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2.1 Surgimento do Feminismo

o movimento feminista buscou superar as organizações tradicionais, fazendo da militância também um agrupamento que acolhe e que prestigia a sororidade feminina:

Assim o movimento feminista não se organiza de uma forma a centralizada, e recusa uma disciplina única imposta a todas as militantes. Caracteriza-se pela auto-organização das mulheres em suas múltiplas frentes, assim como em grupos pequenos, onde se expressam a vivencia próprias de cada mulher e onde se fortalece a solidariedade. (ALVES E PITANGUY, 1985, p. 8).

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Cada elemento que compõe o movimento feminista registra o seu valor coletivo, sendo um potente originador de melhorias para as mulheres e para a sociedade.

2.1 Surgimento do feminismo

Não há uma consonância precisa nos fatos históricos sobre o feminismo que datem quando e como verdadeiramente o movimento se iniciou. Na realidade, as manifestações feministas foram se acendendo ao longo do tempo, através de revoluções e lutas por direitos civis e constitucionais para as mulheres. A compreensão do ser feminino como indivíduo, afrouxou as amarras que foram criadas pelo patriarcado, com a intenção de ser um limitador da autonomia da mulher, e ressignificou a sua noção de liberdade e escolha.

O que se pode afirmar, é de que as reivindicações e os ideais revolucionários a favor de que os direitos usufruídos pelos homens na sociedade também fossem estendidos para as mulheres, estavam acontecendo entre os séculos XVIII e XIX, em especial na França, com crescimento e força progressiva, principalmente, após a Revolução Francesa em 1789. Os ideais iluministas, que foram popularizados no país, são os responsáveis pela revolução francesa, que derrubou a aristocracia e findou o absolutismo. Mas engana-se quem acredita que este momento histórico da vitória do povo sobre a nobreza, no século XVIII, tenha contemplado as mulheres. De acordo com Alves e Pitanguy (1985, p. 32), as mulheres foram excluídas deste triunfo, mas consolidaram qualidades feministas:

Na França, neste mesmo século marcado por revoluções, a mulher, que participa ativamente ao lado do homem do processo revolucionário, não vê também as conquistas políticas estenderem-se ao seu sexo. É neste momento histórico que o feminismo adquire características de uma prática de ação política organizada. (ALVES E PITANGUY, 1985, p. 32)

Olympe de Gouges, escritora francesa considerada pioneira do feminismo, em 1791, publica um texto intitulado de “Os Direitos da Mulher e da Cidadã”. O documento

era uma dura resposta à “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, escrito no ano de 1789, começo da revolução francesa. Olympe mostrava-se profundamente indignada com a discriminação de gênero, com a opressão masculina contra mulher, e com a perda dos direitos das mesmas na sociedade:

A liberdade e a justiça consistem em restituir tudo aquilo que pertence a outros, assim, o único limite ao exercício dos direitos naturais da mulher, isto é, a perpétua tirania do homem, deve ser reformado pelas leis da natureza e da razão. (DE GOUGES, 1791, Art. V)

Segundo Alves e Pitanguy (1985, p. 34), “este discurso propõe a inserção da mulher na vida política e civil em condição de igualdade com os homens, tanto de deveres quanto de direitos, e será repetido por todo o século XIX pelas feministas, na sua luta pelo sufrágio” . Olympe de Gouges foi condenada a guilhotina no dia 3 de novembro de 1793, sendo o motivo da sua sentença a acusação de querer ser homem de Estado, e por ter se esquecido das virtudes próprias ao seu sexo.

Durante o período revolucionário que se ergue intensamente no fim do século XIII, segundo Beauvoir (1970, p. 135), as mulheres começavam a ganhar mais liberdade e independência:

No século XVIII, a liberdade e a independência da mulher aumentam ainda. Os costumes em princípio permanecem severos: a jovem recebe apenas uma educação sumária; é casada ou encerrada num convento sem que a consultem. A burguesia, classe em ascensão e cuja existência se consolida, impõe à esposa uma moral rigorosa. Em compensação, a decomposição da nobreza outorga às mulheres as maiores licenças e a alta burguesia, por sua vez, é contaminada por tais exemplos; nem os conventos nem o lar conjugai conseguem conter a mulher. (BEAUVOIR, 1970, p. 135).

Nesta época as francesas participavam ativamente da vida pública, lutando por seus interesses. Reunidas, mobilizavam motins, organizavam manifestos contra a pobreza, envolviam - se em eventos de revolução e formavam clubes políticos. Porém, suas ações eram vistas com desprezo e fúria pelo Estado. Em 1795, a Assembleia Nacional publicou um decreto que proibia o agrupamento de mulheres, sob ameaças de serem dispersadas a força, até que a tranquilidade pública voltasse a Paris. Essa forma de silenciamento feminino, de acordo com Alves e Pitanguy (1985, p. 35), encerrou a introdução da mulher como cidadã na sociedade francesa “fecha-se assim, formalmente, o acesso da mulher na esfera pública” .

A inglesa, Mary Wollstonecraft, escritora, filósofa e defensora dos direitos da mulher, é considerada até hoje uma das precursoras do feminismo. No ano de 1792, Mary escreveu um livro intitulado de “Defesa dos direitos da mulher”, refutando as ideias sexistas do franco-suíço Jean-Jacques Rousseau, um importante filósofo do iluminismo e iniciador do romantismo. Em sua obra “Emílio Ou da Educação”, Rousseau (1992, p. 438) declara que a mulher deve ser subalterna ao homem, tendo toda a sua educação relacionada ao mesmo:

Assim, toda a educação das mulheres deve ser relativa ao homem. Serem úteis, serem agradáveis a eles e honradas, educá-los jovens, cuidar deles grandes, aconselhá-los, consolá-los, tornar-lhes a vida mais agradável e doce; eis os deveres das mulheres em todos os tempos e o que lhes devemos ensinar já na sua infância. (ROSSEAU, 1992, p. 433)

No livro, o autor genebrino também cita que a mulher não tem motivo para se lastimar da desigualdade entre os sexos, pois isto advém da própria natureza e da razão.

