40 minute read

3.2 Jornalismo alternaitvo/independente e feminista no Brasil

Next Article
REFERÊNCIAS

REFERÊNCIAS

de suas redações devido aos seus próprios interesses. Segundo Meyer (2004, p. 257) os jornais sempre prósperos em lugares que inspiram confiança:

Jornais sempre serão mais bem-sucedidos nos lugares em que inspiram confiança. A principal questão estratégica é descobrir e compreender populações segmentadas onde há maior visibilidade de construir essa confiança e exercer influência. (MEYER, 2004, p. 257)

Advertisement

Essa citação de Meyer (2004, p. 257) pode-se configurar como um feliz retrato do jornalismo independente. Esse modelo jornalístico procura segmentar seu público para atender questões que são tópicos extremante importantes em um sistema social, mas que devido a pluralidade das notícias e informações não são apresentados do modo que realmente deveriam. Por vezes, sequer tem um espaço editorial no mínimo suficiente para abordá-lo. Ao acolher e dar atenção, muitas das vezes total, para assuntos que os grupos discriminados continuamente dialogam, o jornalismo independente recupera a confiança deles no jornalismo. E isso só é possível exercendo a verdadeira liberdade de expressão, emancipando de “manuais instrutivos” sugeridos por uma comunicação privada de inclinação redondamente numerária.

3.2 Jornalismo alternativo/independente e feminista no Brasil

Como podemos observar nos textos anteriores, o jornalismo independente tem como princípio básico a liberdade de atuação de seus profissionais. Com o plano financeiro equilibrado e pautado no conceito ético, assim como a falta órgãos estatais e partidos políticos regedores, os jornalistas não se predem as questões mercantis para exercer seus papéis de comunicadores, utilizando seu espaço midiático para propagar informações que favorecem a população, em especial, as minorias. O efeito dessa independência jornalística é a conquista de uma audiência segmentada, que encontram nestes novos veículos de imprensa uma representação pouco, ou nada, explorada pela mídia tradicional. De acordo com Bucci (2000, p. 30) “ao jornalismo cabe perseguir a verdade dos fatos para bem informar o público, o jornalismo cumpre uma função social antes de ser um negócio, a objetividade e equilíbrio são valores que alicerçam uma boa reportagem”.

O jornalismo independente e feminista é um nicho jornalístico dedicado completamente a assuntos e problemáticas referente a vida da mulher na sociedade contemporânea. Ao contrário do jornalismo tradicional, que na maioria das vezes oferece

um conteúdo estereotipado e superficial para o público feminino, o jornalismo feminista produz matérias que narram temas como o preconceito, violência doméstica, machismo e patriarcado. Segundo Buitoni (1981, p. 5) a imprensa feminina se limita a falar sobre questões habituais e genéricas do universo da mulher, sem adotar fortes laços com a atemporalidade noticiosa:

Atualidade e imprensa feminina não mantem laços muito estreito. Mesmo quando tratam da realidade, a indeterminação temporal e muito grande. S artistas, as pessoas famosas que ocupam a maioria das páginas de “realidade” de uma revista feminina também atingiram uma certa atemporalidade. Um perfil de um ator pode ser publicado num mês ou no próximo. Quase sempre a imprensa feminina utiliza matérias que no jargão jornalístico são chamadas de frias: matérias que não te tem uma data de publicação, que podem aparecer hoje ou semanas depois. A atualidade passa longe da imprensa. Isso acentua o seu desligamento com o mundo real e o seu caráter mais “ideológico”. (BUITONI, 1981, p. 5)

O jornalismo independente feminista tem grandes semelhanças com o jornalismo alternativo feminista dos séculos passados, no qual inclusive é de suma importância para existência do feminismo na mídia. Entre as diferenças do jornalismo independente e alternativo, a posição contra hegemônica do último é a mais notória. Apesar da imprensa independente ser desvinculada das empresas de comunicação dominantes, não existe uma luta contra essa liderança, situação que ocorria frequentemente nos jornais alternativos. Além disso, também é interessante saber que o nome “jornalismo alternativo” caiu naturalmente em desuso. Entretanto, é impossível falar do jornalismo independente e feminista no Brasil sem considerarmos o marco histórico que o jornalismo alternativo e feminista foi para a mídia e para o próprio movimento feminino no país. Segundo Godard (2002, p. 212-213) os periódicos feministas da imprensa alternativa, criados para polarizar entre as mulheres ideologias feministas e conhecimentos, não vão de encontro ao protótipo de publicação capitalista:

Os periódicos feministas têm existência fora do modelo dominante de publicação capitalista, as margens e em oposição, seja por meio de sua posição limite no que diz respeito ao mercado ou quanto a seu compromisso com a ideologia contestatória. Os periódicos são desenvolvidos para fomentar as ideologias feministas: eles criam novos circuitos para disseminar entre as mulheres saberes e práticas que buscam transformar a condição feminina sob qual as mulheres têm sido sujeitadas a opressão sistêmica. Estes jornais não estão no negócio de produção de textos commodities, a fim de maximizar o lucro para uma corporação. Significativas praticas que desafiam a ordem simbólica, os periódicos feministas estabelecem contra instituições que legitimaram de modos alternativos de conhecimento e estruturas editorias. Posto-chave para esse desafio é a sua existência como organização sem fins lucrativos fora da ficção dominante do segmento de mercado como

determinante de valor. Ao invés de se colorem em uma ação direcionada e amigável, as feministas têm como objetivo produzir uma posição para um assunto específico de leitura, uma leitora feminista que se dedique a crítica da leitura dominante, e por extensão da publicação e de outras práticas econômicas. (GODARD, 2002, p. 212-213).

No ano de 1852, na cidade do Rio de Janeiro, foi publicado o Jornal das Senhoras, primeiro periódico jornalístico no Brasil dirigido por uma mulher, a redatora Joana Paula Manso de Noronha, de nacionalidade argentina. O jornal continha seções de beleza, teatro, belas-artes, literatura e critica, sendo divulgado todos os domingos. Em quatro anos de atividade, muitas mulheres passaram pela redação, escrevendo o jornal e o administrando. Surgiu em uma sociedade conservadora, porém, mesmo com os limitadores culturais da época, seus textos conseguiram propor uma visão mais ampla sobre a atuação feminina na sociedade. Em seu primeiro impresso, Noronha (1852, p. 1) já demonstra seu pensamento moderno e de certa forma, feminista, mesmo que de modo tímido:

Ora pois, uma Senhora a testa da redação de um jornal! Que bicho de cabeça será? Contudo em França, em Inglaterra, na Itália, na Espanha, nos EstadosUnidos, em Portugal mesmo, os exemplos abundam de Senhoras dedicadas a literatura colaborando em diferentes jornais. Por ventura a América do Sul, ela só, ficará estacionada nas suas ideias, quando o mundo inteiro marcha ao progresso e tende ao aperfeiçoamento moral e material da sociedade? Ora! Não pode ser. A sociedade do rio de janeiro, principalmente, corte e capital do império, metrópole do sul da América, acolherá de certo com satisfação e simpatia O JORNAL DAS SENHORAS redigido por uma senhora mesma: por uma americana, que, senão possui talentos, pelo menos tem a vontade e o desejo de propagar a ilustração, e cooperar com todas as suas forças para o melhoramento social e para emancipação da mulher. (NORONHA. IN: JORNAL DAS SENHORAS, 1852, p. 1)

O Jornal Das Senhoras se encerrou em 1855, sendo a última edição lançada no mês de dezembro desse mesmo ano. A intenção, a princípio, era de ser somente uma pausa editorial com expectativas de volta para 1857, situação que, infelizmente, não aconteceu. Em sua despedida, até então temporária, a redação do Jornal das Senhoras (1855, p.1) agradeceu às assinantes e destacou o legado do periódico:

Deixarmos de confessar nossa viva e cordial gratidão as nossas boas e nobres assinantes, em todo o tempo, seria um revoltante crime, perante A Deus e a sociedade, que viu nascer o JORNAL DAS SENHORAS sob sua animadora influencia, florescer cultivado por elas, e por elas existindo para seus cuidados e vida consagrar somente a elas. H quatro anos é o Jornal das Senhoras protegidos por um crescido número de assinantes que constantemente o tem sustentando com as avultadas despesasde uma publicaçãode sua ordem. Ainda não havia esmorecido, nem uma só vez, sua tão franca e leal proteção. Nem tão pouco nós esmoreceremos, Senhoras. Não esmoreceremos jamais.

Fazemos apenas uma parada, que julgamos necessária, no próximo ano de 1856; e com o favor De Deus o JORNAL DAS SENHORAS reaparecera em 1857, para prosseguirmos ao honroso fim a que nos propusermos, cultivando com esmero as imarcescíveis flores do caminho tão nobremente encetada pela nossa antiga redatora, a sra. D. Joanna Paulo de Noronha. Para esse tempo emprazamos todas as nossas assinantes, vós todas Senhoras que briosamente nos tendes ajudado, para que vossa proteção continue a fortalecer nossa árdua e fadigosa tarefa, e o JORNAL DAS SENHORAS seja então o que tem ele até hoje sido para vós cuidadoso e dedicado – o interprete fiel do que vos é útil e agradável. (JORNAL DAS SENHORAS, 1855, p. 1).

Dezoito anos depois do fim do Jornal das Senhoras, em 1873, surge mais um periódico da imprensa feminina, dessa vez no estado de Minas Gerais, intitulado de O Sexo Feminino. Foi fundado pela mineira Francisca Senhorinha da Motta Diniz, educadora e jornalista. Muitas mulheres intelectuais escreviam o periódico (que também se denominava de semanário literário, recreativo e noticioso) e assim como no caso do Jornal Das Senhoras, tinham o propósito de engajarem pautas sobre a liberdade da mulher. Entretanto, outros assuntos polêmicos e tabus da época apareciam no jornal, como o sufrágio feminino, pena de morte, abolição da escravatura e o movimento feminista. Em sua publicação inaugural, no dia 7 do mês de janeiro, o semanário O Sexo Feminino (1873, p. 1) já iniciou sua primeira página com um texto totalmente feminista sobre a educação da mulher, de tom nada amigável, e com duras críticas ao machismo:

Zombem muito embora os pessimistas do aparecimento de um novo órgão na imprensa – O Sexo Feminino; tapem os olhos os indiferentes para não verem a luz do progresso, que, qual pedra desprendida do rochedo alcantilado, rola violentamente sem poder ser impedida em seu curso ; riam os curiosos seu riso sardônico de reprovação a ideia que ora surge brilhante no horizonte da cidade da Campanha ; agourem bem ou mal o nascimento, vida e morte do Sexo Feminino; persigão os retrógrados com seus ditérios de chufa e mofa nossas conterrâneas, chamando-as de utopistas: O Sexo Feminino aparece, há de lutar, e lutar até morrer e morrerá talvez, mas sua morte será gloriosa e a posteridade julgará o perseguidor e o perseguido. O século XIX, século das luzes, não se findará sem que os homens se convenção de que mais de metade dos males que os oprimem é devida ao descuido, que eles têm tido da educação das mulheres. E ao falso suposto de pensarem que a mulher não passa de um traste dê casa, grosseiro e brusco gracejo que infelizmente alguns indivíduos menos delicados ousam atirar a face da mulher, e o que é mais as vezes, em plena sociedade familiar!!! Em vez de pães de família mandarem ensinar suas filhas a coser, engomar, lavar, cozinhar, varrer a casa etc., etc., mandem-lhes ensinar a ler, escrever, contar, gramática da língua nacional perfeitamente, e depois, economia e medicina doméstica, a puericultura, a literatura (ao menos a nacional e portuguesa), a filosofia, a história, a geografia, a física, a química, a história natural, para coroar esses estudos a instrução moral e religiosa-, que estas meninas assim educadas não dirão quando moças estas tristes palavras: Sim meu pai, minha mãe, meu irmão, meu marido morrerem o que será de mim!! Não sirva de cuidado aos pães que suas filhas, assim educadas e instruídas, não saibam coser, levar, engomar, cortar uma camisa, etc. etc. A riqueza intelectual produzirá o dinheiro, e com ele se satisfarão as

necessidades. O dinheiro, Deus o dá e o diabo pôde tirar; mas a sabedoria que Deus dá, o diabo não a roubará. (O SEXO FEMININO, 1873, p. 1).

Após dezessete anos de uma carreira jornalística feminista brilhante, o periódico O Sexo Feminino acaba. Em sua última edição, publicado no estado do Rio de Janeiro, no dia 8 de outubro de 1889, O Segundo Sexo (1889, p. 1) divulga um texto que esclarece que o apoio pela educação e emancipação racional da mulher não é uma maneira de afastá-las do convívio familiar:

Como todos são concordes, a educação e instrução da mocidade, desde os mais tenros anos, é uma das mais imprescindíveis necessidades. Não pareça ás nossas conterrâneas que, exigindo nós para as meninas uma educação mais solida do que a atual, e uma instrução mais útil e profissional, tentamos desviálas, no começo da vida, do seio da família. Pelo contrário, organizando a sociedade de senhoras, com o fim de sustentar um colégio onde possam ser lançadas nossas meninas para receberem a tríplice educação, pensamos com esta ideia mais estreitar os laços da família, a fraternidade entre os homens, tão recomendada pelo Divino Mestre Jesus Cristo. Cremos que no Colégio Santa Isabel, organizado por meio de associação de nobres e caritativas senhoras, podemos fazer concentrar as relações de família, proporcionar ás meninas e ás mães de família uma comum liga de afetos duradouros, cujo foco de luzes fará desaparecer as trevas da ignorância, até aqui enraizadas, e os prejuízos orgulhosos de castas, tão perniciosos ás crianças. No colégio em questão, as crianças podem cultivar sua inteligência mais vastamente; podem fazer desaparecer os vestígios dos errôneos preconceitos de nobreza de nascimento, etc., etc. Ali ficarão conhecendo que a duradoura beleza é a que provém das qualidades morais. Ficarão sabendo que a beleza da forma física se evapora como o fumo, em poucos anos, mas que a beleza moral e intelectual sossobra a tempestade dos acidentes físicos. Reconhecerão a necessidade de conservar a santidade do recato, do pudor, da modéstia e da caridade fraternal, abrindo ao mesmo tempo, elas mesmas, os tenros bracinhos ás suas companheiras de colégio, ali educadas por suas caritativas mães. Outrossim, as nossas conterrâneas, qualquer que seja a sua nacionalidade, terão ocasião de empregar os meios de conhecer os sentimentos de suas filhinhas, na época em que começam elas a experimentar esses aéreos perfumes do desabrochar das tenras flores de suas juvenis idades. Nessa época de melodioso, vago e contemplativo cismar, nunca deve uma mãe, ou uma prudente educadora perder de vista o caminho. (O SEXO FEMININO, 1889, p. 1)

No ano de 1975, mais precisamente no dia 9 do mês de outubro, no estado do Paraná e sucessivamente, São Paulo, começou a circular a primeira publicação do jornal alternativo Brasil Mulher, edição número zero, idealizado por Tereza Zerbini e Joana Lopes. De caráter militante, o periódico definitivamente desperta a imprensa para as questões femininas e se torna o porta-voz do movimento social feminista no país. Assim, como nos jornais anteriores, o Brasil Mulher (1975, p. 2), logo em sua estreia editorial, desenvolve uma apresentação emponderada e feminista, que defende a igualdade de gênero:

O Brasil Mulher não é o Jornal da Mulher. Seu objetivo é ser mais uma voz na busca e na tomada da igualdade perdida. Trabalho que se destina a homens e mulheres. Não desejamos nos amparar nas diferenças biológicas para desfrutar de pequenos favores masculinos, ao mesmo tempo que o Estado, constituído de forma masculina, deixa-nos um lugar só comparado ao que é destinado por incapacidade de participação do débil mental. (...) queremos falar dos problemas que são comuns a todas as mulheres do mundo. Queremos falar também das soluções encontradas aqui e em lugares distantes; no entanto, queremos discuti-las em função de nossa realidade brasileira e latinoamericana. A época do beicinho está definitivamente para trás, porque milhares de mulheres em todo o mundo fazem jornada dupla de trabalho, num esforço físico que faz com que uma jovem mãe de 30 anos pareça estar com mais de 50; mulheres que desejavam trabalhar e serem independentes economicamente de seus maridos. (BRASIL MULHER, 1975, p. 2)

Em dezembro, dois meses depois de sua edição de estreia, mais um exemplar do jornal Brasil Mulher é divulgado. Joana Lopes (1975, p. 2), editorialista do jornal, escreve sobre O Ano Internacional da Mulher, e incentiva o prosseguimento do esforço para a emancipação feminista:

Dezembro de 1975. Aqui termina o Ano Internacional da Mulher que, embora findo, não deve delimitar o empenho de homens e mulheres em prol da emancipação feminina e a daqueles que se encontram mutilados por qualquer forma de discriminação. Fogos de artifício e propostas concretamente libertadoras surgiram nas conferências, simpósios, entrevistas, reuniões privadas ou públicas no Brasil e no exterior. A nossa sociedade, saturada pelas contradições que cria, promoveu este Ano com a finalidade de "dar à mulher uma oportunidade” para debater seus problemas, apoiadas por todos os governos — capitalistas ou não. Através de milhares de palavras lançadas diretamente ou através dos meios de comunicação, um grito foi dado: e ao que propõe inclusive uma mudança de mentalidade, juntamos o nosso. O Brasil Mulher situa-se entre os que assumem a posição atualmente incômoda de discutir, informar, debater ideias e tenta em seu número 1 e último deste Ano Internacional da Mulher, apesar da modesta tiragem de 5.000 exemplares — contribuir para elevar o nível cultural e de informação das mulheres que nos leem. Nem sempre teremos, como já nos indicou o número 0, a felicidade de atingir com nosso material editorial, a todas as classes sociais despertando o interesse indiscriminadamente. A tradição da informação dirigida às mulheres é articulada por homens e mulheres para a coisificação feminina como sujeito e como objeto e a esse condicionamento a maioria das leitoras de revistas femininas já se habituou. No momento em que nos propomos levar avante as próprias palavras do Presidente Echeverria ao abrir a Conferência do México "não há liberdade para a mulher enquanto não houver liberdade para o ser humano”, as barreiras aparecem e se agigantam. Os primeiros solavancos se fazem sentir e não nos causam surpresas. De outro lado, porém, o número zero esgotou-se e corre de mão e mão, entre aqueles que se identificam com os nossos propósitos, numa resposta ao nosso editorial. Nosso número 1 foi editado apesar das dificuldades e se depender apenas de homens e mulheres democratas será editado o número 2. Desejamos ardorosamente que outras iniciativas se somem à nossa, da mesma maneira como estamos somando iniciativas anteriores, para que o Ano Internacional da Mulher não seja apenas uma data a mais nos calendários comemorativos oficiais, mas que seus propósitos se estendam até que reivindicar não se faça mais necessário. (JOANA LOPES, 1975, p. 2)

Em 1976, somente na edição número 2, o jornal Brasil Mulher usa a palavra feminismo, além de citar em sua capa o movimento das mulheres. Na publicação, o jornal Brasil Mulher (1976, p. 2) afirma que o país está, vagorosamente, aderindo ao movimento feminista:

Brasil está pouco a pouco, timidamente, entrando para o grupo dos países onde o feminismo - Movimento de Libertação da Mulher - se afirma e se organiza. A nossa atual circunstância e o nosso estágio de compreensão com relação ao feminismo, exige que compreendendo a opressão, a partir de suas próprias relações com a sociedade, e motivadas para levar esta compreensão a outras mulheres, a mulher brasileira o faça sem temores, questionando para esclarecer que ser feminista é ser participante: é ir além das simples obrigações e direitos de cidadã conformada com alguns favores legais. E entender que a cadeia sem quebra de elos que há séculos oprime a mulher dos pés à cabeça poderá ser quebrada. É sobretudo não negar que a opressão existe ainda que contribua para sua atenuação os bens materiais, um status garantido na sociedade e até mesmo uma profissão liberal. (BRASIL MULHER, 1976, p. 2)

Segundo Teles (1993, p. 88) a palavra feminismo desagradou muitas mulheres na época, incluindo algumas colaboradoras do próprio jornal, pois se tratava de um termo pejorativo e uma desonra social ser enxergada como feminista:

O uso do termo feminista incomoda muitas mulheres, incluindo algumas que comprem a própria equipe de elaboração desse periódico. Se hoje há ainda um grande estigma contra palavra feminismo, o que dizer então daquela época? Até mesmo as intelectuais de vanguarda tinham dificuldades em se assumir feministas. (TELES, 1996, p. 88)

O jornal Brasil Mulher objetivava proteger a anistia dos presos e perseguidos políticos. Através disso, ele se impõe, velozmente, frente as forças políticas partidárias, contra a ditatura militar, situação que irritou muitos homens, principalmente os de cargos eleitorais e midiáticos. Seus impressos chegavam em diferentes estados, como Rio de janeiro, Paraíba, Bahia e Maranhão. As mulheres se reuniam para mulheres lê-lo, divulgavam seus exemplares e sugeriam conteúdos e notícias para a próxima edição. Por intermédio do jornal Brasil Mulher “no final de 1975, estão tecidos os primeiros fios de uma rede que vai se estender por todo território nacional, e a questão da mulher se transformará em temas de debates e de discórdias político-partidárias, eleitorais e públicas” (TELES, 1993, p. 89).

De acordo com Teles (1993, p. 89) o número de mulher trabalhando na redação do Brasil Mulher cresceu com o tempo:

Começou a ser editado por Joana Lopes, de Londrina, com uma equipe de 7 mulheres que depois se ampliou para 25. A partir de seu segundo número, foi transferido para são Paulo. Sua tiragem oscilava entre 5 mil e 10 mil exemplares e sua periocidade era irregular, ora bimestral, ora trimestral. Em 19977, Joana Lopes deixa a equipe do jornal por divergências internas. (TELES, 1993, p. 89)

Infelizmente, o jornal Brasil Mulher termina a sua atuação jornalística em março de 1979.

No de 1976, um ano após a criação do jornal Brasil Mulher, também foi publicado um novo jornal alternativo feminista, o Nós Mulheres. Esse periódico em questão, ajudou de maneira categórica a disseminação de ideias feministas na sociedade brasileira, e contribuiu na luta contra o preconceito e discriminação. No primeiro editorial do jornal Nós Mulheres (1976, p.1), em sua segunda página, diz o seguinte:

Desde que nascemos, Nós Mulheres, ouvimos em casa, na escola, no trabalho, na rua, em todos os lugares, que nossa função na vida é casar e ter filhos. Que Nós Mulheres não precisamos estudar nem trabalhar, pois isto é coisa de homem. Os próprios brinquedos da nossa infância já nos preparam para cumprir essa função que dizem ser natural da mulher: mãe e esposa. Nós Meninas devemos sempre andar limpinhas e brincar (de preferência dentro de casa) de boneca, de comidinha, de casinha. E os meninos podem andam sujos e brincar na rua porque são moleques e porque devem se preparar para tomar decisões, ganhar a vida e assumir a chefia de casa. Além disso aprendemos que sexo é um pecado para Nós Mulheres, que devemos ser virgens até o casamento, e que as relações sexuais devem ser realizadas tendo como principal objetivo a procriação. Aprendemos também que devemos estar sempre preocupadas com a nossa aparência física, que devemos ser dóceis, submissas e puras para podermos conseguir marido. Ao mesmo tempo, vemos todos aplaudirem as conquistas amorosas e as farras de nossos irmãos. E muitas vezes não entendemos porque eles podem ter uma liberdade que para nós é considerada pecaminosa. Quando vamos procurar um emprego, porque o salário do marido ou pai não dá para viver, ou porque queremos sair um pouco da solidão das quatro paredes de uma casa, sempre encontramos mais dificuldades que o homem, porque somos mulheres. Dizem-nos que não seremos boas trabalhadoras porque trazemos para o serviço o cansaço do trabalho de casa e a preocupação com nossos filhos. (...). Achamos que Nós Mulheres devemos lutar para que possamos nos preparar, tanto quanto os homens, para enfrentar a vida. Para que tenhamos o direito à realização. Para que ganhemos salários iguais quando fazemos trabalhos iguais. Para que a sociedade como um todo reconheça que nossos filhos são a geração de amanhã e que o cuidado deles é um dever de todos e não só das mulheres. É possível que nos perguntem; Mas se as mulheres querem tudo isto, quem vai cuidar da casa e dos filhos?. Nós responderemos: o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos é um trabalho necessário, pois ninguém come comida crua, anda sujo ou pode deixar os filhos abandonados. Queremos, portanto, boas creches e escolas para os nossos filhos, lavanderias coletivas e restaurantes a preços populares para que possamos junto com os homens assumir as responsabilidades da sociedade. Queremos também que nossos companheiros reconheçam que a casa em que moramos e os filhos que temos são deles e que eles devem assumir conosco as responsabilidades caseiras e nossa luta é por torná-las sociais. Mas não é só. Nós mulheres queremos, junto com os homens, lutar por uma

sociedade mais justa, onde todos possam comer, estudar, trabalhar em trabalhos dignos, se divertir, ter onde morar, ter o que vestir e o que calçar. E, por isto, não separamos a luta da mulher da de todos, homens e mulheres, pela sua emancipação. Nós Mulheres decidimos fazer esse jornal feminista para que possamos ter um espaço nosso, para discutir nossa situação e nossos problemas. E também, para pensarmos juntas nas soluções. (JORNAL NÓS MUHERES, 1976, p.2).

Corajosamente as responsáveis pelo jornal Nós Mulheres o declara publicamente como um jornal de vertente feminista, algo que era extremante inesperado e atrevido na década de 70. Segundo Teles (1993, p. 91) os jornais Brasil Mulher e Nós Mulheres, cada um ao seu modo, revigoraram as reivindicações femininas e apoiaram as mulheres a aderirem consciência sobre suas condições na sociedade.

Oferecendo-se disponíveis para ajudar e trabalhar a favor da causa das mulheres nas camadas populares, os jornais alternativos feministas Brasil Mulher e Nós Mulheres levantaram o debate sobre a importância e necessidade de mudanças nos cenários econômico e social, para que as conjunturas de trabalho e vida, de homens e mulheres, se tornassem apropriadas e justas. Em 1977, o jornal Nós Mulheres (1977, p. 2) de edição número 4, traz na chamada de capa o tema dia 8 de março, e novamente em seu editorial podemos observar um acentuado discurso militante, que fala cirurgicamente sobre desigualdade de gênero, discriminação social e racismo e sai em defesa dos direitos trabalhistas das mulheres:

O destino dos homens não depende de suas características físicas. Assim com o ninguém é escravo porque nasceu com a pele negra, ninguém deve ser discriminado por pertencer ao sexo feminino. Homens e mulheres nascem iguais, com os mesmos direitos de viver digna e decentemente, de ser livre e de buscar a felicidade. Se não é essa a nossa realidade, não podemos culpar o clima ou qualquer outra fatalidade e sim a sociedade em que vive m os. A mulher, por séculos, tem sido educada para ser mãe, esposa e dona de casa. O homem, por sua vez, tem a obrigação de sustentar a família, passando o dia fora de casa, sem tempo para dedicar-se aos filhos e à mulher. Os problemas que o homem enfrenta no trabalho são bem diferentes dos que a mulher experimenta no dia-a-dia de dona de casa. O trabalhador enfrenta as filas para o ônibus, as dificuldades do trabalho e o baixo salário mas sabe, no entanto, que sua vida é idêntica à de milhares de outros trabalhadores e que seus interesses e luta s são os mesmos. A mulher fica isolada em casa, sem saber muito bem o que fazer contra a carestia da vida, a falta de escolas e creches, os buracos na rua, a luz elétrica que não foi colocada, etc. Quando sai para trabalhar, porque o salário do marido não dá para viver, a mulher aceita ganhar menos que os homens pelo mesmo trabalho sem saber que isto prejudica a todos os trabalhadores. É evidente, entretanto, que homens e mulheres estão unidos por sua origem social, isto é, pertencer ás camadas trabalhadoras é bem diferente de ter nascido no meio da riqueza. Se homens e mulheres das camadas trabalhadoras, juntos, lutassem por melhores salários, por creches e escolas para as crianças, por refeições nos locais de estudo e de trabalho, etc. as

condições de vida seriam muito melhores, as despesas poderiam ser repartidas, o trabalho doméstico seria realizado mais rapidamente e todos teriam mais tempo para estarem juntos, para brincarem com as crianças, para ler, ver televisão e ir ao cinema, pois o lazer é um direito de quem trabalha. No dia 8 de março de 1857, na cidade de Nova York, nos Estados Unidos, as operárias das indústrias têxteis e de confecção entraram em greve. Elas exigiam igualdade de salários e redução da jornada de trabalho. A importância desta manifestação - em que as mulheres se uniram para reivindicar seus direitos como trabalhadoras - fez com que um a militante dos direitos sociais, Clara Zetkin, propusesse, em 1910, que o dia 8 dê março fosse comemorado no mundo inteiro como o Dia Internacional da Mulher. NÓS MULHERES propõe que não deixemos transformar o 8 de março em apenas uma outra data qualquer. O importante é que esse dia signifique um passo a mais na luta da mulher por sua emancipação. Querem os salários iguais por trabalhos iguais, creches e escolas em número suficiente, refeições nas escolas e locais de trabalho. Para isto, defendemos a mais ampla e democrática participação das mulheres e da população em geral na discussão das questões que afetam diretamente a vida dos trabalhadores bem como dos grandes problemas nacionais. Nós Mulheres é um a das tribunas abertas a esta discussão. Mais do que isto, aberta à participação, debate e colaboração de todos aqueles, homens e mulheres, que luta m por um a sociedade m ais justa onde comer, estudar, trabalhar em condições dignas e participar seja um direito garantido a todos. (JORNAL NÓS MULHERES, 1977, p. 2)

O novo feminismo, que emergiu durante a Década da Mulher, nos anos de 1976 a 1985, delineou de forma efetiva o comprometimento e responsabilidade com valores e ideais sociais e democráticos. Entretanto, houveram grandes problemas, inclusive em homens e mulheres de caráter progressistas, que acreditavam não ser necessário discutir sobre o feminismo. Segundo Teles (1993, p. 92) uma quantidade significativa da liderança de esquerda, de ambos os sexos, anunciava que o feminismo tinha caráter separador e pretendia privilegiar as classes dominantes.

Um dos propósitos do jornal Nos Mulheres era de socializar o trabalho doméstico através de ferramentas sociais, como a criação de lavanderias, refeitórios públicos e creches. Essa concepção do Nós Mulheres era vista de modo atravessado por ativistas da esquerda, pois para eles a maioria da população brasileira tinha dificuldades mais sérias para serem resolvidas, como a fome e a ausência de liberdade. Porém, de acordo com Teles (1993, P. 92) as questões e ideias levantadas pelo jornal feminista Nós Mulheres propiciava debates nas escolas e bairros periféricos. A equipe jornalística era composta por Marisa Correa, jornalista responsável pelo Nós Mulheres, e mais uma equipe a cerca de 30 cooperadoras. O jornal Nós Mulheres também sofreu com a oscilação de tiragem e intervalo entre as publicações e finalizou sua jornada em 1978, quando parou de circular. Em seu último ano de vida, na edição número 8, o jornal Nós mulheres (1978, p. 1) trouxe em sua primeira página a notícia sobre o caso do jornalista Wladimir Herzog, assassinado

pelo regime militar. Intitulado de “Em busca da verdade”, o texto relatava a dúvida da família quanto a veracidade de história envolvendo a morte do jornalista, já que na época autoridades tinham afirmado que Wladimir havia se suicidado, e a preocupação do jornal se haveria justiça:

No dia 25 de outubro de 1975, o jornalista Wladimir Herzog foi depor no DOICODI do II Exército sobre a reorganização do Partido Comunista Brasileiro. À tarde, estava morto. Segundo as autoridades, ele teria se suicidado, enforcando-se com um cinto. Mas há outras versões. Por isso, sua esposa, Clarice Herzog, e toda a família continuam empenhados em saber a verdade. Uma ação declaratória foi movida contra a União, para verificar a sua responsabilidade na sorte de Herzog. Em sua primeira audiência, no último dia 16 de maio, vários depoimentos de jornalistas, também presos e torturados na mesma época, negaram a hipótese de suicídio. Devido as suas, declarações, alguns deles estão sendo ameaçados por grupos de extrema direita. Resta saber se, desvendados os fatos, a justiça conseguirá responsabilizar e punir os culpados. (NÓS MULHERES, 1978, p. 1)

1981, ano em que um grupo de mulheres do movimento feminista estreou um jornal bimestral, nomeado de Mulherio, no estado de São Paulo, em um contexto pós ditadura militar. Foi idealizado por Fúlvia Rosenberg e pela jornalista Adélia Borges, que era responsável pelo jornal. A sede do Mulherio era localizada na fundação Carlos Chagas, e sua equipe era de jornalistas, professoras e pesquisadoras dedicada com as questões feministas. De acordo com Teles (1993, p. 93) O jornal Mulherio foi uma produção jornalística pertinente, pois era o único periódico brasileiro que respondia algumas perguntas sobre as novidades do feminismo naquele tempo:

O mulherio foi uma inciativa oportuna, já que era a única publicação nacional que podia responder a algumas indagações sobre as atualidades do feminismo na época. Pois a divisão do movimento de mulheres em São Paulo, que ocorreu aquele ano, deixou perplexas e indagativas feministas espalhadas por este Brasil afora e até mesmo algumas que se encontrava, no exterior. (TELES, 1993, p. 93).

Apesar das críticas de algumas leitoras referente a escolhado nome Mulherio, pois achavam “poluído”, em sua tiragem número zero, Adélia Borges (1881, p.1) explica o motivo:

Mulherio. Quase sempre, a palavra é empregada com sentido pejorativo, associada a histerismo, gritaria, chatice, fofocagem ou, então, “gostosura”. Mas qual é a palavra relacionada a mulher que não tem essa conotação? O próprio verbete “mulher” é apresentado no dicionário de forma especial. Segundo o consagrado Aurélio Buarque de Holanda, mulher é: “uma pessoa do sexo feminino, após a puberdade; 2. Esposa“. Em seguida a definição, vêm as composições usualmente feitas com a palavra: “à toa”, “da comédia”, “da rua”, “da vida”, “da zona”, “da rótula”, “do fado”, “errada”, “perdida”, etc. -

todas sinônimo de meretriz As três exceções. “Mulher de César” (de reputação inatacável), “mulher do piolho” (muito teimosa) e a cinematográfica “mulher fatal”. Consulte no mesmo dicionário as composições feitas com o verbete “homem”: “de ação”, “de bem”, “de Estado”, “de letras”, “de negócios“, etc. Mulherio, por sua vez, nada mais é do que “as mulheres” ou “uma grande porção de mulheres”. E o que somos, é o que este jornal será. Sim, nós vamos nos assumir como o Mulherio e, em conjunto, pretendemos recuperar a dignidade, a beleza e a força que significam as mulheres reunidas para expor e debater seus problemas. De uma maneira séria e consequente, mas não malhumorada, sisuda ou dogmáticas. (BORGES, Mulherio, 1981, p. 1)

O jornal Mulherio foi muito comercializado e adquirido, e logo na sua terceira tiragem já possuía quase mil assinaturas. Ele era vendido por uma turma de mulheres e também nas livrarias. Seus conteúdos eram engajados em temas ascendentes no feminismo, tal como a democracia doméstica, a condição da mulher negra, o movimento das mulheres negras e a licença maternidade estendida para os pais (inclusive o jornal Mulherio foi o pioneiro dessa ideia no país). Em sua terceira edição, o jornal Mulherio (1981, p. 6) publicou uma matéria sobre a licença maternidade, intitulado de “Por que não estender para os pais? ”, trazendo dados para esclarecer seu posicionamento:

Técnicos dos Ministérios do Trabalho, Previdência Social e Saúde reuniram-se em julho, em Brasília, para discutir o andamento da campanha de incentivo ao aleitamento materno e para analisar a conveniência de propor uma extensão do período de licença maternidade (atualmente, toda trabalhadora tem três meses de licença remunerada ao dar à luz). A ideia, contudo, foi descartada logo nas primeiras reuniões do grupo, segundo Maria Clara Solero, assessora da Coordenadoria de Proteção ao Trabalho da Mulher e do Menor do Ministério do trabalho. A posição oficiosa do Ministério do Trabalho é de que qualquer medida protecionista ao trabalho da mulher na verdade acaba aumentando a discriminação a mão-de-obra feminina. O próprio ministro Murilo Macedo já confidenciou a repórteres que a simples menção pela imprensa de medidas protecionistas, ainda que de forma especulativa, resulta em vários telefonemas de empresários advertindo que haveria desinteresse em empregar mulheres. Apesar dessa oposição do Ministério, circula no Congresso Nacional dois projetos relacionados ao assunto. Um do deputado Leo Simões (PDS-RJ), aumenta a licença-maternidade para seis semanas antes e dez semanas depois do parto. Outro do deputado Adriano Valente (PDS-PR), aumenta o prazo da licença para quatro semanas antes e vinte depois do parto. Ambos os projetos estão na Comissão de Constituição e Justiça. E a nossa posição? Embora o assunto esteja sendo, de uma forma ou de outra, debatido na área oficial, os diversos grupos feministas brasileiros ainda não tomaram posição a seu respeito. Várias entidades são contra, em princípio, as medidas protecionistas, argumentado que hoje o desemprego da mulher casada e oito vezes maior que a da solteira, pois os empresários não querem arcar com o ônus social da maternidade. A questão, contudo, ainda requer um debate mis aprofundado, na busca de fórmulas que permitam dividir a responsabilidade pela criação dos filhos igualmente entre pais e mães. Para municiar essa discussão publicamos aqui um resumo da legislação sobre licença maternidade em alguns países europeus: Suécia, seis meses de licença para o pai e mãe, com pagamento de 90% do salário, mas dois meses de licença anual por cada filho que o casal tiver, também com90% do salário; França, quatro meses de licença apenas para as mães, 90% do salário. Para as mães com mais de três filhos, seis

meses e meio de licença. Opcional: dois anos de licença, sem remuneração; Alemanha, mulheres apenas, sete meses e meio, pagamento integral; Itália, mulheres apenas três meses, 80% do pagamento. Opção seis meses de licença com pagamento de apenas 30% do salário; Inglaterra: mulheres apenas 40 dias, pagamento integral. (MULHERIO, 1981, p. 6).

No ano de 1982, o jornal Mulherio publicou o plano de governo das candidatas para o legislativo, com propostas políticas-sociais que protegiam as questões feministas. Segundo Teles (1993, p. 94) alguns exemplos de defensão da bandeira feministas declaradas pelas candidatas eram: o direito a creche para que o Estado também assuma a responsabilidade dos encargos da maternidade; a discriminação do aborto, o direito a aposentaria aos 25 anos de serviço, etc.

O jornal Mulherio teve uma boa longevidade de atuação jornalística, bem maior, aliás, que os seus antecessores. Esteve em circulação de 1981 até 1988. De acordo com Teles (1993, p. 94-95) o jornal enfrentou diversas crises financeiras e também do próprio movimento feminista:

Era um jornal estruturado sob um esquema profissional e recebia financiamento da Fundação Ford e da Fundação Chagas. Mesmo assim enfrentou sérias crises financeiras. A edição n° 15 (setembro e outubro de 1983) estampava um apelo na capa – “Mulherio não pode parar”. Ficou sete meses fora de circulação. Mas voltou no final da campanha ‘Diretas, Já” (mobilização pelo voto direto para presidente da República) – edição de maio e junho de 1984. Voltou preocupado com a crise do feminismo,mas sem perder a picardia e o entusiasmo. Adélia Borges escreveu o artigo “Vamos que vamos”, que destrincha os recuos das pioneiras contemporâneasdo feminismo. Falou de Betty Friedan, que escreveu outro livro, A Segunda Etapa, onde propõe a volta das mulheres para a família. Uma guinada fantástica para trás, particularmente para quem, 1963, “construirá as bases do feminismo americano com a Mística Feminina, um retrato doloroso do enclausuramento da dona-de-casa. Adélia mostrou também que as crises “não estão só nos livros”, mas também no cotidiano dos grupos feministas. Segundo o artigo, em São Paulo “muitas líderes do movimento, aquelas que organizaram as comemorações do 8 de março, estão sem motivação para a militância”. Citou também um grupo do Rio Grande do Sul, Costela de Adão, que não se reunia havia uns dois anos “por motivos de autodissolução”. Adélia quis buscar as causas, pegou exemplo de dona Maria que “não saiu do tanque e ao mesmo tempo saiu para fazer todas as outras coisas, num esforço desesperado e cansativo de travestir-se de mulher-maravilha e, dá-lhe culpa, não conseguiu eficiência em tudo”. E tem mais: a entrada das mulheres no “mundo masculino” não correspondeu uma entrada dos homens no “mundo feminino’. As tarefas domesticas continuam sendo “coisas de mulher”. Muitas vezes, as mulheres reptem o comportamento masculino. E numa dessas, e como escreveu Rosiska de Oliveira, a proposta de igualdade transformou-se “em apenas semelhança”, ou melhor “caricatura”. (TELES, 1993, p. 94-95).

Em sua última tiragem, de edição número 39, o jornal Mulherio trouxe como capa o tema de abolição da escravatura, principalmente sobre o preconceito da igreja católica

contra os negros e o seu aparente “arrependimento”. A chamada era um tanto quanto irônica: Negros: a Igreja pede perdão, mas não confessa os pecados. No texto (1988, p. 6), o jornal Mulherio retrata com austeridade a relação da igreja católica com a população

negra:

Oh, mundo de contraditório. Quem diria que uma das vozes mais empenhadas a abordar o tema do Centenário da Abolição do Escravatura no Brasil havia de ser, justamente, a do Igreja Católico? Contraditório. Bizarro, mesmo, se nos lembrarmos do papel que vem sendo desempenhada por essa organização multinacional, durante tantos séculos aliada dos poderosos. A disposição da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil para escolher A Fraternidade e o Negro como tema de suo componha este ano, sem dúvida se deve, em grande parte, 00 esforça dos grupos negros católicos que atuam no seio da própria igreja. Mas não podemos desprezar, por outro lado, a visão mercadológica dos bispos: sem dúvida o Centenário constituía uma oportunidade imperdível, no sentida de lavrarem alguns tentos, principalmente quanto ao polimento da própria imagem diante da sociedade. Afinal, os negros são quase maioria, no Brasil, e profundamente religiosos. Seduzidos por uma infinidade de outras religiões, provavelmente mais atraentes, os católicos brasileiros estão se tornando, cada vez mais, católicos 'de praxe': Quantas vezes você não escutou alguém dizer: "sim, sou católico, mas só porque fui batizado, não vou a missa, não': Sim, valia a peno investir no Centenário. Mas a Igreja tinha um problema: como resolver o próprio passado? (Que inclui desde as torturas, durante o Inquisição, com mulheres sábias sendo queimados na fogueira, até a omissão durante o nazismo, passando pela participação na escravidão dos próprios negros). Eles então lembraram de um recurso muito prático de sua própria doutrina, o famoso mea culpo: confesso, sou perdoado e está resolvido! E foram em frente. Na segundo página da cartilha Ouvi o Clamor Deste Povo, que contém o texto-base do Componha da Fraternidade de 1988, se lê: "A Igreja reconhece, hoje, que nem sempre tratou a situação vivida pelos negros com a devida atenção evangelizadora e libertadora. E um pouco mais adiante: "Não se trata de julgar o passado escravista com os critérios do presente" (o que nos faz lembrar um pouquinho aquela fase em que os militares diziam "revanchismo não"! – Não faz?). Mas em seguida o texto redime a Igreja: "mas trata-se, isso sim, de reconhecer, à luz da fé, que os traços desse passado permanecem ainda hoje e são contrários à dignidade do homem, à fraternidade e à justiça. Se é que a Igreja Católica está se aproveitando do negro, a verdade é que desta vez o negro, também, parece sair ganhando alguma coisa. Embora forçando bastante a borra no sentido de fazer a Igreja parecer menos terrível do que foi, esse texto-base traz, acima de tudo, uma grande quantidade de informações sobre a situação do negro no Brasil de hoje, constituindo, mesmo, uma ferramenta para a conscientização geral, de negros e brancos. (Muito bem impresso e fartamente distribuído pelas igrejas católicas no País todo, a cartilha da CNBB divulga a realidade do racismo de uma maneira tal somo a Movimento Negro jamais poderia, economicamente. Essa, certamente, é a razão de mais esse estapafúrdio "sincretismo".). (MOREREIRA. IN: MULHERIO, 1988, p. 6, grifo do autor).

