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2.3 O Machismo Estrutural
Nos últimos anos sucedeu um intenso recrescimento de pesquisa sobre a situação da mulher, com publicações de livros, revistas e artigos voltados a este assunto. Com o aumento do espaço democrático aparecem novas esferas de atividades. Mesmo sem um caráter especificadamente feminista, não devemos deixar de registrar a participação feminina em Associações de Bairros, Clube de Mães, de Donas-de-casa, etc., que marca a presença da mulher no cenário público e expressa uma compressão para seus problemas e capacidade. Segundo Alves e Pitanguy (1985, p. 74) o feminismo se estrutura através de momentos difíceis e de suas vitórias:
O feminismo se constrói, portando, a partir das resistências, derrotas e conquistas que compõem a História da Mulher e se coloca como um movimento vivo, cujas lutas e estratégias estão em permanente processo de recriação. Na busca da superação das relações hierárquicas entre homens e mulheres, alinha-se a todos os movimentos que lutam contra a discriminação em suas diferentes formas. (ALVES E PITANGUY, 1993, p. 74)
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O feminismo no Brasil era alinhado com os acontecimentos e reivindicações femininas que eclodiram em outros países durante os séculos XVIII, XIX e XX, porém precisava se adequar aos momentos sociopolíticos brasileiro, o que resultava em um processo de mobilização em massa das mulheres, em prol do movimento feminista, mais inconstante. A história do feminismo no Brasil ressalta o valor da militância feminina, da resistência e da coragem de lutar por direitos civis e humanos. É importantedestacarcomo o movimento feminista e a determinação das mulheres brasileiras foi uma revolução extraordinária, devido ao intenso histórico patriarcal e machista do país, sendo considerado até hoje, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), O 5º país que mais mata mulheres no mundo.
2.3. Sobre o Machismo Estrutural
O machismo se nutre de sua profunda e imodesta compreensão sobre o papel do homem no mundo, no qual acredita, convictamente, na superioridade masculina e em sua meritocracia nos privilégios sociais e culturais. Apesar de ser carregado de preconceito, discriminação e sexismo, o machismo se revela quase que inconscientemente em homens e mulheres, pois seu poder de persuasão é histórico e estrutural. Desde o nascimento meninos e meninas têm seus destinos definidos com base no fardo cultural: em geral, as
moças são agraciadas com a beleza das flores, a delicadeza da seda e a timidez das copas; já os homens são parabenizados com a força das pedras, com a virilidade e com os benefícios de um grande líder. A descrição pode parecer exagerada, mas é exatamente assim que se caracteriza o machismo: um exagerado ego masculino, onde existe a supervalorização de um sexo em detrimento do outro. Para a mulher restaria abraçar o papel secundário de sujeição ao homem, no qual de maneira alguma poderia haver espaço para ofuscá-lo. Segundo Adichie (2014, p. 33) “ensinamos as meninas a se encolher, a se diminuir, dizendo-lhes: você pode ter ambição, mas não muita. Deve-se almejar o sucesso, mas não muito. Senão você ameaça o homem’’. É uma verdade irrefutável dizer que o emponderamento feminino é considerado uma ameaça as regalias machistas e ao patriarcado. Isso porque a coragem das mulheres em lutar pelos seus direitos é considerado um ato de revolução, pois constrange o sistema opressivo que necessita da inércia social e cultural para se manter na administração do Estado. De acordo com Hooks (2018, p. 10) para encerrar o patriarcado é preciso reconhecer que toda a sociedade contribui com o seu ideal sexista:
Para acabar com o patriarcado (outra maneira de nomear o sexismo institucionalizado), precisamos deixar claro que todos nós participamos da disseminação do sexismo, até mudarmos a consciência e o coração; até desapegarmos de pensamentos e ações sexistas e substitui-los por pensamentos e ações feministas.
A desconstrução de um sistema que favorece aos homens precisa ser feita em todas as esferas que dirigem o Estado, como a cultural, social, econômica e política. O primeiro passo para se combater o sexismo institucionalizado é entendê-lo como estrutural, ou seja, ele é um conjunto de concepções machistas, sexistas, misóginas e dominadoras organizadas em diversos setores da sociedade. Em toda atuação do sistema patriarcal é realizada a hierarquização e desigualdade de gêneros, uma forma eficaz de garantir maior ênfase ao poderio masculino.