Quando a mulher se queixa da injusta desigualdade que o homem impõe, não tem razão; essa desigualdade não é uma instituição humana ou, pelo menos, obra do preconceito, e sim da razão: cabe a quem a natureza encarregou do cuidado dos filhos a responsabilidade disso perante o outro. (ROUSSEAU, 1992, p. 428)

Com a mentalidade completamente oposta à de Rousseau, Wollstonecraft acreditava que as mulheres não são naturalmente inferiores aos homens, mas sim de que aparentavam ser por não adquirirem a mesma educação que eles. Em sua obra, Wollstonecraft denuncia as concepções do iluminista sobre a mulher e faz duras críticas a Rousseau:

Mas continuo insistindo que não só a virtude, como também o conhecimento dos dois sexos deveria ser o mesmo em natureza, se não em grau, e que as mulheres, consideradas criaturas não apenas morais, como também racionais, deveriam se esforçar para adquirir virtudes humanas (ou perfeições) mediante os mesmos meios que os homens, em vez de serem educadas como uma espécie de criatura imaginária pela metade – uma das extravagantes quimeras de Rousseau. (WOLLSTONECRAFT, 2016, p. 62)

Mary Wollstonecraft foi um nome marcado pela coragem e determinação, pois em uma época tão tradicionalista e repressora para as mulheres, respondeu a famosos teóricos da educação e da política, homens que foram grandes influenciadores ideológicos dos séculos XIII e XIX, contrapondo com sagacidade, o sexismo defendido por eles. Wollstonecraft faleceu aos 38 anos, em 1797, após dar à luz a sua segunda filha, Mary

Shelley, autora do clássico livro “Frankenstein”, considerado o primeiro livro de ficção científica da história.

No século XIX, com o desenvolvimento contínuo do sistema capitalista no mundo, a mulher novamente é obrigada a lidar com as consequências do machismo, mas dessa vez em seu campo profissional. Com as mudanças radicais no processo produtivo e na organização do trabalho, a mão-de-obra de homens e mulheres foi severamente impactada. Entretanto, além das condições subumanas de trabalho, com jornadas de até 18 horas, as mulheres e os menores da época sofriam com a superexploração, provenientes da diferença salarial. Os homens ganhavam cerca de duas vezes mais que as mulheres, e segundo Alves e Pitanguy (1985, p. 38), a justificava ideológica utilizada neste período era de que a mulher precisava trabalhar e receber menos, pois deveria ter quem a sustentasse. Adichie (2014, p. 32) cita em seu livro que a desigualdade de gênero no âmbito profissional ocorrida nos séculos passados, reflete muito atualmente na vida financeira da mulher. “É claro que, por uma questão histórica, em geral é o homem quem tem mais dinheiro”.

Porém, a desvalorização da força feminina na conjuntura trabalhista, terminava por baixar o nível salarial de modo coletivo. Tal situação causou profundo mal-estar na classe operária, e de acordo com Alves e Pitanguy (1985, p. 39) os homens começaram a repudiar o ingresso de mulheres no mercado de trabalho fechando as portas de sindicatos recém-formados, e as acusando de serem uma concorrência desleal.

A francesa Jeanne Deroin, destacou-se como líder operária por defender os interesses e direitos da mulher na classe trabalhadora, enfrentando a enorme imposição masculina. Segundo Alves e Pitanguy (1985, p. 39) Jeanne atentava para “a necessidade de que a mulher se educasse e se organizasse para defender seus interesses, procurando fazer com que as organizações operárias masculinas compreendessem que estes eram comuns a toda a classe trabalhadora”. Após elaborar um projeto de uma União das Associações de Trabalhadores, e ser presa junto com os seus companheiros por promoverem reuniões a respeito do assunto, Deroin acata o preconceito do qual tanto combateu e aceita o conselho de seus amigos de ocultar da opinião pública sua posição de líder.

A franco-peruana Flora Tristan é outra importante figura feminina, sendo contemporânea de Jeanne Deroin. Flora, que também é considerada uma líder operária, pública um trabalho intitulado de “União Operária”, em 1843, compartilhando dos mesmos objetivos de Jeanne, juntar a classe trabalhadora em um senso de justiça comum:

Se as rivalidades e os ódios já diminuem, se há acordo e fraternidade o bastante entre todos e todas para que grupos possam se formar, o que devemos esperar do futuro! – Companheiros! Vamos todos e todas repetir em voz unânime: a união faz a força! Somente a união pode nos SALVAR! (TRISTAN, p. 61, 2015).

De acordo com Alves e Pitanguy (1985, p. 40), Tristan planejava criar centros de organização e educação moral, intelectual e técnica do operariado, a qual chamava de “Palácios dos Trabalhadores”. Dedicando-se sagazmente ao ativismo social a favor da classe operária, Flora também lutou em 1844, pela organização de uma internacional do trabalho. Em uma carta que dirige ao líder socialista Considérant, Tristan admite ter todos contra si: os homens, pois reivindica a liberdade da mulher, e os proprietários, pois reivindica a liberdade do proletariado.

