Revista Educação 304 junho-julho 2024

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Bernardete Gatti

Não podemos confundir educação com ensino Docência

Qualidade das escolas de Sobral influencia faculdades locais

revistaeducacao.com.br

EDUCACAO

Fim das licenciaturas online exclui seu grande público

Mudanças climáticas

Ao conscientizar estudantes de seus papéis, escolas têm formado líderes para atuarem de forma coletiva na prevenção ou redução de desastres-crimes ambientais

Seca extrema em

no estado do Amazonas constata alerta de cientistas de um caminho sem volta

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Transformando o país pela educação.

CARTA AO LEITOR

Agir para sobreviver

Amatéria de capa desta edição (pág. 20) é mais uma maneira de constatar o compromisso do jornalismo com informações verídicas na construção — e manutenção — de uma sociedade mais justa e saudável. Os desastres ambientais precisam ser reconhecidos como crimes, resultados de um modelo que só pensa em sugar as riquezas do planeta. Nesse processo, a educação tem um papel belíssimo de, ao levar informação aos estudantes, despertar em cada um maneiras de reverter ou amenizar os problemas.

Conheça na reportagem desta edição histórias de quem atua em honrosas missões, como o trabalho do geógrafo Pedro Carignato Basílio Leal, no Instituto de Pesquisa Ambiental (IPA), órgão vinculado ao governo do estado de SP, o qual potencializa a importância da escola no território em que está instalada. É o tão falado agir em comunidade. E é justamente a esse agir com o coletivo que a jovem liderança indígena Txai Suruí convida nesta mesma reportagem. O que não podemos é tapar os olhos e achar que está tudo bem. As constantes enchentes e deslizamentos são exemplos do quanto o “não retorno” alertado por cientistas já está acontecendo ou cada vez mais perto — constatação apresentada nessa reportagem por uma das maiores especialistas em mamíferos aquáticos amazônicos, Miriam Marmontel.

Já a entrevistada desta edição é Bernardete Gatti, uma das principais referências em formação docente no país, a qual resgata que a educação é um fenômeno relacional. Ela compartilha sua atuação agora como titular da Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica (IEA/USP). Leia na página 8.

EDUCACAO

A revista Educação, composta por edições digitais e impressas, site, redes sociais e eventos, é publicada por RFM Editores

Ano 28 - Nº 304

junho julho de 2024 ISSN 1415-5486

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Sua Escola Ideal Two Sides

Colaboraram nesta edição

Alexandre Sayad

Damaris Silva

Fernando José de Almeida

João Jonas Veiga Sobral José Pacheco

Luciana Alvarez

Maria Eugênia

Patrícia Giuffrida

Paulo de Camargo

Rubem Barros

Simône Midori Maki (diagramação) Maria Stella Valli (revisão)

COMERCIAL

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ATENDIMENTO

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Revista Educação 4
Boa leitura, redação
REVISTA
Imagem de capa Miguel Monteiro/ Instituto Mamirauá
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Mudanças climáticas

Ouvir o outro e o seu entorno tem sido exercícios praticados em escolas públicas por meio de projetos que, ao buscar prevenir ou diminuir os impactos dos crimes-tragédias ambientais, estimulam o protagonismo juvenil

ENTREVISTA

Bernardete Gatti

Nova titular da Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica (IEA/USP) orienta que os tempos atuais exigem novos modelos na interação entre estudantes e docentes

Equipe do Instituto Mamirauá ano passado, durante a mortandade de botos no lago Tefé, Amazonas

Há quase 30 anos dando continuidade às mesmas reformas educacionais, em Sobral, CE, política de formação continuada docente e de gestão tem inspirado também a formação inicial da região

Fim das aulas

Proibição dos cursos EAD para formar professores cobre a cabeça e descobre os pés do ensino superior brasileiro. Milhares de alunos não terão acesso às licenciaturas, e a questão da qualidade continua em aberto

ENSAIO

Fernando José de Almeida

“Quem, em sã consciência, defenderia a ignorância como estado de espírito e destino da humanidade? Haverá vantagens em não saber? Será a ignorância um benefício a ser distribuído fartamente ao ser humano?”

Revista Educação 6 17 Transformação 32 Midiática 34 Futuro da escola 36 Leitura 41 Gestão 44 Diálogos 46 Entre margens SUMÁRIO e mais
DOCÊNCIA 14 Escola e universidade 8
20 CAPA
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Miguel Monteiro/Instituto Mamirauá
EAD 26
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Calasans/IEA-USP

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Revista Educação 7

ENTREVISTA

“Não podemos confundir educação com ensino”

Nova titular da Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica (IEA/USP) diz que os processos de ensino e aprendizagem não podem perder sua dimensão relacional e que os tempos atuais exigem novos modelos na interação entre estudantes e docentes

“Temos uma educação que não abre espaço para a criatividade. As avaliações das crianças demandam conteúdo e mais conteúdo”

Bernardete Angelina Gatti é quase um sinônimo de imersão no universo da formação docente no Brasil. Formada em pedagogia pela USP e doutora em psicologia pela Universidade Paris VII, ela foi empossada em 22 de abril deste ano como titular da Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica, do IEA/USP (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo).

Criada em 2019 com apoio do Itaú Social, a Cátedra tem como objetivo refletir sobre a educação básica pública brasileira e propor caminhos para as políticas públicas.

Em 2021, foi rebatizada, agregando o nome do professor Alfredo Bosi, intelectual que, além de referência nos estudos e na crítica literária, foi um defensor constante da educação pública de qualidade.

Bernadete Gatti, cuja carreira está identificada com as pesquisas educacionais realizadas pela Fundação Car-

Revista Educação 8
Gustavo Morita da revista Educação

los Chagas, da qual foi superintendente de educação e vice-diretora, já era membra do Conselho Consultivo da Cátedra. Como frisado em sua posse, a instituição aposta num trabalho coletivo que já resultou em várias reflexões, pesquisas, cursos e colóquios, disponíveis no site (https://catedraeducacaousp.org).

Segundo a professora, que também é membra do Conselho Estadual de SP e da Academia Paulista de Educação, além da continuidade das atividades atuais, o próximo ano será marcado por pesquisas em cinco áreas temáticas, material que deverá resultar em um livro a ser publicado em 2025.

Em seu olhar sobre a formação docente, Gatti aponta a necessidade de não se perder a noção de que a educação é um fenômeno relacional, que deve ser pautada por uma ética social. E a formação inicial precisa ser mais integrativa, base para uma nova modelagem da escola.

Em seu discurso de posse na Cátedra Alfredo Bosi fez um alerta de que precisamos nos preocupar mais com a dimensão humana da formação docente, negligenciada em prol de aspectos de ensino e aprendizagem, como se a educação se restringisse a isso. Realmente, não podemos confundir educação com ensino. Existem muitas discussões, pesquisadores e teóricos da educação que têm chamado atenção de que é preciso associar o ensino a posturas e valores. É preciso prestar atenção ao trabalho do professor, pois ele é um exemplo para os alunos, que olham a maneira como ele fala, se comporta, adentra a sala de aula.

duto que beneficie o bem comum. É muito importante não confundir educação e ensino, pois tratamos o ensino como algo essencialmente cognitivo, como se fosse possível educar o aluno só do nariz para cima, só pensando em seu cérebro, quando na realidade trabalhamos com a formação de uma pessoa. A ideia da educação integral vai nessa direção, de considerar os alunos não só na sua integralidade como seres humanos, mas também como seres relacionais, que dependem uns dos outros para viver.

Quando se fala em ensino e aprendizagem, isso traduz uma visão mais tecnicista da educação, enquanto a educação acrescenta um sentido ético ao processo de conhecimento?

Gatti aponta a necessidade de não se perder a noção de que a educação é um fenômeno relacional, que deve ser pautada por uma ética social

Um sentido humanístico-ético. Eu diria uma ética social, para enfatizar que somos dependentes, relacionais.

Hoje há valorização das competências socioemocionais. Isso não decorre da supervalorização da aprendizagem e do absoluto esquecimento de outras dimensões da educação? Essas competências não são novas roupagens de coisas que estão na educação desde os gregos?

Tem razão. As socioemocionais foram cunhadas como reação ao excessivo tratamento cognitivista que se põe na educação. Isso vem nessa direção, mas desde sempre cognição e afeto, cognição e emoção são inseparáveis. A psicologia social da educação, a própria psiconeurologia mostram isso, não dá para separar. Conhecimento é emocionado, aprendizagem é emocionada, causam sensações. Nesse sentido, o socioemocional foi uma reação retórica.

As atitudes não se formam por regras, por você vomitar um conhecimento. Elas se formam por se levantar questões em situações nas quais valores são importantes e certas atitudes também. Mas o professor não está preparado para lidar com essas situações, e nem para tratar os seus conteúdos de modo valorado, que tenham um significado para o coletivo humano e como um pro-

Apesar de muito importante no mundo contemporâneo, por vezes o papel da tecnologia parece supervalorizado, como se pudesse, por si só, resolver muitas coisas na educação.

Nesse mundo marqueteiro e consumista em que estamos vivendo, vira o brilho de uma joia que está sendo vendida, mas o brilho de uma joia falsa. A tecnologia não

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ENTREVISTA

tem uma existência independente do ser humano, depende dele, pois é criada por ele e tem um formato que esse ser humano dá para ela. Mesmo a inteligência artificial (IA) não é um ser independente. Tem uma base de dados, tem uma maneira de os algoritmos acionarem essa base de dados, ambas criadas pelo homem. É mais uma questão de venda do que de representação social, de essência. No entanto, a tecnologia, o mundo virtual da maneira que vem se desenvolvendo, é muito importante para a educação. Tem de ser utilizado dentro dos fins da educação. O que queremos é que esteja a serviço da educação do ser humano. Infelizmente, os professores não estão preparados para lidar com as tecnologias que aí estão e incorporá-las na preparação e no desenvolvimento de suas aulas, utilizá-las para fins educativos de forma construtiva, de tal maneira que o aluno também seja um partícipe nessa construção. Nesse aspecto, temos muitos problemas com a formação dos professores.

Ao assumir a Cátedra, a senhora acentuou que se trata de um órgão de atuação coletiva. Como tal, o que terá continuidade e o que será proposto que a Cátedra assuma de agora em diante?

É uma continuidade no sentido dos meios que vamos utilizar na atuação da Cátedra, que já vêm sendo usados. Ou seja, manteremos a ideia dos minicursos para tratar de temas que possam interessar em especial à formação dos professores e à formação dos formadores; os colóquios, em que expandimos ideias, culturalmente falando, na interdisciplinaridade necessária à compreensão da realidade. Por exemplo, trazer o mundo das comunicações para problematizá-lo, ou o mundo da IA, como vamos fazer em breve, ou seja, ampliar os horizontes culturais sempre pensando que esses horizontes têm uma inserção necessária na escola porque a escola está inserida na sociedade. Isso continuará e deveremos expandir os estudos.

Realizamos muitos estudos sobre temas básicos nesses últimos quatro anos. O livro resultante (Universidade e Educação Básica - Ensaios Bosianos, 2024) – está em Obras Abertas da Universidade de São Paulo, disponível para download gratuito (https://www.livrosabertos.abcd. usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/book/1321).

E quais temas estão nesse livro?

São temas, por exemplo, sobre a questão de competências, trazendo perspectivas variadas, sem entrar numa trincheira de um só tipo de conceito, mas abrir as possibilidades de trabalhar a questão de modo intelectualmente mais aberto, diversificado; tem uma discussão sobre as questões atuais da educação básica logo na abertura, e no final há um capítulo sobre qual futuro nos espera, quais cenários e dilemas serão colocados pela educação, tentando antecipar isso.

Tratamos o ensino como algo essencialmente cognitivo, como se fosse possível educar o aluno só do nariz para cima, só pensando em seu cérebro, quando na realidade trabalhamos com a formação de uma pessoa

E também foram discutidas as questões da diversidade, da inclusão, do racismo estrutural, da aprendizagem emocional, todas as circunstâncias aí presentes. A educação envolve seres humanos se relacionando com seres humanos. Mesmo que se usem meios virtuais ou instrumentos diversos, existem pessoas de gerações diferentes em contato. Isso provoca uma série de questões, das quais decorre um capítulo muito denso. Fizemos ainda uma análise dos 100 e poucos minicursos oferecidos para tentar entender como eles poderiam ser compreendidos em subgrupos e o que emergiu de conhecimentos. O livro traz reflexões não só sobre a história da Cátedra, mas também as ideias ventiladas como fundamentais para a educação.

Em quanto tempo esses minicursos foram produzidos?

Num arco de quatro anos. Temos uma biblioteca virtual desses minicursos, também disponíveis no site da Cáte-

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Modelo hora-aula precisa ser superado, adverte uma das maiores pesquisadoras educacionais do país

dra (https://catedraeducacaousp.org). São muito consultados, mais no pós-oferta do que na hora em que são oferecidos. E temos também os colóquios e as conferências.

E o que diz o capítulo que tenta fazer previsões sobre o futuro, algo cada vez mais difícil?

Traz projeções de cenários, realizados pelos professores Luis Carlos Menezes, Sônia Jaconi e Tathyana Gouvêa. Eles lançam algumas ideias sobre as quais temos trabalhado na Cátedra, pois não é possível ignorar essas mudanças que estão acontecendo.

O que é mais instigante ou perturbador nas mudanças apontadas?

As mudanças no trabalho humano. Essa é a parte mais instigante e a educação não está muito voltada para isso. O trabalho humano vem mudando radicalmente e de forma rápida. Várias vezes houve mudanças nesse universo, mas agora elas são mais rápidas. A Cátedra tem um grupo, uma comissão executiva de 10 pessoas, que discutiu tudo isso e foi feito um balanço, coordenado pelo [professor] Naomar de Almeida Filho. Neste ano, retomamos isso e decidimos que nosso foco seria um pouco mais preciso: “A educação básica e seus agentes”.

Muita coisa foi discutida nesses quatro anos e agora vamos centrar os esforços em cinco grupos de estudos, aprofundando temáticas que podem contribuir com as discussões da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), do Plano Nacional de Educação (PNE) e das práticas educativas. O primeiro é sobre as questões curriculares (currículos efetivamente praticados e o tratamento desses conteúdos); o segundo é sobre estudos dos anos finais do ensino fundamental, que chamamos de ‘a etapa esqueci-

da’, cuja queda de desempenho dos alunos é dramática, etapa de passagem para a adolescência e de um professor ou dois para 12 ou 13; o terceiro são as questões da escola e seu entorno, a territorialidade um pouco mais ampla, as relações com a sociedade do entorno, a economia; o quarto estuda um novo conceito de trabalho e como esse conceito seria inserido na formação dos professores e nos trabalhos curriculares e dinâmicas escolares; por fim, o último estudará as metodologias ativas numa perspectiva de aprendizagem expansiva, ou seja, aquela aprendizagem que abre espaço não só para o aprender a aprender, mas para a criatividade. Temos uma educação que não abre espaço para a criatividade. As avaliações das crianças demandam conteúdo e mais conteúdo. Essa é uma nova abordagem que vem se desenvolvendo em outros países e aqui está começando a aparecer.

Os professores não estão preparados para lidar com as tecnologias que aí estão e incorporá-las na preparação e no desenvolvimento de suas aulas
Revista Educação 11
Gustavo Morita da revista Educação

ENTREVISTA

Diz respeito a considerar o lado da aprendizagem antes de considerar uma direção unilateral do ensino. É nessa direção que estamos caminhando. Esperamos produzir para o ano que vem um livro com contribuições inovadoras, com algum diferencial.

O que é possível fazer em relação à articulação entre universidades e redes públicas para combater questões como do estágio?

Algo que percebemos é que essa estrutura, do jeito que está composta na escola, precisa mudar. Desde como a sala de aula é montada, com fileiras, aulas de 50 minutos etc., esse modelo hora-aula precisa ser superado. Isso está associado à oferta de uma formação continuada que traga uma nova visão sobre o que é relacionar-se com crianças que estão entrando na pré-adolescência e vão adolescer naquele período.

Sem certas mudanças radicais e uma formação concomitante dos professores que atuam na rede, além de uma formação inicial mais integrativa, teremos poucos êxitos em dar significação para os estudantes nesse espaço. É uma fase em que já estão se perguntando quem são, porque estão ali, qual o sentido disso tudo. Há estudos na área da psicologia da educação que mostram o desânimo das crianças nesse momento, que não entendem para que serve tudo aquilo, que o picadinho de conhecimento oferecido não tem molho. Ainda não saberia dizer quais referentes vamos colocar, mas chegamos à ideia de que a modelagem da escola nessa fase de desenvolvimento e também no ensino médio não podem continuar desse jeito. Os espaços físicos de aprendizagem têm de ser ajustados a uma nova realidade, o que tem a ver com os meios que o professor poderá acionar para mudar. Outra coisa: um modo de trabalho que integre professores. Há uma parte disciplinar, mas, por exemplo, a língua portuguesa é falada em todas as disciplinas. Em tese, também pode ser ensinada em todas as disciplinas. Isso implica olhar a BNCC e o sentido dos conteúdos que aparecem ali, rever tudo isso e integrar questões da utilização desses meios mais avançados para desenvolvimento da aprendizagem, da curiosidade, da motivação, da iniciativa, da autonomia, do gosto pela busca do conhecimento, das surpresas que isso pode trazer. Há escolas que já fazem isso, inclusive públicas, apenas introduzindo por meio de projetos. Enfim, estamos dando os nossos primeiros passos.

Quem foi Alfredo Bosi

Nascido em 1936, ingressou como docente na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH/USP) em 1959. Em 1985, tornou-se titular de literatura brasileira, assunto no qual se notabilizou como historiador e crítico, com a publicação de obras como História concisa da literatura brasileira (1970), O ser e o tempo da poesia (2000) e Dialética da colonização (1992). Foi também diretor do IEA e membro da Academia Brasileira de Letras. Em sua trajetória, Bosi sempre acompanhou de perto caminhos e descaminhos da educação brasileira e defendeu sua oferta com qualidade e gratuita. Foi figura presente nos debates públicos, tanto aqueles relacionados à literatura como sobre a educação. Exemplo disso pode ser visto em Entre a história e a literatura (2013), reunião de 40 textos de formato variado, entre eles ensaios inéditos, entrevistas e textos de intervenção. Abordou então os desafios da educação e refletiu sobre sua própria formação.

Bosi: inspiração para os defensores da educação pública

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Mauro Bellesa/IEA-USP
leva

programa bilíngue de qualidade às instituições de ensino de todo o Brasil CNA NA ESCOLA

Com mais de 50 anos de atuação no mercado, o CNA é uma das maiores e mais tradicionais redes de ensino de idiomas do Brasil. Como parte da missão de educar para o desenvolvimento das pessoas e a construção de uma sociedade melhor, o CNA NA ESCOLA – programa bilíngue que atende instituições de ensino, tanto na matriz curricular quanto no período estendido – leva aos colégios parceiros uma proposta personalizada de ensino de idiomas em consonância com as demandas educacionais do século 21.

A proposta é tornar a experiência de aprendizado de idiomas dentro das escolas mais completa, auxiliando-as no processo de estruturação das nossas soluções. Graças às mais de 700 franquias espalhadas por todo o Brasil, o CNA está sempre perto de você, podendo fornecer suporte pedagógico técnico e especializado para a implantação de todas as propostas do CNA NA ESCOLA. O programa bilíngue do CNA oferece soluções com até cinco tempos por semana na matriz curricular das instituições de ensino, além de levar o ensino de inglês para o contraturno.

O CNA Elementary, solução com três tempos por semana na matriz curricular, é indicado para alunos da educação infantil até os anos finais do ensino fundamental. Uma excelente alternativa de programa bilíngue para as escolas que têm como objetivo preparar seus alunos para o mundo globalizado, sem impactar significativamente sua matriz curricular. Ao final do 9º ano, os alunos do programa poderão alcançar o nível linguístico B1 do Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas (CEFR).

Com cinco tempos por semana, o CNA Expand leva a experiência dos alunos a um nível mais alto de convívio com a língua inglesa. Ideal para alunos da educação infantil até os anos finais do ensino fundamental, é a solução perfeita para as instituições que desejam oferecer um programa bilíngue diferenciado, com contato diário com o idioma. Assim como no CNA Elementary, ao final do 9º ano, os alunos do programa poderão alcançar o nível linguístico B1 do CEFR.

Além de fornecer soluções que atendem a matriz curricular dos colégios parceiros, o CNA Extracurricular é uma forma de as escolas oferecerem aos alunos a possibilidade de acesso às aulas de inglês do CNA no contraturno. São dois tempos semanais para alunos da educação infantil ao ensino médio.

A parceria do CNA com a Universidade de Cambridge possibilita aos alunos do CNA NA ESCOLA obterem certificação internacional reconhecida em universidades do Reino Unido e de outros países com validade permanente. O programa ainda conta com material didático próprio e exclusivo, que oferece experiências imersivas e lúdicas. Os alunos das soluções bilíngues do CNA também têm acesso ao Portal do Aluno CNA, plataforma digital que disponibiliza professores online e atividades de consolidação do conteúdo aprendido em sala de aula.

Com abordagem educacional inovadora, que integra ensino de conteúdo e língua por meio do Content and Language Integrated Learning (CLIL), o programa visa desenvolver simultaneamente as habilidades linguísticas e outros campos do conhecimento, contribuindo, assim, para o desenvolvimento intelectual e do senso de cidadania global de crianças e adolescentes. A ideia é colocar os alunos no centro do processo de aprendizagem, fazendo com que eles aprendam por meio de desafios autênticos, que estimulem a busca por soluções criativas.

Faça a diferença em sua escola oferecendo um aprendizado bilíngue eficiente, com a expertise de uma das maiores e mais tradicionais redes de ensino de idiomas do Brasil.

Entre em contato com a nossa equipe e saiba como levar o programa CNA NA ESCOLA para a sua instituição.

(11) 3053-3923

https://conteudo.cnanaescola.com.br/cna-na-escola

Aponte a câmera e saiba mais:

Apresentado por

Qualidade das escolas de Sobral influencia faculdades locais

Há quase 30 anos dando continuidade às mesmas reformas educacionais, política sobralense de formação continuada docente e de gestão tem inspirado também a formação inicial da região

As críticas e divergências fazem parte da relação desde o início. Ainda assim, em Sobral, cidade cearense referência em educação pública e cuja renda média da população está abaixo de um salário mínimo, a Escola de Formação Permanente do município e faculdades que dão a formação inicial de docentes na região vêm intensificando o diálogo ao longo do tempo, em busca de aperfeiçoamento mútuo. Agora, num momento em que a cidade se prepara para mais um grande desafio, o de oferecer ensino integral para 100% dos estudantes a partir de 2025, os laços se estreitaram ainda mais.

Antes de começar sua oferta de ensino integral para todos os alunos da cidade, numa articulação entre a rede municipal e a estadual, os gestores da educação de Sobral decidiram montar um observatório para o tema. Além de monitorar o cumprimento da meta, o órgão está ouvindo professores, alunos, famílias e empresários locais para entender o que cada ator espera da mudança. A instituição que ficou responsável por coordenar os esforços é a sobralense Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). “Fomos convidados para acompanhar o ensino 100% integral das escolas de Sobral, liderando o comitê intersetorial. É um trabalho em conjunto, mas

que foi criado a partir de um movimento da prefeitura”, conta Izabelle Albuquerque, reitora da UVA. Os acertos também dizem respeito à Escola de Formação Permanente do Magistério e Gestão Educacional (Esfapege) de Sobral, criada em 2005 como parte da política educacional do município, cujo foco é a rotina escolar e não a teoria, e que vai passar a operar dentro da universidade, num movimento que pretende ajudar a fortalecer a formação inicial dos docentes. “Quando as formações forem acontecendo, a gente já vai envolver os estudantes dos últimos períodos das licenciaturas. A ideia é estar cada vez mais alinhados à educa-

O programa de formação continuada de Sobral vai passar a operar dentro da universidade, num movimento que pretende ajudar a fortalecer a formação inicial dos docentes
Revista Educação 14
DOCÊNCIA

A Escola de Formação Permanente do Magistério e Gestão Educacional de Sobral foi criada em 2005. Cidade saiu da posição 1.407 no Ideb do mesmo ano e está na melhor posição do Brasil desde 2017

ção em Sobral. Isso vai ser um diferencial. O estudante já sairá mais pronto para ser absorvido pelas escolas”, conta a reitora.

Izabelle lembra que a UVA tem sua área de influência nos 47 municípios da zona noroeste do Ceará. “Temos 9 mil alunos e 75% deles fazem os percursos para as suas cidades diariamente”, relata. A UVA nasceu como uma universidade municipal de Sobral e depois passou para o estado, mas continuou um trabalho muito próximo à prefeitura, sempre buscando atender às demandas locais. Portanto, os efeitos da aproximação dos futuros professores com as práticas positivas de educação de Sobral serão sentidos para além das fronteiras municipais. Embora a admiração atual pelas práticas da rede municipal seja quase unânime — afinal, os resultados são incontestáveis —, quando Sobral adotou como meta alfabetizar todas as crianças aos seis anos e consolidar a alfabetização aos sete anos, a ideia foi duramente criticada por vozes vindas da academia. “Fomos criticados pelas universidades, por pesquisadores da educação. Alguns colegas diziam que a gente desrespeitava o tempo de cada criança. Eu até entendo a crítica, mas via a escola particular alfabetizar todos aos cinco anos com naturalidade. Sou filho da escola pública e essa diferença sempre me inquietou mais que as

críticas”, lembra o professor Amaury Gomes, presidente da Escola de Formação Permanente do Magistério e Gestão Educacional da cidade.

Do outro lado, representantes das redes de ensino também costumam apontar o dedo para as universidades pela falta de preparo das práticas de sala de aula dos docentes recém-formados. O professor Amaury fazia parte desse coro: “Eu usava uma metáfora, de que ver um professor chegar à sala de aula pela primeira vez era como ver um alien chegar à Terra. Lá nos anos 2000, parecia que aquele professor vinha de um outro planeta. O que motivou a criação da escola de formação, em 2005, foi esse hiato entre a academia e o espaço da sala de aula”, recorda.

Sobral ainda exige que novos professores passem por uma formação de 200 horas assim que assumem o cargo, mas Gomes reconhece que a defasagem diminuiu nos últimos 20 anos. “Mudou muito, a qualidade melhorou. A Escola de Formação tem hoje vários parceiros, com universidades públicas e privadas. Isso traz mais valor. Mas nosso acompanhamento de um novo professor na rede continua muito forte; mostramos que ele não está sozinho”, conta. Há ainda encontros temáticos mensais com os formadores, sempre com a colaboração de parceiros que, em geral, vêm de universidades.

Melhores notas

Avaliações padronizadas em larga escala podem ter suas falhas, mas não deixam de ser uma régua importante para comparar o aprendizado dos estudantes. Em 2021, o Ideb (indicador de qualidade) de Sobral foi de 8 para os anos iniciais do fundamental e de 6,6 para os finais. Não se trata de um pulo acidental, mas de um crescimento acelerado e consistente. Sobral saiu da posição 1.407 no Ideb de 2005 e está na melhor posição do Brasil desde 2017. O Ideb é calculado com base em dados de aprovação nas escolas e de desempenho dos alunos no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que avalia os conhecimentos dos estudantes em língua portuguesa e matemática.

Revista Educação 15
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DOCÊNCIA

Como nem só de professores vive a escola, a formação é para todos que trabalham nas escolas: psicólogos, brinquedistas, cuidadores do atendimento especializados, etc. A cada mês são feitas 40 formações; elas acontecem em horário de trabalho, para todos comparecerem. A parceria com as universidades se estreita justamente num momento em que a demanda por formação vai crescer. “As parcerias com a academia têm se fortalecido; foi a UVA que fez uma pesquisa de campo com as famílias sobre a aderência à proposta Sobral 100% integral. E o comitê intersetorial (que conta com professores e pesquisadores universitários) tem tido discussões bem calorosas”, conta Gomes.

Para continuar sendo referência, Sobral e outros municípios cearenses trabalham constantemente, com vários parceiros e colaboradores externos, e sempre apoiados por políticas públicas, explica Maria José Costa dos Santos, professora do curso de pedagogia da Universidade Federal do Ceará (UFC), que também atua como consultora da rede estadual e já promoveu várias formações em Sobral. “Toda vez que vou a algum evento nacional de educação, as pessoas me perguntam qual é o segredo. Todo mundo quer ser como Sobral, mas quem quer arregaçar as mangas e trabalhar como Sobral?”, questiona.

A formação docente constante é um dos pilares e tem sido promovida em todo o Ceará. Para isso, os convênios com as universidades são essenciais. Mas a verdade é que o contato constante com a academia acaba retroalimentando as próprias graduações. Ao mesmo tempo que o professor universitário ajuda a preparar os professores que estão em serviço na educação básica, ele também aprende com quem está diariamente na sala de aula.

“Temos universidades que preparam de forma teórica, mas aqui nós vamos ao encontro da escola, que

“O estudante já sairá mais pronto para ser absorvido pelas escolas”, diz Izabelle Albuquerque, reitora da Universidade Estadual Vale do Acaraú e parceira do projeto com o município

O surgimento da Escola de Formação se deu pelo “hiato entre a academia e o espaço da sala de aula”, conta o professor Amaury Gomes, presidente da instituição

está mais focada no aluno, na prática. Eu, por exemplo, lidero um grupo de estudos de aprendizagem de matemática com 200 professores. Eles trazem as experiências da sala para relacionar com a teoria. É nesse grupo que eu me alimento e me fortaleço”, conta Maria José. Para ela, os convênios oficiais fazem a diferença, porque institucionalizam a relação faculdades-redes. “Quando saiu o Plano Nacional de Educação (PNE) dizendo que as escolas básicas precisariam ter 50% dos professores com mestrado ou doutorado (meta 16), as secretarias buscaram as universidades para dar formações específicas”, destaca.

Apesar de as relações estarem relativamente bem estabelecidas, a professora da UFC reconhece que “nem tudo são flores” e a escola nem sempre está de portas abertas para receber estudos e pesquisas pedidos pelos acadêmicos. “A gente ainda tem dificuldade em realizar algumas práticas, mas faz sentido, porque as redes públicas precisam mesmo ter cuidados, não podem deixar qualquer um entrar na escola. O caminho é institucionalizar os processos”, defende. E, entre os processos que ainda têm de avançar, estão as experiências dos futuros docentes dentro da escola de ensino básico.

“O aluno precisa ir para a escola desde o 1º semestre de faculdade, para estar nesse laboratório que é a sala de aula, para vivenciar e compreender qual é a realidade que vai estar esperando por ele. Os programas de bolsa ainda chegam a muito poucos”, avalia Maria José. E, nesse ponto, a visão é profundamente convergente com quem está na linha de frente da formação em serviço na rede pública. “O tempo de estágio é muito pouco. Se eu tivesse poder de decisão, as universidades iriam para dentro da escola, os cursos poderiam acontecer dentro desse laboratório vivo”, diz Gomes, presidente da escola de formação de Sobral.

Revista Educação 16
Fotos: Arquivo pessoal

TRANSFORMAÇÃO

Língua inglesa e técnica japonesa como meio para a cultura de paz

O projeto de uma professora da rede municipal de Guararema, SP, que em ações interdisciplinares com os estudantes estimula o convívio e a partilha

| Por Damaris Silva

A violência escolar tem se tornado uma preocupação crescente, e promover um ambiente seguro e acolhedor nas escolas torna-se cada dia mais imperativo. Foi com esse propósito que a Escola Municipal Célia Leonor Lopes Lunardini, em Guararema, SP, deu início ao projeto The School of My Dreams, focado em cultivar a cultura de paz entre os alunos do ensino fundamental.

O projeto foi criado pela professora Sueller Oliveira da Costa e implementado durante as aulas de língua inglesa, com o objetivo de promover comportamentos que fortalecessem a convivência saudável, focada na promoção e sensibilização para o respeito mútuo, a cooperação entre toda a comunidade escolar e a promoção de valores como a paz, harmonia e esperança.

Para isso, Sueller se valeu de ações interdisciplinares, integrando língua inglesa com artes, educação física, ciências e história. As atividades desenvolvidas incluíram a promoção de debates sobre Como seria a escola dos seus sonhos?; a elaboração de mapas mentais, que foram traduzidos para o inglês, ajudando a expandir o vocabulário dos alunos e sua conscientização sobre o tema; a coleta de perspectivas diversas por meio de entrevistas com colegas, familiares e funcionários da escola; e culminaram com produções organizadas de acordo com a faixa etária das crianças. Alunos dos 1º, 2º e 3º anos produziram um audiolivro, que recebeu o nome de The Tsuru’s Legends, em que narraram e ilustraram histórias sobre a cultura de paz.

Já os estudantes dos 4º e 5º anos produziram uma série de vídeos, que integraram os episódios de uma série também denominada Tsuru’s Legends. Além disso, todos se envolveram na produção de 1.000 origamis ins-

Atividades organizadas pela docente Sueller

Oliveira da Costa

Fotos: Arquivo pessoal

pirados pela lenda dos tsurus, reforçando a importância da paz e da perseverança.

Segundo Sueller, a montagem dos pássaros foi a etapa mais marcante para os alunos, pois sintetiza os principais valores elencados no projeto. Ao reunir todas as turmas na confecção dos tsurus, foram treinados o vocabulário referente a valores, expressões para descrever desejos, conquistas e realizações, mas, além disso, se concluiu o propósito de acreditar em um ambiente educacional próspero, e, em especial, pacífico.

O conceito da cultura de paz teve origem em África, em 1989. A expressão veio à tona em Yamoussoukro, na Costa do Marfim, durante a Conferência Internacional sobre a Paz nas Mentes dos Homens. Essa perspectiva ressalta a importância de iniciativas como The School of My Dreams, que buscam transformar o ambiente escolar em um espaço que favoreça o convívio e a partilha.

A confecção de 1.000 tsurus, com a participação de alunos e familiares, simbolizou o esforço coletivo pela paz e o projeto The School of My Dreams demonstrou que é possível transformar a escola em um lugar cuja cultura de paz é vivida diariamente.

LEIA MAIS

África: fundamentos e recursos para uma cultura de paz Disponível em https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000225535_por

Damaris Silva mestre em letras e especialista em gestão escolar

Revista Educação 17

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*Fonte Ideb 2021 | Divulgação Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Dados referentes aos anos finais do Ensino Fundamental.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Agir na comunidade, entrando pela escola

Ouvir o outro e o seu entorno tem sido exercícios praticados em escolas

públicas por meio de projetos que, ao buscar prevenir ou diminuir os impactos dos crimes-tragédias ambientais, estimulam o protagonismo juvenil

| Por Laura Rachid

Aescola pública estadual em que Raiane Cavalcante de Souza estudou está localizada em área de risco: próxima a um rio e, consequentemente, tanto a instituição quanto a vizinhança sofrem com inundações.

A EE Prof.ª Semíramis Prado de Oliveira fica em Ubatuba, São Paulo, entre os bairros do Lázaro e o Saco da Ribeira, litoral norte. Ao longo de seu ensino médio, a jovem foi contemplada com uma bolsa de iniciação científica para pesquisar, elaborar e executar um plano de contingência escolar voltado, justamente, para as alagações. “Durante o projeto, desenvolvemos a campanha Comunidade Segura, em que consegui conversar, para além da escola, com os moradores afetados. De-

“A iniciação científica me deu a luz para saber qual área que eu vou seguir e eu quero ser essa pessoa para os outros”, conta Raiane Cavalcante, hoje cursando biologia

Pedro Basilio, do IPA, atua com gestão comunitária de risco a partir das escolas. Teatro do oprimido e teatro dos afetos estão entre suas metodologias. “Spinoza falava que é o afeto como uma ação política. É fazer ciência usando o teatro”

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Arquivo pessoal
Arquivo pessoal /Pedro Basilio

pois ainda teve uma simulação desse plano de contingência”, lembra Raiane, que mora próximo à escola Semíramis Prado e hoje está com 20 anos.

O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica — Ensino Médio (PIBIC-EM) teve início em 2012, no governo Dilma, e é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por meio de 100 reais mensais. O Instituto de Pesquisa Ambiental (IPA) atua com escolas do litoral norte de SP e, ao se conveniar ao CNPq, inseriu a bolsa em seu projeto Escolas seguras — iniciação científica como prática de cidadania em escolas públicas para redução de risco de desastres (a instituição em que a Raiane estudou entrou nessa iniciativa) Hoje o IPA continua atuando nas escolas, mas sem essa bolsa. Há expectativa de ser retomada em breve.

O valor da bolsa de iniciação científica é baixo e não sofreu reajustes, porém, é um passo para estimular as juventudes a seguirem a área da pesquisa e aguçar os seus papéis enquanto agentes transformadores diante dos crimes-desastres ambientais. Tanto que hoje Raiane está no terceiro semestre de biologia, sendo a primeira de sua família a ingressar no ensino superior e, atualmente, tem uma bolsa pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “No ensino médio, a bolsa me deixou apaixonada pela pesquisa, no estar em campo. Dá muito trabalho, só que é muito bom ver os resultados”, reconhece. “Ao pensar no que faria depois da escola me veio a experiência desse projeto e percebi: quero ser uma pesquisadora e veio o interesse em biologia. Assim como me ajudaram, busco desenvolver algo parecido. A iniciação científica me deu a luz para saber a área que eu vou seguir e eu quero ser essa pessoa para outras pessoas também: guiar os estudantes em geral, porque, quando a gente está nessa fase do ensino médio para a faculdade, temos muitas dúvidas.”

Por conta de seu trabalho no Instituto Mamirauá, Miriam Marmontel vive há mais de 30 anos em Tefé, AM. “Nunca antes algo assim foi documentado na Amazônia — ou sequer no mundo”

O geógrafo Pedro Carignato Basílio Leal tem a honrosa missão de trabalhar no programa do IPA Escolas seguras. Junto com o Thiago Lobão Cordeiro, professor da escola, orientou a Raiane no projeto do ensino médio. Pedro atua tanto na gestão de prevenção de riscos ambientais como na redução deles. A metodologia do IPA se baseia na gestão comunitária de risco. “A escola é um dos pontos da comunidade. Como agir quando acontecer o problema. Todos esses instrumentos de gestão de risco, se a comunidade não os absorve, não servem para nada. Nosso trabalho no IPA é fortalecer a resiliência da comunidade, ou seja, aumentar a capacidade das pessoas de responderem antes, durante e depois de um desastre. Isso é um plano de contingência. Dentro de um território sempre há uma escola e esse é o ponto-chave: chegarmos, a partir da escola, na comunidade.”

Para efetivar esse plano, Pedro Basilio se utiliza de abordagens participativas, incentivando o protagonismo juvenil, e sempre questionando os estudantes: “é a maiêutica que Sócrates usava, não é qualquer pergun-

“Cenário de guerra”, lamenta a oceanógrafa Miriam Marmontel, do Instituto Mamirauá, o qual em 2023 liderou a investigação de animais mortos em lagos do Amazonas devido às mudanças climáticas

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Miguel Monteiro/Instituto Mamirauá Miguel Monteiro/Instituto Mamirauá

MUDANÇAS CLIMÁTICAS

ta”, esclarece. São abordagens participativas como essas que Pedro desenvolve em seu doutorado voltado à gestão comunitária de risco a partir das escolas, o qual está praticamente finalizado, mas que ainda não tem um orientador(a), isso porque busca uma pessoa negra, só que ainda não encontrou devido ao inaceitável racismo estrutural e proposital da sociedade. “Sou um facilitador. A proposta do trabalho é gerar pessoas organizadas e a escola já é um lugar de excelência dessa organização dentro da comunidade.” Teatro do oprimido e teatro social dos afetos também são adotados por Pedro em suas ações nas escolas: “Spinoza falava do afeto como uma ação política. É fazer ciência usando o teatro”, explica.

Ele completa: “a ciência serve para a gente viver melhor e é isso que a Raiane quer mostrar para as outras pessoas, assim como eu. É usar a ciência realmente para a nossa vida e não como tendo apenas o muro da faculdade e só lá é ciência, fora não. A extensão disso é o conhecimento científico realmente se juntar com a sabedoria popular — é importante ter as duas coisas — e juntos melhorarem a vida das pessoas”, argumenta Pedro Basilio Leal.

JUSTIÇA CLIMÁTICA PRA QUEM?

O IPA já atuava em São Sebastião, região litorânea de SP, quando ocorreu o desastre ambiental ano passado, com mortes e desaparecidos. Sobre uma escola pública específica em que hoje ainda atua, Pedro relata: “Foi o pior cenário de todos porque atingiu a casa dos estudantes, a escola em que estudam, era uma situação horrível.

No

ensino médio, Raiane Cavalcante foi contemplada com uma bolsa de iniciação científica que a permitiu pesquisar e executar um plano de contingência escolar voltado às inundações da escola e vizinhança

Elton Luz, diretor da escola estadual do CE Alan Pinho durante fórum na Ásia sobre resiliência climática e o papel da docência

Nesse cenário tem de saber como trabalhar”. Ele destaca que, em casos de desastres como esse, sensibilidade e saber ouvir são fundamentais. Como quando um professor disse que se afasta quando o Pedro vai à escola porque perdeu parentes no desastre. O geógrafo entendeu o recado e pediu à sua equipe para não ir à escola falar dos problemas, porque os educadores, estudantes e moradores sabem, e muito bem, por sentirem na pele. O foco agora está em como viver daqui para a frente. Pedro Carignato Basilio Leal lembra de uma atividade que conduziu sobre capitalismo, urbanização e racismo ambiental, em que fez os estudantes questionarem o motivo de os condomínios de alto padrão e a marina saída de iates, veleiros e barcos não alagarem, mas a escola pública em que Raiane estudou, sim. “Um estudante chegou à seguinte conclusão: ‘a escola é o bueiro’”. Questionados sobre as causas do alagamento da escola, Raiane diz: “os moradores falam que quando não tinha tantas moradias e construções não alagava tanto”. Pedro completa que há sim um problema de planejamento territorial, da ação do homem impactando negativamente devido ao modelo econômico global, mas que também tem inundado devido às mudanças climáticas, devido aos eventos extremos, não sendo apenas uma causa. “E as piores áreas [afetadas] ficarão com as pessoas com menos dinheiro”, critica o geógrafo, que sabe que essa problemática é uma das camadas do racismo

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Arquivo pessoal
“Foi ‘um tapa na cara’. Como cientistas, nunca duvidamos, e já vínhamos percebendo os efeitos das mudanças climáticas; o ponto de não retorno pode estar mais próximo do que imaginávamos”, alerta a oceanógrafa Miriam Marmontel

ambiental. Pedro Basilio finaliza: “reportar a prevenção é muito mais importante porque um dólar gasto na prevenção é sete que você economiza na resposta [desastre]. Falo economicamente, mas tem vida envolvida”.

FUGIR DAS DESINFORMAÇÕES

É preciso escancarar outros retratos da crise-crime climática no Brasil (cujo impacto diversos países também estão sentindo), como rios secos no Amazonas e animais mortos em 2023; já este ano, Rio Grande do Sul alagado, mortes e desaparecidos — citando apenas dois recentes e com destaque na grande mídia.

“Devastador. De repente o cenário era de guerra. Presenciamos alguns animais em agonia.” É assim que a oceanógrafa e uma das maiores especialistas em mamíferos aquáticos amazônicos, Miriam Marmontel, traduz o terror que ela e equipe presenciaram durante os trabalhos com os mais de 300 botos amazônicos vermelhos e tucuxis mortos — e antes já ameaçados de extinção. A tragédia ocorreu entre setembro e novembro do ano passado nos lagos Tefé e Coari, no Amazonas. “São lagos separados por 200 km de distância na região do médio rio Solimões”, conta Miriam, que é pesquisadora titular e líder do Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos do respeitado Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, cuja sede é em Tefé, cidade amazônica na qual ela vive há mais de 30 anos. “No caso do lago Tefé, temos um dado de 2014 com estimativa de 900 botos-vermelhos e 500 tucuxis na área, o que sig-

nificaria uma perda de mais de 10% da população desta área em específico”, lamenta.

Segundo Miriam, a principal causa para essa mortandade incomum são as mudanças climáticas, as quais provocaram uma seca extrema na região. “Vivenciamos ondas de calor (pelo país todo naquele momento), temperaturas do ar e principalmente da água nunca registradas anteriormente (até 41°C em toda — a reduzida — coluna d’água em certos momentos), baixa umidade do ar, alto grau de radiação solar, qualidade péssima do ar”, detalha a pesquisadora.

Questionada sobre pessoas que acham que tais situações fazem parte do processo natural da Terra, Miriam Marmontel rebate: “nunca antes algo assim foi documentado na Amazônia — ou sequer no mundo, mesmo com mamíferos marinhos, que são muito mais estudados, e em diversas regiões do planeta. Algumas espécies têm sido afetadas pelas mudanças climáticas, com alteração em distribuição, rotas migratórias, perda de itens alimentares; mas nunca pelo efeito direto do calor”.

“Essa mortandade foi ‘um tapa na cara’. Como cientistas, nunca duvidamos, e já vínhamos percebendo os efeitos das mudanças climáticas, não foi nem um alerta, foi uma constatação — a maior — de que as mudanças climáticas chegaram à Amazônia, e que o ponto de não retorno pode estar mais próximo do que ima-

A Escola Estadual de Educação Profissional Alan Pinho Tabosa faz parte do programa global Escolas2030, voltado às metas do ODS 4. No Brasil, a Ashoka é uma das responsáveis pela implantação

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Arquivo pessoal

MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“A solução também é coletiva”:

Em 2021, a brasileira nascida na Floresta Amazônica Txai Suruí se tornou a primeira indígena a discursar na Conferência das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas, a COP26, realizada na Escócia. Na época com 24 anos, em inglês, ela provocou presidentes e primeiros-ministros ao exigir “frear as emissões de promessas mentirosas e irresponsáveis”.

Filha de cacique e de uma mãe ativista pela Terra, morou em Rondônia sob escolta da Força Nacional Brasileira por conta de madeireiros que ameaçavam sua família. Hoje, aos 27 anos, já recebeu diversos prêmios. Ela diz à repórter que continua acreditando que é possível reverter a crise-crime das mudanças climáticas. “Se o impacto é coletivo, a solução também é coletiva. Mudanças climáticas é falar de pessoas. É tempo de se autoeducar para conscientizar o outro. Temos de lembrar que estamos perto das eleições e votar em quem tem compromisso com a vida, e não com a morte. O capitalismo quer que a gente pense que só existe esse sistema e esse caminho. Milenarmente, nós, povos indígenas, mostramos que há outro modo de ser e olhar o mundo, e que todos e todas devem zelar pela nossa mãe Terra. Temos de cobrar e nos indignarmos mais”, convida.

Coproduzido por Txai Suruí, o documentário O território denuncia as invasões nas terras do povo indígena Uru-eu-wau-wau, em RO, na Floresta Amazônica. Disponível no Disney+, conquistou o Emmy deste ano.

ginávamos”, denuncia Miriam Marmontel, que dedica sua vida aos animais de Tefé. Sobre o papel da educação nesse processo: “As escolas precisam continuar alimentando os alunos com informações claras e verídicas sobre a situação global que estamos enfrentando”, orienta Miriam Marmontel.

JOVENS LIDERANÇAS

É na cidade cearense de Pentecoste, a cerca de 80 km de Fortaleza, que em 2011 surge um laboratório de inovações pedagógicas, a Escola Estadual de Educação Profissional Alan Pinho Tabosa, resultado da parceria entre a Universidade Federal do Ceará e a Secretaria de Educação do estado. A instituição escolar integra ainda o time das Escolas2030, programa mundial que visa assegurar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4 da ONU e que no Brasil é implantado por meio de uma parceria entre a Ashoka e a Faculdade de Educação da USP. O Fórum Global das Escolas2030 aconteceu este ano de 10 a 14 de junho no Quirguistão, na Ásia, sob o tema Liderança de professores para a resiliência climática: como transformar a aprendizagem através de caminhos da escola e do sistema para o futuro do planeta e reuniu educadores de 30 países.

Elton Luz Lopes, diretor da Alan Pinho, professor e doutor em química, participou do Fórum Global. A repórter conseguiu trocar mensagens com Elton quando ele ainda estava no primeiro dia de atividades. “A importância da centralidade do papel docente e o quanto a escola precisa dar espaço para que isso ocorra têm sido destaque até o momento”, conta. A Alan Pinho atua com sua comunidade escolar na formação de lideranças cooperativas e solidárias. O diretor compreende que essa prática é uma das maneiras de desenvolver nos estudantes competências como a resiliência climática. Tanto que boa parte dos projetos da escola voltados à sustentabilidade nasceram a partir dos jovens. Os estudantes vivenciam três eixos: a consciência da própria realidade, responsabilidade e direitos; competência para a decisão e estabelecer parcerias; e o caráter para fazer as coisas corretas. “Essa formação não se limita a ter aula de liderança. Não acreditamos que uma liderança possa se formar assistindo a alguém dizendo o que ela tem de fazer. Discutimos o papel de um líder e de cada um nesse processo. Incentivamos primeiro a se enxergarem como lideranças e depois a proporem soluções. A planejar e executar projetos”, compartilha o diretor Elton Luz.

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Gabriel Uchida/arquivo pessoal

Cobertor curto

Proibição dos cursos online para formar professores cobre a cabeça e descobre os pés do ensino superior brasileiro. Milhares de alunos não terão acesso às licenciaturas, e a questão da qualidade continua em aberto

| Por Paulo de Camargo

Assim como milhares de jovens brasileiros, a paraibana Dayana Cristiny Silva também encontrou na pedagogia, na modalidade de educação a distância (EAD), um caminho de vida. Mãe aos 17 anos, decidiu buscar formação acadêmica quando já era uma profissional de tecnologia educacional. Recentemente, lançou o livro Tecnologia e educação: do virtual para o real (ed. BOC). “Trabalhar, dar conta de duas filhas, casa, trabalho... se eu tivesse feito uma faculdade presencial já teria ido a óbito”, brinca. Mesmo assim, diz, foi puxado. “Não foi fácil, reprovei em três disciplinas e seus estágios”, lembra, para provar a rigidez do curso, na Universidade Mackenzie, em São Paulo.

Opção como a que fez Dayana não será mais possível em um futuro próximo. As novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior de Profissional do Magistério da Educação Escolar Básica, homologada pelo Ministério da Educação

“Quando começam a minimizar o custo [dos cursos EAD], aí surgem os problemas”, destaca Luiz Cláudio Costa, ex-presidente do Inep e reitor no IESB

O que pode parecer
óbvio — a formação de professores ganha, se for presencial — é apenas a ponta do iceberg de uma discussão que o país precisa fazer com urgência

(MEC) em 27 de maio, estabelece, entre outras mudanças, um mínimo de 50% da carga horária de forma presencial. “Não vejo o novo formato proposto como viável para mim e muitos colegas. Essa mudança representaria uma dificuldade para os que não têm flexibilidade em seus horários ou que residem em áreas distantes”, acredita a pedagoga.

Em dois parágrafos, o depoimento de Dayana ilustra uma — apenas mais uma — das muitas encruzilhadas vividas por quem quer estudar em um país de dimensões continentais, com boa parte de sua população com baixa renda, poucas vagas nas universidades públicas e uma expansão desordenada das faculdades privadas. É verdade, ninguém diria em sã consciência que a formação de professores no Brasil é um problema resolvido. Se fosse, o quadro geral seria outro — já que a modalidade 100% virtual é relativamente recente no país. Seja no presencial, seja no online, acumulam-se críticas, baseadas em pesquisas, sobre os programas de ensino, o currículo, a qualidade dos cursos, a precariedade dos

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EAD
Arquivo pessoal

estágios. Há uma reconhecida precarização da formação de professores no Brasil, e não é de hoje.

Por isso, o coro favorável a uma intervenção do MEC na expansão da formação inicial dos professores na modalidade EAD era ouvido em alto e bom som — a começar do próprio ministro da Educação, Camilo Santana, que antecipou sua intenção de limitar a oferta ainda em outubro do ano passado. Nessa oportunidade, foram divulgados os dados do Censo do Ensino Superior, comprovando uma tendência que se aprofundou nos últimos anos — hoje, 64% das matrículas em cursos de licenciatura acontecem via EAD.

Mas, o que pode parecer óbvio — a formação de professores ganha, se for presencial — é apenas a ponta do iceberg de uma discussão que o país precisa fazer com urgência. Como democratizar com qualidade o acesso ao ensino superior, inclusive na formação de professores? Estigmatizar o ensino a distância, já marcado por preconceitos, não parece ser um bom caminho.

“Discute-se muito a qualidade da EAD, mas todo mundo ficou quietinho para falar do presencial. A EAD entra como vilão de um problema que temos há tempos”, indigna-se Simone Telles, doutora em linguística, que dirigiu a área de educação a distância das Fatecs e da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), duas conceituadas experiências de educação digital. “O problema não está na modalidade, mas nas práticas de ensino das licenciaturas no Brasil, excessivamente teóricas e desconectadas da realidade, inclusive no modo presencial”, lembra.

Recredenciada pelo MEC três dias antes da homologação das novas Diretrizes e com 63 mil alunos, a Univesp é uma das instituições que serão afetadas com os limites de carga horária a distância. “Avaliar a EAD

“O problema não está na modalidade, mas nas práticas de ensino das licenciaturas no Brasil”, critica Simone Telles, que já dirigiu a EAD das Fatecs e da Univesp

EAD também oferece amplo atendimento a pessoas com deficiência, sendo um recurso importante de inclusão, lembra a diretora da Abed, Betina von Staa

como sinônimo de baixa qualidade pode sim prejudicar iniciativas como a nossa”, contesta a atual chefe de gabinete da instituição, Lubienska Ribeiro. Para ela, a associação reta e direta expressa pelas novas Diretrizes entre a modalidade de ensino a distância e a baixa qualidade das licenciaturas é uma visão equivocada. “Podem existir cursos de baixa qualidade tanto nesta modalidade como na presencial”, lembra.

PERFIL DOS ALUNOS

Mas o impacto em instituições públicas e privadas com cursos em EAD não é o principal efeito a ser considerado em políticas de governo. O país precisa olhar para as pessoas atrás dos números. Gente como Thamiris Alves de Alecrim, que desde o ano passado faz pedagogia na Universidade Estácio, e ficou apavorada com a notícia que leu nos jornais. “Fui pega de surpresa, achei que, quando entrasse em vigor, iria mudar completamente meus planos. Sou mãe de duas crianças, e esta foi a forma que encontrei para ter uma garantia de futuro tanto para mim quanto para elas. Moramos só nós três, e nunca cogitei estudar presencialmente”, lembra. A nova diretriz não afeta os alunos já matriculados, e quanto a isso Thamiris pode ficar tranquila. Mas muita gente não poderá mais estudar. “O correto seria arru-

Como democratizar com qualidade o acesso ao ensino superior, inclusive na formação de professores?
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Divulgação
Arquivo pessoal

mar normas mais rígidas para a certificação e avaliação dos cursos”, diz a estudante. “Tirar a EAD depois de tanto tempo é como cancelar o Pix hoje”, exemplifica.

A questão é que há milhares, talvez milhões de Thamiris, espalhadas pelo Brasil, que não passam nem na calçada de uma faculdade, simplesmente porque elas não existem em suas localidades. Dois terços dos municípios brasileiros têm menos de 20 mil habitantes. Perto de 3 mil deles não possuem instituições de ensino superior. No caso da EAD, há um dado crucial a ser levado em conta: o perfil dos alunos. Citando dados do Inep, a pesquisadora Betina von Staa, diretora de ética e qualidade da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), o público dos cursos a distância, em geral, é formado por pessoas mais velhas, populações vulnerabilizadas e mulheres que já estão no mercado de trabalho. “A modalidade também oferece amplo atendimento a pessoas com deficiência, e acaba sendo um recurso importante de inclusão”, lembra.

Tanto é que no perfil do Instagram do jornal Folha de S.Paulo, no anúncio sobre o MEC ter suspendido a criação de novos cursos de graduação EAD, uma usuária comentou em 11 de junho: “Meus deus...eu como muitos autistas, tenho dificuldade de sair de casa, pegar transporte público, ter que interagir com pessoas todos os dias. Quando a minha faculdade teve que seguir em EAD o meu rendimento cresceu muito. Bem triste isso” (sic).

No caso específico das licenciaturas, são pessoas que antes não poderiam ingressar no ensino superior pela falta de recursos ou por já estarem no mercado de trabalho, com famílias estabelecidas. “Essas pessoas antes davam aulas sem formação específica e passaram a

Mãe aos 17 anos, Dayana Cristiny Silva se formou em pedagogia na modalidade EAD

Medir qualidade da EAD não é fácil, inclusive porque não se pode aplicar a mesma régua do presencial

dar aulas com a formação requerida”, exemplifica Betina. “O ensino superior a distância é a única modalidade que chega em todos os municípios do Brasil”, finaliza.

QUALIDADE

Dizer que muita gente só estuda porque existe EAD é daqueles consensos que não produzem mudanças. Sempre, no final do argumento, está a descrença no potencial pedagógico da EAD. É contra esse preconceito que o pesquisador Luiz Cláudio Costa, que já foi presidente do Inep, reitor na Universidade Federal de Viçosa (UFV) e hoje é reitor no Centro Universitário IESB, vem combatendo.

“Não é uma exclusividade brasileira: a EAD cresce em todo o mundo, não há outro caminho, especialmente agora com a inteligência artificial”, diz. Costa cita como exemplo os Estados Unidos, em que, segundo o National Center for Educational Statistics, havia 10,1 milhões de alunos matriculados em cursos a distância nas faculdades, em 2022. Estados Unidos, Índia e México são líderes globais no número de estudantes em cursos EAD.

“A discussão precisa ser outra: qualidade e inclusão”, defende o pesquisador. Para Luiz Cláudio Costa, o Brasil tem maturidade para levar essa discussão adiante, mas não leva. “Temos excelentes cursos em educação a distância no país. A falta de qualidade não é um problema inerente nem exclusivo dessa modalidade”, lembra.

Mas, então, onde é o problema? Costa responde: boa EAD custa dinheiro. É preciso investimento em plataformas, professores e tutores muito qualificados, acompanhamento individual, bons materiais. “Quando começam a minimizar o custo, aí surgem os problemas”, lembra o pesquisador. Em outras palavras, grandes grupos educacionais que, para melhorar seus balanços, deprimem os preços e rebaixam a qualidade continuam prestando um desserviço ao país e aos futuros professores.

Por isso, o equilíbrio que permite o acesso ao ensino superior deve também envolver critérios orçamentários

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EAD

Thamiris Alves cursa pedagogia online. “Foi a forma que encontrei para ter uma garantia de futuro tanto para mim quanto para eles [filhos]. Moramos só nós três, e nunca cogitei estudar presencialmente”

e programas de auxílio estudantil, já que elevar mensalidades não é a solução. Além de criar mecanismos eficientes de controle da qualidade de ensino — outro tema que surge e some do noticiário, de tempos em tempos.

Medir qualidade da EAD não é fácil, inclusive porque não se pode aplicar a mesma régua do presencial.

A publicação das novas regras desanimou um grupo instituído pelo próprio Ministério da Educação para discutir sobre modelos de avaliação em EAD, da qual fazia parte Simone Telles. “A base de dados gerados é gigante. Com a tecnologia, pode-se elencar determinados indicadores para monitorar, e isso não é feito”, conta Simone. Segundo ela, mesmo no cadastramento dos alunos no sistema digital do MEC, os formulários são condizentes com os alunos dos cursos presenciais, mas não com os de cursos a distância.

Assim, a avaliação continua sendo um calcanhar de aquiles do sistema. Para Betina, da Abed, conforme o critério de qualidade existente hoje, se o aluno se for-

“Seria mais adequada a ação do governo para melhorar ou fechar cursos mal avaliados, independentemente da modalidade”, argumenta Betina von Staa, da Abed

ma com indicadores 3, 4 ou 5 no Enade, o curso demonstrou legalmente a qualidade mínima esperada pelo governo.

Segundo a Abed, em 2022, 63 cursos da modalidade a distância tiveram nota 5, no Enade. As licenciaturas, que foram avaliadas em 2021, têm 14 cursos com nota 5. “Todos estes cursos precisarão se adequar à norma, independentemente da qualidade comprovada”, lamenta Betina. Nesse contexto, seria mais adequada a ação do governo para melhorar ou fechar cursos mal avaliados, independentemente da modalidade, diz a gestora.

Por isso, na visão de Betina, as novas Diretrizes deveriam deixar mais claro o perfil do egresso que desejam formar em qualquer modalidade e as avaliações oficiais se encarregariam da qualidade. “Mas negar o acesso à educação aos alunos de todo o país que têm buscado uma licenciatura por vontade própria, muitas vezes pagando por ela do próprio bolso, é que não faz sentido nenhum”, reitera.

As diretrizes estabeleceram um prazo de dois anos para a adequação das ofertas de licenciaturas em EAD. Até lá, espera-se um debate sobre o tema. “Teremos dois anos para ajustes, e a expectativa é que surjam caminhos e incentivos para atender o público que hoje procura a EAD”, diz o educador Lourival José Martins Filho, diretor de formação docente e valorização dos profissionais da educação do MEC. “O único ponto inegociável é o estágio supervisionado presencial”, garante. Se assim for, esta é uma boa oportunidade para que o país discuta com mais profundidade sobre como construir com qualidade um sistema de formação para seus professores, sem ampliar a exclusão que caracteriza a história da educação brasileira. Arquivo pessoal

“A expectativa é que surjam caminhos e incentivos para atender o público que hoje procura a EAD”, diz Lourival Jose Martins Filho, do MEC

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educação Juntos expandimos a

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Inteligência artificial e o jogo geopolítico

Enquanto China e Indonésia têm se articulado contra o domínio da língua inglesa em seus territórios por meio da IA, Brasil ainda não se movimentou

Oassunto da inteligência artificial (IA) — e seus impactos na sociedade — pode parecer mais um modismo tecnológico, daqueles que impõem a sistemas de educação gastos exorbitantes na compra de equipamento ou formação de professores. Não faltam exemplos no passado de aquisições assim precipitadas ou desconectadas dos projetos pedagógicos das escolas, que surtiram pouco efeito na aprendizagem. Alerto que vivemos um momento diferente. Menosprezar o impacto dos diversos sistemas de inteligência artificial na pesquisa, interação com os meios digitais, privacidade e aprendizagem é hoje uma atitude perigosa. A tecnologia exerce uma presença implacável e, para piorar, muitas vezes invisível, no cotidiano do ser humano, queiramos ou não. É impossível escapar da IA. Basta nos atentarmos às que atuam nos buscadores (como o Google), nas redes sociais (como o TikTok), nos aplicativos de bancos ou nos chatbots como o ChatGPT.

Ao contrário de outras invenções, as mudanças causadas pelo desenvolvimento da inteligência artificial são consideradas tão profundas quanto as da luz elétrica no século 20 (que mudou drasticamente a economia e vida cotidiana nas cidades). Trata-se de uma tecnologia de impacto sistêmico, ainda na sua ‘primeira infância’ de desenvolvimento. Provavelmente a comparação mais recente, em termos de proporção, é com o surgimento da internet, há quase 30 anos.

Tenho alertado o leitor para diversas questões éticas surgidas da IA em outros artigos desta coluna. Mas a discussão sobre a regulamentação dos países no uso e criação da inteligência artificial é ainda recente, além de muitas vezes nebulosa e pouco clara. Por outro lado, é uma peça fundamental para que os educadores compreendam as consequências dessa tecnologia no mundo.

Por que a inteligência artificial precisa ser regulamentada pelas nações? A IA já é um fator determinante

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de desenvolvimento econômico e de poder social, político e cultural para os países; por outro lado, como toda tecnologia, não é neutra e contém em si vieses dos mais diversos. Regular a inteligência artificial tem sido a busca do equilíbrio entre a manutenção da competitividade dos países em seu desenvolvimento — e consequente importância no cenário mundial — e a proteção dos direitos dos usuários.

Como exemplo, hoje os sistemas de inteligência artificial funcionam em grande parte na língua inglesa — considerando não só o aspecto de comunicação, mas de construção de pensamento, cultura e lógica que toda língua exerce. Países que têm no seu bojo disputas culturais envolvendo mais de uma língua oficial, ou então entre uma língua oficial e outras nativas, enxergam com receio o desenvolvimento global da IA concentrado no Vale do Silício, Estados Unidos.

É o caso da Indonésia, cuja língua oficial é o indonésio para seus 300 milhões de habitantes. Entretanto, dentre outras 200 línguas em atividade no arquipélago, o javanês tem sido levado à extinção ao ser ‘engolido’ por línguas globais. Há uma resistência interna no uso de sistemas globais de IA generativa (como são chamados aqueles como o ChatGPT, que ‘geram’ conteúdo) por padronizarem a cultura baseado no inglês. Como o país pode garantir o desenvolvimento de um sistema local que valorize o javanês? Este é um debate real e em curso por lá.

de dominação — o poder de um país sobre outros por meio da língua, cultura e educação.

O ‘soft power’’ também pode ser compreendido, neste caso, como a capacidade de sistemas dragarem a cultura, ou os ‘dados’ de uma nação para outra. A recente tentativa de proibição do TikTok pelo parlamento dos Estados Unidos diz respeito à imensa quantidade de dados que o aplicativo tem potencial de enviar ao governo chinês. A alternativa americana, não à toa, é que a empresa venda parte dela a um sócio nascido nos Estados Unidos.

Trata-se de uma tecnologia de impacto sistêmico, ainda na sua ‘primeira infância’ de desenvolvimento.
Contudo, já necessita de regulamentação

A União Europeia e os Estados Unidos saíram na frente na regulação da IA, com modelos estruturalmente diferentes. A primeira criou uma agência reguladora central; já o segundo enviou recursos às agências existentes para que essas controlem os impactos éticos por área (educação, saúde, meio ambiente etc.). O Brasil tem um projeto inspirado no modelo europeu em tramitação no Senado e agora também aberto ao debate público (pela internet); para especialistas, entre muitas questões, o documento brasileiro foca os riscos, mas não cuida de proteger a capacidade interna de desenvolver uma IA com a nossa ‘cara’.

A China, por sua vez, trava uma verdadeira batalha político-cultural pela hegemonia na inteligência artificial. O Plano de Desenvolvimento da Inteligência Artificial feito pelo país em 2017 tem como objetivo criar no mercado global o exemplo de uma sociedade governada e movida pela IA. Historicamente, o país culpa os Estados Unidos pela construção de sua imagem no exterior, devido ao domínio da cultura e mídia globais. A China agora agarra a oportunidade de os sistemas de inteligência artificial se tornarem um novo ‘soft power’

A ideia de que as tecnologias devem ser criadas à luz de culturas locais não é nova — o engenheiro de Hong Kong, Yuk Hui, já a defendia em sua obra Tecnodiversidade (Ubu Editora), desde 2019. No caso da inteligência artificial é ainda mais evidente a relação entre cultura e desenvolvimento técnico, e como essa peça é fundamental no jogo geopolítico global. Esse é um assunto também para ser debatido na escola — sem nenhum grande investimento financeiro típico de um modismo passageiro.

Alexandre Le Voci Sayad é jornalista, escritor e educador. Mestre em inteligência artificial e ética, é consultor da Unesco e apresentador do programa Idade Mídia, no Canal Futura.

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FUTURO DA ESCOLA

Colégio Marista São Luís, Pernambuco

Entre métricas e formação para os desafios sociais

Busca do equilíbrio para sustentar bons resultados acadêmicos com o ser e viver em coletividade traz bons resultados a colégio pernambucano

preciso encontrar um caminho em que o estudante não seja apenas colocado dentro de uma métrica, valorizando o cenário eclético e diverso que existe dentro e fora da escola. “A educação precisa ter um brilho, uma cor, por isso necessita ter toda essa dimensão esportiva, cultural, acadêmica, social e evangelizadora. Todos esses eixos sustentam o projeto educativo do nosso colégio”, argumenta Lucielma Ribeiro, vice-diretora educacional do Colégio Marista São Luís.

Pedagoga e com mestrado em tecnologia da informação, Lucielma diz que o equilíbrio é a palavra-chave. Desta forma é essencial que a educação como um todo seja capaz de ensinar o aluno a desenvolver as habilidades e competências para a realização das provas, e também a “se posicionar enquanto ser humano nessa sociedade”.

ENSINO MÉDIO E PERFORMANCE

Os alunos são preparados para prestar os vestibula-

res com a ajuda de materiais didáticos da Rede Marista e de outras atividades curriculares. Escutar e orientar esse jovem também fazem parte do processo, tanto que há equipes com núcleos de apoio pedagógico, incluindo psicólogo.

O ensino médio do colégio se destaca quando o assunto é performance, tanto que há duas matrizes para o estudante atingir bons resultados: a matriz do Enem e a matriz do Seriado, que o preparam para prestar o vestibular da Universidade de Pernambuco. Essa segunda matriz possui um material próprio da FTD Educação, que contém componentes curriculares específicos para preparar o estudante.

Os materiais didáticos dão suporte para o processo de aprendizagem do estudante, sendo que os livros são organizados por competências e habilidades alinhadas à Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O material também está disponível digitalmente para o acesso ocorrer de qualquer lugar. Além disso, vídeos e encartes de redação auxiliam na rotina de estudos.

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É
Estudantes participam da Simulação das Assembleias dos Comitês da ONU

Sabendo que a redação é uma das etapas que mais pontua dentro das provas, junto com o caderno de redação específico da Rede Marista, os estudantes escrevem redações semanalmente e as recebem corrigidas. “A gente trabalha com um núcleo de corretores específico para cada série. Eu tenho um corretor, fora o professor de produção textual. Juntos eles corrigem as avaliações semanalmente e as devolvem para reflexão”, conta Lucielma.

Avaliações de larga escala realizadas no ensino médio são outra maneira que o colégio encontra para preparar e ajudar o estudante a mensurar a sua proficiência em cada uma das áreas do conhecimento. Os grupos de aprofundamento organizados por níveis também os auxiliam a conseguirem uma vaga na universidade. O Prepara MED é um desses grupos, e está focado em ajudar os alunos a entrarem em medicina.

ASSEMBLEIAS DA ONU

O projeto de Simulação das Assembleias dos Comitês da ONU faz parte da grade curricular do segundo semestre dos alunos do 9º ano ao 2 º ano do ensino médio, os auxiliando, inclusive, no desenvolvimento de habilidades essenciais para a realização de vestibulares como a articulação, escrita e o conhecimento de mundo.

Nessa simulação, que é trabalhada por professores de história e geografia, “os grupos são organizados por países, os alunos estudam todas as características, os desafios, dentro de um escopo, seguindo uma linha de trabalho; tem a parte da argumentação que é a grande simulação do fórum. Há argumento e contra-argumento, mas os alunos também nos apresentam a parte folclórica deste país, como as comidas, por exemplo”, diz Lucielma Ribeiro.

A vice-diretora educacional argumenta que a dinâmica traz um ganho impressionante para os estudantes e conta que por meio do projeto é possível entender

quem são os que têm a tendência a cursar direito e relações internacionais, por exemplo.

PREPARAÇÃO PSICOLÓGICA

O ensino médio é um grande desafio, já que é uma idade de transição e descobertas. Neste cenário, a preparação psicológica, segundo Lucielma, aparece como indispensável para que os jovens consigam equilibrar a parte social e acadêmica. O Colégio Marista conta com uma equipe de profissionais que tratam dessas questões. O orientador educacional também ajuda os estudantes a entenderem quais são os seus sonhos e os seus objetivos. “O colégio é organizado por equipes com núcleos de apoio pedagógico. Nessas equipes há perfis de profissionais com outras habilidades, sejam psicopedagogos, seja um psicólogo. Também existe o orientador educacional, que trabalha todo o projeto de vida dos estudantes, o curso que eles farão, a orientação de estudo, rotina de estudo, a escuta com o estudante e com a família, com os orientadores”, pontua Lucielma.

Estar junto dos estudantes preparando-os e os apoiando durante esse percurso de estudos para que se tornem adultos capazes de viver em um mundo de desafios é essencial, finaliza Lucielma Ribeiro.

“Se posicionar enquanto ser humano nessa sociedade”, defende Lucielma Ribeiro, vicediretora educacional do Marista São Luís

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Fotos: Divulgação Grupo de estudos do Colégio Marista São Luís

Ana Cristina Benedito nas duas fotos. Na maior está com suas estudantes do 8° ano que cuidam do acervo da EMEF Érico Veríssimo, SP, na sala de leitura. Escola não possui biblioteca

Agora é lei: toda escola pública deverá ter uma biblioteca LEITURA

Em abril foi criado o Sistema Nacional de Bibliotecas Escolares com o objetivo de universalizar esses equipamentos no Brasil até 2028

| Por Patrícia Giuffrida

Tom tem o olhar parado no tempo. Vive no silêncio a escutar os pássaros que voam para longe, muito longe. Onde só o sonho alcança. Tom é meu irmão, estou ao seu lado desde que nasci.” Foi assim que a professora Ana Cristina Benedito começou sua aula na sala de leitura da escola municipal EMEF Érico Veríssimo, em São Paulo, lendo um trecho do livro Tom (ed. Projeto), de André Neves, para seus alunos do ensino fundamental 1. Ela é professora orientadora da sala e escolheu um dos 13.600 livros do acervo da escola. Mas lá ainda não há uma biblioteca, porém, existe a promessa de ganhar uma.

Em abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva san-

cionou a Lei 14.837/24, que cria o Sistema Nacional de Bibliotecas Escolares (SNBE), cujo objetivo é promover a universalização de bibliotecas em toda a rede pública de ensino do país até 2028. “Para os fins desta Lei, considera-se biblioteca escolar o equipamento cultural obrigatório e necessário ao desenvolvimento do processo educativo”, descreve um trecho do documento. Segundo o Censo Escolar de 2023, apenas 55% das escolas públicas e privadas possuem bibliotecas. No caso das públicas, apenas 48% delas têm biblioteca ou sala de leitura, segundo um levantamento feito pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon). Isso significa que 71,3 mil escolas, com cerca de 10 milhões de crianças e adolescentes, ainda não conseguem ter acesso a livros.

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LEITURA

O QUE MUDA COM A CRIAÇÃO DO SNBE?

“Muda tudo. Ter políticas públicas para bibliotecas escolares vai ampliar o número de estudantes impactados e de toda a comunidade escolar, inclusive famílias e o próprio entorno”, afirma Beto Silva, pedagogo, psicopedagogo, mediador de leitura literária e coordenador-geral do grupo Simbora! Educação e Cultura. Segundo o especialista, a medida pode contribuir para a democratização do uso das bibliotecas e do incentivo à leitura em regiões menos favorecidas, como comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhas, em zonas rurais e urbanas periféricas.

“Para muitos alunos, o único lugar em que podem ter acesso aos livros é na escola. Então, qualquer iniciativa que amplia essa possibilidade, como o SNBE, será sempre bem-vinda”, afirma Rogério Tadeu Gonçalves Marinelli, diretor da escola municipal EMEF Érico Veríssimo, a mesma da professora Ana Cristina. Segundo ele, será uma forma de democratização do acesso ao conhecimento.

“Agora, o desafio de implementar bibliotecas em todo o Brasil será grande, principalmente porque nosso país é continental. Será importante que haja uma articulação entre governos federal, estaduais e municipais”, sugere Poliana Silva, fundadora da BEEM - Biblioteca Escolar e Multiletramentos. Ela tem mais de 15 anos de experiência na área da educação e atualmente estuda biblioteconomia na USP.

O CAMINHO PARA DEMOCRATIZAR

O

USO DAS BIBLIOTECAS

O primeiro desafio, segundo Poliana, é ampliar a conscientização sobre o uso das bibliotecas em todo

Biblioteca do Colégio Estadual do Paraná.

“Incentivamos os estudantes a lerem e produzirem poesias”, conta a bibliotecária Rosangela Aparecida

o Brasil. Para ela, o ideal é ter políticas públicas para que as pessoas conheçam qual é a função da biblioteca e sua importância para o processo educativo. “A maioria dos brasileiros não teve acesso a esses equipamentos na infância e adolescência, por isso, não construiu repertório, não tem consciência de valor”, explica a educadora.

Importante também olhar as especificidades de cada comunidade escolar, segundo o pedagogo Beto. “Ao implementar uma biblioteca, será fundamental checar o que já existe em cada escola, quais são as expectativas e os desafios da comunidade escolar e construir um plano junto com ela”, reflete. E complementa: “em todo esse processo, a participação da comunidade é importantíssima, pois a escola não está na comunidade. A escola é da comunidade”.

BIBLIOTECA TEM DE TER BIBLIOTECÁRIO

Não basta ter apenas uma biblioteca em cada escola, como prevê o SNBE; será necessário que cada uma

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tenha um bibliotecário, que é o profissional capacitado para organizar, catalogar, armazenar, conservar e divulgar os acervos do equipamento. Tendo esse cuidado, o bibliotecário, ao estimular o gosto pela leitura, auxilia junto ao professor no desenvolvimento de estudantes conscientes e críticos.

Contudo, essa não é a realidade atual. A pesquisa da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil traz também dados sobre a existência de bibliotecários nas escolas que possuem bibliotecas. Segundo o estudo, há 20 mil estabelecimentos que contam com estes profissionais, o que corresponde a 46% das escolas com bibliotecas em todo o país. Um exemplo é o Colégio Estadual do Paraná: “Nossa biblioteca é antiga, foi fundada em 1859. E eu cuido de todo o seu acervo, que conta com 39.550 exemplares catalogados em nosso sistema”, afirma a bibliotecária da escola, Rosangela Aparecida Skrobot.

Segundo o Censo, apenas 55% das escolas públicas e privadas possuem bibliotecas. A Atricon alerta que, no caso das públicas, 48% têm biblioteca ou sala de leitura e que só 46% das escolas com bibliotecas possuem bibliotecários

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LEITURA

BIBLIOTECAS E SALAS DE LEITURA

Muitas escolas que não têm biblioteca acabaram optando por salas de leitura — espaços com acervo de livros e cujas aulas são ministradas por professores, com o objetivo de incentivo à leitura. “A sala de leitura, diferente da biblioteca, tem uma ação mais pedagógica, pois o professor dá aula nesse espaço usando os livros específicos para cada turma. Assim funciona com as escolas da prefeitura de São Paulo”, explica a professora Ana Cristina, da escola EMEF Érico Veríssimo. Ela conta com a ajuda de monitores, alunos voluntários que ajudam a cuidar do acervo.

A especialista Poliana elogia muitas salas de leitura, mas acredita que, com a chegada das bibliotecas, será importante ter também um bibliotecário. “Eu tenho acompanhado muitas salas de leitura na rede pública, que desenvolvem um trabalho de excelência, que se assemelham muito ao papel da função de uma biblioteca. Mas o ideal é que as escolas tenham também bibliotecas com bibliotecários, capacitados para cuidar do acervo.” O desafio será integrar as bibliotecas com as salas de leitura, e o trabalho do bibliotecário com os professores orientadores dessas salas de leitura.

BIBLIOTECAS: POTENCIALIZANDO

O ENSINO E A APRENDIZAGEM

Uma das medidas mais importantes para Poliana Silva é fortalecer a comunicação entre o bibliotecário e a

“Trabalho há muito tempo com a mediação de leitura literária. Ela tem uma potência muito grande, especialmente para os processos de alfabetização”, diz o pedagogo Beto Silva

Sobre a implementação de uma biblioteca: “a participação da comunidade será importantíssima, pois a escola não está na comunidade. A escola é da comunidade”, destaca Beto Silva

equipe pedagógica. “O bibliotecário precisa estar envolvido com os projetos pedagógicos da escola, para conseguir desenvolver parcerias que sejam significativas, afinal, esse profissional é uma fonte curadora de informação. Assim, será possível usar o espaço como multiletramentos”, explica a especialista.

Para o pedagogo Beto, é importante incentivar o bom uso desses espaços — tanto bibliotecas quanto salas de leitura — com atividades de incentivo à leitura. “Trabalho há muito tempo com a mediação de leitura literária. Ela tem uma potência muito grande, especialmente para os processos de alfabetização.” Ele também é a favor de ter outras ações que dialoguem com os livros, como contação de histórias, clubes do livro, slam, batalhas de rima entre outras.

Um bom exemplo são as atividades promovidas na biblioteca do Colégio Estadual do Paraná. Uma das ações é o projeto Sedução Poética, que envolve todos os alunos da escola durante o ano. “Incentivamos os estudantes a lerem e produzirem poesias. Há varais de poesia e concurso de declamação”, explica a bibliotecária Rosangela.

Na sala de leitura da escola da EMEF Érico Veríssimo também há muitas ações de incentivo à leitura. “Temos atividades permanentes, como as rodas de leitura e a leitura compartilhada — em que a gente lê e discute um texto com os alunos. Participamos também do Leituraço, projeto da prefeitura de São Paulo que trabalha três temas ao longo do ano: o migrante, o indígena e o africano”, conta a professora Ana Cristina.

Agora é acompanhar como será a implementação do SNBE ao longo deste ano. As expectativas das escolas são grandes e a esperança de ter um país com mais leitores também.

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Democracia se aprende na escola

Professora da USP reflete sobre as relações de poder no cotidiano escolar tendo como foco os gestores e gestoras

| Por Edimilson Cardial

As experiências de gestão democrática na educação, por meio da instalação de conselhos escolares, entidades de representação estudantil, eleição de diretoras e diretores de escolas e criação de conselhos municipais são abordadas no livro recém-lançado Gestão da educação (ed. Contexto), de Iracema Santos do Nascimento, cujo subtítulo traduz mais efetivamente o que é essa obra de 154 páginas: a coordenação do trabalho coletivo na escola.

A autora é docente na Faculdade de Educação da USP, na graduação e pós-graduação, na qual coordena a área de pesquisa Estado, Sociedade e Educação. A preocupação em listar as iniciativas levadas nas escolas é uma excelente referência para os estudantes de pedagogia e licenciaturas em geral, para quem Iracema escreveu esse livro. Ousaria dizer que se trata de uma obra da maior importância, porque ao cabo da leitura a conclusão é certeira: a atuação de diversos grupos da sociedade por décadas colocou em prática a democracia na escola.

A professora, que também é membra do conselho editorial desta publicação, pede atenção aos estudantes de pedagogia e licenciatura sobre a discussão da utilidade de algumas disciplinas do curso. Didática, Iracema alerta “a todas as pessoas que estão ingressando na aventura do ofício docente que essas disciplinas tratam de um componente fundamental e incontornável do cotidiano da escola: as relações de poder. Trata-se de um elemento que integra o que se convencionou chamar de ‘currículo oculto’, ou seja, aquilo que está presente e ativo, mas não explícito”.

No prefácio, Iracema Nascimento lembra que embora o foco do livro seja a gestão escolar, essa sempre

Lançado este ano pela editora Contexto, livro faz parte da coleção Educação na Universidade

se associa à política educacional porque não é possível tratar de gestão sem falar de política.

O livro tem nove capítulos, um dos quais a conclusão. Fala da direção escolar, cargo que remonta à passagem das chamadas escolas de primeiras letras para os denominados grupos escolares, no período do Brasil imperial (1822-1889). Outro capítulo fala da compreensão da gestão como um trabalho primordialmente coletivo, salientando que todos os adultos que trabalham na escola são educadores. E que na escola não se aprende apenas conteúdos, mas se forma o ser humano integral. Está escrito de forma a proporcionar uma leitura rápida e gratificante.

Outro ponto fundamental do livro trata do projeto político-pedagógico, sobre o qual ela se debruça com detalhes, dada a importância no universo da escola. Gestão financeira e educação de qualidade e avaliação fecham o volume. Num resumo, o livro acentua a importância de que “a escola é o local mais propício para o exercício da democracia, isto é, para seu aprendizado prático, por meio de vivências cotidianas que envolvem embates, disputas, divergências e conflitos na busca de soluções para os problemas e questões que são de todas as pessoas da comunidade escolar e do território”.

O livro faz parte da coleção Educação na Universidade, da editora Contexto, e integra a área gestão da educação. As outras áreas da coleção são: currículo, educação especial, educação infantil, filosofia da educação, políticas educacionais e psicologia educacional.

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GESTÃO

ENSAIO

O culto à ignorância e ao mercantilismo dos dados

Contradições da sociedade dita do conhecimento

Apresente reflexão nasceu da busca de esclarecer algo que está na raiz de uma das crises trazidas para a educação contemporânea: o desenvolvimento de um tenaz e militante desinteresse pelo saber.

Na dimensão militante1 da crise, ela se revela na defesa, na justificativa e, mesmo, no elogio à ignorância que se vêm implantando nos valores e corações das novas gerações. Não se trata dos efeitos das fake news e nem da desinformação que se espalham pelos meios de comunicação. É uma espécie de vapor sorrateiro, difuso e profundo que entranha no coração de quem se interessa pelo conhecimento.

Ela se ancora mais radicalmente numa espécie de inconsciente coletivo em cujo universo tudo é apenas

uma imitação do real, levando-o ao paroxismo de defender a imitação como algo mais ‘verdadeiro’ e prático do que a própria realidade concreta, vivida, densa, finita, limitada e mortal.

Tal valor — da ignorância e da virtualidade —, tem nuances, mas está calcado na ideia de que o ‘empenho antropológico do aprender que resulta no saber e no pensar não precisa mais acontecer como valor histórico’.

A justificativa de tal proposta defendida descaradamente como uma inovação e melhoria para a humani-

1. Há milhares de jornalistas, psicólogos, administradores de empresas, influencers, todos com uma incorporação de uma coroa áurea de educadores que dedicam seus dias e textos a defenderem uma aprendizagem mínima, lúdica, pragmática, sem muito empenho e só baseada no desejo íntimo de cada indivíduo, de curto prazo e de eficácia imediata.

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Por que tal valorização do não saber? Quem, em sã consciência, defenderia a ignorância como estado de espírito e destino da humanidade?

dade se apoia também na simples ideia de que ‘tudo já está pensado’ por grandes firmas especializadas e imbatíveis em seus resultados.

Resta às novas gerações apenas o consumir — como um regurgitar dos produtos da matriz, realimentando-se insossamente do que já está disponível nas redes e nos mecanismos de pesquisa ou nos conhecimentos resultantes dos algoritmos das várias modalidades vindouras das inteligências artificiais — de posse das big five tech.

O pano de fundo de tal preocupação ganha impulso e se situa, para mim, basicamente nas consequências impostas narcoticamente pelas diversas e complexas redes de entretenimento e comércio, ditas, de comunicação social2

Resumo desta parte da ópera: “O saber que vale está todo na matriz seja para registrar ‘tudo’ o que foi relevante para a humanidade, seja nas ‘receitas’ para enfrentar suas questões dos futuríveis”.

Estar distendido e repousante (num estado de dulcis mediocritas) neste mundo comunicacional e consumista é o segredo da paz duradoura e necessária para tornarmo-nos clientes bem atendidos no espaço de sua dimensão cidadã-consumidora de sistemas infinitos de 0800.

Apertando os parafusos da preocupação: por que tal valorização do não saber? Quem, em sã consciência, defenderia a ignorância como estado de espírito e destino da humanidade?

Haverá vantagens em não saber? Será a ignorância um benefício a ser distribuído fartamente ao ser humano?

Para nivelar por baixo um primeiro ensaio de resposta pode-se dizer uma coisa certa: a ignorância barateia tudo. Ela não exige investimentos em si nem nos outros.

Fica tudo mais fácil, rápido, sem dores nem empenhos especiais.

No entanto, continua ainda a fazer sentido a frase de Brizola: “A educação não é cara. Cara mesmo é a ignorância”. Na toada lenta, mas poderosa da defesa tácita da ignorância, o não saber é prestigiado e estimulado continuamente.

Onde e como isso? Nas publicidades das grandes redes das lojas, shoppings, mídia e canais televisivos, no entretenimento e na sociedade do espetáculo — que vai manifestando a partir do poder dos influencers, aos BBB e aos campeonatos de F-1 ou das black friday. Difunde-se delicadamente uma ignorância charmosa, sem custo e francamente proveitosa a alguns interessados e não como bem comum.

Mas, quem defenderia publicamente a ignorância, o desconhecimento e o não saber como estado anímico e social mais eficaz para a realização humana de nossa vida?

Acho que ninguém. Ninguém de carne e osso. Mas encontraríamos aos montes alguém que, online, a partir de ideologias bem disfarçadas, defenda as virtualizações da vida em suas dimensões ‘avatarescas’ concretizadas em forma de comida em pílulas, intimate live, chats, vida congelada em outros planetas etc. Daí brotam os argumentos de que o saber não é necessário, mas só o consumo de alguns conhecimentos requentados, triados, embalados, algoritmizados a partir de fontes e intenções do mercantilismo dos dados.

Como os defensores não aparecem tão ostensivamente assim, deve-se tratar do tema com argumentos claros, em campo aberto...para que a evidência dos princípios defendidos por eles possa ser questionada no campo cultural, ético e político dos próprios argumentadores.

Insisto na pergunta: quais as vantagens da ignorância?

Quem ganha com elas, em caso da haver vantagens?

Servem ao quê e interessam a quem?

2. Na verdade, as redes de ‘comunicação’ são redes ‘numéricas’ apenas enganosamente chamadas de redes sociais.

Fernando José de Almeida

é professor de pós-graduação em educação: currículo na PUC-SP e foi secretário municipal de Educação da cidade de São Paulo (2001-2002).

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A ressignificação do orientador educacional

Com o aumento de estudantes com dificuldade de tomarem conta de si, para que a trajetória escolar ultrapasse a aquisição de habilidades, o papel desse profissional é crucial

Não há escola que não defenda as máximas “a minha prioridade é o aluno” e “o nosso foco é o desenvolvimento integral do estudante”. Evidentemente, pode haver variações na formulação das frases nessa basilar missão, mas não haverá mudança substanciosa na ideia de que o aluno é o centro de interesse da instituição e o seu desenvolvimento integral, pleno, autônomo, cidadão, crítico e holístico é a pedra elementar e vital onde a escola está instituída, alicerçada e fincada. Não há colégio que, em seu projeto político-pedagógico, não contemple a progressão escolar exitosa do estudante para que ele possa, com aquisição de conhecimento do

mundo e de si mesmo, desenvolver suas habilidades, seus potenciais e suas capacidades a fim de atuar na sociedade de forma crítica, solidária e transformadora.

E para que esses pressupostos se consumam efetivamente, os centros de estudos e de formação humana garantem que contam com equipes docente, pedagógica e educacional qualificadas que visam ao desenvolvimento de conteúdos, atitudes, competências e habilidades planejados e executados de forma progressiva, avaliada, ponderada, relativizada e reconsiderada. Todos esses princípios são enunciações claras nos postulados escolares. Os institutos todos defendem, em teoria e na prática, essas proposições, todavia, no dia a dia escolar, na passagem de cada ciclo e no fim da traje-

Para Mirian Grinspum:

“O principal papel da orientação será ajudar o aluno na formação de uma cidadania crítica, e a escola, na organização e realização de seu projeto pedagógico”
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DIÁLOGOS

tória escolar do jovem no ensino básico, muitas desses axiomas tornam-se apenas hipóteses e intenções.

O que se propõe como truísmo tropeça muitas vezes nos acasos, nas chances e nas contingências, sobretudo em institutos cujos atores dos processos educativos trabalham de forma fragmentada e desconexa ou naqueles em que a orientação educacional atua à margem da engrenagem que faz a roda da relação ensino e aprendizagem se concretizar íntegra e absoluta.

Não há dúvida de que um grupo de professores capacitado, treinado, valorizado, estimulado e afinado com o projeto político-pedagógico (PPP) da instituição da qual faz parte é um início de caminho sólido para o sucesso da empreitada e da missão. Claro que uma direção pedagógica atuante e atualizada trabalhando em harmonia e temperança como os coordenadores pedagógicos e de área constitui um suporte e sustentáculo indissociável para que os valores propostos sejam alcançados prosperamente.

Contudo, nas atuais circunstâncias em que vivem jovens e famílias, hoje, a atuação do orientador educacional será crucial para que essa travessia escolar seja plena e repleta de realizações que ultrapassem a aquisição de habilidades que deem conta apenas dos conteúdos pré-selecionados pelos colégios. Segundo a educadora e intelectual Mirian Grinspum: “O principal papel da orientação será ajudar o aluno na formação de uma cidadania crítica, e a escola, na organização e realização de seu projeto pedagógico. Isso significa ajudar nosso aluno ‘por inteiro’: com utopias, desejos e paixões”. “A prática do orientador educacional deverá estar centrada na realidade dos alunos, propiciando-lhes as condições favoráveis à aquisição do conhecimento e, concomitante a esta aquisição, o próprio desenvolvimento.”

As escolas não podem negar que, a partir do advento das redes sociais e da ampliação do uso em massa dos smartphones entre crianças e jovens, os atuais estudantes são muito mais ansiosos, adoecidos emocionalmente, aflitos com a própria existência. Jovens com imensas dificuldades de dar conta de seus conflitos pessoais e de interlocuções sociais. Imersos em uma era em constantes transformações tecnológicas e sociais fundamentais que passam por questões de gênero e identitárias às relacionadas a crises climáticas e de reconstrução da empregabilidade. Garotos e garotas que expostos a toda sorte de influenciadores digitais, sem a mediação da rua

viraram iscas fáceis e frágeis para aderir a ideias perigosas aparentemente agradáveis.

Nunca se viu tanto suicídio entre jovens nem tanta mutilação entre eles. Qualquer visita a uma enfermaria escolar ou à sala da orientação confirmará o fluxo absurdo de pronto-socorro, sem contar as inúmeras perdas de aula ao longo do ano por conta de dificuldade de dar conta de si e do dia.

Contudo, muitas escolas — se não negam na palavra esse cenário alarmante — contrariam no gesto, oferecendo apenas propostas paliativas para mitigar problemas com palestras, atendimento na orientação educacional ou nas enfermarias ou salas de psicólogos e psicopedadogos quando contam com esses profissionais e reuniões esporádicas com famílias.

E, nesse contexto, convenhamos que seja muito difícil afirmar que o centro da atenção nas instituições seja o aluno e que o foco da educação seja oferecer ao educando sua formação integral e holística. Ainda mais a jovens e crianças que em meio ao turbilhão de aulas e de informações travam luta homérica para sair da cama e enfrentar os Golias do dia com duas ou três pedrinhas inofensivas na mão.

Como esperar desses jovens bons rendimentos escolares e formação de projeto de vida consistente em meio a tanta fragilidade? Com uma associação clara e efetiva das informações colhidas pelos orientadores educacionais ao longo das entrevistas e de atendimentos a alunos e famílias. Com assembleias de classe constantes para filtrar a temperatura relacional na escola e as dificuldades de aprendizagem. E, principalmente, com a inserção do orientador educacional na construção do PPP e dos planejamentos curriculares para que ele possa sinalizar sob a perspectiva da aprendizagem o que vem ocorrendo no dia a dia escolar, para que ocorra a reconstrução do que se havia planejado. Por fim, para que ele possa conduzir encontros educativos com famílias e assim alinhar propostas individuais e coletivas para as crianças. Do contrário, teremos muito insucesso escolar e orientadores disciplinando e amparando lamentações dos alunos e dos professores.

professor de língua

e orientador educacional

Revista Educação 45
João Jonas Veiga Sobral Escritor, portuguesa

ENTRE MARGENS

O estado emocional da sociedade

A volta às aulas era o período com mais suicídio de jovens no Japão.

De 1972 a 2013, 131 alunos em média tiraram a vida em 1º de setembro

| Por José Pacheco

Curitiba, 1 de maio de 2044

Há cerca de 20, li esta notícia:

“Vestibular na Índia levou 23 jovens ao suicídio.”

Assim se despedia uma das jovens suicidas:

“Eu só queria fazer as coisas certas, mas é como se eu fosse uma completa incapaz. eu choro por todas as músicas, livros e filmes q eu amo e q nunca mais vou ver. eu sinto muito, eu sinto mt deixar vcs. eu odeio viver, é só isso.” (sic)

Venkatesh lutava para segurar as lágrimas, enquanto tirava a carteira para mostrar a foto da irmã. Em 18 de abril de 2019, o dia em que ela descobriu que tinha sido reprovada no vestibular, Thota tinha 18 anos, quando se matou.

Vennela tomou veneno. Chorando, a sua mãe lembrava:

“Ela continuava repetindo: ‘como eu pude falhar’?”

A competição para entrar no ensino superior na Índia era feroz. E os exames eram cruciais para garantir um lugar em boas universidades, que eram vistas como um caminho seguro rumo a um emprego bem-remunerado.

Não era apenas na Índia que o drama se desenrolava: o dia de volta às aulas era o que mais tinha suicídio de jovens no Japão. De 1972 a 2013, 131 alunos em média tiraram a vida no dia 1º de setembro.

No mesmo ano, a notícia colocada sobre esta frase denunciava uma muralha de silêncio:

“Mais uma aluna da UnB tira a própria vida. A estudante era extremamente simpática, muito inteligente; uma pessoa querida. Tomou um uma overdose de comprimidos“.

Naquele tempo, os professores do ensino superior queixavam-se dos baixos índices de proficiência dos alunos do ensino ‘inferior’. O ensino secundário projetava a culpa no básico. O básico atirava culpas para a educação infantil, que responsabilizava as famílias, não podendo as famílias responsabilizar o Criador…

O exame de acesso à universidade era mero instrumento de darwinismo social e de morte. Já, então, era tempo de trocar um ensino pretensamente superior (superior em quê?) por uma aprendizagem igualitária. Mas

ainda levaria muito tempo e muita morte até que esse inútil e nefasto exame fosse erradicado.

Felizmente, há cerca de duas décadas, uma nova geração surgia, cuidada por seres humanos sensíveis, capazes de buscarem a perfeição possível e que viam com olhos que veem muito para além da aparência das coisas. Assim escrevia a Amanda no seu facebook (um dia, vos explicarei o que era uma rede social):

“Ontem, ganhei o meu melhor presente. Meu afilhado nasceu e tive a honra de poder participar e registrar essa chegada tão pura e emocionante. De longe, o momento mais sublime que já presenciei. Te apresento o mundo, Lucas. Com todo meu amor, te recebo de braços e coração abertos, para cumprir meu papel de madrinha da maneira mais singular que puder. Te desejo um feliz início de ciclo, recheado de conquistas e alegrias. Que você desfrute de todas as doçuras da vida, aprenda com os tropeços e jamais tenha medo de sonhar e voar alto. Para tudo, estarei aqui. Te guiando e protegendo, entre erros e acertos, mas acima de tudo, te amando incondicionalmente”.

Nos idos de 24, a modernidade nos remetera para uma ética individualista. Mas, seres sensíveis como a Amanda ajudaram educadores a exercitar a consideração positiva incondicional, de que falava Carl Rogers, a praticar a confirmação do Martin Buber e o amor incondicional postulado pela Alice Miller.

Neste ano da graça de 2044, o Lucas está a estudar na universidade que escolheu. Fez entrega de um portfólio de avaliação aos tutores da sua comunidade. Não precisou passar por inúteis e nefastas provações, pois, há já muito tempo, os vestibulares, Enem e outras provas de acesso à universidade foram extintos.

Revista Educação 46
José Pacheco Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal) josepacheco@editorasegmento.com.br
RUA DR. AUGUSTO DE MIRANDA, 99 – 11 3871 0123 POMPEIA RUA CARNEIRO DA SILVA, 86 – 11 3021 0240 VILA LEOPOLDINA @UNIU.ART EM TODAS AS REDES SOCIAIS WHATSAPP: 11 99714-9882 O N D E O ME L H O R DO B A L LE T, D A GI N ÁST I CA , D A D A N ÇA E DO TE ATRO MUS I C A L SE UNEM . E N A S U A ESC O LA !

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Revista Educação 304 junho-julho 2024 by rfmeditores - Issuu