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NEUROCIRURGIA EM TEMPOS DE PANDEMIA

O Dr. Pedro Santos Silva é médico neurocirurgião no Hospital de São João, nesta entrevista, irá explicar como é que esta especialidade essencialmente cirúrgica e extremamente minuciosa se adaptou à nova realidade pandémica.

Quais foram as principais alterações que os serviços cirúrgicos, em particular o de neurocirurgia, sofreram, quer a nível da higienização e preparação do ambiente do bloco operatório, quer a nível do pós operatório e contacto com os pacientes internados, com a nova realidade pandémica do Covid-19?

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Após os primeiros casos de Covid-19 começarem a ser reportados em Portugal no início de Março, foi implementado um plano de contingência no Hospital de São de João para preparar a recepção destes doentes. Numa fase inicial, o nosso hospital tornou-se um centro de referência para admissão destes casos, notou-se por isso uma celeridade na tomada de várias medidas, como o aumento de camas de cuidados de intensivos. De forma a preparar o sistema para um aumento exponencial dos casos toda a actividade assistencial não urgente foi cancelada. Isto afectou directamente os serviços cirúrgicos, com cancelamento de cirurgias ou consultas que passaram a não presenciais. Devido à natureza grave de muitas patologias do foro neurocirúrgico, o serviço de neurocirurgia teve de manter uma sala de bloco diária a funcionar. As principais alterações no circuito do doente foram o uso obrigatório de máscara por médicos e doentes (algo por vezes difícil em doentes com alterações neurológicas), a realização de teste de Covid para todos os doentes antes da admissão, cuidados especiais de isolamento e protecção para anestesista e enfermeiro na fase de entubação e extubação. A adaptação foi mais difícil nas cirurgias urgentes, uma vez que na ausência de tempo para saber o resultado do teste, cirurgias emergentes tinham de se realizar na presunção

que o doente era positivo, com todo o equipamento de protecção associado, que complicava muito a realização de procedimentos, para além do aumento de tempo de preparação. No internamento a ausência de visitas obrigou a usar via telefónica para comunicação com familiares, também com horário próprio para recepção de telefonemas. No contexto da organização do serviço, outra novidade foi a utilização por várias vezes de videoconferências, para poder manter activo o contacto entre os profissionais.

Com a pandemia, pelo que a comunicação social tem vindo a divulgar, tem havido não só um maior adiamento de cirurgias como uma menor procura e marcação de consultas, não apenas pela parte do hospital, mas também pela parte dos pacientes. Esta tem sido uma realidade em neurocirurgia? Se sim, quais têm sido os critérios para adiamento dos procedimentos cirúrgicos e das consultas? Existe alguma previsão para quando os serviços de cirurgia voltarão a funcionar em 100%?

De uma forma geral, a diminuição da procura não se tem verificado por parte dos doentes no contexto da neurocirurgia, mais uma vez por causa da natureza grave dos sintomas associados a estas patologias. No contexto da urgência houve de facto uma diminuição dos casos traumáticos, particularmente em doentes idosos, mas mesmo essa diminuição só se verificou por um curto período; este facto levou a que o nosso serviço sentisse a necessidade de lançar uma campanha para a prevenção de quedas em idosos, que foi divulgada na comunicação social. Doentes com patologia degenerativa da coluna vertebral ficaram muito prejudicados nesta fase, não só pelo adiamento de cirurgias, mas também pelo não realização de meios complementares de diagnóstico o que tem levado ao atraso da orientação destes doentes. A diminuição de consultas ou a diminuição da procura nos centros de saúde também trouxe uma redução dos pedidos de consulta por parte dos médicos de medicina geral e familiar, que na sua maioria eram pedidos para doentes com patologia raquidiana. Neste momento, a nossa atividade está próxima da normalidade; no entanto, a maioria das consultas continuam a ser não presenciais e é difícil prever quando é que vamos poder falar de uma recuperação plena.

A nível pessoal, quais são as novas preocupações dos pacientes e como é lidar com estas? Tanto estes como os profissionais de saúde têm aceite bem os novos comportamentos que lhe são propostos?

Tanto os profissionais como os doentes perceberam muito bem a potencial gravidade do problema. Como é óbvio, numa situação como esta existe incerteza, ansiedade e constante mudança e adaptação dos planos de actuação. Apesar de alguns atritos compreensíveis, a avaliação global deste processo é francamente positiva, principalmente se compararmos com os cenários alternativos. Esperemos agora que possamos ultrapassar os próximos desafios com a mesma determinação.

Pedro Santos Silva Serviço de Neurocirurgia, Centro Hospitalar Universitário de São João