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4.4. Como a mídia transforma atletas em heróis e vilões

Entretanto, ele também levanta a reflexão sobre o dilema que existe nessa relação do jornalista com a torcida de determinado clube de futebol. Como ir contra a opinião dos torcedores e defender um árbitro acusado de ter errado em um lance, se provavelmente a audiência do seu canal certamente diminuirá?

É a primeira missão da minha profissão: eu dou informação certa. Se eu digo pra minha comunidade palmeirense, por exemplo: “Olha, o juiz tomou essa decisão aqui e é certa” e todo mundo está achando que o Palmeiras foi roubado, mas o Palmeiras não foi roubado, e digo que a decisão é certa por causa desse argumento aqui, desse detalhe da regra. Qual é a chance dessa comunidade do meu “clube” não perder ninguém no meio do caminho, de na próxima live, ter mais público do que eu tenho, mais audiência do que eu tenho? É mínima. E eu não estou dizendo com isso que o cara que faz a live do clube vai abrir mão da isenção, mas percebe que tem um dilema. (COELHO, 2021)

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4.4. Como a mídia transforma atletas em heróis e vilões

A cobertura jornalística esportiva pode ter muitas abordagens e técnicas diferenciadas para os assuntos tratados como notícias. A linguagem utilizada nas histórias contadas ganham adjetivações e contextos que acabam tornando os jogos e os personagens do futebol em parte de uma espetacularização midiática (VASCONCELOS, 2017). Bird e Dardenne (1987) apontam semelhanças entre os mitos e as notícias pois elas (a) relatam as informações na forma de histórias; (b) se referem ao particular para representar o universal; (c) atribuem significados simbólicos aos fatos; (d) explicam a nossa condição no mundo; (e) normalizam valores; e (f) unificam as pessoas em torno de uma matriz comunal de sentidos. O caso apresentado de vilanização no jornalismo esportivo brasileiro trata do goleiro Barbosa, que acabou falhando no gol decisivo do Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950, realizada no Brasil e que contou com mais de 100 mil pessoas presentes no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. Apesar de ter se tornado ídolo pelo Vasco da Gama, o ex-jogador, décadas depois, disse uma frase marcante que ressalta a relação da torcida, da imprensa e de Barbosa após o erro na final do Mundial: “A pena mais alta do Brasil é 30 anos, e eu já sou condenado há 50”.

Na visão de Rodrigues (2021), o espaço para opiniões aumentaram com as redes sociais e também na mídia tradicional. Há muito mais comentaristas em programas de televisão atualmente do que havia décadas atrás. Além disso, influenciadores (jornalistas e nãojornalistas) têm milhões de seguidores e se tornaram grandes formadores de opinião. Uma crítica mais calorosa potencializa a narrativa de vilões e heróis no futebol.

Muitas vezes, você criticar, falar mal de alguém e/ou botar um jogador numa situação de vilão é muito mais interessante (em visualizações, cliques e audiência) do que ficar elogiando e falando que ele é legal, bonzinho, que é um bom jogador (RODRIGUES, 2021).

Por outro lado, Coelho (2021) pontua ainda que é normal esse processo de criar vilões no futebol. Um exemplo citado é o do técnico Vicente Feola, que foi campeão da Copa do Mundo de 1962 com a seleção brasileira, mas teve a casa apedrejada em 1966, após a eliminação na fase de grupos da competição disputada na Inglaterra. Depois de quatro décadas, Luis Felipe Scolari passou o mesmo ao ser campeão em 2002 e comandar a seleção brasileira na derrota por 7 a 1 para a Alemanha, no Brasil.

O Felipão é mais catalogado como técnico do 7 a 1 do que o Feola é de 1966. Mas tanto o Felipão quanto o Feola são os técnicos de um título mundial e de um fracasso em Copa do Mundo. São as duas coisas. Eu sou o marido da Adriana, o pai do João Pedro e jornalista do SporTV. Tudo isso faz parte da minha história (COELHO, 2021).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

São perceptíveis as mudanças nas práticas do fazer jornalismo com a chegada das redes sociais. Cada vez mais pública e popular, a internet precisa ser um ambiente de muito cuidado para os jornalistas. Opiniões em seus perfis pessoais em conversas com amigos atuam diretamente no perfil profissional, atrelando-se, inclusive, à empresa em que trabalha. Um dos medidores do sucesso passou a ser o número de seguidores, curtidas e compartilhamento de publicações. Para isso, entrar no senso comum de uma determinada torcida, o jornalista pode esbarrar na ética profissional do seu cargo ao ter mais espaço para divulgar suas opiniões. Neste caso, em meio à crescente cultura do ódio digital, um comentário mais agressivo - que pode render mais audiência - acaba ferindo o código de ética estabelecido pela profissão. Mesmo que não haja intenção na potencialização dessa cultura negativa nas redes sociais, o jornalista precisa ter o máximo de cuidado no que escreverá em seus perfis ou publicará emsuas reportagens, seja em texto, vídeo, fotos ou até mesmo em áudio. Como afirma Paulo Vinícius Coelho, “o jornalista não tem, eticamente, o direito de participar da cultura do ódio, de amplificar a cultura do ódio”. É dever do jornalista também a curadoria do conteúdo. Mesmo com o processo de gatewatching, o profissional de comunicação deve sempre se basear no código ético da sua profissão ao produzir um conteúdo. Axel Bruns explica que o gatekeeper não deixou de existir

– apenas precisa lidar com ainda mais participação direta do leitor. É extremamente necessário que exista um cuidado na relação com o conteúdo segmentado, a partir de filtros-bolha. Portanto, a visão inicial da produção deste artigo segue muito atual: “não há efeito mais difícil de remover do que o da falta de referência, da falta de critério ou da falta de cuidado com a informação”. A frase dita por Paulo Vinícius Coelho no livro Jornalismo Esportivo (2004) sobre o impacto da internet na produção jornalística ressalta os perigos para os profissionais de comunicação nas redes sociais. Segundo ele, inclusive, estes são comunicadores desprotegidos na atualidade. Portanto, vale todo o cuidado do mundo para os novos jornalistas ao entrarem no mundo digital.

REFERÊNCIAS

AMARAL, Adriana; RECUERO, Raquel; MONTARDO, Sandra. Blogs.com: estudos sobre blogs e comunicação. São Paulo: Momento Editorial, 2009. Disponível em: https://www.academia.edu/12080617/Blogs_com_estudos_sobre_blogs_e_comunica% C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 02 mai. 2021.

COELHO, Paulo Vinicius. Jornalismo Esportivo. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2004. 120p.

CORREIA, João Carlos. Ágora – Jornalismo de Proximidade: limites, desafios e oportunidades. São Paulo: Labcom, 2012. 207 p. Disponível em: https://labcom.ubi.pt/ficheiros/20121224-agora_ebook.pdf. Acesso em: 01 mai. 2021.

DARDENNE, Robert; BIRD, Elizabeth. Mito, registro e estórias: explorando as qualidades narrativas das notícias, [S. l.], p. 263-277, 1 jan. 1987. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/330502720_Bird_and_Dardenne_Myth_Chro nicle_and_Story_Exploring_the_Narrative_Qualities_of_News/link/5c437614299bf12b e3d41e32/download. Acesso em: 27 out. 2021.

FILHO, Paulo. Jornalismo Público – Por uma nova relação com os públicos. Jornalismo Público – Por uma nova relação com os públicos, [S. l.], p. 124 - 139, 1 dez. 2006. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/organicom/article/view/138915/134263. Acesso em: 6 set. 2021.

FILTROS-BOLHA são reais? Entrevista com Axel Bruns. [S. l.], 23 ago. 2019. Disponível em: https://digilabour.com.br/2019/08/23/filtros-bolha-sao-reais/. Acesso em: 27 out. 2021.

MAROCCO, Beatriz. Zona de sombra sobre os conceitos de agendamento e gatekeeper, [S. l.], p. 9-15, 1 dez. 2005. Disponível em: http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/3722933968327010280495639184169076234 .pdf. Acesso em: 6 set. 2021.

MATEUS, Cátia. Jornalistas e Redes Sociais: O lugar da Ética. Jornalismo & Jornalistas, Lisboa, v. 58, n. 58, p. 12-19, dez. 2014. Semestral. Disponível em:

https://www.researchgate.net/publication/268801331_Jornalistas_e_Redes_Sociais_o_l ugar_da_etica. Acesso em: 23 abr. 2021.

PRINCÍPIOS Editoriais do Grupo Globo. [S. l.], 6 ago. 2011. Disponível em: http://g1.globo.com/principios-editoriais-do-grupo-globo.html. Acesso em: 14 nov. 2021.

RECUERO, Raquel; BASTOS, Marco; ZAGO, Gabriela. Análise de redes sociais online: um guia para iniciação teórica e prática. Matrizes, São Paulo, v. 10, n. 2, p. 203206, 31 ago. 2016. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/view/120020. Acesso em: 20 abr. 2021.

VASCONCELOS, Fabio Bandeira de Mello. Jornalismo esportivo: como a mídia transforma atletas em heróis ou vilões. 2017. 176 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Jornalismo, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2017. Cap. 1. Disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewT rabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=5735920. Acesso em: 05 mai. 2021.

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