O século XIX foi marcado pelos movimentos revolucionários e reivindicatórios, que resgataram a identidade dos homens como indivíduos e cidadãos, legitimando a força da burguesia. Porém, boa parte desses significativos avanços eram voltados para atender somente a necessidade masculina, sendo a mulher vista apenas como uma aliada útil na busca constante por reforma. Segundo Beauvoir (1970, p. 141), a Revolução não foi transformadora no que refere à realidade da mulher:

Poder-se-ia imaginar que a Revolução transformasse o destino feminino. Não foi o que aconteceu. A revolução burguesa mostrou-se respeitosa das instituições e dos valores burgueses; foi feita quase exclusivamente pelos homens. É importante sublinhar que durante todo o Antigo Regime foram as mulheres das classes trabalhadores que conheceram maior independência como sexo. (BEAUVOIR, 1949, p. 1970).

Os homens aturavam, com nítido desagrado, os clubes femininos e as manifestações das mulheres nas Assembleias e nas ruas, pois contavam com o apoio delas em suas reivindicações. Mas, no momento em que, de personagens tolerados, as mulheres passaram a ser uma ameaça política, o Estado usou-se do rigor para coagi-las. Beauvoir (1949, p. 170) cita que os direitos das mulheres não foram reformulados, sendo alguns deles, até cerceados:

Durante todo o século XIX a jurisprudência não fez senão reforçar os rigores do código, privando, entre outras coisas, a mulher do direito de alienação. Em 1826, a Restauração aboliu o Divórcio; a Assembléia Constituinte de 1848 recusou-se a restabelecê-lo; êle só reaparece em 1884, mas ainda com toda espécie de obstáculos à sua obtenção. (BEAUVOIR, 1970, p. 143).

Porém, com a solidificação do capitalismo neste período, as bases da teoria socialista, alicerçaram-se. Os debates políticos ocorriam em massa, e procuravam analisar as relações de produção do sistema capitalista vigente. Dessa vez a pauta também se desdobrava para a condição da mulher, como parte da exploração na sociedade de classe. O autor prussiano Friedrich Engels foi um empresário industrial, de grande notoriedade. Em sua obra de 1884, “Família, da Propriedade Privada e do Estado”, Engels conecta sua afirmação de que a família é uma instituição de constante mudança, como o capitalismo. O autor ampara-se nos estudos feitos por antropólogos como Lewis Morgan, sobre as relações familiares na comunidade primitiva. Alves e Pitanguy (1985, p. 40) explicam um dos pontos mais importantes do livro de Engels, a inferiorização da mulher no capitalismo:

Contrapondo estas sociedades, em que a propriedade é comunal, em que não existe aparelho de Estado, e que seriam regidas por laços de parentesco matrilineares, as sociedades capitalistas, conclui, que a base da inferiorização da mulher encontra-se surgimento da propriedade privada. Desta forma o casamento surgiria como garantia para a transmissão da propriedade (herança). (ALVES E PITANGUY, 1985, p. 40).

O socialdemocrata alemão August Bebel, é outro escritor que, assim, como Engels, destacou-se em sua época por abordar as problemáticas do capitalismo e abraçar a mulher em seu contexto de consciência de classe. Seguindo o mesmo raciocínio de Friedrich Engels, Bebel baseia-se nos argumentos de seu conterrâneo, para narrar a semelhança da subordinação da mulher na sociedade com à da classe operária no capitalismo, “Bebel equipara a sujeição da mulher à da classe operária no sistema capitalista, já que a causa é comum: o surgimento da propriedade privada”. (ALVES E PITANGUY, 1985, p. 41).

Apesar do incessante combate por direitos, e das respostas irritadas do Estado, as mulheres trabalhadoras prosseguiam com as suas reivindicações, as projetando na esfera pública. Com o avanço das lutas operárias, tanto os homens quanto as mulheres,

integravam-se nas organizações sindicais. Ao participarem de greves, ambos os gêneros foram vítimas de medidas repressoras.

O dia 8 de março, posteriormente proclamado como “Dia Internacional da Mulher”, é mais um capítulo registrado nessa longa história de machismo, opressão e resistência feminina. No dia 8 de março de 1857, as operárias da indústria têxtil de Nova Iorque fizeram uma marcha pelas ruas da cidade, protestando contra o baixíssimo salário e pedindo uma redução na carga horária de trabalho. Desejavam uma jornada de 12 horas. Com violência, foram coagidas pela polícia, sendo presas e feridas. A violência contra mulher, aliás, sinaliza o menosprezo e a misoginia que foi herdada desde a idade média até a idade moderna e contemporânea. Ainda que homens e mulheres fossem afligidos pelo Estado, ao contrário do sexo masculino, o domínio da força física, da brutalidade e da agressão nunca foram características estimadas nas mulheres. Segundo Adichie (2014, p. 17) a sociedade tem plena convicção de que “uma mulher não deve expressar raiva, porque a raiva ameaça’’. E a ameaça feminina estremece os privilégios do patriarcado.

Em 1908, ou seja, 51 anos após o primeiro protesto, na mesma data, 8 de março, e na mesma localidade, Nova Iorque, as mulheres voltaram às ruas. As reivindicações permaneciam iguais, mas, agora com o acréscimo da exigência de uma legislação protetora do trabalho do menor e o direito de voto às mulheres. Também denunciavam as condições precárias de serviço, e a difícil situação enquanto trabalhadoras. Protestavam, ademais, contra a exclusão da mulher nas decisões públicas enquanto cidadã e pessoa cívica. Hooks (2018, p. 23) afirma que o levante das mulheres em prol de seus justos interesses, demonstra a importância do aprendizado sobre o funcionamento do sistema patriarcal:

A conscientização feminista revolucionária enfatizou a importância de aprender sobre o patriarcado como sistema de dominação, como ele se institucionalizou e como ele é disseminado e mantido. Compreender a maneira de como a dominação masculina e o sexismo eram expressos dia a dia conscientizou as mulheres sobre como éramos vitimizadas, e, em piores cenários, oprimidas. (HOOKS, 2018, p. 23).

É bastante claro que o século XIX potencializou muito mais a revolução iniciada no final do século XIII, e abriu um leque de questões femininas que há muito tempo estavam sendo ignoradas pelo Estado. A busca pela liberdade da mulher, agora, não se dirigia somente ao seu poder de escolhas e a sua independência, afastando de si a autoridade masculina no âmbito familiar e conjugal, mas, também abrangia o seu papel

como trabalhadora e cidadã. Como já visto anteriormente, após a ascensão do capitalismo, uma das chaves que abriram os caminhos para a população menos favorecidas e para os grupos sociais excluídos (como as mulheres e os menores), foram as duas frentes de luta do operariado: a luta por melhorias nas condições de trabalhos e a luta por cidadania. De acordo com Alves e Pitanguy (1985, p. 42) essas manifestações caracterizaram o XIX. As demandas de cada uma das duas frentes eram:

Luta por melhores condições de trabalho (salario, redução de jornada, repouso semanal, condições de higiene), e a luta por direitos de cidadania (o direito de votar e ser votado sem o critério censitário e a reivindicação de remuneração para os cargos do parlamento, posto que, como estes não eram retribuídos, somente os que tinham altas rendes poderiam desempenha-los). (ALVES E PITANGUY, 1985, p. 42).

O sufrágio universal, sem dúvidas, foi uma das conquistas mais marcantes dos homens da classe trabalhadora, no final do século XIX. Depois de muitos protestos por reformas legislativas para eliminar o voto qualificado por renda, enfim, esse direito foi consolidado, mas, unicamente para os homens. O direito a democracia, na época, não alcançava o sufrágio feminino, e assim, começava uma nova batalha. A ação sufragista das mulheres foi uma luta específica para o ser feminino, que acolhia as mulheres de todas as classes. Segundo Alves e Pitanguy (1985, p. 44) “foi uma luta longa, demandando enorme capacidade de organização e uma infinita paciência”. Como, infelizmente, já havia de se esperar, pois injustiças eram circunstâncias habituais na vida das mulheres, reverter esse quadro exigiu perseverança e determinação. Em poucas palavras, Adichie (2014, p. 49), compreende que os conflitos que envolvem assuntos de desigualdade de gênero são sempre difíceis, pois de acordo com a autora ‘’a ideia de mudar o status quo é sempre penosa’’. Tal argumento é o retrato do que ocorreu no período do sufrágio feminino.

Nos Estados Unidos e na Inglaterra, o sufrágio feminino se prolongou por sete décadas. Já no Brasil, por 40 anos, a contar da constituinte de 1891. Nos momentos de auge das campanhas e manifestações, houve a mobilização de até 2 milhões de mulheres, o que torna essa luta um dos movimentos políticos de massa mais significativos do século XX. De acordo com Alves e Pitanguy (1985, p. 44) ainda que o valor do sufrágio feminino seja historicamente evidente, o momento não é tratado nem reconhecido nos livros de

história como deveria, “merece dos livros de história, quando não o silêncio, apenas uns poucos parágrafos ou uma nota de pé de página”. (ALVES E PITANGUY, 1985, p. 44).

Em 1848, nos Estados Unidos, começou o sufragismo enquanto movimento. Queixa-se a exclusão da mulher na esfera pública, num tempo em que há uma ampliação do conceito liberal de cidadania, incluindo os homens negros e os desprovidos de renda. Neste país, no século XIX, a luta pela abolição da escravatura provocou uma boa parte de mulheres, que até então nunca haviam de forma extremamente coletiva e organizada, participado das instâncias políticas. Sobre o sufrágio das mulheres nos Estados Unidos, Alves e Pitanguy (1985, p. 44) afirmam que “a conscientização da submissão do lhes trouxe-lhes, ao mesmo tempo, uma medida de sua própria sujeição”.

A convenção dos Direitos da Mulher, convocada em Seneca Falls, no ano de 1848, pode ser considerada um dos momentos inaugurais do movimento sufragista americano feminino. Após excessivas discussões, foi finalmente aprovado, nesta convenção, uma proposta que declarava ser o dever de toda a mulher americana a luta pelo sufrágio. Com isso, repetiram-se as Convenções, abaixo-assinados, as petições ao Congresso Nacional e as Assembleias Estaduais, para a modificação das Constituições Federal e Estaduais na intenção de se permitir o voto à mulher. Alves e Pitanguy (1985, p. 45) explicam que os últimos anos da campanha inclinaram para um aspecto impetuoso, “o movimento, que abrangeu 3 gerações numa luta incansavelmente retomada, adquiriu, nos últimos anos, uma feição violenta, tendo sufragistas sofrido inúmeras prisões’’ (ALVES E PITANGUY, 1985, p. 45).

Nos Estados Unidos, em 1920, no mês de setembro, foi ratificada a 19ª Emenda Constitucional, concedendo o direito de voto às mulheres, marcando o término de uma luta que começou 72 anos antes. No cenário da Inglaterra, em 1865, John Stuart Mill apresentou ao Parlamento um projeto de lei que dava às mulheres o direito a voto. Em 1866, fundou-se em Manchester o Comitê do Sufrágio feminino. O processo do sufragismo inglês feminino foi muito parecido com o americano, porém, em sua etapa final mostrou-se bem mais violento. Segundo Alves e Pitanguy (1985, p. 46), o sufrágio feminino na Inglaterra enfrentava a displicência dos legisladores, o que o envolvia o movimento em ciclo de reinício:

O esforço para a organização das diversas atividades era imenso: campanhas de mobilização da opinião pública, busca de apoio de parlamentares e partidos, passeatas, atos públicos, abaixo-assinados. Todo esse trabalho esbarrava frequentemente na indiferença e galhofa da maioria dos legisladores, obrigando um eterno recomeçar da luta a cada nova legislatura. (ALVES E PITANGUY, 1985, p. 46).