Podemos apontar a estrutura do machismo também nas expectativas de comportamento, logo as emoções naturalmente humanas terminam sendo divididas por sexos. Os homens podem demonstrar insatisfação, furor e irritação sem serem cobrados por isso, diferentemente das mulheres, em que os mesmos sentimentos as fazem soar amargas, e que quase sempre são ironicamente associados com a falta relações sexuais. O que se espera da mulher, em um ambiente de trabalho por exemplo, não é o mesmo o
que se espera e se aceita de um homem. De uma mulher no cargo de chefia aguarde-se empatia, do homem, comando. Adichie (2014, p. 26) narra e distinção de gênero ainda
que ocupem o mesmo cargo:
Tenho uma amiga americana que substitui um homem num cargo de gerencia. Seu predecessor era considerado um “cara durão”, que conseguia tudo; era grosseiro, agressivo e rigoroso quanto a folha de ponto. Ela assumiu o cargo, e se imaginava tão dura quanto o chefe anterior, mas talvez um pouco mais generosa – ao contrário dela, ele nem sempre lembrava que as pessoas tinham famílias. Em poucas semanas no emprego, ela puniu um empregado por ter falsificado a folha de pontos – exatamente como o seu predecessor teria feito. O empregado reclamou com o gerente sênior, dizendo que ela era agressiva e difícil. Os outros funcionários concordaram. Um deles, inclusive, disse que tinha achado que ela traria um “toque feminino” ao ambiente de trabalho, mas que isso não acontecera. (ADICHIE, 2014, p. 26)
Nos relacionamentos amorosos também ocorrem essa discriminação entre sexos, onde um exerce mais liberdade que o outro. Segundo Hooks (2018, p. 79) “Nosso anseio por amor, conforme fomos ensinadas nos grupos de conscientização, era uma armadilha sedutora para nos manter apaixonadas por amantes patriarcais”. A mulher torna-se refém das escolhas de seu parceiro, tendo que aceitar passivamente suas vontades e atendê-las sem reclamar, pois, na visão machista, o instinto masculino deve ser respeitado. Aliás, a questão do instinto é muito protegida no machismo estrutural, assim como tudo que possa vir a justificar os erros masculinos, como o amadurecimento tardio dos homens. Por mais que se apresente uma razão biológica, é inegável que ela só reforça o cenário machista no qual vivemos, afinal, se o cérebro feminino é mais eficiente, por que são os homens que ocupam mais cargos de prestígios? Ambos os gêneros possuem a mesma capacidade, mas focalizar no sútil desenvolvimento das mulheres que as colocam minimamente à frente dos homens durante o processo de evolução humana, é um jeito indigno de explicar o porquê eles podem errar quanto seres vivos.
É culturalmente aceitável que os homens traiam, que abandonem suas esposas e filhos, que sejam abusivos conjugalmente e que quebrem em qualquer hora desejada o elo efetivo com uma mulher. Se ele for bom cidadão, pagar seus impostos e trabalhador, nada é tão grave que não possa ser perdoado, e absolutamente nada, é tão culpa exclusivamente sua, caso a sua situação envolva uma mulher. Já referente as mulheres são culturalmente inaceitáveis, sob pena de julgamentos violentos, a traição, a indiferença maternal, a histeria e a vida sexual abertamente ativa. Não importa se ela cumpre seu papel de cidadã e se paga seus impostos, suas obrigações civis não são sinônimo de honra,
e sim sua honestidade com os conceitos culturais. De acordo com Adichie (2014, p.28) é impressionante o quanto as mulheres investem em serem queridas e como foram criadas para acreditar que ser benquista é muito importante. Mas o oposto não acontece.
Porém, as dificuldades de um machismo estrutural, intrínseco em nossa cultura e sociedade, não é um problema unicamente das mulheres. Claro, o peso maior sempre cairá para elas, pois essa é a finalidade do sistema patriarcal: a opressão feminina. Entretanto a masculinidade tóxica também é nociva para os homens. De acordo com Adichie (2014, p. 31) a sociedade reduz o senso de humanidade para os homens, criando contextos que os engessam:
Nossa definição de masculinidade é muito estreita. Abafamos a humanidade que existe nos meninos, enclausurando-os numa jaula pequena e resistente. Ensinamos que eles não podem ter medo, não podem ser fracos ou se mostrar vulneráveis”. (ADICHIE, 2014, p. 31)
Completamente ao contrário do que acontece com os homens, as mulheres são pressionadas a terem a sua sensibilidade aflorada. É isso que se espera delas durante toda a vida: o amor incondicional. Entretanto, é curioso notar que existe uma exceção neste sentimento imperioso: ela mesma. O machismo não suporta que uma mulher se ame, pois, em sua visão, ela foi concebida para oferecer o que tem de mais agradável somente aos homens e a sua família (ambos apontados pelo sistema patriarcal como a fórmula da felicidade feminina). Sua individualidade é considerada arrogância. Segundo Solnit (2017, p. 19) "No mundo tradicional a felicidade é algo essencialmente particular e egoísta" .
É do ser feminino que se cobra a paciência, o carinho e a aceitação. Em outras palavras, pode-se dizer que é da mulher que se aguarda a mudança do homem. Mas veja bem, a mudança que sempre o impulsiona para cima, para longe da mulher. Como aquela frase que diz que atrás de todo o grande homem existe uma grande mulher, uma afirmação que ilustra que o destaque sempre deve ser do masculino, e de que o sexo oposto não passa apenas de sua sombra. A consequência desse tipo de pensamento é o incentivo da rivalidade feminina para ser a "escolhida" do homem, pois segundo o sistema patriarcal ser eleita por ele é validar todas as suas qualidades que corroboram para sua autoestima. De acordo com Hooks (2018, 23) a mulher é potencializada a acreditar que é menos, o que fazíamos ser um inimigo interno: