi jogado para debaixo do tapete e lá encontrou alguns descasos educacionais jogados há mais de 10 anos: desenvolvimento de habilidades de leitura sólida para identificar fake news com apoio de todos os componentes disponíveis nas grades curriculares, cursos de cidadania analógica e digital, propostas de atividades em que os jovens aprendam a falar e a dialogar com polidez e tolerância, projetos de ensino que ajudem os jovens a dar conta de si mesmos, das regras de convívio, das dores e angústias, das relações interpessoais e de sua formação sociopolítica.

E assim, muitas escolas acreditaram que banimento do celular em sala de aula é a varinha de condão que trará para as salas de aula alunos interessados em aulas mecânicas e desinteressantes, atentos, críticos, emocionados, altruístas, bons de cálculos, solucionadores de problemas, levantadores de hipóteses, criativos e capazes de — quando abrirem a tela dos seus aparelhos — discernir com clareza as fontes razoáveis de pesquisa e refutar todas as mentiras e as picaretagens que existem nas redes sociais e na vida.

Talvez seja necessário olhar com mais cuidado o que está embaixo desse tapete.

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João Jonas Veiga Sobral Escritor, professor de língua portuguesa e orientador educacional

ENTRE MARGENS

Educação como meio de controle social

Não há apenas ‘dificuldades de aprendizagem’; há, sobretudo, inconfessáveis

‘dificuldades de ensinagem’

| Por José Pacheco

Caldas da Rainha, 13 de fevereiro de 2044

Nos idos de 20, proliferavam ‘inovações’ na internet. Psicólogos protagonizavam ‘lives’ de autoajuda. Médicos davam formação sobre ‘neuroeducação em sala de aula’. Economistas introduziam o ‘e-learning em sala de aula’. Filósofos discorriam sobre ‘computação ubíqua em sala de aula’. Universitários, que jamais haviam produzido algo inovador, eram pagos para proferir palestras sobre… ‘inovação’. E colaboravam com empresas oportunistas no ‘negócio da China’ dos grandes congressos e cursos online.

Uma crise ética se instalara. E um sindicato atento à voracidade de “grupos abutres de educação a distância” (sic) lançava avisos:

“Em tempos de crise, podem aparecer alguns, tentando se aproveitar do desespero das escolas, para vender. Este é um alerta que nós temos a obrigação de fazer pois essas pessoas usam informações e pesquisas para tentar convencer os mantenedores a comprar seus serviços”.

A educação continuava ainda a ser justificada mais como meio de controle social do que como instrumento de aperfeiçoamento pessoal. Com efeito, a teoria e a prática educacional tinham transferido a base filosófica da educação do político para o técnico, cuja primazia era entregue à eficácia e ao controle.

A organização do trabalho escolar continuava centrada em tarefas que tinham uma base de informação igual para todos, o mesmo tipo de meios e técnicas para todos, provas individuais de adaptação ao padrão exigido para o ‘aluno médio’ (padrão de capacidade ao qual se compara cada aluno individualmente).

Um dos maiores óbices à mudança residia no permanente julgamento e classificação do aprendiz, que invalidava qualquer esforço no sentido da autorresponsabilização.

O conceito de ‘classes’ (ou da eufemística designação de ‘ano de escolaridade’) estava associado a uma suposta homogeneidade organizada em sucessivas etapas. Infelizmente, a psicologia, que se alheara de dimensões que

estiveram na sua génese como ciência, sancionava ‘cientificamente’ situações em que o aprendiz que, num tempo preestabelecido pelo ensinante, não absorvera a parte do programa correspondente, repetisse, desde o início, um mesmo ciclo de estudos.

A insistência na constituição de classes ‘homogêneas tomava por referência o argumento de que seria possível agrupar indivíduos com um nível intelectual comum. Mas, o processo de autoconstrução do conhecimento era inconciliável com a ideia de classe ‘homogênea’.

Muito menos se poderia admitir a manutenção paralela às classes ‘normais’, de grupos ditos ‘especiais’. A inadaptação não era exclusiva do aluno. Ela era, sobretudo, uma inadaptação da escola. Não havia apenas ‘dificuldades de aprendizagem’; havia, sobretudo, inconfessáveis ‘dificuldades de ensinagem’.

Como estava escrito no início do texto do projeto da Ponte, em 1976:

“Nós, professores, deveremos ter mais dúvidas do que certezas”.

Entre os ensinantes ainda existia uma forte tendência para considerar os aprendentes como entidades fechadas sobre as quais se pode agir exteriormente e não como ‘sistemas auto-organizados’ que promovem o seu ‘fecho’, num ‘fenômeno de auto-eco-organização extraordinariamente complexo que produz autonomia’.

Era, mais uma vez, o mestre Morin a questionar a eficácia e eficiência dos adeptos da ‘programação’ refletida na produção dos ‘bons alunos’ desprovidos de iniciativa. Impedia-se o jogo dos opostos, em que se temperavam dependências e autonomias não programáveis. Afinal, o que conferia dignidade ao ato educativo?

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José Pacheco Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal) josepacheco@editorasegmento.com.br

Apresentado por

CNA apresenta soluções inovadoras do CNA NA ESCOLA e da Ctrl+Play na Bett Brasil 2024

Pelo terceiro ano seguido, o CNA estará presente na Bett Brasil, maior evento dedicado à Inovação e Tecnologia para a Educação na América Latina. Em sua 29ª edição, a feira terá como tema ‘Inovação com propósito: Educação em diálogo com as transformações sociais’.

A Bett Brasil 2024 debaterá a relevância da educação para o desenvolvimento do país. Ao destacar a importância da educação inclusiva e de qualidade, a temática do evento vai ao encontro dos propósitos do CNA, cuja missão é “Educar para o desenvolvimento das pessoas e a construção de uma sociedade melhor”.

Neste ano, o CNA levará ao evento as soluções do CNA NA ESCOLA, programa bilíngue elaborado para atender as instituições de ensino dentro de suas próprias instalações com soluções que atendem tanto a matriz curricular dos colégios parceiros quanto a solução Extracurricular, que visa oferecer cursos para o período estendido dessas instituições. A novidade fica por conta da apresentação da Ctrl+Play, rede especializada no ensino de programação e robótica para crianças e adolescentes. Trata-se da primeira aquisição da rede de idiomas em mais de 50 anos.

O CNA NA ESCOLA torna a experiência do ensino de idiomas dentro das escolas mais completa, auxiliando-as no processo de implantação de seu programa tanto na matriz curricular quanto nas aulas no período estendido. Com uma proposta personalizada e em consonância com as principais demandas educacionais, como alinhamento à BNCC (Base Nacional Comum Curricular), trabalho com metodologia de aprendizagem baseada em projetos (PBL) e aprendizagem integrada de conteúdo e linguagem (CLIL), o programa estimula o pensamento lógico, colaboração, autonomia e capacidade para resolução de problemas.

Já a Ctrl+Play oferece a crianças e adolescentes um ensino de programação e robótica com o propósito de instigar o planejamento e execução de novas ideias, aprimorar o potencial argumentativo, a comunicação e o autoconhecimento, desenvolver o pensamento crítico criativo e estético, além de empoderar os alunos em relação à cultura digital e como fazer bom uso dela. Afinal, em um mundo movido por tecnologias é fundamental que as crianças tenham domínio sobre elas e passem a usá-las de maneira ativa, participando das inovações e se preparando para um futuro digital bem-sucedido para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.

Além de contar com toda a equipe para atendimento e demonstrações e para apresentar suas soluções e novidades, o CNA promo -

verá em seu estande uma série de palestras: as Bett Talks, que serão falas conduzidas por diversos especialistas em ensino de idiomas, robótica e programação. Entre os assuntos que serão apresentados durante os quatro dias de Bett Talks, destacamos:

• “O impacto da Inteligência Artificial Generativa na prática docente de professores de inglês no Brasil”;

• “Compondo uma prática acolhedora à neurodiversidade”;

• “Desbravando o potencial da gamificação na Educação Básica”;

• “Integrando Saberes: A importância da interdisciplinaridade entre programação de games e ensino de idiomas”;

• “Por que ter certificados internacionais provando e aprovando o ensino bilíngue no Brasil?”;

• “Resolvendo problemas e desenvolvendo habilidades por meio de projetos”.

Compartilharemos com o público a nossa participação em grandes eventos internacionais de Educação. Discutiremos os aprendizados do TESOL 2024, convenção internacional para professores de inglês do mundo todo, além das novidades da Bett UK, o maior evento de educação e tecnologia do mundo.

Para o CNA, participar de discussões tão relevantes para o futuro da educação, no maior evento dedicado ao tema na América Latina, é de extrema importância já que, além de apresentar soluções inovadoras, teremos a oportunidade de discutir questões fundamentais sobre as principais tendências educacionais e que terão impacto significativo no futuro da Educação no Brasil.

Para acessar a programação completa dos quatro dias de Bett Talks e saber mais sobre nossas soluções, acesse o QR Code abaixo.

CNA na Escola: a ponte para o mundo bilíngue.

Aponte a câmera e saiba mais:

Fale com a gente:

cnanaescola@cna.com.br

(11) 3053-3923

http://conteudo.cnanaescola.com.br/cna-na-escola

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