Também em Manchester, fundou-se em 1903, a Women’s Social e Political Union, que abandonou os métodos tradicionais relativamente pacificadores, para adotar uma prática mais agressiva, que foi a resposta para a pressão violenta que sofriam do governo. Esse novo comportamento das mulheres se davam por uma coragem impressionante nascida da insatisfação da necessidade não suprida:

As sufragistas interrompiam os comícios eleitorais perguntando aos candidatos se dariam votos a mulher. Por essas por ‘’desordem publica’’, eram recolhidas na qualidade presas comuns (e não políticas). O Governo da ordem para que sejam alimentadas a força, por um método doloroso – introdução, pela narina de um tubo de borracha are o estomago – que constituía verdadeira tortura. (ALVES E PITANGUY, p. 46).

Essa união feminina oriunda de movimentos e campanhas sufragistas, já mostrava o crescimento do ideal feminista pelo mundo, onde as mulheres enfrentavam em massa, com audácia e bravura, o machismo que liderava na esfera política, estatal e econômica. Juntas resistiam à violência do Governo, um jeito bárbaro de as calarem. A peleja pelos direitos das mulheres estava essencialmente ligada a classe, pois, segundo Hooks (2018, p. 53), não haveria uma sororidade estabelecida de forma política e massiva enquanto não houvesse consciência de classe na associação de mulheres.

Essas mulheres que aderiram grupos feministas compostos ´por classes diversas estavam entre primeiras a enxergar que a visão de sororidade fundamentada em política, em que todas estariam unidas para lutar contra o patriarcado, não conseguiria emergir até que a questão de classe fosse confrontada. (HOOKS, 2018, p.53).

O movimento sufragista inglês, em 1903, se dividia em duas estratégias de luta, entre as mulheres pacifistas e as chamadas “suffragettes’’, que passam a atuar de modo mais radical, cometendo danos àpropriedade e bens materiais como uma forma de chamar atenção à causa. De acordo com Alves e Pitanguy (1985, p. 47) “o que as mulheres reivindicavam era tão-somente um direito defendido, em tese, pelas ideias liberais, e recusado na prática, por um governo composto pelo próprio partido liberal”.

Apenas em 1928 conquistaram suas reivindicações, consequência de uma luta que já se estendia por 60 anos. A luta pelo voto feminino no Brasil não teve um movimento tão grande e numeroso, como aconteceu nos Estados Unidos e Inglaterra. Sem contar,

que começou bem mais tarde, em 1910, quando a professora Deolinda Daltro, no Rio de Janeiro, funda o Partido Republicano Feminino, que entre outros propósitos, tinha o plano de ressuscitar no Congresso Nacional o debate a respeito do voto da mulher, que havia sido esquecido desde a Assembleia Constituinte de 1891. Telles (1993, p. 43) cita outras ações de Deolinda para a população feminina do Brasil:

Já em 1910 professora Deolinda Daltro, professora fundava o Partido Republicano, defendendo especificamente que os cargos públicos fossem abertos a todos os brasileiros, sem distinção de sexo. Em 1917, no rio, ela promoveu uma passeata com quase 100 mulheres, pelo direito do voto. (TELLES, 1993, p. 43).

Em 1919, Bertha Lutz fundou a liga de emancipação Intelectual da Mulher, seguidamente nomeada Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, organização que levou adiante a luta pelo sufrágio. Em 1927, devido a influência de Juvenal Lamartine, governante do Rio Grande do Norte, o estado inclui em sua constituição o artigo que permite o exercício de voto das mulheres. Segundo Alves e Pitanguy (1985, p. 48), “a partir daí intensifica-se a mobilização das mulheres, que requerem, em todo o pais, seu alistamento eleitoral, provocando acirrados debates jurídicos”.

O direito ao voto foi sendo inferido pausadamente nos estados Brasileiros. Quando Getúlio Vargas, em 1932, declama por decreto-lei o direito a voto de sufrágio às mulheres, este já estava sendo realizado em 10 estados do país. De acordo com Telles (1993, p. 46), “após essa vitória, a luta da mulher passou a se concentrar no trabalho feminino e na proteção à maternidade e às crianças.

Alves e Pitanguy (1985, p. 48) narram a representação e a dimensão do sufrágio feminino para o movimento feminista:

Se o movimento sufragista não se confunde com o feminismo ele foi, no entanto, um movimento feminista, por denunciar a exclusão da mulher da possiblidade de participação nas decisões públicas. Uma vez atingido seu objetivo – o direito ao voto – esta pratica de luta de massas estaca fadada a desaparecer. Há assim uma desmobilização das mulheres. Entretanto, o questionamento de sua discriminação prossegue, incorporando outros aspectos que configuram a condição social da mulher. (ALVES E PÍNTAGUY, 1985, P. 48).

Em diferentes lugares do mundo, em diferentes épocas e cenários, o sufrágio feminino continuou demostrando uma legitimidade em comum: a persistência e a

coragem. A causa de cidadania abraçada pelas mulheres aponta um feminismo consciente e emponderador.

