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LUTE COMO UMA GAROTA

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Mulheres no controle

Que a violência de gênero é algo presente e constante no diaa-dia da mulher gamer, isso é um fato. Seja de forma velada, aberta ou justifi cada as agressões ocorrem e interferem na experiência de jogo. Mas assim como toda ação gera uma reação, esses tipos de ataques também promovem um retorno por parte da comunidade de jogadoras e, em alguns casos, até mesmo de jogadores.

Algumas iniciativas tem se mostrado efi cazes no combate à violência de gênero. Elas vão desde grupos com a proposta de repensar a forma como os produtos da cultura pop são produzidos e comercializados, até projetos e ações que buscam dar um novo signifi cado à fi gura da mulher gamer. Como vimos anteriormente, a violência contra a mulher não se mostra somente através de agressões verbais e exposição, mas também com a estereotipia, hipersexualização e exclusão das gamers em ambientes relacionados ao mundo dos jogos. Isso acontece tanto nos jogos online quanto nos board games. Para tal, ações como o RPGirls e o Projeto Sakura buscam incluir a mulher neste ambiente dominado pela visão machista e mudar a forma como elas são recebidas neste meio.

Para a maioria das mulheres com quem conversei ao longo deste estudo, a melhor forma de mudar a maneira como somos vistas no meio da cultura pop é através da refl exão e da conscientização. Para tal, a pesquisa acadêmica apresenta papel de relevância uma vez que seu produto gera dados com confi abilidade para embasar discussões e promover ações.

A psicóloga Carolina Carvalho de Castro, uma das organizadoras do projeto RPGirls vai além e vê nos jogos uma possibilidade de acolher não só a causa das mulheres gamers, mas também de trazer visibilidade para outras causas sociais de grande importância. O grupo se organiza na promoção de eventos em espaços públicos, movimentando e incluindo o público feminino que já supera 50% do total de participantes dos encontros. Para as próximas ações este

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propósito foi ampliado e passou a incluir o apoio a projetos como o da casa Tina Martins, um espaço de acolhimento para mulheres vítimas de violência que é referência em Belo Horizonte.

Para Carol, o jogo atua como agente transformador, promovendo a interação e a ressignificação do papel da mulher na sociedade. É papel de quem está neste meio atuar não só pensando em entreter, mas também em empoderar as mulheres, e minorias, que curtem e querem atuar neste meio. Tentar sair do enredo guiado por um herói que salva a donzela em perigo para o oposto ou até mesmo para uma donzela que salva a si própria dos desafios impostos e que representem a mulher de forma despadronizada. Segundo ela, “Não vemos a representação de mulheres reais em jogos mainstream porque não tem mulheres produzindo esse tipo de jogo”, ela ressalta que isso ocorre porque não tem um número expressivo de mulheres que atuam naquele ambiente fazendo com que se torne um ciclo. “Você não tem representação porque não tem mulher, e não tem mulher porque não tem representação.”.

A partir do momento que começamos a refletir e a conversar sobre estes assuntos já estamos atuando nas mudanças que serão visíveis, talvez não em nossa geração, mas nas próximas. Para conquistar estes objetivos precisamos movimentar não somente as mulheres que jogam, mas também a comunidade como um todo.

Uma janela que transmite parte do que ocorre dentro do mundo dos jogos é causada pela visibilidade que os esportes eletrônicos conquistaram na mídia. Graças a este espaço, casos de violência de gênero passaram a ser noticiados e a discussão em torno deste tema voltou a ser trabalhada. Os esportes digitais não são naturalmente divididos entre masculino e feminino uma vez que a constituição física pouco, ou nada, interfere no desempenho do jogador, assim como também não é impedimento para que pessoas do sexo oposto compartilhem da participação.

Grande parte dos campeonatos realizados é mista, ou seja, tanto homens quanto mulheres podem participar e se profissionalizar no jogo, porém as equipes que disputam os campeonatos de eSports

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são em sua maioria compostas somente por homens. Ainda assim, o histórico de agressões direcionadas às jogadoras em ambientes competitivos é grande e repleto de episódios desagradáveis. Isso tudo faz com que o número de garotas investindo na carreira profissional seja baixo quando comparado ao número de homens. O medo das agressões e a banalização por parte dos times adversários são fatores determinantes e que foram citados por jogadoras profissionais como a causa de grande parte das desistências das mulheres quanto o assunto é atuar no cenário profissional. Para incentivar e apoiar as mulheres que desejam seguir carreira como pró players no ambiente dos jogos e também as que desejam apenas jogar sem serem alvo de agressões, o Projeto Sakura foi desenvolvido. Ele é uma iniciativa da carioca Moondded que notou deficiências na distribuição de conteúdo referente ao League of Legends para mulheres. Tudo começou através de um grupo de whatsapp com o intuito de auxiliar as jogadoras a crescerem dentro do jogo e indo na contracorrente de ofertas de jogadores que incentivavam a realização de práticas irregulares para que as mulheres pudessem aumentar seu elo no jogo.

O que começou com um grupo em uma rede social de grande alcance, logo ganhou visibilidade e força na comunidade de LOL alcançando tamanha proporção a ponto de chamar atenção da INTZ, uma grande organização de eSports que propôs uma parceria dando origem ao projeto Invocadoras. Este projeto tinha a intenção de promover a contratação de uma, ou mais, mulheres para treinarem e compor a line up de League of Legends da organização. Todo projeto foi realizado em formato de campeonato e contou com a revelação de mulheres não somente como jogadoras, mas também como casters. Em uma das transmissões das partidas, a marca de 1.300 espectadores foi atingida, superando assim as expectativas iniciais e mostrando que as mulheres tem espaço neste ambiente.

Para Moon, o projeto foi importante, pois: “Existe todo um preconceito sem qualquer embasamento sobre como as mulheres devem jogar, mas pouco investimento. Estamos trabalhando pra

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quebrar esse preconceito não só na comunidade, mas também nas organizações, tanto de times quanto de campeonatos.”

Para que as mulheres sejam ouvidas e se sintam representadas no mundo dos jogos, é necessário promover uma mudança que não fique restrita a participação ou divulgação de ações relacionadas à presença de mulheres em campeonatos e no cenário competitivo. É preciso repensar e quebrar padrões que existem em torno da presença feminina em todas as posições englobadas pelo mundo dos jogos online, indo desde streamers até a própria construção das personagens. Quando pensamos na onda de streamers e youtubers que tomou conta da mídia digital vemos que o próprio padrão se repete. A cobrança, por vezes, vai além da presença do jogo na transmissão e passa a envolver a vida pessoal e a aparência da streamer. Para Moon, essa cobrança se torna ainda mais agressiva quando nos referimos a mulheres que não se encaixam nos padrões de beleza estabelecidos pela sociedade. “Elas sempre vão sofrer mais: body shaming, gordofobia e por aí vai. Infelizmente um preconceito está intimamente atrelado a outro.”

Tudo isso somado a exposição geram fatores altamente estressantes e que podem ser determinantes para a decisão de uma mulher querer ou não seguir atuando neste cenário. Por mais que os jogos tenham o propósito de divertir eles acabam atuando como um grande laboratório social onde nossas habilidades de relacionamento e nossos ideais acabam transparecendo através de nossas ações e da forma como lidamos com o outro.

O ambiente digital projetado para ser inclusivo e conectar as pessoas acaba se tornando um meio hostil que segrega ao invés de unificar. A falsa ilusão do anonimato gera um sentimento de soberania por parte de quem utiliza do meio para expor seus preconceitos, acompanhando uma falsa sensação de impunidade que fica clara na expressão que por muitas vezes ouvimos: “A internet é terra de ninguém”.

Sabemos também que devido ao alcance e a proporção que casos de violência e intolerância praticados na rede tem recebido

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nas grandes mídias muito do que se refere a segurança digital foi repensado e hoje já é possível contar com aparatos de segurança e leis de apoio à vítima exposta por meio de crimes digitais. Isso, somado a postura de pessoas que lutam para um ambiente digital mais inclusivo e menos majoritário faz com que o meio seja pouco a pouco modificado. No que diz respeito aos games, ainda estamos engatinhando. Se pararmos para analisar os códigos de conduta dos jogos online que foram instaurados no inicio da era dos games online, punições relacionadas a condutas sexistas eram inexistentes ou brevemente mencionadas em meio a artigos que relacionados à agressão verbal. Hoje é possível notar que o espaço dedicado a este tipo de ação foi ampliado e agora os códigos de conduta passam a contar com tópicos específicos que preveem punições severas aos jogadores que cometerem tais infrações.

Apesar disso, a ação destes agressores continua interferindo na experiência de jogo de mulheres e minorias que buscam nos games sua forma de entretenimento. Para combater essas ações foi unânime, entre todas as entrevistadas e pessoas ouvidas ao longo da produção deste livro que o essencial esta na união da comunidade gamer.

A busca é pela igualdade de direitos, tratamento e respeito tanto quanto mulheres como quanto jogadoras. Estar em um meio socialmente conectado à figura masculina não faz com que uma jogadora deixe de ser mulher e muito menos com que ela se torne complacente com as agressões que podem, e como vimos certamente irão, surgir. Cabe à comunidade se unir e fazer com que sua voz ganhe a repercussão que merece.

Para Moonded, a presença das mulheres no meio dos jogos online já auxilia nessa busca e dá forças à luta. “Precisamos nos mostrar presentes e dispostas a discutir sobre os temas que permeiam o meio gamer. Novamente, se ninguém de dentro abre a porta pra gente, a gente arromba ela por fora.” Seja através da presença em streamings mostrando nosso conhecimento sobre os

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jogos, seja através da presença em streamings mostrando nosso conhecimento sobre os jogos; como jogadoras profi ssionais conquistando espaço em torneios de nível mundial; como game experts auxiliando outros players; como mulheres geradoras de emprego que priorizam a mão de obra feminina neste meio; como pesquisadoras que buscam nos dados entender esses movimentos ou simplesmente como jogadoras, faremos nossas vozes serem ouvidas.

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