No mesmo ano da última publicação do Mulherio, em 1988, uma nova mudança ocorre e o jornal passa a se chamar Nexo, Feminismo, Informação e Cultura, com algumas alterações editorias, mas sem perder a essência do jornal que marcou a história. Rendeu

apenas duas edições publicadas, a de junho e julho. Sem o apoio da fundação Ford e de outras fontes de subsídio, é encerrado oficialmente a existência do jornal Nexo.

Esses jornais alternativos feministas que foram citados tiveram um grande destaque na história do feminismo no Brasil, pois revolucionaram o pensamento das mulheres. Enfrentaram conceitos sexistas, quebraram tabus e descontruíram, de modo tímido ou atrevido (depende do cenário da época), o machismo. Porém, a imprensa feminista não ficou estagnada no tempo, muito pelo contrário, agora dá espaço ao jornalismo independente e feminista, que concentra os mesmos ideais a favor das mulheres e de suas problemáticas. Em 2011, a Agência Publica foi fundada por repórteres mulheres, se tornando a primeira agência de jornalismo investigativo sem fins lucrativos do país, e também a mais premiada. Apesar de não ser um veículo jornalístico voltado unicamente a audiência feminina e para a causa feminista, o fato de ter sido criado por mulheres é sem dúvida mais uma conquista para desconstrução do machismo em uma área profissional ocupada majoritariamente por homens. Segundo Brandão (2020, p. 17) por muitos anos, o jornalismo foi visto como uma profissão inaceitável para as mulheres, pois a inteligência feminina sempre foi desprezada pela sociedade.

Em 2014 nasceu Nós Mulheres da Periferia, um site jornalístico independente e feminista, administrado exclusivamente por mulheres negras e periféricas. Tem como objetivo democratizar o debate público e mostrar a realidade brasileira, de população predominantemente formado por mulheres negras. Tal fato, abordado pelo jornal, também é narrado por Gonzalez (2020, p. 35), pois segundo a autora as mulheres negras não são vistas como maioria da camada oprimida, uma maneira de manipular a percepção sobre questões de discriminação racial:

Em termos de escritos brasileiros sobre o tema, percebe-se que a mulher negra, as famílias negras — que constituem a grande maioria dessas camadas — não são caracterizadas como tais. As categorias utilizadas são exatamente aquelas que neutralizam a questão da discriminação racial, do confinamento a que a comunidade negra está reduzida. (GONZALEZ, 2020, p. 35).

Criado em 2015, a Dibradoras é um canal de mídia e produtora de conteúdo jornalístico que busca proporcionar a efetiva participação da mulher no esporte, a fim de promover a igualdade de gênero em um ambiente dominantemente masculino. A equipe é composta por três mulheres, a publicitária Angélica Souza, e pelas jornalistas, Renta Mendonça e Roberta Nina Cardoso. Podemos observar a necessidade de uma imprensa

voltada a inclusão de profissionais mulheres no esporte no Brasil, pois segundo Milena (2020, p. 11) a atuação feminina no futebol, por exemplo, ainda se depara com muito preconceito:

Elas já disputaram bem mais que dois tempos de uma partida de futebol, são séculos lutando contra as diferenças de cargo, salário e visibilidade. É uma final de Copa do Mundo por dia para as mulheres que recebem, em média, 85,1% da remuneração dos homens, segundo o Ministério do Trabalho. É uma disputa de pênaltis com prorrogação para as artilheiras em assuntos esportivos. Atletas, árbitras, gandulas, técnicas, jornalistas e torcedoras invadem a pequena área e marcam um golaço em cima do principal rival, o preconceito. Dentro ou fora dos campos, quadras e ginásios, quando elas falam ou praticam esportes sempre é algo considerado ousado demais, desafiador e até proibido no Brasil. O país do futebol, com a melhor jogadora do mundo por seis vezes, chegou a proibir a prática por quase 40 anos, de 1941 até 1979, sob o argumento de ser algo “incompatível com a natureza feminina”. A lei nº 3.199 determinava que: “Art. 54. Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país" (Decreto-Lei Nº 3.199, de 14 de abril de 1941). (MILENA, 2020, p. 11)

Fundado em 2013 pela jornalista Juliana de Faria, a Think Olga éuma organização feminista que luta contra o machismo e a desigualdade de gênero. O projeto atua ao lado da sociedade civil, promovendo campanhas de conscientização, chegando a receber até o apoio da ONU Mulheres e da Open Knowledge Brasil. Algumas das inciativas mais populares foram: chega de fiu fiu, #PrimeiroAssédio, Manda Prints e Entreviste uma Mulher. De Acordo com Brandão (2020, p.17) através da história do sexo feminino podemos compreender a importância da mulher se tornar jornalistas, em especial, por ser um trabalho que defende a democracia e a cidadania:

Os movimentos feministas foram de extrema importância para a mulher se ver como cidadã e fazer com que os outros a enxergassem como merecedora dos mesmos direitos e respeito dados às pessoas do sexo oposto. O feminismo foi uma ferramenta fundamental para que as lutas femininas se propagassem e também uma das portas de entrada para a mulher nessa profissão. Quando analisamos a história do sexo feminino, é mais fácil compreender como é de extrema importância para a mulher se tornar jornalista, principalmente por ser um ofício, quando realizado com ética e senso crítico, de fundamental importância para a democracia e a cidadania serem exercidas plenamente. (BRANDÃO, 2020, p. 17).

AzMina é uma revista eletrônica de jornalismo independente e feminista lançada em 2015, fruto de um financiamento coletivo. De caráter assumidamente militante, é uma revista completamente engajada na luta contra machismo estrutural e o patriarcalismo, produzindo matérias e reportagens sobre as questões femininas nas diferentes esferas

This article is from: