Revista Educação 297 setembro 2023

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“Estudante

não quer só sobreviver”

revistaeducacao.com.br

Avaliação

Diferentes instrumentos para seres humanos diversos ANO

Políticas públicas Tempo integral, sim, mas não de qualquer jeito

EDUCACAO

Juliana Reis se motiva quando está no chão da escola. Ela já dirigiu três escolas da rede municipal de SP

Direção atuante é diferencial na aprendizagem

Pesquisas constatam impacto positivo da gestão na escola, mas faltam formação e competências específicas. Profissionais têm dificuldade de entender o papel de liderar

Jade Beatriz
27 Nº297 R$ 24,90

Transformando o país pela educação.

www.editoradobrasil.com.br

CARTA AO LEITOR

Olhar plural, há 27 anos

Aos poucos, e não no mesmo ímpeto de antes, a revista volta a ser reconhecida nesta fase em que a comunicação digital tomou conta do mundo. A informação jornalística independente desperta interesse. É essa sensação que vivemos na revista Educação, que completa com esta edição 27 anos de circulação ininterrupta.

No início, nossa atividade consistia em elaborar reportagens, diagramar e imprimir, para levar ao leitor todo mês um ponto de vista sobre educação, para recomeçar todos os meses. Contato com o leitor apenas com aqueles que se motivavam para enviar uma carta e depois e-mail. Hoje nos constituímos numa plataforma que faz a revista na versão digital e impressa, o site com atualização diária, repercutimos os principais assuntos nas redes sociais, podcast e, por fim, fazemos eventos. Promovemos ainda o Top Educação, em que os leitores escolhem as marcas mais lembradas no seu dia a dia.

A mídia impressa se tornou um nicho — há leitores que defendem de forma encarniçada esse modelo —, mas, definitivamente, estamos em vários lugares, falamos com mais pessoas, levamos conhecimento a públicos que antes não alcançávamos.

A revista Educação nasceu por iniciativa de alguns jornalistas, e nunca se alinhou a pessoas, partidos ou moda. Sempre defendeu o que mais tarde virou um mantra: um olhar plural, pontos de vista diferentes.

Hoje a revista tem uma equipe maior, e um conselho editorial que nos ajuda a produzir um conteúdo sem viés, focado na educação de qualidade, para todos. De mudança em mudança nos preparamos para chegar com viço até estes 27 anos, contando com apoio dos leitores, especialistas e parceiros comerciais que tornam isso possível.

Com nosso olhar jornalístico, buscamos mostrar o dia a dia dos profissionais da educação básica e levar as melhores experiências em aprendizagem. Esse é o nosso propósito. Sendo assim, aproveitamos a ocasião para agradecer leitores e leitoras pela confiança e parceria.

Boa leitura,

Nos siga nas redes sociais

A revista Educação, composta por edições digitais e impressas, site, redes sociais e eventos, é publicada por RFM Editores

Ano 27 - Nº 297 setembro de 2023

ISSN 1415-5486

Conselho editorial

Eduardo Deschamps

Fernando José de Almeida

Iracema Nascimento

Mozart Neves Ramos Regina Scarpa

Publisher: Edimilson Cardial edimilson@plataformaeducacao.com.br

Editora: Laura Rachid laura@plataformaeducacao.com.br

Diretora administrativa: Rita Martinez rita@rfmeditores.com.br

Diretora de marketing: Carolina Martinez carolina@plataformaeducacao.com.br

Parcerias Institucionais

Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) Undime SP (União dos Dirigentes Municipais de Educação)

Jornal Joca - para jovens e crianças

Sua Escola Ideal

Two Sides

Colaboraram nesta edição

Alexandre Sayad

Ana Gabriela Nascimento

Damaris Silva

Diego Braga Norte

João Jonas Veiga Sobral

José Pacheco

Karen Cardial

Karina Nones Tomelin

Leticia Scudeiro

Luciana Alvarez

Paulo de Camargo

Rubem Barros

Thuinie Daros

Simône Midori Maki (diagramação)

Maria Stella Valli (revisão)

COMERCIAL

Gerente de negócios e relacionamento: Margarete Rios Silva margarete@rfmeditores.com.br

Cel.: (11) 99995-1284

Correspondências

Rua Oscar Caravelas, 334 - Vila Madalena, SP CEP 05441-000

Educação é uma publicação mensal da RFM Editores destinada a mantenedores, educadores e interessados em educação. Esta publicação não se responsabiliza por ideias e conceitos emitidos em artigos ou matérias assinadas, que expressam apenas o pensamento dos autores, não representando necessariamente a opinião da revista. A publicação se reserva o direito, por motivo de espaço e clareza, de resumir artigos.

ATENDIMENTO

Para falar sobre assinaturas: assinaturas.plataformaeducacao@gmail.com

WhatsApp: 11 98878-8745

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Edimilson Cardial, jornalista fundador
EDUCACAO REVISTA
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Foto capa: Arquivo pessoal

Um país se faz com EDUCAÇÃO

Jornalismo independente há 27 anos!

Revista Educação 5 1

Virene de Souza é diretora na Emeif

Tancredo de Almeida

Neves, no PA. Ela sabe a importância de atuar em equipe

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ENTREVISTA

Jade Beatriz

Para além de comida e transporte, a presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) reforça as vontades e preocupações da juventude. Ela também critica que as escolas não fornecem autonomia e legitimidade

22 DIREÇÃO

Liderança desvalorizada

Sem formação específica, competências profissionais ainda indefinidas por órgãos oficiais, com altas demandas administrativas e pedagógicas, os esforços da direção são muitos, inclusive o de compreender o seu papel de liderar

AVALIAÇÃO 14

Aprendizagem do estudante

Escolas tornam as práticas avaliativas mais formativas e integradas, incluindo a autoavaliação; nesse processo há aquelas que não acreditam em provas

EMILIA FERREIRO 38

1937-2023

Responsável por revolucionar o processo de alfabetização, Emilia Ferreiro faleceu em 26 de agosto, aos 86 anos

ESCRITA 50

Memória afetiva

Função terapêutica e ferramenta de autoinvestigação, a escrita requer cuidados. Ambiente escolar pode construir êxito ou trauma

e mais

18 Midiática

30 PNLD

34 Pedagogia

40 Políticas públicas

43 Transformação

46 Sustentabilidade

54 Futuro da escola

56 Diálogos

58 Entre margens

Revista
Educação 6
SUMÁRIO
Arquivo pessoal Karla Boughoff

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By Chancela Parceiros
abril de

”Também queremos um tênis, sair no final de semana, presentear a namorada. O que é um dos principais motivos para sair da escola”

“Estudantes não querem só sobreviver”

Para além de comida e transporte, a presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) reforça as vontades e preocupações da juventude. Ela também critica que as escolas não fornecem autonomia e legitimidade

OBrasil possui mais de 40 milhões de estudantes na educação básica regular, técnica, pré-vestibular e educação de jovens e adultos — a população total da Espanha, por exemplo, é de quase 50 milhões de pessoas. São esses milhões de brasileiros que a cearense e filha da escola pública Ana Jade Beatriz, de 22 anos, busca representar. Ela, que atualmente faz cursinho, é a presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), fundada em 1948, no Rio de Janeiro, e hoje presente em todos os estados e Distrito Federal.

A entrevista aconteceu por videochamada. Jade estava em Brasília: “passo a maior parte da semana aqui por conta da Ubes, não diretamente pela entidade, mas porque tudo está acontecendo aqui. Então as decisões polí-

ticas, audiência pública, votação, tudo que envolve a educação básica a gente fica aqui de sentinela para garantir que nada de ruim aconteça e para conseguir aprovar também”. A jovem conta que a Ubes dialoga com todos os setores, dos secretários de Educação, deputados, vereadores, prefeitos e o Ministério da Educação.

Confira a entrevista.

Laura, revista Educação: A Ubes é contra o atual novo ensino médio, inclusive elaborou um documento inspirado nos institutos federais entregue ao MEC. Por que discordam e o que propõem?

Jade Beatriz: Um dos principais pontos é a carga horária das matérias de conhecimento geral básico que, reduzida, não consegue dar conta da demanda que é o ensino médio. São matérias de base importantes como história,

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geografia, sociologia, português e matemática, e no lugar delas entram os itinerários formativos, que em tese seriam para aproximar o estudante do mercado de trabalho, mas na realidade não será assim porque não são itinerários, por exemplo, de robótica, aula de logística, administração, informática. É aula de como fazer bolo de pote ou de como fazer brigadeiro caseiro, aula de como pintar unha, como fazer boneco de palha. Isso só distancia a juventude da escola pública que hoje é majoritariamente composta por estudantes negros, de baixa renda e por mulheres, aprofundando a desigualdade social.

Entendemos que a nova proposta de ensino médio precisa beber das experiências dos institutos federais. Tudo bem ter itinerários que querem aproximar os estudantes do mercado de trabalho, só que precisa ser digno e fazer sentido com o ambiente daquele estudante. Sem contar o orçamento para a execução, um dos maiores problemas. Os institutos federais são modelos de sucesso na entrada para a universidade, no mercado de trabalho e possuem uma porcentagem grande de produção científica do país. É preciso aplicar o modelo científico e tecnológico dos institutos federais nas escolas e que as escolhas das matérias conversem com as necessidades locais para o estudante não cair no subemprego. Porque o caminho que esse novo ensino médio traça para os jovens é esse.

Por isso queremos uma nova proposta. Entregamos a nossa nota técnica para o MEC e estamos entregando agora para o Congresso Nacional. Dialogamos tanto com deputados de esquerda como de direita e centro para garantir que um novo modelo de educação seja entregue e que nesse modelo a gente possa aprender a história do Brasil, fugindo da lógica de que foi a princesa Isabel que libertou os escravos, sendo que não tem registro ali de quem foi Dandara, Zumbi dos Palmares, o importante papel que os quilombos cumpriram para a construção do que foi a anistia do povo negro no Brasil e a forma como o país foi construído a partir do nosso próprio povo. E não contando uma história europeia de como os europeus construíram o Brasil.

Novo ensino médio:
“é preciso aplicar o modelo científico e tecnológico dos institutos federais nas escolas. E que as escolhas das matérias conversem com as necessidades locais para o estudante não cair no subemprego”

Entendemos que o modelo pedagógico no Brasil caminha a passos lentos comparado com o que deveria ser. Por exemplo, somos da América Latina e não é obrigatório ter espanhol. A gente também não concorda que o ensino médio volte a ser o que era antes, amarrado a uma estrutura de 50 anos atrás, de cadeira enfileirada uma na frente da outra. Entendemos que a escola precisa cumprir o papel de garantir que o estudante consiga formar pensamento crítico, tenha acesso às matérias que são ponte para a universidade e cumpra o papel de combater as desigualdades sociais. Então, quando foge dessas três coisas, a escola pública perde o sentido e é isso que está acontecendo no novo ensino médio.

Como funcionam os movimentos estudantis e os encontros estaduais e nacionais?

O movimento estudantil é dividido em três entidades nacionais: a Ubes, que envolve todos os estudantes da rede particular e pública de ensino médio, técnico, pré-vestibular e ensino de jovens adultos, além de representar todas as crianças — basicamente, é todo estudante que ainda não está dentro da universidade. Tem a União Nacional dos Estudantes (UNE), que é dos estudantes universitários, e a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG). Mas cada região tem a sua própria entidade estadual e em alguns locais, municipais. Por exemplo, na Ubes, entre as estaduais, temos a Associação Cearense dos Estudantes Secundaristas; já no Rio Grande do Norte, a Associação Potiguar dos Estudantes Secundaristas. Então o grêmio da escola faz parte da entidade municipal e estadual e essas entidades fazem parte da Ubes.

O movimento estudantil é composto por várias organizações ligadas ou não a partidos. Existem pessoas de direita, esquerda e até oposição. Todos os nossos eventos são bem democráticos porque todas as chapas dos movimentos conseguem defender o que querem. Tudo é votado. Na Ubes temos várias atividades, como o Encontro Nacional de Grêmios, Encontro de Mulheres Estudantes,

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ENTREVISTA

Encontro de Negras e Negros, tem o Encontro Nacional de Escolas Técnicas, todos acontecem de dois em dois anos. Já o evento deliberativo, que discute o que a Ubes vai defender nos próximos anos, é o Conselho Nacional de Entidades de Base (Coneb), que acontecerá em julho do ano que vem para eleger a nova diretoria, e aí vou passar o bastão para outra pessoa.

Quais vitórias o movimento estudantil tem conquistado nos últimos anos e como viabilizam isso?

São muitas. Vou falar por mim. Comecei a olhar o movimento estudantil quando estava no 8º ano, em 2016. Conheci a Ubes por conta das ocupações das escolas, me perguntava o que estava acontecendo e conversava com as pessoas. Mas minhas primeiras movimentações vieram com os cortes na educação do governo Bolsonaro de bilhões de reais, que gerou o ‘tsunami da educação’ [em 2019], com manifestações sendo marcadas praticamente de 15 em 15 dias. Os cortes foram revertidos e pra mim foram as primeiras experiências vitoriosas. Também presenciei o PL da dignidade menstrual, que tornou obrigatório todas as escolas terem absorvente, teve o PL da conectividade e o reajuste da merenda escolar.

Já no novo governo Lula, o ministro Camilo Santana me pediu para colocar o pin [broche] nele e eu pedi uma reunião que aconteceu na segunda semana de governo. Levamos uma lista de coisas para fazer, como recomposição orçamentária e recomposição dos institutos federais. Eles cumpriram com a nossa lista já no primeiro semestre. Sobre a expansão das escolas em tempo integral, só uma coisa o MEC não colocou e estamos resolvendo agora para que entre ainda nos próximos dois meses, que é a bolsa permanência para todos os estudantes, visando conter a evasão. De vitória teve também a aprovação do novo Fundeb, que foi muito importante.

A Ubes possui algum projeto para quebrar questões estruturais como o fato de estudantes negros evadirem mais da escola do que os estudantes brancos, conforme apontam pesquisas como o Saeb?

Temos uma entrada maior na escola pública, escola privada é muito difícil entrar, e tudo o que defendemos envolve isso. Então bolsa permanência para as escolas de tempo integral, expansão dos institutos federais, ficamos em cima do MEC para poder melhorar o Enem; tudo voltado, principalmente, para os estudantes negros que são maioria na escola pública e justamente os que mais evadem. Nos últimos três anos, o Enem teve uma queda nas inscrições, sendo maior entre estudantes negros e indígenas da escola pública. Poucas pessoas sabem, mas sobram vagas de cotistas nas universidades, isso porque os estudantes deixam de se inscrever e os que se inscrevem possuem dificuldade, mesmo com a Lei de Cotas. Então hoje as universidades estão com vaga sobrando porque o jovem não está entrando na sala de aula. A nossa luta principal é a defesa da educação, só que o acesso a ela é muito importante e a gente prioriza que esse acesso seja para esses estudantes.

Está no Congresso uma proposta de poupança estudantil para quem concluir o ensino médio. É importante, mas não pode ser o único caminho: um jovem não vai sair do trabalho para estudar, se fizer isso não terá comida em casa

Está no Congresso Nacional uma proposta de poupança estudantil para quem concluir o ensino médio. É importante, mas não pode ser o único caminho porque estamos falando do agora e um jovem não vai sair do trabalho para poder estudar porque se fizer isso não terá comida em casa. ‘Estou com fome hoje’. ‘A minha família está passando fome hoje e não quando terminar o ensino médio’. Ele precisa de uma certeza no mês. Acho que poderia se assemelhar ao que é a bolsa de assistência estudantil do ensino superior ou a própria bolsa da Capes da pós-graduação. O jovem é o público que mais se ‘lasca’ porque ainda não conseguiu entrar na universidade e nem no mercado de trabalho, e justo nós somos as pessoas com a maior faixa de desemprego.

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Há uma lógica enraizada, detalha Jade: “É fácil conseguir emprego em aplicativo, aí faz supletivo e pronto. A pessoa diz que não quer entrar na universidade porque sabe que não tem chance de passar”

E esse valor não pode se voltar apenas à alimentação e transporte. Falei para o Camilo Santana: os estudantes não querem só sobreviver. Também queremos um tênis, sair no final de semana, presentear a namorada. Inclusive, isso é um dos principais motivos para sair da escola, porque é fácil conseguir emprego em aplicativo, aí faz supletivo e pronto, termina o ensino médio. A pessoa diz que não quer entrar na universidade porque sabe que não tem chance de passar, já que não teve acesso ao mesmo tipo de educação da escola particular. É uma lógica enraizada. Vi vários amigos passarem por isso. Eu estudei em escola técnica estadual de tempo integral no Ceará, que tem uma estrutura melhor, mas mesmo assim, o fato de não ter uma bolsa permanência fez metade da minha sala sair da escola. Minha turma no ensino médio começou com 42 estudantes e só 20 se formaram.

O que falta nas escolas (direção, coordenação e docência), para o protagonismo juvenil ser estimulado?

Como os estudantes veem e querem a escola?

Permitir autonomia e garantir legitimidade em todos os processos de construção da gestão escolar — duas coisas em que as escolas mais pecam hoje. Por exemplo, no Ceará e Rio Grande do Norte, é obrigatório que toda escola pública tenha grêmio, mas o grêmio acaba sendo montado pela direção, coordenação e até pelo próprio secretário. Há uma falha grande da gestão escolar de não permitir que o grêmio e o estudante tenham autonomia, o que é garantido por lei.

Há também uma falsa sensação de que os estudantes não podem ter uma opinião política, o que é ruim e perpetua

que a escola pública só prepara os estudantes para serem uma máquina de apertar botão. Não, a gente também pensa.

A Ubes defende que todos os secretários, coordenadores e diretores deveriam ser eleitos não só pelo corpo docente, mas também pelos estudantes da escola, pela comunidade escolar. Esse espaço deveria ser construído da mesma maneira como ocorre nas universidades, por exemplo, com o reitor.

Você faz cursinho. Quais seus objetivos e sonhos?

Tenho curso técnico em logística e estou na metade do curso técnico de edificações. A gente, que veio de escola pública, eu morava na periferia de Fortaleza, o nosso maior medo é dar errado na vida. Há um desespero. Ano que vem vou deixar o movimento estudantil e pretendo entrar na universidade. Hoje, meu desejo é fazer direito. Quero ser advogada e trabalhar com política por meio da minha profissão. Estou estudando para prestar Enem.

Em relação à educação básica, você concluiu direto ou chegou a sair da escola por um tempo?

Não precisei parar, mesmo com todas as dificuldades que eu tinha em casa, sendo a mais velha de quatro irmãos, tendo que ajudar. E sempre arrumei tempo para poder empreender: já vendi escondido todo tipo de mercadoria alimentícia na escola, e se não vendesse, teria que sair da escola. Vendi dindin [geladinho], salgado, bolsa, e até amortecedor de crochê para cela de bicicleta, esse vendia por 15 reais, e assim pude viver o meu ensino médio.

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Karla Boughoff
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Diferentes instrumentos para seres humanos diversos

Escolas tornam as práticas avaliativas mais formativas e integradas, incluindo a autoavaliação; nesse processo há aquelas que não acreditam em provas

| Por Paulo de Camargo

Transformar a escola, superando um modelo centenário, é um desafio complexo, que passa por muitas dimensões educativas. Mas, certamente, há um ponto em comum nos projetos que procuram tomar o rumo da inovação — a mudança do modelo de avaliação da aprendizagem. Embora a prova siga reinando como instrumento principal de diagnóstico, arraigada na cultura da escola e das famílias, disseminam-se progressivamente nas escolas novas práticas avaliativas que buscam um olhar mais sistêmico e construtivo sobre o aprendizado dos estudantes.

Fundado por alemães há 160 anos — portanto, das mais antigas escolas em atividade no país —, o Colégio Rio Branco, de Campinas, SP, é um exemplo recente dessa jornada de renovação. A partir de reflexões aprofundadas no período da pandemia, a escola optou pela diversidade de instrumentos e de estratégias: engloba atividades orais e escritas, discursivas e objetivas, produções audiovisuais e artísticas, pesquisas individuais e em grupos, trabalhos práticos de laboratórios e relatórios, debates e painéis, participação nos trabalhos de classe e extraclasse, lições e exercícios, seminários e apresentações individuais e em grupo, portfólios, entre outros. Para encerrar cada trimestre, a autoavalia-

Na Escola da Floresta, RS, não há provas. O estudante e tutor constroem um roteiro com o planejamento e a organização semanal de seus projetos e estudos

“Dizer que o João é 5,0 e a Maria é 9,0 é um ato de violência que desconsidera as especificidades e a subjetividade dos estudantes”, critica Bruno Moraes, coordenador na Escola da Floresta

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AVALIAÇÃO
Fotos: Reprodução

ção também integra o processo — ao fim do qual os estudantes estabelecem metas de aprendizagem para o próximo período.

“O objetivo por trás dessa variedade é enriquecer a experiência de aprendizagem dos estudantes, proporcionando oportunidades para que demonstrem seu conhecimento, competências e habilidades”, explica Fabiene Cortijo Ramos, coordenadora pedagógica do ensino fundamental 1. As aprendizagens são avaliadas ao longo do processo educativo, mapeando e analisando o caminho percorrido pelo estudante. “Algumas perguntas não possuem respostas únicas, mas fomentam a produção de múltiplas respostas aceitáveis. Esse dinamismo é enriquecedor”, diz Fabiene.

Algumas vezes, propostas inovadoras de avaliação já nascem com o próprio projeto pedagógico, como é o caso das escolas Lumiar, com unidades em São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Desde sua fundação, em 2003, o próprio currículo é construído a partir do levantamento de interesses e necessidades pedagógicas dos alunos, pautado pelo desenvolvimento de habilidades e competências, explica Fábia Apolinário, diretora de avaliação e objetivos. “Esse tipo de currículo demanda uma necessidade de avaliação que não seja meramente classificatória, mas sim ancorada em procedimentos, registros e instrumentos diversos que garantam sua intencionalidade”, diz. O objetivo, explica, é sintetizar o processo de aprendizagem, trazendo visibilidade ao percurso e ao que foi alcançado.

No caso da Lumiar, os instrumentos incluem um diagnóstico para avaliar conhecimentos prévios, e focam no processo, levando em conta a organização das evidências de aprendizagem em diferentes registros, da qual também os estudantes participam. Há uma avaliação final dos projetos, como um produto desenvolvido pelas crianças e jovens. Entre os instrumentos levados em

Há um ponto em comum nos projetos que procuram tomar o rumo da inovação — a mudança do modelo de avaliação da aprendizagem
Jean Piaget (1896-1980)

O Colégio Rio Branco, de Campinas, se reestruturou e hoje engloba em suas avaliações, por exemplo, atividades orais e escritas, discursivas e objetivas, produções audiovisuais e artísticas, debates e painéis

conta estão os chamados Diários de Bordo, tanto os produzidos pelos educadores como pelos alunos.

A partir da primeira etapa do ensino fundamental, os estudantes escrevem as percepções sobre a própria aprendizagem ao final de cada encontro do projeto. No ensino fundamental 2 e ensino médio, professores e estudantes fazem o planejamento e acompanhamento das avaliações em uma plataforma digital desenvolvida pela escola, visualizando o desenvolvimento das diferentes competências, habilidades e conteúdos a partir de relatórios, gráficos e murais de evidências de aprendizagem.

Ao final, professores e alunos utilizam uma escala de 1 a 5 para expressar a percepção de empenho, de uso prático e intencional das habilidades em questão, bem como da compreensão dos conteúdos mobilizados. Leva-se em conta também o nível de desenvolvimento de autonomia, uma vez que a aprendizagem pode acontecer com maior ou menor intervenção dos educadores.

Há ainda visões que para alguns podem ser mais ‘radicais’, como a experiência em comunidade de aprendizagem na Escola da Floresta, uma instituição pública inovadora localizada em Caçapava do Sul, RS. Segundo o coordenador Bruno Emílio Moraes, na Escola da Floresta todos os processos são baseados em autoavaliação. Em diálogo com o pensamento do educador português José Pacheco (que orienta o projeto), não há provas. “Aula não ensina, prova não avalia”, reitera Bruno, citando Pacheco.

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AVALIAÇÃO

Nessa mesma linha de coerência pedagógica, não se adota nenhum tipo de escala para avaliar os estudantes. Conforme explica o coordenador, o registro acontece por meio de um parecer que descreve o estudante, suas qualidades, desafios e potencialidades, sugerindo ações que possam ajudar em seu desenvolvimento. “Estamos tão imersos no modelo instituído de educação que não percebemos o quão absurdo é classificar jovens e crianças em uma escala de 0 a 10, ou mesmo com letras. Dizer que o João é 5,0 e a Maria é 9,0 é um ato de violência que desconsidera as especificidades e a subjetividade dos estudantes”, acredita Bruno Moraes.

Na proposta pedagógica da Escola da Floresta, a avaliação é inseparável do cotidiano de ensino e aprendizagem. “Não existe avaliação a posteriori, pois toda atividade educacional é, também, avaliativa. Nossos educadores são encorajados a utilizar um diário onde registram todo o desenvolvimento, potencialidades ou dificuldades de cada aprendiz”, explica Moraes.

Segundo o coordenador, cada estudante é acompanhado por um educador que desempenha o papel de tutor, estimulando pesquisas, projetos e estudos a partir de seus interesses individuais. Juntos, aprendiz e tutor constroem um roteiro contendo o planejamento e a organização semanal de seus projetos e estudos. A cada semana, o educador avalia o cumprimento das atividades acordadas e o registra no mesmo documento.

“A avaliação é inseparável do desenvolvimento cognitivo. Desde cedo, avaliamos nossas atitudes, as reações das pessoas à nossa volta, as estratégias para alcançarmos nossos objetivos e assim por diante. Construímos dispositivos de avaliação que não representam o julgamento do outro a partir de referenciais externos ou uma visão de estudante ideal, mas possibilitam reconhecer as particularidades de cada indivíduo”, explica o coordenador.

“Algumas perguntas não possuem respostas únicas, mas fomentam a produção de múltiplas respostas aceitáveis. Esse dinamismo é enriquecedor”, diz Fabiene Cortijo, coordenadora no Colégio Rio Branco, Campinas

DIÁLOGO COM AS FAMÍLIAS

Conforme o autor Cipriano Luckesi, um dos mais reconhecidos especialistas no tema, no Brasil, a prova como instrumento de aferição de aprendizagem e ranqueamento de desempenho vem sendo sistematizada desde o século 16 pelos jesuítas — inclusive em regras como formas de não permitir a cola, modos de disposição das carteiras, definição do tempo, entre outras características que se mantiveram e se transformaram em formas de poder e controle sobre o estudante e de indução do estudo.

Desde a fundação, as escolas Lumiar possuem um currículo construído a partir do levantamento de interesses e necessidades pedagógicas dos estudantes, conta Fábia Apolinário, diretora de avaliação e objetivos

Mais do que isso: as notas das provas tornaram-se para a sociedade um critério de aprendizagem e de confiança na escola — mesmo que sejam métricas inadequadas para essa função. Daí vêm ideias equivocadas, como ‘escola boa é escola que reprova’. Por isso, mudar as formas de avaliação requer diálogo com as famílias, com uma postura formativa. “Certamente, existe uma preocupação dos pais em relação a mudanças nos processos tradicionais de avaliação. É crucial que eles compreendam o projeto da escola. Mantemos um feedback contínuo entre a equipe, os alunos e as famílias, buscando ouvi-los e fornecendo informações sobre as estratégias e critérios de avaliação”, explica a coordenadora Fabiene, do Rio Branco.

Da mesma forma, na Escola da Floresta, o diálogo com os pais é permanente. “No passado, algumas famílias estranharam a ausência das práticas tradicionais, mas, atualmente tomamos o cuidado de explicar detalhadamente nossa base para as famílias que estão ingressando em nossa comunidade. Apesar desse estranhamento inicial, elas acabam percebendo os frutos de uma educação estimulante e significativa”, acredita o coordenador Bruno.

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Divulgação

Frutos da prática do ballet clássico acompanham o aluno por toda a vida

Independentemente dos caminhos profissionais que nossos alunos e alunas sigam no futuro, o ballet traz benefícios físicos e comportamentais que são para a vida e, também, uma ponte para a construção do sucesso.

Por meio de um trabalho de conscientização corporal, o ballet trabalha os principais grupos musculares, desenvolve a disciplina, foco, determinação e a confiança, ajudando no desenvolvimento pessoal de cada aluno, sem comparações, pois entende que cada indivíduo é único e trilhará um caminho só seu.

O ballet clássico serve como base para diversas danças ao trabalhar o equilíbrio, alongamento, ritmo e coordenação motora. As aulas de ballet iniciam com atividades de aquecimento e alongamento, seguidas de movimentos de treino e repetição na barra, no centro e na diagonal da sala. Trabalhos técnicos que desenvolvem a consciência corporal e melhoram a qualidade dos movimentos, os exercícios de repetição são importantes e realizados da forma adequada, não cansam a turma.

O Ballet Paula Castro utiliza a metodologia da Escola Nacional de Ballet de Cuba (ENBC – BR), cujo trabalho em grupo é valorizado e permite que os alunos percebam a sua importância, respeitando as individualidades, limites e diferenças. Além disso, a metodologia dosifica o programa de acordo com as séries e habilidades do aluno.

Aluna do Ballet Paula Castro desde os quatro anos, Rafaela Freire fez ballet, jazz, sapateado e teatro musical até os 17 anos. Hoje, com 19, Rafaela estuda Administração nos Estados Unidos e trilha um caminho rumo a uma grande carreira.

“Eu danço desde os meus quatro anos. Hoje, nos Estados Unidos, sei que o ballet me trouxe muitas oportunidades, sociais e profissionais também. Ter o ballet em minha formação e em meu currículo me abriu várias portas”, conta Rafaela.

Mantendo o foco e a disciplina e aprendendo a controlar a ansiedade, Rafaela aprendeu a lidar com situações inesperadas, aprendizados importantes em seu caminho. Ser mais sociável e extrovertida ajudaram-na a desenvolver o carisma e a conquistar o público. “Quando estamos em uma apresentação e erramos, ou quando você está no palco e um laço cai da sua cabeça, precisamos saber agir, e às vezes trata-se de simplesmente ignorar o laço que caiu”, explica.

“Foi dançando que fiz muitas amizades e com os palcos aprendi a desenvolver o carisma. Agradeço por ter crescido no Ballet Paula Castro, que me ajudou a ser quem sou e espero que todo mundo possa ter a mesma experiência que eu tive”, declara Rafaela.

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Rafaela Freire, aluna do Ballet Paula Castro desde os quatro anos
APRESENTADO POR

O ‘celular-papão’ e outras fábulas reais

A recente proibição de celulares em sala de aula por alguns países coloca em dúvida o protagonismo da escola e da família ao absterem-se de educar em questões eminentes, como essa

| POR Alexandre Le Voci Sayad

Aeconomia da atenção, conceito desenvolvido pelo economista Herbert Simon ainda na década de 1970, é um aspecto da vida contemporânea. Nossa escassa capacidade de concentração dissipa-se entre um oceano de plataformas, telas e informação. Se prestar atenção é difícil na vida adulta, imagine então no universo infantil. Esse tem sido o argumento central de algumas políticas educacionais de Estado recentes, que têm como foco o aparelho celular, que passou a ser banido total ou parcialmente na escola (dentro da sala de aula ou em algumas disciplinas) para evitar a distração ou falta de socialização dos estudantes.

O debate merece a atenção porque as leis entraram em vigor em países europeus cuja legislação educacional se mostrou sempre progressista, como França,

Letônia e distritos de cidades norte-americanas, mas também em ditaduras de Estado como China (o que surpreende menos).

Difícil argumentar contra a nocividade dos aparelhos sociais na infância — autênticos vilões, ou ‘bichos-papões’ dos nossos tempos. Basta adentrar alguma escola e perceber que, se há celular, não há interação entre pessoas; isso sem contar as estratégias de plataformas na busca de atenção dos usuários, que encontram um alvo mais frágil em crianças e adolescentes, além do acesso, muitas vezes sem filtro, a conteúdo inadequado. Trata-se, portanto, de uma fábula real cujo aparelho engole pessoas e junto suas infâncias, deixando famílias e professores a ver navios.

Infância e celular não combinam. Mas abro aqui uma provocação quando tratamos da mesma proibição a adolescentes a partir dos 15 anos. Há algumas décadas, o alvo

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MIDIÁTICA

era o aparelho de televisão, o conteúdo por ele transmitido, por ser a mediação ‘da vez’ entre estudantes e o mundo. A escola e os pedagogos, ancorados nas críticas do consumo de cultura de massa de pensadores oriundos da Escola de Frankfurt, como Adorno e Horkheimer, preferiram defenestrar a refletir com os estudantes sobre ele. O resultado é bem palpável hoje: adultos pouco críticos ao que consomem nas telas dos celulares e muitas vezes viciados em tecnologia.

A escola se abster de debater com a comunidade o uso de celular em seu ambiente me parece o pior caminho. Imediatista, a ação pretende resolver o problema da escassez da atenção por meio de uma ação intimidadora. À primeira vista, ela repete erros do passado ao simplesmente não permitir a entrada da realidade dentro dos muros da escola, que pretendem preservar uma espécie de utopia.

No entanto, as propostas mais modernas de matriz curricular, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), propõem colocar a cultura digital, a expressão do estudante e suas questões, como centro da aprendizagem — e não as paranoias do mundo adulto. O fato é que os celulares passaram de mocinhos a vilões muito rapidamente. Até há alguns anos, educadores que planejavam atividades utilizando o celular eram dignos de prêmio; a ideia de BYOD (Bring Your Own Device) prevaleceu dentro da cultura maker que muito furtivamente enriqueceu os currículos escolares. Analisando mais detalhadamente os celulares, dentre muitas inutilidades, são parte do que é produzido em termos de cultura e expressão e pelos adolescentes e jovens.

Proibir ou abster-se da educação e consciência dos riscos do aparelho celular é sem dúvida o caminho mais fácil, mas não o mais adequado. É justamente no trabalho escola/família, com olhar focado no campo socioemocional, que essa questão deve ser encarada de maneira educativa. Não é fácil, como qualquer ação democrática no locus escolar — mas deve ser desenvolvida.

Um debate conjunto, com estipulação de regras, aumento do nível de consciência do uso excessivo, exploração dos males, educação midiática para lidar com os conteúdos e ainda a valorização do uso criativo são caminhos úteis e que levam em conta a experiência real dos usuários, os adolescentes e jovens de hoje. Devem-se ainda construir caminhos propositivos, como os novos desenhos de espaços de escolas, que valorizem o encontro de pessoas e disponibilizam um acesso mais fácil às bibliotecas e áreas de estudo.

À primeira vista, ela repete erros do passado ao simplesmente não permitir a entrada da realidade dentro dos muros da escola, que pretendem preservar uma espécie de utopia

Há ainda um outro aspecto. É justamente na conjunção dos ambientes familiar e escolar que hábitos como o uso demasiado do aparelho celular devem ser debatidos — mais do que isso, regras devem ser criadas e a educação construída. Grande parte das decisões que clamam por proibição vem das famílias, que não conseguem deixar de adquirir o aparelho para os filhos ou dos professores, que, por sua vez, também não conseguem integrá-los à rotina das aulas. Há uma falência educacional por todos os lados.

O que está em jogo no momento não é comprovar os males que os aparelhos celulares causam à nossa economia da atenção, bem-estar social ou saúde — há inúmeras pesquisas que já provam que a fábula do ‘celular-papão’ é real. Há sim a necessidade de construirmos modelos de convívio entre família e escola que se mostram eficazes em lidar com questões cotidianas, como a tecnologia, que não sairão do horizonte jamais. Ontem foi a televisão, hoje é o celular e é possível afirmar que num futuro breve serão as realidades imersivas com uso de inteligência artificial. A sensação de alívio imediato no ato da proibição pode gerar o desconforto maior de uma futura geração de adultos que — ao não serem coibidos — tornam-se usuários pouco críticos e, de fato, incapazes de lidar com uma espécie de vício digital, tal qual as famílias se comportam, de fato, hoje.

Alexandre Le Voci Sayad é jornalista, educador e escritor. Mestre em inteligência artificial e ética pela PUC-SP e apresentador do Idade Mídia (Canal Futura).

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País ainda se omite sobre direção escolar

Sem formação específica, competências profissionais ainda indefinidas por órgãos oficiais, com altas demandas administrativas e pedagógicas, os esforços do diretor(a) são muitos, inclusive o de compreender o seu papel de liderar

São 16h30 de uma terça-feira de agosto. Virene Alves de Souza, diretora da Emeif Tancredo de Almeida Neves, em Canaã dos Carajás, município paraense a 780 km da capital Belém, pede que o repórter aguarde mais um pouco, pois ela está esperando um caminhão-pipa que, a duras penas, conseguiu junto à Secretaria de Educação. A escola que dirige há dois anos e meio está em reforma há um ano e meio e, em casos mais críticos, ela tem de intervir diretamente.

A Tancredo de Almeida Neves é a escola mais antiga do município de 77 mil habitantes e estava defasada em termos de instalações e infraestrutura. Um tempo depois de assumir, Virene de Souza ouviu de famílias, professores, funcionários e estudantes, reunidos em uma roda de conversa, que o desejo comum era de que a escola se modernizasse. Espaço não faltava.

Depois de cerca de sete anos na direção de outras escolas, Virene assumiu querendo “estruturar a escola em termos de bens permanentes, estrutura física”. Com o tempo, percebeu que seria mais fácil inverter a ordem de prioridades: se antes estruturasse a equipe de trabalho, conseguisse a adesão e a participação de todos, o trabalho seria menos heroico e mais fácil.

A Tancredo tem 1.632 alunos do 1º ao 5º ano do fundamental 1. São 176 funcionários, 48 professores regentes, três professores de educação física, cinco coordenadores pedagógicos. Segundo a diretora, desde o início do ano, a unidade atende estudantes de uma invasão vizinha à escola, uma comunidade pobre e sem saneamento básico. Em sua maioria, são migrantes que vêm procurar trabalho na extração de minérios.

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DIREÇÃO
Virene de Souza é diretora na Emeif Tancredo de Almeida Neves, no PA. Ela sabe a importância da cooperação, por isso escuta famílias, professores, funcionários e estudantes Arquivo pessoal

Apenas 11% dos diretores têm formações continuadas específicas em gestão escolar, diz a professora da FGV Lara Simielli. “Na zona rural, às vezes o mesmo gestor atua em quatro escolas”, completa

O problema é que muitos desses estudantes chegam à escola com 12, 13, 14 anos e conhecimentos precários de leitura mesmo no 5º ano, o que exige um grande trabalho de recomposição da aprendizagem para tentar nivelar as turmas. Segundo Virene, a pandemia fez a escola perder pontos no Saeb, e agora o trabalho é para recuperar a defasagem. “Mapeamos os meninos com dificuldade de aprendizagem, organizamos grupos com os diferentes níveis e resgatamos professores readaptados que estão colaborando na alfabetização desses grupos”, resume a diretora, mostrando algumas das frentes em que está atuando e enfatizando a cooperação obtida com a integração de toda a comunidade escolar.

RETRATO DOS GESTORES

Assim como a diretora da pequena Canaã dos Carajás, a maioria dos 188.161 gestores registrados no Censo da Educação Básica de 2020 não conta com formação específica para o exercício da direção escolar. Segundo dados do mesmo Censo e do Saeb 2019 recolhidos pela pesquisadora Lara Simielli, professora do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getulio Vargas, apenas 11% desses diretores fizeram formações continuadas específicas para gestão escolar (cursos de pelo menos 80 horas).

Outros dados relevantes mostram que 88% têm curso superior, 80% dirigem uma única escola, mas 10,8% são responsáveis por quatro ou mais escolas, principalmente na região Norte do país. No Nordeste, 20% dos que exercem cargos de gestão têm nível médio ou inferior. A direção é majoritariamente exercida por mulheres brancas com mais de 40 anos e 86% dos gestores em geral têm mais de cinco anos de experiência docente.

“As escolas que enfrentam mais dificuldades para ter um gestor próprio acabam tendo formatos simplifica-

dos. Não só às vezes os critérios de seleção são mais baixos ou flexíveis. Nem toda escola tem um gestor exclusivo. Na zona rural, às vezes o mesmo gestor atua em quatro escolas”, analisa Lara Simielli.

Se o país tem dificuldade de designar um diretor para cada escola, talvez isso seja um índice que ajude a explicar por que a Base Nacional Comum de Competências do Diretor Escolar, documento aprovado em maio de 2021 pelo Conselho Nacional de Educação, esteja até hoje aguardando homologação pelo Ministério da Educação.

O documento lista 10 competências gerais do diretor escolar (ler box na pág. 26), além de outras 25 competências específicas, distribuídas em quatro áreas: político-institucional; pedagógico; administrativo-financeira e pessoal e relacional (link do documento: https://encurtador.com.br/aMV14).

Instado a se pronunciar sobre a homologação do documento e a listar as atividades formativas oferecidas ou apoiadas em seu âmbito de atuação, o Ministério da Educação limitou-se a dar prosseguimento ao modus operandi de comunicação vigente desde o governo Bolsonaro: absteve-se de informar qualquer coisa. A resposta da assessoria de imprensa, via e-mail de 22 agosto, foi: “por ora não temos nenhuma informação a respeito”. O site do próprio MEC traz dois programas: Escola de Gestores (concebido em 2010) e Mentoria de diretores escolares (autoinstrucional, via web).

INÍCIO DERRAPANTE

Na visão de Lara Simielli, a base é apenas um primeiro passo para constituir um modelo que inclua o desenho de uma carreira para os diretores. “Os países com bom sistema de gestão têm um marco, um framework compos-

Liderança escolar em contextos adversos é o título do pósdoutorado de Filomena Siqueira, realizado pela Cátedra Sérgio Henrique Ferreira

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Arquivo pessoal

DIREÇÃO

to por todos os aspectos relacionados ao exercício dessa função”, diz. O segundo passo seria pensar em uma formação integrada em três etapas ao longo da carreira (inicial, de indução para o começo do exercício e continuada), para se chegar à efetiva delineação da carreira, estruturando inclusive o tamanho das equipes de gestão.

“Acho que tem pouca gente advogando a favor dos diretores. É um tema que não tem a centralidade que mereceria na agenda pública”, conclui. A pouca importância dada ao tema se reflete na sua presença em pesquisas acadêmicas num intervalo de 30 anos, entre 1989 e 2019. O artigo Revisão sistemática da literatura brasileira sobre diretores escolares, publicado pelos Cadernos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas em 2022 (volume 52), da mesma autora, mostra que apenas 6% de 691 artigos analisados dedicavam-se ao tema da direção.

AÇÃO PARA A APRENDIZAGEM

Reconhecer a importância da função diretiva passa por alguns pontos nem sempre conhecidos. Um deles é o fato de o diretor escolar ser o segundo fator de influência para a aprendizagem dos estudantes, atrás apenas dos professores. É o que indica o documento Activating Policy Levers for Education 2030 (Como alavancar as políticas educacionais para 2030), publicado pela Unesco em 2018. Apesar da publicação relativamente recente, o achado é bem anterior: em 2004, o pesquisador canadense Kenneth Leitwood publicou o estudo How leadership influences student learning (Como a liderança influencia a aprendizagem dos estudantes), atualizado e reeditado pelo menos duas vezes desde então.

“Os países com bom sistema de gestão têm um marco, um framework composto por todos os aspectos relacionados ao exercício dessa função”, conta Lara Simielli

A Tancredo de Almeida Neves é a escola mais antiga de Canaã dos Carajás. Muitos estudantes chegam defasados, o desafio é nivelar as turmas

Ou seja, mesmo que com modelos variados, a função já mostrou sua relevância na aprendizagem há muito tempo. Alguns fatores utilizados na importação dessas pesquisas, no entanto, acabam gerando confusão e rejeição. Um deles é o uso de termos como leader ou leadership (líder, liderança), corrente nos países de língua inglesa, mas mal digerido no Brasil, como relata a pesquisadora Filomena Siqueira, cujo pós-doutorado realizado pela Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto, trata do assunto.

Filomena, que já pesquisara a influência dos diretores em seu doutorado, entrevistou e acompanhou diretores de escola da Rede Municipal de Ribeirão Preto a partir de abril de 2022. “Eles não se veem como lideranças, acham que liderar se confunde com autoritarismo. Reforçam o fato de que o diretor precisa ser colaborativo, democrático. Só depois de conceituar melhor o termo é que eles falaram de suas atividades, relacionamento com professores, desafios de aprendizagem e impossibilidades”, relata.

Também nesse caso, houve prevalência de diretoras mulheres, formadas em pedagogia. Nove de 31 fizeram especializações em gestão escolar, mas muitas vezes acerca de tópicos específicos, como inclusão, e não sobre a totalidade da função. Em geral, a visão é de que “estão diretores, numa visão transitória”.

Nas entrevistas, muitos disseram que, apesar de querer contribuir mais para melhoria da aprendizagem, se veem presos a questões de ordem administrativa, disciplinar ou logísticas (como a merenda, por exemplo). Fatores também impeditivos apontados pe-

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Arquivo pessoal

los diretores são a falta de estrutura que favoreça a interlocução pedagógica com docentes e a falta de repertório que sentem ter para levar a função a cabo.

A falta de equipes pedagógicas e administrativas bem formadas e estruturadas é corrente nas escolas. Tanto que, no caso de Ribeirão Preto, valeu uma menção nas recomendações feitas por Mozart Neves Ramos, diretor da Cátedra e orientador da pesquisa, para que a Secretaria de Educação local constitua equipes de apoio à gestão.

Para Filomena Siqueira, o trabalho dos gestores pode ser mais bem aproveitado. “É um quadro desafiador. Há pessoas com muita vontade, bastante envolvidas, que não estão dando vazão a seu potencial. É preciso alterar uma estrutura que funciona de modo inercial”, conclui.

A presença de um gestor mais qualificado, que traga competências de gestão e pedagógica é fator essencial para a constituição de equipes voltadas a resoluções dos problemas da escola, defende Tereza Perez, dire-

tora da Comunidade Educativa Cedac, entidade que há 25 anos atua junto a escolas e redes para melhorar as práticas educativas.

“Há exemplo de escolas com gestão compartilhada, muito comprometidas com a aprendizagem. Esse compartilhamento gera mudança de postura diante dos problemas da escola, com sensíveis mudanças”, relata. A educadora identifica quatro tipos mais frequentes de gestores: os autoritários, que decidem tudo; os meritocráticos, que costumam ter pesos e medidas diferentes, de acordo com os relacionamentos; os ausentes, onde cada um faz o que bem entende, e a compartilhada, com busca de autonomia, resoluções conjuntas, instâncias institucionais e participação de famílias e estudantes.

Segundo Tereza Perez, nos casos bem-sucedidos, uma melhora evidente é do clima escolar, o que muito ajuda no trabalho pedagógico. Para isso é importante que a instituição tenha um regimento construído co-

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DIREÇÃO

As 10 competências gerais dos diretores(as) segundo o Conselho Nacional de Educação

Coordenar a organização escolar nas dimensões político-institucional, pedagógica, administrativo-financeira e pessoal e relacional;

Configurar a cultura organizacional com a equipe;

Assegurar o cumprimento da Base Nacional Comum Curricular e o conjunto de aprendizagens essenciais e indispensáveis;

Valorizar o desenvolvimento profissional de toda a equipe escolar;

Coordenar a construção e a implementação da proposta pedagógica da escola;

Realizar a gestão de pessoas e dos recursos materiais e financeiros;

Buscar soluções inovadoras e criativas para aprimorar o funcionamento da escola;

Integrar a escola com outros contextos, incentivando a parceria com as famílias e a comunidade;

Exercitar a empatia, o diálogo, a mediação de conflitos e a cooperação;

Agir e incentivar pessoal e coletivamente, com autonomia, responsabilidade, flexibilidade e resiliência, a abertura a diferentes opiniões e concepções pedagógicas.

letivamente, e não imposto de cima para baixo. Caso contrário vira um instrumento de culpabilização, quando seu objetivo é conseguir a adesão de todos. “Os gestores não podem ser preconceituosos no convívio público. Se ele for homofóbico ou racista na vida privada, na escola não pode ser”, ressalta.

COMO ESCOLHER

Outro ponto intrincado do processo de gestão é o modo de escolha do diretor. Normalmente, a direção é uma função, e não um cargo. Há exceções, como a rede estadual paulista, em que a entrada no cargo se dá por meio de concurso específico. No geral, é uma função exercida por profissionais docentes, ou seja, licenciados em pedagogia ou outras formações voltadas à educação básica, que tenha sido contratado através de concurso público.

Essa concepção está ligada ao fato de que a direção escolar não pode prescindir do conhecimento específico do universo pedagógico, seja no âmbito prático ou teórico. Um problema daí decorrente vem dos currículos de pedagogia, que destinam poucas disciplinas e poucas horas à gestão. Ou seja, os professores que se tornam gestores aprendem muito mais no cotidiano escolar, nas atividades com alunos, colegas e funcionários do que na sua formação.

Outro modo de escolha é a eleição, acompanhada de formação técnica obrigatória ou não. Formalmente, no entanto, não é eleição, é consulta pública, pois a eleição foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, após Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) impetrada por governadores.

Como se trata de cargos públicos de confiança, os diretores podem ser indicados por secretários, prefeitos e governadores. No âmbito das prefeituras, 54,9% dos diretores são escolhidos por essa via, normalmente sem estar tecnicamente preparados, muitas vezes sem pertencer à comunidade escolar. Por isso, muitos defendem que a direção deveria ser um cargo e constituir uma carreira em separado. Mas, como lembra Angelo Souza, professor de política e administração da Faculdade de Educação da UFPR, não há evidência de que o cargo (em tese mais estável) mostre resultado melhor do que a função (mais provisória). “O problema de ser função é a rotatividade maior. Nos primeiros governos Lula, 400 diretores se formaram na Escola de

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A pouca importância dada ao tema se reflete na presença em pesquisas acadêmicas num intervalo de 30 anos: apenas 6% de 691 artigos analisados dedicavam-se ao tema da direção

Gestores. Depois de algum tempo, muitos deles não eram mais diretores.”

Em média, os diretores se mantêm no cargo de três a quatro anos, segundo o Censo. Mas muitos dos entrevistados colocam em dúvida a visão de que longas permanências geram bons resultados. Em tempos de tantas mudanças em vários âmbitos, a estagnação pode ser deletéria. E, como no caso de governos, a sedimentação em um mesmo posto pode levar a acomodações e conveniências pessoais que desarticulem o propósito principal da gestão: educar os estudantes e fazer da escola um espaço de transformação positiva de suas vidas.

A diretora que se motiva quando está no chão da escola

Em um espaço de tempo relativamente curto, de seis anos, Juliana Reis passou de assistente de direção de uma escola de educação infantil da prefeitura de São Paulo a coordenadora de polo do ensino superior no CEU Inácio Monteiro, na zona leste da cidade.

A rapidez da ascensão não significou a orfandade das escolas que dirigiu, principalmente nas Emefs Nelson Pimentel, no Jabaquara, José Maria Lisboa, na Saúde, e na Emef Jean Mermoz, na Chácara Inglesa. O período mais desafiador foi nesta última, que assumiu pouco antes da pandemia. Lá, encontrou uma comunidade atuante, mas professores desestimulados. “A principal dificuldade era a abertura para o diálogo. Se as pessoas não se relacionam, todos os outros processos ficam difíceis”, diz Juliana.

Para mudar o cenário, passou a tomar café — e conversar, é claro — com professores, com o pessoal da limpeza, com os funcionários. “Era uma diretora de pátio, estava com os alunos, conversava com os pais na chegada e na saída da escola. Vivenciava todo o processo, via a situação das merendeiras, comia na escola”, lembra. Depois dessa chacoalhada inicial, a maior dificuldade foi manter o ânimo do grupo. Para que o trabalho não se

Desafios só aumentam, mas são superados pelo comprometimento que Juliana Reis tem com a profissão

perdesse, foi assumido por sua antiga assistente, em sintonia com a gestão.

Para Juliana Reis, o tempo ideal para a direção é de três anos para cima. “Dá pra colher o que você plantou, consolidar melhor. Mas muito tempo pode ser problemático. Vi caso de gestora há 25 anos numa Emei em que as coisas ficaram ultrapassadas, os processos administrativos não foram atualizados”, alerta.

A inquietude como gestora rendeu frutos. No final de 2022, após defender seu doutorado na Unifesp, como adiantado, passou em concurso para o cargo de coordenadora de polo no CEU. O tamanho dos desafios só aumenta.

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São Paulo continua com livros impressos PNLD

Pressionada, Secretaria de Educação se mantém no Programa Nacional do Livro e do Material Didático. Ainda que mereça lapidações, PNLD é tido como referência enquanto política pública rigorosa e com olhar diverso. Vitória para estudantes e educadores

| Por Diego Braga Norte

No início de agosto, retomada do ano letivo nas escolas, os professores e estudantes da rede estadual de São Paulo foram surpreendidos com a Secretaria de Educação (Seduc) informando que a partir de 2024 não estaria mais no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do Ministério da Educação — política pública que SP adere há pelo menos 80 anos. A decisão valeria para turmas do ensino fundamental a partir do 6º ano e ensino médio. No lugar dos livros, seria usado material digital próprio da Seduc.

Pressionado pela sociedade, comunidade escolar e até por uma decisão judicial contrária à saída do PNLD, o governo de São Paulo voltou atrás e anunciou a adesão ao programa. Em nota, a Secretaria de Educação informou que: “A decisão de permanecer no programa no próximo ano se deu a partir da escuta e do diálogo com a sociedade”. Porém, durante o intervalo entre a saída e o retorno ao PNLD, diversos questionamentos e dúvidas surgiram, assim como uma forte defesa dos livros feitas por entidades como a Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação) e Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), por exemplo.

“A aceitação foi zero, eu não vi nenhum professor contente com a decisão”, diz Maria Aparecida*, professora de turmas dos anos finais do fundamental e do ensino médio em uma escola de Heliópolis, na zona sul de São Paulo. “Às vezes, os alunos não têm o que comer, como é que vão ter Wi-Fi em casa para fazer as atividades? Nem todo mundo tem celular, muitos esperam os pais chegarem do serviço para usarem o aparelho emprestado”, prossegue Apareci-

Governador de SP Tarcísio de Freitas durante reunião com o secretário Renato Feder. Após polêmicas, governo vive crise na pasta da Educação

da, que leciona no estado há mais de 20 anos.

Em Assis, no oeste paulista, a situação vivenciada pela professora Joana Silva* foi semelhante. “Logo depois da nossa volta às aulas, fizemos reuniões com os pais informando a nova diretriz. Eles questionaram muito a decisão. ‘Como assim, não vai mais ter livro?’. Ninguém gostou. Há muitos pais alienados que não se preocupam com o que os filhos fazem na escola, mas os que acompanham ficaram indignados.” Joana afirmou também que os estudantes do ensino médio, prestes a fazerem o Enem, ficaram aborrecidos. “Os mais novinhos são menos contestadores, aceitam tudo o que os professores passam, não têm maturidade ainda, é normal.”

*Temendo represália, as professoras não quiseram divulgar seus nomes

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Ciete Silvério/Governo do Estado de SP

POLÍTICA PÚBLICA QUE FUNCIONA

Nos moldes atuais, o PNLD já funciona há mais de três décadas, mas a distribuição de livros didáticos feita pelo governo federal existe desde 1937, explica Madalena Peixoto, pesquisadora e diretora da Faculdade de Educação da PUC-SP. “Os livros do PNLD são de altíssima qualidade, constantemente revisados por especialistas qualificados. É um programa antigo, referência internacional, muito consolidado no dia a dia das escolas”, avalia.

Fernando Cássio, professor da UFABC, afirma que “o PNLD poderia ser criticado por outras razões, como pela concentração de contratos na mão de poucas editoras, mas não dá para dizer que os livros não sejam avaliados rigorosamente e que os próprios editais do programa não contribuam para melhorar a qualidade do livro didático no Brasil”. Cássio também é pesquisador da Repu (Rede Escola Pública e Universidade), entidade sem fins lucrativos que reúne docentes da Unicamp, UFSCar, UFABC, USP, Unifesp e IFSP.

Ele e colegas se debruçaram sobre os materiais digitais da Seduc que iriam substituir os livros do PNLD e o que encontraram não foi nada animador. “Há problemas conceituais, de contextualização e erros os mais variados possíveis, até de ortografia”, lamenta-se. “Em todos os conjuntos de slides que abrimos para analisar encontramos problemas”, diz.

Dentro da sala de aula, outras deficiências ficam visíveis. A professora Joana Silva relata que os slides “são bem precários” e cita exemplos. “Nos slides, todo o conteúdo

“A aceitação foi zero, eu não vi nenhum professor contente com a decisão. Às vezes, os alunos não têm o que comer, como é que vão ter Wi-Fi em casa para fazer as atividades?”, critica uma professora da rede pública

Fernando Cássio e colegas da Repu se debruçaram sobre os materiais digitais da Seduc que iriam substituir os livros do PNLD: há problemas conceituais e erros os mais variados possíveis

é em forma de tópicos, algo muito breve. Em um deles estava escrito, ‘leia o poema tal’, mas o poema não está lá. Aí, temos que procurar o poema na internet para projetar para os alunos. A internet não funciona direito, temos que procurar no celular e ler para a sala. O aluno perde muito quando ele não pode visualizar e acompanhar a leitura.” Além disso, as professoras também notaram que as aulas ficam “engessadas” com o uso dos slides, dispersando a atenção dos estudantes e coibindo a margem de liberdade didática dos docentes. O uso do material digital foi intensificado porque a Seduc indicou que a Prova Paulista (uma espécie de Enem do estado de São Paulo) cobrará conteúdos dos slides. “Eu converso com os professores e eles estão angustiados porque, quando o aluno vai mal na Prova Paulista, o resultado recai em cima da gente”, conta Joana Silva.

DIGITAL E IMPRESSO

Depois do descontentamento geral provocado pelo anúncio do fim dos livros, o governo anunciou que iria imprimir apostilas com o conteúdo online produzido pela Seduc. A medida deveria acalmar os ânimos dos críticos, mas teve efeito inverso. Em nota técnica, os pesquisadores da Repu afirmaram: “Os custos exorbitantes com a possível impressão em larga escala de slides de baixa qualidade são injustificáveis e contrariam o princípio da eficiência na administração pública. Assim, a medida anunciada pelo governo paulista é insustentável dos pontos de vista educacional, pedagógico, administrativo e econômico-financeiro, e acarreta prejuízos à qualidade do ensino na rede estadual”. Além da criação de custos não previstos, a impressão de material online contrariava a proposta da própria Secretaria, que era baseada na utilização de material digital. “A grande novidade do digital é a interatividade

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PNLD

online que ele pode proporcionar, com hiperlinks, vídeos e gráficos interativos. Na impressão, tudo isso se perde. São dois suportes diferentes, o material digital foi pensado para ser assim, não dá para transpô-lo integralmente para o impresso”, explica a pesquisadora e professora da UniRio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) Glenda Cristina Valim de Melo.

Os especialistas ouvidos pela reportagem são unânimes ao mencionar que não há ainda no mundo nenhuma pesquisa indicando que o aprendizado em materiais digitais é superior ao método tradicional. Pelo contrário, o que há é uma série de evidências, em diversas pesquisas, indicando que o excesso de telas prejudica a concentração, atrapalha o aprendizado e atrasa a plena alfabetização de crianças pequenas. Neste sentido, um relatório da Unesco (braço da ONU para a educação, ciência e cultura) publicado este ano fez uma varredura em diferentes pesquisas e identificou ressalvas relacionadas ao uso excessivo das tecnologias digitais na educação escolar.

A Suécia, país com altos índices educacionais, desde o final da década de 1990 vinha adotando uma estratégia de digitalizar seu ensino público. Mas, em dezembro de 2022, voltou atrás e decidiu investir, ao longo de 2023, € 45 milhões (R$ 242 milhões) na distribuição de livros didáticos impressos. Por meio de pesquisas de desempenho e acompanhamento, o governo constatou que a experiência exclusivamente digital resultou numa piora da qualidade do ensino e do desempenho escolar dos estudantes.

Para Fernando Cássio, a questão não é demonizar o material digital — desde que tenha boa qualidade, ressalta. “Nenhum professor ou pesquisador que eu conheço é 100% contra o digital, isso não existe. O que defendemos é a multiplicidade de recursos didáticos e pedagógicos, sempre. Essa maior oferta enriquece as

Sobre imprimir os materiais digitais, Glenda Cristina Valim de Melo, professora na UniRio, alerta que não dá para transpô-lo integralmente para o impresso. “São dois suportes diferentes”

“É um programa antigo, referência internacional, muito consolidado no dia a dia das escolas”, avalia a diretora da Faculdade de Educação da PUCSP, Madalena Peixoto

possibilidades numa aula, dá mais oportunidades para professores ensinarem melhor e alunos aprenderem mais”, explica. Ele diz que percebe um ‘certo fetiche’ em relação às tecnologias dentro de sala de aula, “principalmente entre pessoas ligadas ao mercado, como o atual secretário de Educação”.

Renato Feder, atual nome à frente da Seduc, foi durante 15 anos CEO da Multilaser e hoje detém 28,16% das ações da empresa por meio de uma offshore em Delaware, estado estadunidense conhecido como paraíso fiscal. A Multilaser assinou no governo Rodrigo Garcia (PSDB), em 2022, três contratos com a Seduc para a entrega de tablets e computadores. O último deles, de R$ 75,9 milhões, foi fechado em 21 de dezembro de 2022, a apenas 11 dias de Feder assumir a pasta na gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e quando seu nome já havia sido anunciado para o cargo.

Ao todo, os contratos firmados com a Multilaser totalizam cerca de R$ 200 milhões. Em 24 de fevereiro, já sob a gestão Feder, a Seduc notificou — mas não multou — a empresa por atrasar a entrega de parte dos 97 mil laptops comprados. Além da notificação, o prazo para entrega do material foi estendido até agosto. A decisão da Secretaria contraria o que o próprio secretário havia dito. “A gente vai aplicar multas e as empresas vão ser notificadas [as que descumprirem os prazos de entrega dos equipamentos]”, disse o secretário em agosto, em um evento no Palácio dos Bandeirantes.

Na prática, Feder é o responsável por fiscalizar os contratos da Seduc que comanda com sua própria empresa. Em março, o Ministério Público de São Paulo pediu a abertura de uma investigação para apurar eventual conflito de interesse entre o secretário e a pasta. A apuração, ainda em curso, está sendo feita pela Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo.

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e aproveite os conteúdosjovem organização não lucrativa alemã JoinPolitics preparava seu primeiro grupo de cidadãos motivados para entrar na por um programa de seis meses de tutoria que inclui financiamento treinamento numa série de habilidades, como de conduzir umainteresses uma comunidade sub-representada ou recorrer agências de governo para recrutar pessoal de grupos minoritários.explicitamente pró-democrática, porém apartidária. Ela apoia talenA sociedade civil tem se dedicado a solucionar problemas sociais há décadas, enquanto deliberadamente se abstém de um engajamento aberto com a política. Mas um novo campo de prática busca revigorar democracia emancipando inovação social desse con namento. O Campo Emergente da Inovação Políticapercepção que “as grandes questões do nosso tempo, sejam elas desigualdades sociais ou mudanças climáticas”, afirma, “terão ser papel da política na criação de um ambiente favorável para setor, mas sem priorizar mudanças no sistema político. Tradicionalmente,seus talentos políticos está em encontrar soluções para fazer frente ameaças aos princípios democráticos de justiça, igualdade, repre-ções, analisamos relatos que documentam estado da democracia conversamos com profissionais da administração pública, das E

Opinião

Letramento de futuros pode ajudar a compreender as constantes transformações

As novas gerações devem aprender a lidar com possíveis obstáculos. Para isso, necessitam desenvolver a imaginação e apostar na cocriação

| Por Karina Nones Tomelin e Thuinie Daros*

Já percebeu que nas escolas ensinamos sobre o passado, mas quase nunca sobre o futuro?

Durante todo o período de escolarização obrigatória, estudamos história, pessoas e eventos que já aconteceram. Isso é importante para entender de onde viemos e como chegamos até aqui. No entanto, quando se trata do futuro, muitas vezes, ficamos um pouco perdidos. Costumamos falar sobre como seria a escola, os professores e o ensino no futuro, mas será que estamos realmente aplicando uma abordagem de ensino voltada para o futuro?

Os desafios impostos pelas rápidas mudanças tecnológicas nos fazem questionar a forma como educamos hoje, desde: por que, como, o quê, onde e quando aprendemos, e seu sentido para formação das novas gerações. Isso implica um modo de ensinar não apenas

sobre o passado, mas também sobre como pensar, agir e se adaptar ao que está por vir.

Essa temática é tão relevante que, em 2022, a Comissão Internacional sobre os Futuros da Educação, instituída pela Unesco, publicou o relatório Reimaginar nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação. Nele, fica evidente que ainda não estamos conseguindo cumprir nossas promessas de ajudar a construir futuros mais pacíficos, justos e sustentáveis. O fato é que, ao mesmo tempo que vivemos um cenário de incertezas, em que temos um planeta em risco, um retrocesso dos movimentos democráticos ao redor do mundo e não temos claro o papel das tecnologias para garantir a trabalhabilidade no futuro, precisamos empoderar as novas gerações a pensar, imaginar e cocriar futuros mais esperançosos para si e para todo o planeta, e a educação tem papel fundamental para apoiar isso.

PEDAGOGIA Shutterstock

Na prática

Aqui está a cereja do bolo: conectamos esses desejos e ações com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.

O que eu quero para o mundo

INDIVIDUAL: escreva até três sonhos no círculo interno dentro de cada uma das áreas do gráfico. Explore o que gostaria de ver acontecendo no mundo;

Este exemplo ilustra o modo como estaremos preparando as novas gerações para interpretar, ler e compreender este mundo em constante transformação e, mais do que isso, serem protagonistas na criação de um futuro melhor.

EM GRUPO: agrupe sonhos parecidos. Todos os sonhos são válidos, mesmos grandes ou pequenos;

1 2 3 S Social

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Objetivos de Desenvolvimento Sustentável | ONU REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES VIDA TERRESTRE PAZ, JUSTIÇA E INST TUIÇÕES EFICAZES PARCERIAS E MEIOS DE IMPLEMENTAÇÃO CIDADES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS CONSUMO E PRODUÇÃO RESPONSÁVEIS AÇÃO CONTRA A MUDANÇA GLOBAL DO CLIMA VIDA NA ÁGUA EDUCAÇÃO DE QUALIDADE SAÚDE E BEM-ESTAR FOME ZERO E AGRICULTURA SUSTENTÁVEL ERRADICAÇÃO DA POBREZA TRABALHO DECENTE E CRESCIMENTO ECONÔMICO INDÚSTRIA, INOVAÇÃO E INFRAESTRUTURA ÁGUA POTÁVEL E SANEAMENTO IGUALDADE DE GÊNERO ENERG A LIMPA E ACESSÍVEL
Político
Environmental (Ambiental)
EM GRUPO: conecte os sonhos com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Econômico
E
E
T Tecnológico
O que eu quero para o mundo?

PEDAGOGIA

Opinião

MUNDO COMPARTILHADO

Este pode ser o principal objetivo da educação dos próximos anos, desenvolver a habilidade de ‘letramento de futuros’ (literacy futures), que compõe lidar com a imprevisibilidade, buscando formas de antecipar desafios, adaptar-se a novos cenários, reconhecer a conectividade das ações no planeta e conseguir imaginar saídas favoráveis.

Quando incorporamos o letramento de futuros na educação, estamos preparando as novas gerações para interpretar, ler e compreender este mundo em constante transformação, tornando-as protagonistas ativas na sua construção. Mas como trabalhar com letramento de futuros na educação?

Com o propósito de apoiar professores a serem os porta-vozes da esperança na construção de um mundo mais abundante, próspero, justo e sustentável para as novas gerações, compreendemos que se faz necessário uma nova pedagogia que olhe para o futuro e seja responsável por idealizar um mundo compartilhado, democrático, colaborativo, fortalecido de diálogos e ação, que respeite as diversidades, culturas e recursos ao redor do mundo, uma pedagogia de futuros.

Essa pedagogia nasce na necessidade de auxiliar os estudantes a serem mais flexíveis e adaptáveis, afinal, o futuro é incerto e cheio de mudanças. Ela é responsável por ensinar a antecipar, planejar e preparar para enfrentar o desconhecido de maneira confiante, aprender a se adaptar a novas situações, a lidar com obstáculos de maneira eficaz e a nunca parar de aprender.

Vale destacar que a criação de futuros se refere ao processo de conceber e desenvolver cenários, ideias e ações que possam moldar e influenciar as ações do presente para o futuro de maneira intencional e positiva. É uma ação proativa que envolve imaginação, visão e planejamento para concatenar e direcionar os eventos em direção aos resultados desejados. Ser capaz de pensar e imaginar futuros é uma competência central para que possamos construir futuros possíveis e desejáveis.

COMO ENVOLVER OS JOVENS

Aplicamos a estratégia ‘o que eu quero para o mundo’ com o objetivo de ajudar os estudantes a entenderem o que eles querem alcançar individualmente e como podem contribuir para um mundo melhor.

Primeiro, pedimos aos estudantes que pensem sobre seus sonhos e objetivos pessoais. Isso pode incluir coisas como carreira, família, viagens e muito mais. Queremos que eles visualizem o que desejam para suas próprias vidas. Depois, damos um passo adiante e os convidamos a pensarem sobre o mundo em geral. O que eles desejam ver no mundo? Isso pode envolver questões como igualdade, meio ambiente, acesso à educação e muito mais. Queremos que eles pensem em como gostariam que o mundo fosse.

A parte emocionante é quando ligamos esses dois pontos. Mostramos a eles como suas ações individuais podem contribuir para tornar o mundo mais próximo do que eles desejam. Por exemplo, se eles sonham com um planeta mais limpo, podem adotar práticas sustentáveis no dia a dia. Se desejam igualdade, podem se envolver em atividades que promovam inclusão e diversidade.

Enquanto educadores, é nossa responsabilidade geracional promover uma pedagogia que não somente prepare as novas gerações para o que está por vir, mas que possa torná-las protagonistas das suas escolhas, dos caminhos desejáveis e que sejam capazes de cocriá-los.

Acreditamos que isso só será possível com os professores. Desejamos que eles sejam capazes de, como descreve António Nóvoa (2023), “libertar o futuro”, promovendo uma pedagogia que permita aos estudantes desenhar e desejar futuros esperançosos e positivos neste planeta, e futuros melhores. Para isto, é fundamental também “libertar o futuro” dos próprios professores. Nós somos a geração que mudará as escolas. Mas como a imaginamos? Como a desejamos? O que esperamos dela?

*Karina Nones Tomelin é professora, palestrante, escritora e idealizadora do Educabox, um app gratuito de microformação docente

Thuinie Daros é professora, palestrante, escritora e diretora de planejamento acadêmico na Vitru Educação (mantenedora da Uniasselvi e Unicesumar)

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INCLUI BÔNUS:

“A maneira certa de desenvolver novos hábitos”

entrevista com JAMES CLEAR , autor de Hábitos atômicos.

DESCUBRA O QUE OS GRANDES

TALENTOS FAZEM DE DIFERENTE

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EMILIA FERREIRO

A educadora que mudou a forma de olhar as crianças e ver o mundo

Responsável por revolucionar o processo de alfabetização, Emilia Ferreiro faleceu em 26 de agosto deste ano, aos 86 anos

| Por Leticia Scudeiro

Escritora, psicóloga e psicolinguista argentina, Emilia Beatriz Maria Ferreiro Schavi (1937-2023) foi uma grande pedagoga, pesquisadora e crítica da alfabetização tradicional. Referência na educação latino-americana, Emilia faleceu aos 86 anos, em 26 de agosto de 2023, no México, onde morava.

“Emilia Ferreiro teve uma produção intelectual, acadêmica e científica enorme, com pesquisas importantíssimas na área da alfabetização e ensinamentos capazes de terem feito uma revolução em como se compreendia e se compreende a aprendizagem da leitura e da escrita. Quando perguntada, respondia que sua maior contribuição foi colocar a criança no centro do processo da alfabetização”, ressalta Regina Scarpa, diretora pedagógica da Escola Vera Cruz.

Regina, que também é membra do conselho editorial da revista Educação, completa que teve o privilégio de compartilhar da amizade, do conhecimento e da sabedoria de Emilia. “É impressionante ver com que rigor ela sempre orientou as pesquisas e diversos orientandos em diversas partes do mundo. E acho que o título que ela recebeu como uma das maiores pesquisadoras do século 20 é muito definidor do que era a Emilia Ferreiro.”

TRAJETÓRIA

Emilia Ferreiro nasceu em Buenos Aires, na Argentina, em 5 de maio de 1937. Se formou em psicologia pela

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Gustavo Morita/Revista Educação Emilia Ferreiro foi a única latino-americana orientada por Jean Piaget

Universidade de Buenos Aires e fez doutorado na Suíça sob orientação de Jean Piaget (1896-1980), um dos grandes pensadores do século 20, sendo sua única orientanda latino-americana.

Após o Golpe de Estado em 1977 na Argentina, Emilia se exilou na Suíça e passou a lecionar na Universidade de Genebra, onde iniciou uma pesquisa sobre as dificuldades e aprendizagem das crianças de Monterrey, no México, país para o qual se mudou em 1979.

Autora de obras como Com todas as letras, Reflexões sobre alfabetização e O ingresso na escrita e nas culturas do escrito, publicadas pela editora Cortez, Emilia chegou a conceder uma entrevista à revista Educação em 2013. Confira um trecho: “Um dos temas que têm sido muito discutidos entre os professores agora é como trabalhar em pequenos grupos em sala de aula e como formar esses pequenos grupos. Devemos formá-los com crianças que estão todas no mesmo nível de desenvolvimento? Procuramos as maiores diferenças possíveis? Ou procuramos diferenças que não sejam tão grandes, mas que permitam que as crianças se compreendam entre si, que a objeção de um seja entendida pelo outro? Esse é um tema de reflexão muito interessante e importante”, apontou Emilia na entrevista concedida à jornalista Camila Ploennes.

PROJETOS E ENSINAMENTOS

Segundo Giovana, a Rede conta com um conselho consultivo formado por 14 educadoras de sete países da América Latina, sendo que já estão se formando núcleos nacionais no Brasil, na Argentina, no México e no Uruguai.

“A Emilia Ferreiro que conheci era uma investigadora extremamente implicada com a qualidade do seu trabalho e que dedicou toda a sua vida a compreender o que pensam as crianças quando estão diante do desafio de aprender a ler e a escrever. Ela era reconhecida pelo rigor em suas pesquisas, pela ampla e vasta produção no campo da psicolinguística, pelo profundo respeito às infâncias e suas culturas e, sobretudo, pelo seu compromisso político com a América Latina”, afirma a presidente da Redalf.

“Quando perguntada, respondia que sua maior contribuição foi colocar a criança no centro do processo da alfabetização”, conta Regina Scarpa, diretora na Escola Vera Cruz

Um de seus principais projetos foi a criação da Rede Latino-Americana de Alfabetização (Redalf), na década de 90. A Rede foi retomada em maio deste ano, três meses antes do falecimento da educadora, com o propósito de reunir pesquisadores e professores que acreditam no processo de alfabetização. “Nossa responsabilidade já era grande, com a partida de Emilia se tornou imensa: honrar o pensamento e os princípios da pessoa que mudou a nossa forma de olhar as crianças e de ver o mundo”, ressalta Giovana Zen, presidente da Redalf.

Giovana Zen é professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), com pós-doutorado em alfabetização, orientado por Emilia Ferreiro. “Na condição de orientanda, tive o privilégio de compartilhar com Emilia momentos de muita alegria. A pesquisa que realizei sob a sua orientação consistia em analisar duas produções escritas de 111 crianças do município de São Francisco do Conde, da região metropolitana de Salvador. Emilia e eu analisamos cada uma das 222 produções escritas e era impressionante o respeito e a dedicação que ela tinha ao analisar cada uma das escritas. Quando ela estava diante das escritas infantis, o mundo ao seu redor deixava de existir”, compartilha Giovana.

“Todas as pessoas que se dedicaram a estudar o que a Emilia Ferreiro conseguiu produzir como pesquisadora tiveram o privilégio de aprender a respeitar as crianças e seus saberes. Isto significa compreender que a criança não é alguém que não sabe nada, ao contrário, a criança é um sujeito intelectualmente ativo que pensa sobre o mundo e isso inclui a escrita. Por isso, reiteramos insistentemente que é preciso respeitar o que sabem as crianças para que possam aprender cada vez mais e melhor”, conclui Giovana.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Tempo integral, sim, mas não de qualquer jeito

Programa do MEC estimula redes a aumentar tempo na escola, mas são necessários currículos coerentes com as horas extras

OBrasil tem pressa por uma educação integral, em tempo integral. Os estudantes que estão hoje na escola não podem esperar por políticas de melhoria apenas no longo prazo. À dívida histórica, por conta da oferta de uma educação de pouca qualidade, somaram-se dois anos de estudos extremamente precários por causa da pandemia de covid-19. Há muito por fazer. A pressa, contudo, não justifica qualquer resposta. A educação integral só é de fato integral se for oferecida com qualidade, levando em conta o desenvolvimento cognitivo, social, emocional, cultural e físico dos estudantes.

O novo programa do Ministério da Educação (MEC), anunciado em maio e tendo sua definição promulgada em julho, promete aumentar o número de vagas em tempo integral em 1 milhão já no próximo ano letivo. Estados, Distrito Federal e municípios podem entrar por adesão. As inscrições abriram em 2 de agosto e, duas semanas depois, 59% das unidades da federação (16 estados) e 49% dos municípios (2.745) já haviam aderido ao programa.

A verba pode ser usada para a melhoria de diversos aspectos das escolas como infraestrutura, material didático, atividades complementares e formação, conferindo flexibilidade às redes. Elas vão receber a verba antes, para fazer as mudanças necessárias, e, após o registro das matrículas em tempo integral no Censo Escolar do ano seguinte, as matrículas terão manuten-

O percentual de matrículas em tempo integral na rede pública brasileira caiu de 17,6%, em 2014, para 15,1%, em 2021. Na imagem, estudantes da EE Aristides de Castro, no Itaim Bibi, SP

ção garantida com recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

“O programa é uma estratégia de fomento, trazendo recurso novo para amparar a organização das redes de ensino”, explicou o MEC à reportagem. Portanto, não cabe ao ministério decidir como a verba será usada, nem as características mínimas para as escolas de tempo integral para além das sete horas mínimas de atividades.

Vitor de Angelo, presidente do Consed (Conselho Nacional dos Secretários de Educação) e secretário do Espírito Santo, afirma que as escolas em tempo integral hoje são melhores que as demais por terem projetos pedagógicos diferenciados. “As pesquisas disponíveis mostram que as escolas de tempo integral têm uma performance em termos de indicadores educacionais melhor do que as escolas de tempo parcial, tanto pela simples ampliação da jornada, como pelo fato de que, tendo mais horas, é possível às redes desenvolver atividades curriculares diferenciadas, de maior impacto na aprendizagem dos estudantes e na diminuição da evasão e do abandono.”

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Retrocessos

A meta 6 do Plano Nacional de Educação (PNE) estabelece a oferta de “educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos(as) alunos(as) da educação básica”. Mas, em vez de avanços, o país chegou a registrar retrocessos nessa meta. O Relatório do 4º Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE 2022 mostrou que o percentual de matrículas em tempo integral na rede pública brasileira, em vez de aumentar, caiu de 17,6%, em 2014, para 15,1%, em 2021.

Números

O Programa do MEC prevê a ampliação de

1 MILHÃO

de novas matrículas em tempo integral em 2024

3,2 MILHÕES

até 2026

Não basta oferecer mais aulas por dia no mesmo formato de sempre. Além disso, cada

local terá seu

próprio jeito de fazer

Ele elogia o programa, até porque foi desenhado depois de consulta do MEC ao Consed. Para Vitor de Angelo, o dinheiro extra deve ajudar nos desafios de infraestrutura que as redes enfrentam. Ele reconhece, porém, que nem tudo será resolvido prontamente. “Há muitas situações em que as unidades escolares são utilizadas nos três turnos ou em dois turnos, o que dificulta a ampliação da jornada”, cita.

De fato, há uma desigualdade enorme em termos de oferta de escolas em tempo integral. O ensino médio de Pernambuco, por exemplo, já tem 62% das matrículas em tempo integral. Tendo isso em conta, o MEC diz ter elaborado o programa com mecanismos para equalizar as oportunidades e levar educação integral a quem mais precisa. “Os valores que cada uma pode receber são diferentes, justamente para apoiar quem está mais distante da meta e tem menor capacidade de financiamento, mas vamos incentivar a manutenção de quem já vem fazendo com recursos próprios”, explicou o MEC em nota.

Pilar Lacerda, pesquisadora associada da Fundação Getulio Vargas (FGV), apesar de aprovar a proposta, lembra que não se trata de uma panaceia. “Alguns pequenos municípios ficaram frustrados. Eu acompanho um bem pequeno, em Minas Gerais, que tem um projeto lindo de cidade educadora. Eles têm 600 alunos no total, mas, pelos critérios, só vão receber a verba extra por 20 matrículas. E só hoje, já são 180 no integral”, cita. Ainda que aquém do esperado, garante que os novos recursos serão bem-vindos.

A professora, que já foi secretária da Secretaria de Educação Básica do MEC e hoje é membra do Centro de Referências em Educação Integral, lembra que o Brasil tem boas experiências com o ensino integral desde os anos 1940, mas que o viés excludente da educação brasileira sempre prevaleceu, tornando as escolas integrais um direito para poucos. Portanto, o de-

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Educação

Brasil

POLÍTICAS PÚBLICAS

“As escolas de tempo integral têm uma performance em termos de indicadores educacionais melhor do que as escolas de tempo parcial”, afirma Vitor de Angelo, presidente do Consed

O objetivo precisa ser criar escolas contemporâneas, inclusivas, sustentáveis, que busquem a equidade e envolvam a comunidade, orienta Pilar Lacerda, membra do Centro de Referências em Educação Integral

safio que se impõe neste momento é aumentar sim a oferta, mas com projetos coerentes. “Há um consenso: mais tempo na escola importa. Mas o que não é consenso: o que fazer nesse tempo a mais. Se houver mais um milhão de estudantes em tempo integral na escola, será ótimo. Mas é preciso também que estejam em projetos transformadores”, afirma.

Pilar Lacerda defende que o MEC fez certo ao deixar as propostas para as redes municipais e estaduais. “O papel constitucional é estimular, prestar assistência técnica e financeira. O MEC não tem braços nem poder legal para definir modelos pedagógicos”, ressalta. Contudo, a pesquisadora orienta que a meta deve ir além da oferta de sete horas de atividade. O objetivo precisa ser criar escolas contemporâneas, inclusivas, sustentáveis, que busquem a equidade, envolvam a comunidade, claro, sem perder o foco das aprendizagens.

Portanto, não basta oferecer mais aulas por dia, no mesmo formato de sempre. E cada local terá seu próprio jeito de fazer. “A primeira questão é a escola olhar para fora, chamar a comunidade para participar e conversar sobre o projeto pedagógico. Não adianta chamar pais e mães só pra reunião e dar notícia ruim, isso não agrega”, diz Pilar Lacerda.

Pilar Lacerda foi secretária no MEC e diz que o viés excludente da educação brasileira sempre prevaleceu, tornando as escolas integrais um direito para poucos. Hoje o desafio que se impõe é aumentar a oferta, com projetos coerentes

Fazer com que as crianças, adolescentes e jovens passem mais tempo dentro da escola depende ainda de questões extra-escola, lembra Fernando Solano, professor do Instituto Singularidades e da rede municipal de ensino de São Paulo. “Conheço o caso de duas escolas na mesma região, uma aderiu ao ensino integral; a outra não. Alguns alunos começaram a pedir transferência para a de tempo reduzido mesmo no fundamental 2. Muitas vezes a família precisa desse estudante em casa para ajudar a cuidar do irmão mais novo, fazer comida”, conta.

Solano tem receio se os gestores estão preparados para como se dará o financiamento no longo prazo. “Muitas vezes as fórmulas parecem ser um engodo para o gestor. Algumas escolas aderiram a programas estaduais de tempo integral, mas, ao ampliar o tempo de permanência, precisaram diminuir a quantidade de alunos na unidade. Como a verba é per capita, quando se reduziu a quantidade de alunos, caiu o valor total da verba da escola”, explica.

Outro ponto-chave para o sucesso será a capacidade de deixar os professores preparados para trabalhar com estudantes que ficam o dia inteiro dentro da escola. “Vamos precisar de formação continuada em serviço, formar os professores para que consigam atuar no sentido de uma educação integral, consigam abordar questões mais amplas para além dos conteúdos a que estão acostumados. Educação integral deve ter outra perspectiva, uma que coloca o aluno no centro do processo, que visa desenvolvê-lo de forma plena”, completa.

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Reprodução

TRANSFORMAÇÃO

Educação, prática fundamentalmente humana

O apoio fornecido pela inteligência artificial deve ser reconhecido, mas sem esquecer da necessidade humanista do ensino e aprendizagem

| Por Damaris Silva

“No coração do Ceará, uma professora visionária está desafiando os limites da educação. Ela desenvolveu um projeto inovador que combina educação antirracista e inteligência artificial para promover uma experiência de aprendizado inclusiva.

A professora Maria, como a chamaremos, notou que a cultura afro-brasileira e indígena frequentemente eram negligenciadas nos currículos escolares. Determinada a mudar isso, Maria usou a inteligência artificial para criar um banco de dados de recursos educacionais que representam essas culturas.

A IA se tornou uma aliada valiosa, recomendando materiais personalizados e projetos de avaliação que valorizam a diversidade dos alunos. O resultado foi um ambiente de aprendizado mais igualitário e envolvente.

O projeto de Maria inspirou outras escolas do Ceará a adotar essa abordagem inclusiva e antirracista, demonstrando o poder da educação e da tecnologia para a transformação social.

Professores como Maria nos lembram que a educação pode ser uma poderosa ferramenta de mudança quando usada com sabedoria e compaixão. Eles são exemplos inspiradores de como a inovação educacional pode trazer um impacto positivo duradouro.”

Todo o texto acima foi elaborado por uma inteligência artificial, com a intenção principal de nos fazer considerar o quanto a tecnologia pode ser uma aliada valiosa — uma vez que a proposta apresentada poderia culminar em um projeto real, seja no Ceará ou em qualquer outra cidade do Brasil — porém, nos faz pensar que deixar o

avanço tecnológico se sobrepor a algumas questões fundamentais na educação pode ser um campo minado.

A facilidade com que esse texto se completou e as informações inverídicas que ele nos trouxe podem, num olhar superficial, nos fazer acreditar que projetos como esse são facilmente executáveis, que não exigem uma articulação com a comunidade escolar para que, de fato, se realizem.

O cenário que vivenciamos hoje traz riscos a uma geração que pode, aos poucos, esquecer que a educação é uma prática fundamentalmente humana e realizada coletivamente. Paulo Freire¹ coloca luz ao destacar que a educação é um fenômeno humano e que por ser verdadeiramente humanista é que nos traz a possibilidade de transformar realidades.

Obviamente, não pretendemos dicotomizar tecnologia e educação, mas refletir (e agir) sobre o futuro que virá, com vistas à prevalência de toda a tarefa pedagógica culminar na produção de saberes emancipatórios ancorados na promoção da igualdade, sejam eles inteligentes (ou artificiais).

1 FREIRE, Paulo. Papel da educação na humanização. Revista Paz e Terra, São Paulo, n. 9, p. 123-132, out. 1969.

Damaris Silva

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mestre em letras e especialista em gestão escolar

Caminhos para desenvolver o socioemocional no currículo de artes

Solução trabalha as competências e o emocional de maneira totalmente integrada às vivências artísticas em sala de aula

Desenvolver o socioemocional na escola é uma pauta cada vez mais frequente na formação de estudantes, motivada pelas atribuladas exigências dos tempos atuais, em conjunto com a normatização desses tópicos, que vem sendo norteada por diretrizes educacionais.

Nesse âmbito estão medidas como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e, em nível internacional, o que pede o Casel, sigla para Collaborative for Academic, Social and Emotional Learning, organização sediada em Chicago, nos Estados Unidos.

Trabalhar essas competências no currículo de artes possibilita trazer essa discussão para a aprendizagem, por meio da vivência artística das diferentes linguagens, como dança, música, artes visuais e teatro.

POR QUE TRABALHAR O EMOCIONAL?

Vários fatores têm afetado o rendimento escolar de crianças, adolescentes e jovens. Dentre esses pontos estão situações que envolvem condições socioeconômicas precárias, falta de acesso a recursos educacionais adequados, ambiente familiar desfavorável, pressão

APRESENTADO
POR

social, falta de suporte e conflitos interpessoais na escola ou em casa.

Como consequência desse cenário está, por exemplo, o aumento de transtornos psicológicos nessa faixa de idade.

“É urgente e necessário que todos os envolvidos com a educação básica, incluindo as empresas, se movimentem em direção à promoção da aprendizagem socioemocional”, afirma a Gerente de Educação da Faber-Castell, Carolina Luvizoto. No ambiente escolar, o que se espera é que o docente possa oferecer acolhimento e que tenha tido a oportunidade de ser preparado por ações formativas oferecidas pela instituição, para ter um desempenho à altura da necessidade desse novo momento.

Por outro lado, evidencia-se no meio um contexto que o professorado, muitas vezes, se encontra exausto, sem o suporte necessário, nem capacitação para entender as necessidades individuais do aluno. Assim, atuam em uma rotina sem dar a devida atenção ao bem-estar emocional desse público – que é algo que pais e familiares esperam.

VIVÊNCIAS ARTÍSTICAS

No currículo e na vida, a arte é um componente privilegiado para o desenvolvimento das competências socioemocionais, pela presença cotidiana dessas habilidades nos pilares que formam a aprendizagem nessa área.

“Nesse sentido, é relevante a proposta pedagógica que promova essa acolhida e desenvolva a inteligência emocional das crianças e jovens, por meio de experiências artísticas vivenciais significativas, integradas ao currículo de Arte”, explica Carolina Luvizoto, referindo-se ao Programa Socioemocional da Faber-Castell Edux.

A solução educacional da Faber-Castell tem o objetivo de proporcionar uma formação integral aos estudantes nesse quesito, se adaptando às necessidades do aluno de hoje para promover habilidades cognitivas, sociais e emocionais, e permitir uma compreensão de mundo. Desenvolve a consciência do papel da criança na sociedade e, dessa forma, amplia todo potencial.

Carolina Luvizoto Head Educação Faber-Castell: proposta pedagógica deve promover acolhimento

FEEDBACKS POSITIVOS

De acordo com a Gerente de Educação da Faber-Castell, o programa foi submetido recentemente a testes com o envolvimento de alunos, famílias, professores e gestores de escolas selecionadas em São Paulo.

“Uma resposta relevante foi que 100% dos professores sentem que a formação realizada fornece insumos suficientes para a execução das atividades integradas ao currículo de artes”, relata.

Outro ponto elogiado está no fato de que as problemáticas emergem das experiências individuais ou das necessidades da turma, gerando, assim, casos únicos em cada sala. “As atividades não possuem uma sequência predefinida, sendo que o professor pode definir a melhor ordem, de acordo com o que for preciso naquela realidade”, complementa.

A solução educacional da Faber-Castell, empresa alemã com mais de 260 anos de história, estará disponível a partir de 2024.

Artes + Desenvolvimento

Socioemocional: Benefícios

Estimula o autoconhecimento por meio do desenvolvimento das habilidades expressivas;

Favorece a autorregulação com desafios próprios às práticas artísticas;

Fomenta a integração, a empatia e a colaboração pelas dinâmicas coletivas de trabalho;

Convida todos a agir de forma responsável e consciente com os processos criativos.

Fonte: Programa Socioemocional da Faber-Castell Edux

SUSTENTABILIDADE

Cessar a competição e estimular a colaboração

A formação de cidadãos empenhados no desenvolvimento sustentável já está presente no currículo e na prática de algumas escolas. Falta estruturar tudo isso

| Por Ana Gabriela Nascimento

Crianças da Escola Coqueiral, sul baiano. “Em contato com a natureza, tudo melhora, desde a saúde até o convívio”, defende a gestora Fernanda Alvarenga

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Apesar da recente difusão do termo sustentabilidade pelos mais variados setores da sociedade, há um lugar em que esse conceito, se bem trabalhado, tem o potencial de gerar impactos efetivos: a escola. É na formação de cidadãos empenhados no desenvolvimento sustentável que toda teoria a respeito desse assunto pode ser transposta para a prática cotidiana e produzir efeitos duradouros.

Um guia para essa empreitada são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). É “um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade”, como define o site da organização. Erradicar a fome e a pobreza, viabilizar acesso à água e saneamento, conservar a vida marinha e reduzir desigualdades são alguns dos 17 ODS que o Brasil deve atingir. É papel da escola se comprometer com esse tema e propor ações nesse sentido.

“O conceito da ONU de educação para o desenvolvimento sustentável é a tradução de um movimento global. A tendência é que os ODS se incorporem ao currículo tradicional como resposta a essa cobrança por uma mudança de postura. Vejo os ODS como uma proposta de agenda civilizatória”, visualiza Luciano Monteiro, diretor global de comunicação e sustentabilidade na Santillana, empresa de soluções educacionais.

Para Luciano, toda escola já trabalha com o tema da sustentabilidade de alguma forma, mesmo que isso não esteja em destaque. “Dentro do currículo sempre tem elementos da sustentabilidade que estão na oferta pedagógica. Talvez pouco visível, dentro de uma efeméride, data comemorativa ou até mesmo por meio da participação da comunidade do entorno da escola no dia a dia. O momento, hoje, é de estruturar isso”, explica.

ESTUDANTES COMO PROTAGONISTAS

Para além dos conteúdos programáticos, os projetos são grandes oportunidades de ampliar a presença do tema da sustentabilidade no cotidiano escolar. A iniciativa Esse Rio é Meu, idealizada pela organização Planetapontocom e desenvolvida pela prefeitura do Rio de Janeiro, secretarias municipais de Educação e de Meio Ambiente, é um exemplo bem-sucedido na educação

”A tendência é que os ODS se incorporem ao currículo tradicional como resposta a essa cobrança por uma mudança de postura. Vejo os ODS como uma proposta de agenda civilizatória”, diz Luciano Monteiro, diretor na Santillana
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A Escola Coqueiral se baseia na pedagogia Waldorf, valoriza o espaço físico com práticas sustentáveis Fotos: Arquivo pessoal

SUSTENTABILIDADE

pública. Fundado pela jornalista Silvana Gontijo, o projeto visa à recuperação e preservação de rios — da capital, outros municípios do Rio e até de outros estados — a partir da atuação das comunidades escolares que os circundam.

É o que tem acontecido na Escola Municipal Charles Anderson, na zona norte do RJ, a partir da iniciativa da professora de geografia Roberta Nascimento e seus colegas, no ensino fundamental 2. Uma das primeiras atividades do Esse Rio é Meu na escola foi a visita de turmas de 7º ano ao rio Acari, que fica próximo, em um dia em que ocorriam trabalhos de desassoreamento. A partir disso, foram desenvolvidas atividades como a produção de um vídeo contando a história do rio, a coleta de materiais das margens e estudo de seus tempos de decomposição na natureza, a navegação por mapa interativo do rio e a produção de cartaz com o registro das atividades do projeto para apresentação na Semana do Meio Ambiente. E o mais interessante: boa parte das atividades foram propostas pelos próprios estudantes.

“É uma oportunidade de formar pessoas socialmente responsáveis, o que é o sonho de todo professor”, conta a professora Roberta Nascimento, da E.M. Charles Anderson, RJ

“O que mais gosto nesse projeto é o protagonismo do aluno. Estudar o lugar em que você mora te dá esperança, faz vislumbrar coisas melhores. Quando vi esse projeto, pensei: é uma oportunidade de formar pessoas socialmente responsáveis, o que é o sonho de todo professor, além de cessar a competição e estimular a colaboração entre eles”, explica a professora Roberta.

O próximo passo na E.M. Charles Anderson é a produção de um livro de memórias que a comunidade do entorno tem do rio Acari. De acordo com a educadora, os estudantes estão coletando histórias do local com idosos que moram ali há décadas e viram, literalmente, muitas águas rolarem rio abaixo. Iniciado este ano na escola, o projeto já promoveu mudanças expressivas.

“A forma como o aluno fala do rio Acari é outra, ele não chama mais de valão. Vejo neles uma esperança de que aquilo vai mudar, surgiu um desejo de que melhore. Uma aluna perguntou: ‘o que nós temos que fazer, tia, pra esse rio ficar limpo de novo?’. Eles estão ansiosos pelo próximo passo”, conta a docente.

DO LOCAL PARA O GLOBAL

Iniciar o trabalho com sustentabilidade na escola, ou ampliá-lo, pode ter como ponto de partida a própria localidade em que a unidade se encontra. A professora de sociologia Angélica Aparecida de Souza, que leciona para o ensino médio técnico no Instituto Federal do Mato Grosso (IFMT), acredita que o ambiente sempre é capaz de estimular discussões em sala de aula. “Agora estamos na época da seca. Faz 39°C com sensação térmica de 41°C. É preciso trazer esses temas que estão no nosso cotidiano, que nos afetam. A escola está sempre em um território: o que esse território nos apresenta?”, indaga.

“É uma ética social que temos que ter; todas as disciplinas devem falar de sustentabilidade”, afirma a professora no IFMT, Angélica Aparecida
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Fotos: Arquivo pessoal
O momento é de investir na formação das pessoas que vão ocupar o planeta em condições adversas

A professora, que também é pesquisadora e integra a Ambiafro, organização que propõe a discussão ambiental a partir de um olhar racializado, acredita que a sustentabilidade deve estar presente em todas as disciplinas e não apenas nas ciências da natureza ou humanas. “É uma ética social que temos que ter. Não só a sociologia, geografia e história, mas também a matemática, as exatas de forma geral: todas as disciplinas devem falar de sustentabilidade, uma conectada à outra, para que não fique só na teoria do conteúdo e possa vir para prática”, defende Angélica.

Em meio à profusão midiática em que os estudantes estão imersos, a escola torna-se também um lugar privilegiado para a transmissão de informações confiáveis. Tanto do ponto de vista ambiental quanto social, todos os dias, inúmeras notícias falsas circulam pelas redes e, no ensino médio, de acordo com a professora, é comum que os jovens levem o que estão consumindo online para as discussões em sala de aula. “Por vezes, eles trazem informações enviesadas sobre meio ambiente e questões sociais e ali, em sala, é o momento de debatermos o outro lado das histórias. Muito guiada por Nilma Lino Gomes e suas estratégias de emancipação, busco sempre um procedimento pedagógico empático com eles”, explica a professora.

DE DENTRO PARA FORA

Trazer o tema para os conteúdos programáticos, projetos e discussões produz efeitos importantes nos estudantes, assim como o contato com um espaço físico que preconize práticas sustentáveis. É o que acontece na Escola Coqueiral, de Caraíva, no sul da Bahia, que atende 25 crianças de três a oito anos, em um terreno amplo, aberto. Com base na pedagogia Waldorf, a escola é privada, mas composta em sua maioria por crianças de famílias em vulnerabilidade que pagam valores menores, enquanto os responsáveis com melhores condições econômicas pagam mais.

Por conta da iniciativa Esse Rio é Meu, a E.M. Charles Anderson, RJ, montou um projeto voltado ao rio Acari, que circunda a instituição

Estimuladas à constante participação no dia a dia escolar, as famílias são centrais para a dinâmica de aprendizado das crianças, de modo que o convívio comunitário dá o tom do funcionamento da Coqueiral. “É um pré-requisito que a família esteja dentro da escola o tempo que puder para participar das atividades, se educar, trabalhar internamente e deixar as crianças em paz, livres”, explica Fernanda Alvarenga, educadora e gestora da escola.

De acordo com Fernanda, a evolução das crianças em contato com a terra, com estímulos para muito além da tradicional sala de aula, tem sido expressiva. “Crianças aprendem por meio dos pés e das mãos. Quanto mais aterrada ela está, mais conexões ela faz, mais ela aprende. Em contato com a natureza, tudo melhora, desde a saúde até o convívio”, comenta.

Na Escola Coqueiral, em Caraíva, BA, as práticas sustentáveis estão em toda parte:

• Estrutura construída em barro;

• Iluminação e ventilação naturais;

• Brinquedos de madeira ou recicláveis, e não de plástico;

• Assembleias semanais para a resolução de problemas;

• Reciclagem criativa;

• Papo sobre sentimentos toda manhã;

• Produção de brinquedo com recicláveis para aniversariante;

• Alimentação orgânica;

• Horta;

• Plantio destinado à comunidade;

• Mutirões de coleta de lixo;

• Coleta seletiva.

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ESCRITA

Memória afetiva da escrita começa na escola

Função terapêutica e ferramenta de autoinvestigação, escrever requer cuidados. Ambiente escolar pode construir êxito ou trauma

| Por Karen Cardial

Alinguagem traduz o que somos e como pensamos. No texto de uma pessoa há várias chaves para descobrir quais são as questões que a incomodam e como as processa. Atos falhos aparecem o tempo todo. Da história podem ser puxados fios que tocam em questões íntimas que ainda não foram percebidas, mas que aparecem na escrita, uma ferramenta de autoinvestigação e de revelações. Em seu retiro de escrita, num chalé em meio à natureza, Índigo Ayer, escritora brasileira de literatura infantojuvenil, jornalista e roteirista, recebe escritores ou quem queira desenvolver sob sua mentoria ou em solitude um texto ou finalizar um livro. O que observa durante os retiros é que a escrita tem uma função terapêutica, seja na ficção, num trabalho autobiográfico ou acadêmico, e que ali a pessoa se coloca por inteira.

Índigo, vencedora do prêmio Literatura para Todos, do Ministério da Educação e finalista do prêmio Jabuti, também realiza oficinas de escrita em escolas, com o suporte dos professores. A escritora explica que a escola precisa oferecer às crianças um ambiente de escrita em que se sintam seguras e protegidas e que é no espaço escolar que tudo começa: a memória afetiva de colocar palavras no papel, de escrever uma redação, de elaborar o próprio pensamento, de dar uma ordem para um caos interno por meio de um texto. “É violento quando um professor corrige a redação de uma criança com caneta vermelha e dá nota. Essa atitude pode causar um trauma na criança, que coloca todo seu sentimento no papel”, adverte Índigo. O ideal é que na escola a escrita não seja de avaliação, de correção gra-

matical, mas um espaço de intimidade e privacidade.

“Acho que as crianças e jovens não têm mais privacidade. Fazer coisas que não sejam para serem expostas, exibidas ou postadas. Por isso que cada vez mais acredito na escrita dos diários, um lugar para desabafar e organizar os pensamentos, que desperta fascínio nas crianças”, revela a escritora, que escreve em seu diário desde os 11 anos até os dias atuais. Segundo

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Estudantes da Emef Pedro Nolasco, na cidade João Neiva, ES, durante atividade do projeto Como Diz o Outro
pessoal
Arquivo

ela, a escrita na escola tem duas funções: a técnica, por meio da gramática para a construção de um texto, e a segunda função é a de desenvolver pensamento crítico. “No momento em que a criança começa a expressar-se, é preciso sensibilidade por parte dos professores, um entendimento de que acontecerão erros de ortografia e gramática, pois é uma fase da criança escritora. Se o texto é bom, os erros gramaticais não devem diminuir a nota, pois o valor de escrever bem é você conseguir se expressar de uma maneira original e sedutora”, pontua Índigo.

PROJETOS MÁGICOS

QUE SAEM DA CARTOLA

Monisa Maciel, educadora há 22 anos, ministra aulas de literatura na educação infantil e ensino fundamental no Anglo Sorocaba, escola particular no interior de SP. Ela, que também é escritora de livros para a infância, mediadora de leitura e contadora de histórias, acompanha os estudantes com um currículo literário. Em seu trabalho, apresenta diversidade de autores, ilustradores, materialidade, formato dos livros e gêneros textuais. O livro é apresentado às crianças por meio da mediação de leitura, da contação de histórias e da leitura deleite. Muitas vezes, a partir das expe riências que os estudantes têm com a obra, são criadas oficinas brincantes.

“Criei o projeto Pequenos Autores, em que trabalho durante um semestre inteiro todo o processo do livro: a capa, as páginas, a importância de ter uma editora e a escrita está presente em todos os momentos”, conta Monisa. A educadora explica que o projeto não é obrigatório, os alunos são convidados a participar e a ade-

“Enquanto ambiente escolar, não devemos vilanizar as vivências das crianças, desconsiderando o que elas fazem fora da escola. Ouvi-las é o que dá significado ao trabalho”, afirma o pedagogo Helder Guastti

Monisa Maciel, educadora, explora e enxerga o livro como arte e não apenas como objeto de aprendizado

são é grande. “É gratificante vê-los engajados e escrevendo de forma criativa”, expõe. Monisa enfatiza que na escola o livro é visto como fonte de conhecimento e aprendizado, mas que, em suas aulas, ele é explorado e visto como arte, e que a relação com a escrita se torna leve, prazerosa e significativa, essencial para mudar o percurso da criança no processo da escrita durante toda a sua vida. “No dia do lançamento do livro, os alunos usam uma roupa especial, sobem no palco, recebem certificado e, com empoderamento e propriedade, falam sobre a produção da sua obra, sobre a ideia e a criação. Tudo registrado com o processo da escrita que está ligada à arte.”

Como Diz o Outro é um projeto de escrita tido como ponto alto do semestre, segundo os próprios estudantes do 5º ano do ensino fundamental 1 da Escola Municipal de Ensino Fundamental Pedro Nolasco, na cidade João Neiva, Espírito Santo. Criado por Helder Guastti, pedagogo especializado em alfabetização e letramento e finalista do Prêmio Educador Nota 10, o projeto recebeu esse nome por ser uma frase feita do município de João Neiva.

O ponto de partida do projeto surgiu de um bate-papo dos estudantes com a escritora Gabriela Romeu sobre a vida do interior numa cidade pequena e isolada, cujas crianças resgataram contos e causos vividos com os avós, mães e pais, das andanças pela roça nos finais de semana.

Foram realizados movimentos de pesquisa com as famílias, dos ditados, provérbios e quadrinhas populares, para os alunos fazerem uma produção de registro escrito. Foram até à rua fazer pesquisa de campo com a população da cidade. O produto do projeto Como Diz o

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Fotos: Arquivo pessoal

ESCRITA

“O ideal é que a criatividade seja fomentada na escola do início ao fim, pois é uma ferramenta fundamental”, defende a mestra em estudos literários Izabela Alves

Outro é um livro com os contos produzidos pelos estudantes e os elementos que foram registrados e produzidos: quadrinhas, trava-línguas, adivinhas, ditados e provérbios populares. Cada criança fica com um exemplar. A Secretaria de Educação também recebe o livro, bem como a sala de leitura da escola.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Para trazer uma outra dimensão ao trabalho, Helder propôs a utilização da inteligência artificial no projeto por meio do ChatGPT, que trouxe um novo desdobramento para a história que deveria ser continuada e escrita pelos estudantes. Helder discorre como essa inovação causou euforia e motivação aos alunos, que sugeriram fazer as ilustrações do livro utilizando a inteligência artificial. O professor conta que o empenho das crianças foi grande e o resultado belíssimo, e que em todo o processo houve a participação dos alunos.

“É violento quando um professor corrige a redação de uma criança com caneta vermelha e dá nota. Essa atitude pode causar um trauma na criança, que coloca todo seu sentimento no papel”, diz a escritora
Índigo Ayer

A escritora Índigo Ayer acredita que, se o texto é bom, os erros gramaticais não devem diminuir a nota, pois escrever bem é expressar-se de maneira original e sedutora

“Enquanto ambiente escolar não devemos vilanizar as vivências das crianças, desconsiderando o que elas fazem fora da escola. Ouvi-las é o que dá significado ao trabalho, seja de escrita ou leitura”, afirma.

Clique aqui para ter acesso ao formato digital do projeto Como Diz o Outro

CRIATIVIDADE ESQUECIDA, ONDE ENCONTRAMOS O CAMINHO

DO SUCESSO?

Exercício para o cérebro ser capaz de enxergar situações por outras perspectivas, a criatividade é a base para grandes ideias, projetos e práticas bem-sucedidas Izabela Alves, licenciada em letras pela Universidade da Amazônia (UNAMA) e mestra em estudos literários pela Universidade Federal do Pará (UFPA), ministra aulas de criação em escolas para o desenvolvimento da capacidade criativa dos estudantes. “A partir de uma música clássica que era tocada na sala de aula, pedi que os alunos imaginassem uma viagem por um grande tobogã e que percebessem cada instrumento tocado na música. Apesar de serem jovens e inquietos, ficaram em absoluto silêncio durante a prática, e ao final propus que escrevessem um texto sobre as sensações que tiveram. Os resultados foram incríveis”, descreve Izabela. A educadora explica que não adianta estimular a criatividade somente até o final do ensino fundamental e, devido ao programa extenso das séries seguintes, deixá-la esquecida. “Quando chega o último ano da escola, o aluno precisa ter criatividade para escrever um texto para o Enem, pra trazer um repertório interessante, e isso é injusto. O ideal é que a criatividade seja fomentada na escola do início ao fim, pois é uma ferramenta fundamental”, conclui Izabela.

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Fotos: Arquivo pessoal

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FUTURO DA ESCOLA

O acolhimento como condutor da aprendizagem

Projeto Café e Conversa oferece espaço de troca entre egressos e estudantes do ensino médio para o fortalecimento do vínculo entre escola e estudante

Enquanto há escolas que focam o preparo exclusivamente para o vestibular, outras também priorizam a formação humana. No Colégio Jean Piaget Franca, em São Paulo, mais do que a prova, a proposta é oferecer uma educação com significado. Nisso, o acolhimento está como característica que conduz ao processo de aprendizagem.

“Há 10 anos, recebemos um aluno para o ensino médio que estava em depressão profunda. Havia dias em que não conseguia sair de casa, outros que a mãe o trazia até o portão e ele não entrava. Começamos a ir até à casa do aluno e insistimos em um tratamento psicológico. Indicamos psicólogo e aos poucos começou a voltar, melhorou, se formou, e hoje é psicó-

logo”, conta Angélica Kaluf, diretora administrativa, há 21 anos no colégio.

CAFÉ E CONVERSA

O Colégio Piaget tem 35 anos e atua do berçário ao ensino médio. Em 2021, com intuito de ampliar o espaço para os estudantes do ensino médio, inaugurou um prédio que oferece salas de aula com estrutura sustentável, utilizando contêineres.

Outra novidade foi a criação do Café e Conversa, que promove um espaço de diálogo, troca e partilha entre os estudantes do ensino médio. A coordenadora pedagógica Fabiana Stelin, no colégio há 18 anos, explica que o projeto possui duas etapas. A primeira é promover para os estudantes que estão se formando uma despe-

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Série apoiada pela
Fotos: Divulgação Colégio Jean Piaget Franca durante despedida e agradecimento aos estudantes do 3º ano do ensino médio Atividade do Café e Conversa que aconteceu fora do ambiente escolar

dida, encontro que acontece fora da escola. “O projeto foi lançado na passagem de 2022 para 2023, em que tivemos 100% de aprovação dos nossos alunos do 3º ano do ensino médio no vestibular. Então pensamos em proporcionar para eles um momento de descontração, agradecimento e parabéns por conquistarem o que almejaram”, explica Fabiana.

Já a segunda etapa diz respeito a um espaço de troca de experiências entre os egressos e os estudantes. Também são promovidas rodas de conversa em que especialistas são convidados para abordar temas que reforçam o acolhimento, como inteligência artificial e socioemocional. Além disso, a instituição pensa em expandir e incluir os jovens do 9º ano no projeto.

“Tenho a lembrança de um aluno que tinha bolsa de estudos aqui no colégio, porém, para pagar os materiais ou até mesmo a roupa adequada, tinha que trabalhar. Quando terminou o ensino médio, ele teve um orgulho muito grande, porque passou em engenharia química na Faculdade de Lorena da USP, mas não tinha dinheiro para ir à cidade. Então, o que se viu foi algo que confirmou a importância de a gente trabalhar empatia com os alunos. Os estudantes fizeram um pedágio para bancar a passagem para ele ir”, conta Fabiana.

SISTEMA DE AVALIAÇÃO

O colégio possui em média 82 funcionários, 43 professores, 350 estudantes e uma mensalidade em torno de 900 a 1.000 reais, trabalhando também com um sistema de bolsas.

Há aproximadamente seis anos, o colégio faz uso de um sistema que divide a avaliação dos estudantes em duas etapas: quantitativa, que contempla as provas bimestrais e atividades semanais dadas para cada estudante; e a qualitativa, que acompanha todo o processo de aprendizagem do estudante por meio de uma programação elaborada pelos professores. Nesse ambiente eles conseguem observar se os jovens estão realizando as atividades que lhes foram passadas e os ajudar nas dificuldades.

Outro ponto destacado pelas educadoras em relação ao sistema de avaliação são as atividades realizadas no dia a dia. Segundo a diretora Angélica, os estudantes passam por verificações de aprendizagem. “O aluno sabe que tem que estudar todo dia porque pode ter uma verificação de aprendizagem [a qualquer momen-

to]. Aquela mania que tínhamos de: ‘nossa, amanhã tem prova, tem isso de coisas para estudar’, não existe mais. Hoje eles estão tranquilos porque estudam dia a dia, aí na hora da prova bimestral fica mais fácil e conseguem atingir os objetivos”, conta Angélica.

Para Angélica, atualmente também é preciso pensar para além do vestibular, porque muitos estudantes têm outros objetivos após se formarem: “Estamos reparando que alguns alunos não querem ir para a faculdade, às vezes eles querem ser empreendedores. Então hoje somos muito abertos às novidades. Com o currículo que temos, preparamos os alunos para estarem aptos se quiserem ir para a faculdade. Mas também podem ser empreendedores; temos aulas de empreendedorismo, educação financeira e filosofia”, ressalta.

COMPROMISSO COM O PRESENTE E FUTURO

A criação de um vínculo com os estudantes fez com que o colégio se tornasse um espaço de acolhimento e partilha. Segundo as educadoras, os desafios da educação ainda são grandes, mas é preciso pensar em uma formação humana e cidadã. “Se pudermos contribuir, nem que seja um pouco, para a formação desse novo ser humano, eu já vou estar muito feliz”, acredita Angélica Kaluf, diretora administrativa.

“A educação tem que ser pensada com mais carinho, porque é o nosso futuro, não fazemos nada sem a educação. Temos que proporcionar um estudo sólido, eficiente, que estimule os alunos a serem grandes profissionais e cidadãos”, conclui a coordenadora pedagógica Fabiana Stelin.

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Da esq. para a dir.: Fabiana Stelin, coordenadora pedagógica; Angélica Kaluf, diretora administrativa; e Suse Severo, diretora pedagógica Fotos: Divulgação

Cresce importância da questão emocional

As emoções dos estudantes e educadores são tão importantes quanto o desempenho acadêmico, sendo que uma está ligada à outra

As escolas, nos últimos anos, passam por processos profundos de reavaliação dos projetos educacionais. As questões relacionais e emocionais vêm dividindo espaços significativos com as pedagógicas, especialmente porque a escola não está dissociada da sociedade e de suas urgências e mazelas.

Para além dos muros das escolas, as dores humanas ganham espaços e lotam consultórios. Gritos de socorros não são silenciados e há muito o pudor por ajuda terapêutica e psiquiátrica ficou para trás.

As crises existenciais e emocionais dos estudantes pedem passagem para ocupar uma lacuna que foi negligenciada e solicitam demandas próprias que exigem reflexão e instrumentalização adequadas dos agentes envolvidos, fundamentalmente porque nessas instituições as interlocuções são extremamente complexas do ponto de vista das interações pessoais e do ensino e aprendizagem.

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DIÁLOGOS Shutterstock

Levando em consideração a complexidade escolar, o enredamento relacional e os sinais de nossos tempos, não há dúvida alguma de que acolher e acompanhar os estudantes em seus processos emocionais é tão importante quanto desenvolver habilidades e ampliar repertório cultural e conteúdo acadêmico.

Obviamente que, para isso, os professores também precisam ser bem acolhidos e acompanhados pela escola para que possam, em boas condições, oferecer esses amparos. Rodas de conversas, trocas de experiências e de estratégias, encontros com coordenadores e psicopedagogos são sempre bem-vindos.

No entanto, os entendimentos sobre acolher e acompanhar são um pouco difusos e, muitas vezes, contrastantes. Famílias, alunos e atores escolares sentem algumas dificuldades para compreender as medidas exatas e justas do bom acolhimento e do necessário acompanhamento.

Não é incomum que famílias esperem da escola tratamento diferenciado mesmo que contrarie a regra ou os acordos coletivos: “moramos longe do colégio, chegamos atrasados e não faz sentido não ter uma tolerância especial para situações como a nossa, a escola precisa ser mais acolhedora”, “meu filho nunca chega atrasado, quando chega uma vez vocês barram a entrada, deveriam analisar caso a caso, e na situação como a dele, deixar entrar. A escola precisa ser mais acolhedora”. “Minha filha tem crise de ansiedade, vocês não podem exigir muito dela. Ela precisa de acolhimento”, “meu filho necessita de aulas avançadas e ser mais desafiado, a escola precisa acolher mais as necessidades dele”, “a escola tem que ajudar a resolver desentendimentos em festinha ou no WhatsApp”.

Nas situações arroladas, há uma discrepância sobre a noção de acolhimento, sobretudo porque as famílias veem os filhos individualmente, e a escola precisa pensar no processo coletivo. Nesse momento, as noções de acolher se distorcem. Um lado deseja uma regra específica e outro, a equidade. Uma parte solicita participação integral da escola em todas as instâncias da vida do jovem e da criança; a outra, impõe à ação os limites escolares, ainda que os estudantes vivam em uma bolha restrita, em comum, na vida pessoal, que se mistura à da escola.

Sim, é verdade que acolher e acompanhar é propiciar e fomentar situações de respeito a algumas especificidades e excepcionalidades. É também ponderar os fatos e os dados para que os questionamentos e as ocorrências sejam analisados com carinho e atenção, uma vez que acolher não é “sempre passar a mão na cabeça” ou “agradar o tempo todo”; tampouco é fechar os olhos para possíveis particularidades das pessoas e dos acontecimentos.

Há também entre alguns orientadores medidas mais maternais e paternais que beiram o desarrazoado. Há orientadores que mantêm contatos com famílias com seu próprio aparelho celular, fazendo uso do WhatsApp para comunicações que muitas vezes flertam com o clientelismo e com a amizade inapropriada. Criam uma relação viciada com alunos e famílias, tornam-se mais madrinhas, padrinhos e babás do que orientadores educacionais. Há situações em que o acolhimento e o acompanhamento de estudantes de inclusão se fazem de forma amadora e pouco responsável. Sem um PEI (plano educacional individualizado) consistente, os alunos viram ‘café com leite’ — tira-se da cartola uma facilitação qualquer e notas para satisfazer a família, trocando a avaliação progressiva por um afago incongruente.

Determinados professores também entornam o caldo da confusão. Muitos acolhem respostas que não atendem aos comandos e às solicitações das questões, inferindo pelos alunos a resposta que não foi dada. O estudante responde tudo o que estudou e não o que lhe foi solicitado, o professor aceita como certo o duvidoso. Acolhe na nota e desacolhe na aprendizagem.

Há casos em que a direção escolar promove acolhimentos perigosos com mimos aos pais/clientes que desautorizam o projeto pedagógico ou coordenadores e professores.

Como acolher e acompanhar merecem tempero e temperança, talvez a melhor forma de atendimento criterioso dos estudantes é o cuidado com sua aprendizagem integral. Ofertar e negar na medida responsável é o bom caminho. Para isso, há necessidade de propor como cultura escolar aulas e atividades com comandos claros, com sinalização dos objetos de conhecimento e das habilidades esperadas, com rubricas precisas e coerentes com o que foi planejado e proposto e, fundamentalmente, com devolutivas periódicas acompanhadas de reavaliações constantes.

A criação de espaços de escuta ativa que propiciem conversas com estudantes, assembleias de classe e representação de classe contribui para que ocorram acolhimentos razoáveis que, se somados a atendimentos a famílias e a profissionais de saúde, podem assegurar acolhimentos auspiciosos.

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João Jonas Veiga Sobral Escritor, professor de língua portuguesa e orientador educacional

ENTRE MARGENS

Aprendizagem acontece na relação

Compreendemos que o exercício da autonomia não era aprendizagem individual, era uma prática relacional

Vale de Ansa, no 1º dia de julho de 2043

O autor do livro Why don’t students like school? afirmava:

“Aprendemos mais sobre o cérebro humano nos últimos 25 anos do que nos 2.500 anos anteriores.”

Isso significa que, nos idos de 20, deveríamos dispor de conhecimento suficiente para melhor ensinar e aprender. Na verdade, tínhamos, mas não o praticávamos. Se o conservantismo tardio tentava ‘tornar as aulas mais cativantes’, o alternativo roussoneano acreditava que bastaria deixar a criança descobrir as coisas por si mesma.

O obsoleto condutismo e o ingénuo não-diretivismo ignoravam que a criança não fazia aquilo queria, mas que queria aquilo que fazia. Nos anos 70, resolvi fazer uma experiência não-diretiva radical. Fiquei fora da sala de aula, enquanto os meus alunos, dentro dela, aprendiam do modo que eu considerava ser ‘autónomo’. Na década seguinte, repetiria a experiência, para nunca mais a fazer. Um sem-fim de dispositivos ‘substituía’ o professor. Nada de autónomo ali havia. Compreendemos que o exercício da autonomia não era aprendizagem individual, era uma prática relacional. Compreendemos que a aprendizagem acontece na relação, no estabelecimento de vínculos.

que fazem (…) não há relação, quando o professor tem que interagir com mais de uma dúzia de alunos. Inegavelmente, com escolas e salas superlotadas abrem-se os caminhos para a exclusão”.

Nos dicionários diz-se que respeito é “sentimento que leva alguém a tratar outrem com grande atenção, profunda deferência; consideração, reverência”. Partindo dos pressupostos ilustrados por Agostinho em Sanderson e a Escola de Oundle, a convivencialidade marcada pela preocupação com os outros, tinha em si impressa a marca do amor: “Não há para o espírito do homem, ou no espírito do homem, nada que não seja relação. O que acontece é que chamamos desordem à ordem que nos não agrada, ao conjunto de relações em que não entendemos ou não aceitamos a relação connosco”.

Tarde, mas ainda a tempo, cheguei à conclusão de que a aprendizagem não estava centrada no professor, nem no aluno

No dizer de Freire, “o sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica”. E a Cláudia reencontra Freire, quando escreve na sua tese de doutoramento:

“Nuno é como as demais crianças da Ponte, que desde cedo são encorajadas a inaugurarem o diálogo, apreendendo a importância de compreender “o que fazem e por

Tarde, mas ainda a tempo, cheguei à conclusão de que a aprendizagem não estava centrada no professor, nem no aluno, mas na relação. E que, ao invés de refutar propostas de qualquer dos paradigmas, dever-se-ia integrá-las.

O instrucionismo, que correspondera a necessidades sociais dos séculos 18 e 19, jamais deveria ser praticado em pleno século 21, mas continuava hegemónico, obsoleto e sem fundamento científico. Filosoficamente, remontava ao século 17, mas a proposta de Comenius tinha sido antecedida pela escola jesuíta.

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José Pacheco Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal) josepacheco@editorasegmento.com.br
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