Nos de anos de 1930 e 1940, oficialmente, as petições das mulheres foram devidamente atendidas: votavam e eram votadas, podiam ingressar em instituições escolares e participavam do mercado trabalho. O sistema social e político, capitalista e socialista, aderiu de alguma forma as vitórias, que implicam no reconhecimento de cidadania. Nestas duas décadas acontece um retrocesso na organização das mulheres. Pincipalmente nos países onde houve despontamento do nazi-fascismo, pois na época o esquema de repressão oculta qualquer forma de manifestação e contestação social. Segundo Alves e Pitanguy afirmam que mais do que nunca mão de obra da mulher tornase imprescindível:

Assim a afirmação de igualdade entre os sexos vai confluir com as necessidades econômicas daquele momento histórico. Valoriza-se a mais do que nunca, a participação da mulher na esfera do trabalho, no momento em que se torna necessário liberar a mão-de-obra masculina para as frentes de batalha. Tal processo se dá, em particular, nos países diretamente envolvidos no conflito, em especial USA e Inglaterra. (ALVES E PITANGUY, 1985, p. 50)

Com o final da guerra, e o retorno dos homens ao trabalho, a mulher vê novamente seu espaço ser tomado sem o mínimo de sutileza. A ideologia que aprecia a desigualdade entre gêneros é inserida mais uma vez na sociedade, reduzindo o papel da mulher a atividades domésticas, e sendo desvalorizada no mercado empregatício, uma forma de diminuir seu contato com o mundo externo. Beauvoir (1970, p. 146), autora feminista de grande destaque do século XX, fala que “é pelo trabalho que a mulher vem diminuindo a distância que a separava do homem, somente o trabalho pode garantir-lhe uma independência concreta’’. (BEAUVOIR, 1970, p. 146).

A estadunidense Betty Friedan, ativista feminista de grande relevância, publicou em 1963 o best-seller “A Mística Feminina’’, que aborda sobre o dever da mulher na indústria, a sua função como dona de casa e as consequências para sobrevivência do capitalismo, tudo isso enquanto boa parte das mulheres encontram-se em profunda depressão, preocupação e desespero por serem submetidas vulneravelmente a esta condição de restrição social. Friedan fala sobre confusão de sentimentos das mulheres americanas nesta situação:

Realização como mulher só tinha uma definição para americana, após 1949: espôsa - mãe. Rápido como num sonho, a imagem da mulher como indivíduo, transformando-se e ampliando-se num mundo de evolução, foi destruída. Seu voo solitário em busca de uma identidade ficou esquecida na corrida para a segurança duma situação a dois. Seu mundo ilimitado encolheu, confinandose às confortáveis paredes do lar. (FRIEDAN, 1971, p. 41).

Os primeiros passos de uma teoria feminista estavam sendo dados no final dos anos sessenta. A escritora Kate Millett publica o original Politica Sexual, em 1970. O livro narra sobre a política patriarcal e seu controle da sexualidade feminina nos séculos XIX e XX, analisando através das artes e políticas públicas relacionadas a monitorização populacional e à definição do papel da mulher neste período. Segundo Alves e Pitanguy (1985, p. 53), o livro de Millett explica de modo incisivo o poder do patriarcado:

Analisa historicamente as relações entre os sexos, afirmando que o sistema o patriarcal e um sistema universal de denominação prevalente em todas as culturas, e que penetra religiões, leis, costumes de toda as civilizações. Propõese a fazer uma análise politicas das relações de sexo. Aborda neste sentindo aspectos ideológicos, biológicos, sociológicos, econômicos, antropólogos e sociológicos da condição da mulher no patriarcalismo. (ALVES E PITANGUY, 1985, p. 53).

Em 1970, Juliet Mitchell lança “A Condição da Mulher”, que procura elaborar uma teoria que ajuda a entender tanto os dados gerais da discriminação de gênero quanto a sua especificidade nas distintas classes sociais. Segundo Alves e Pitanguy (1985, p. 54) a autora produz um histórico dos escritos sobre a mulher, “afirmando em sua análise que a liberação devera se dar nos quatro níveis que caracterizam a discriminação: as esferas de produção, da reprodução, da sexualidade e da educação’’.

Neste período, também no Brasil, a socióloga marxista paulistana Heleieth Iara Bongiovani Saffioti, divulga “A Mulher na Sociedade de Classes”, no qual examina a situação da mulher no capitalismo, declarando que esta não sucede somente das relações econômicas, pois se vê dentro da autonomia pertinente das outras estruturas. Para Alves e Pitanguy (1985, p. 54) ‘’o livro retraça evolução histórica da condição mulher no Brasil. Trata-se de um trabalho pioneiro ao ponto de vista da contribuição das ciências sociais ao estudo da mulher no país’’.

No início dos anos 60, o feminismo vai se delineando e adiciona outras frentes de luta. Agora, suas reivindicações, que até então eram direcionadas a desigualdade na prática de direitos de cidadania (esfera política, trabalhista e civil), indaga-se também o âmago cultural desta desigualdade. Segundo Alves e Pitanguy (1985, p. 54), “denuncia

desta forma a mística de um “eterno feminino”, ou seja, a crença na inferioridade natural da mulher”, calçada em fatores biológicos. Seguindo esta linha de raciocínio, o questionamento gira em torno da ideia de que homens e mulheres estariam naturalmente predestinados a cumprirem papéis distintos na sociedade, sendo o do homem, o mundo externo, e da mulher, o mundo interno, no qual resume toda a aptidão feminina a criação e ao posto de cuidadora do lar. Adichie (2014, p. 18) menciona as diferenças orgânicas entre homens e mulheres, mas acentua como a questão natural não corresponde a desigualdade, pois apesar de existirem mais mulheres do que homens no mundo, os lugares de grande destaque são apoderados pelo sexo masculino:

Homens e mulheres são diferentes. Temos hormônios em quantidades diferentes, órgãos sexuais diferentes e atributos biológicos diferentes — as mulheres podem ter filhos, os homens não. Os homens têm mais testosterona e em geral são fisicamente mais fortes do que as mulheres. Existem mais mulheres do que homens no mundo — 52% da população mundial é feminina, mas os cargos de poder e prestígio são ocupados pelos homens. (ADICHIE, 2014, p. 18).

Essa situação, que diminuiu a mulher a personagem secundário e de enredo social de bem menos importância, é uma forma de disfarçar a hierarquia que encarga ao homem a posição de mando. O sistema do mundo, independente da sua classificação, seja política, jurídica, religiosa, intelectual e artística, são construções majoritariamente masculina. Atualmente, o movimento feminista crítica a validação da diferença de tarefas e declara que a desigualdade de gênero se baseia muito mais em normais sociais do que biológicas, e sinaliza a relação de poder entre os sexos. A década de 60, em geral, é marcada por uma profunda mobilização na luta contra o colonialismo, contra o racismo, pelos direitos das minorias e também pelas reivindicações estudantis. Estes manifestos aumentaram o campo político, ampliando a compreensão das contradições sociais, descobrindo assim outras formas de exercício do poder, além do econômico. De acordo com Alves e Pitanguy (1985, p. 58) que neste momento há uma intensa conscientização de que as experiências dos indivíduos se expandem para fora da classe social:

Tais movimentos trazem o individual para o campo do político, tornando-o coletivo, demonstrando que o seria de sua classe. Não é apenas por relações socais de produção que o indivíduo está impregnado, mas também por relação de sexo, raça, instancias estas que também se concretizam numa distribuição desigual de poder. (ALVES E PITANGUY, 1985, p. 58)

É neste período histórico de discussão e de luta que o movimento feminista ressurge com vigor e com uma mobilização em massa, que passa a se formar a partir da

década de 70, com enorme força política e com inegável potencial de transformação social. Aparecem então incontáveis organizações que atuam como núcleos reunidores de grande número de mulheres. Segundo Alves e Pitanguy (1985, p. 59) desenvolvem atividades efetivas, grupos de trabalho, pesquisas, debates, cursos e publicações, e atuam nas campanhas que levaram mulheres de mulheres às ruas por suas reivindicações específicas. De acordo com Hooks (2018, p. 19) “no fim da década de 70, os Estudos de Mulheres estavam no caminho para se tornar uma disciplina acadêmica aceita” .

Durante toda história de reivindicações das mulheres por direitos e a constante evolução do feminismo, houveram várias frentes de lutas, que eram determinados pelas circunstancias da época e através das características socioeconômica e política de cada país. Muitos temas foram levantados, e de modo trivial, podemos categoriza-los por: sexualidade e violência, saúde, ideologia e formação profissional e mercado de trabalho. Sem dúvida a sexualidade da mulher sempre foi alvo de muitos julgamentos e ataques machistas, que eram embasados em fatores biológicos, culturais e mitos sociais. Segundo Alves e Pitanguy (1985, p. 59) o controle da sexualidade feminina é a primeira forma de restrição da capacidade da mulher:

A contenção exercida sobre a sexualidade da mulher é a primeira forma de limitação de sua potencialidade. Apoiando-se no dado biológico a cultura enfatiza a supervalorização a função de reprodução que passa a se confundir coma própria essência do "ser mulher". (ALVES E PITANGUY, 1985, p. 59).

Os tabus e a repressão contra a sexualidade da mulher e o rígido controle sobre o corpo das mesmas, não se resumem a critérios e valores morais do patriarcado, como por exemplo, a legitimação da virilidade masculina mediante ao seu intenso desempenho sexual, e a proteção da honra feminina através da sua castidade. De acordo com Alves e Pitanguy (1985, p. 60) as questões governamentais são motivações colossais para que o sistema continue mantendo a mulher sob o seu comando, até em domínios íntimos:

A virgindade, a castidade, a passividade sexual feminina, a carga de tabus e preconceitos, constituem os principais elementos socializadores da sexualidade feminina. Vê-se esta ainda submetidas a orientações governamentais, que decidem sobre o corpo da mulher, restringindo ou expandindo a sua reprodução através de políticas demográficas. Assim, durante o nazi-fascismo incentivou-se a função procriadora da mulher, que

deveria "dar muitos filhos a pátria". Da mesma, manipula-se seu corpo com campanhas de contracepção, quando a política econômica assim o exige. (ALVES E PITANGUY, 1985, p. 60)

Uma das grandes reivindicações femininas eram a desvinculação de suas vidas sexuais com o contexto biológico de reprodução e o direito da informação e acesso a métodos contraceptivos para homens e mulheres, uma forma de garantir a segurança e a liberdade sexual feminina.

A violência contra a mulher também era uma importante causa que o movimento feminista abraçou desde o seu surgimento, pois estava completamente presente na trajetória e nas lutas das mulheres por direitos à cidadania e reconhecimento humano. As agressões físicas, morais, psicológicas e emocionais contra a mulher eram afrontas aprovadas pela sociedade, cultura e política nos séculos passados. A repressão violenta nas esferas matrimoniais, sociais e do próprio Estado, era uma resposta impiedosa que ratificava para as mulheres o poder masculino no sistema patriarcado e o perigo de suas contestações. Segundo Hooks (2018, p. 57) muitas pessoas se negam a associar a violência ao patriarcalismo:

Em nossa nação, uma multidão de pessoas está preocupada com a violência, mas se recusam relacionar essa violência ao pensamento patriarcal ou a dominação masculina. O pensamento feminista oferece uma solução. E depende de nós tornar essa solução disponível para todo mundo. (HOOKS, 2018, p. 57).

Com o tempo o feminismo ligou-se a área da saúde, onde sugeriu uma reapropriação do corpo feminino. A ausência do conhecimento da mulher sobre o seu próprio corpo contribui para uma alienação e ajuda no descontrole de suas funções hormonais, como a menstruarão, a reprodução, menopausa e relações sexuais. Em 1971, um trabalho realizado por um Coletivo de Mulheres de Boston, nomeado de “Nossos Corpos, Nós Mesmas” apresentava ilustrações didáticas, linguagem simples e informação sobre a anatomia e fisiologia da mulher. Também oferecia depoimentos de mulheres sobre suas vivências sexuais e explicava sobre doenças venéreas, gravidez, controle da natalidade etc. De acordo com Alves e Pitanguy (1985, p. 62), as reivindicações a respeito da saúde da mulher tem se realizado:

Esta gente de luta tem-se concretizado não apenas através de publicações diversas, voltadas a compartir com a mulher este saber, mas também pela criação de clinicas de saúde e grupos de auto0ajuda em que a mulher e

informada e mobilizada a participar dos aspectos relacionados ao seu corpo, à saúde. (ALVES E PITANGUY, 1985, p. 62).

O conjunto de ideais do movimento feminista, desde o início, buscava colocar a mulher em um lugar de relevância social, para que ela pudesse se emancipar das discriminações sofridas pelo sistema patriarcal. A desigualdade de gênero e a hierarquização dos sexos era um modo de assegurar que a mulher não abandonasse a posição de inferioridade que lhe foi dado. Com características de feminilidade estereotipadas, exigências de comportamentos irrepressíveis e obrigações “naturalmente” limitadoras e por vezes frívolas, a mulher era considerada uma donzela indefesa, totalmente dependente do homem e com pouco a oferecer em qualquer esfera do mundo. Com a massificação do feminismo as mulheres se emponderaram e se reuniram, manifestando suas indignações, desmistificando tabus culturais e sociais sobre gêneros e reivindicando seus direitos, em todos os níveis cívicos. O entendimento sobre o controle prejudicial e injusto que o patriarcalismo detinha sobre as mulheres através da educação machista que recebiam desde a infância, as fizeram reagir quase que heroicamente a esse sistema opressor. Segundo Alves e Pitanguy (1985, p.) “a superação do machismo na educação tem sido uma das principais metas do movimento feminista” .

A formação profissional e o mercado de trabalho ainda são temas acrônicos que o movimento feminista retrata. A grande tomada veio com a revolução industrial, momento em que as mulheres exigiam equiparidade salarial entre os sexos, e claro, condições dignas de trabalho. Porém, antes disso, um longo processo de resistência a intimidação de "papel social feminino" ocorria, pois, as mulheres eram incumbidas dos afazeres domésticos e tinham que se contentar com estas funções. Mesmo as mulheres mais nobres adquiriam poucas instruções se comparado aos homens, e isso refletia diretamente no mercado de trabalho. A mão-de-obra feminina, ainda que extremamente necessária para as fábricas industriais, era menosprezada e amargava com a misoginia. Outro ponto era a dupla jornada de trabalho, pois mesmo as mulheres sendo operárias, o serviço do lar ainda eram unicamente delas. De acordo com Alves e Pitanguy (1985, p. 64) a ideologia da feminilidade também demarca espaços que determinam ambientes masculinos e femininos no mundo externo, ou seja, fora de casa.

O surgimento do feminismo não foi uma explosão ideológica voltada a um momento decisivo na história, mas sim uma construção moldada sobre lutas e resistência,

por diferentes motivos e em diversos cenários. O que podemos observar é de que jamais fora um movimento tímido, pois em todas as suas aparições em cada período histórico, trouxe revoluções furiosas e definitivas mudanças sócio-políticas. A impetuosa inconformidade das mulheres com a imagem do ser feminino construída pelo patriarcado consolidou o pensamento feminista. Segundo Adichie (2014, p. 24) “ao longo da história muitas mudanças positivas aconteceram por causa da raiva” .

O movimento feminista destacou através de protestos e manifestações que as questões biológicas são caraterísticas que diferenciam os sexos masculino do feminino, mas que de maneira nenhuma interferem no seu valor como ser humano. De acordo com Adichie (2014, p. 21) atualmente esse pensamento sobre a natureza ser responsável pela diferença de gênero não é considerada:

Hoje vivemos um mundo completamente diferente. A pessoa mais qualificada para liderar não é a mais inteligente, a mais culta, a mais criativa e amais inovadora. Então existem hormônios para esses atributos. Tanto um homem como uma mulher podem ser inteligentes, inovadores e criativos. (ADICHIE, 2014, p. 21)

O movimento feminista tem uma importância histórica para o mundo, pois traduz com destreza toda a força da mulher, as suas lutas e a sua coragem. Ele revela uma narrativa de conquistas femininas que o sistema patriarcal tenta esconder, para que o poder dos homens são seja ofuscado. Segundo Hooks (2018, p. 9) que muitas pessoas não sabem o que fato é o feminismo e tem pensamentos equivocados e tendenciosos sobre o movimento:

Quando pergunto a esse mesmo pessoal sobre os livros e as revistas feministas que leem, quando pergunto a quais palestras feministas assistiram, respondem contando que tudo o que sabem sobre feminismo entrou na vida deles por terceiros, que realmente nunca se aproximaram o suficiente do movimento feminista para saber o que de fato acontece e sobre o que é de verdade. Na maioria das vezes, pensam que feminismo se trata de um bando de mulheres bravas que querem ser iguais aos homens. Essas pessoas nem pensam que feminismo tem a ver com direitos – é sobre mulheres adquirirem direitos iguais. Quando falo do feminismo que conheço – bem de perto e com intimidade –, escutam com vontade, mas, quando nossa conversa termina, logo dizem que sou diferente, não como as feministas “de verdade”, que odeiam

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