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COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI?
from Mulheres no controle
by Rede Código


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Mulheres no controle
Antes de partir para a batalha, precisamos entender como chegamos até aqui, não é mesmo? Chegou o momento de fazer uma breve viagem no tempo e entender como os games se tornaram essa potência do entretenimento. Vamos juntos?
Muito se discute a respeito da origem dos jogos, mas o que se sabe até o momento é que, no princípio, estavam ligados à espiritualidade e, em alguns casos, eram vistos como forma de entreter o espírito na vida após a morte. Um dos primeiros jogos dos quais se possui registros é o Senet, tabuleiro criado no Egito Antigo. A data de sua origem não é muito precisa, mas pesquisas apontam que é anterior à era dos Faraós. O princípio básico desse jogo era fazer com que todas as peças atravessassem o tabuleiro, de certa forma repetindo o processo de travessia que a alma do morto faria em direção ao pós vida.
Com a passagem dos anos, outros jogos e outros propósitos foram surgindo. Por muito tempo, os jogos de tabuleiro tiveram seu reinado absoluto neste campo do entretenimento. Foram diversos títulos, mecânicas de jogo que envolviam os jogadores e se tornavam parte de festas e confraternizações. Jogos de baralho, damas, dominó, cobras e escadas, ludo, gamão, entre tantos outros.
Em determinado momento, e acompanhando o desenvolvimento da tecnologia, os jogos ganharam o ambiente digital. Para definir quem foi o pioneiro desta nova era, muita discussão e pesquisa foram necessárias, mas o título ficou com o físico Willy Higinbotham, responsável pelo desenvolvimento e criação do jogo Tennis for Two, no ano de 1958. Um jogo simples cujo objetivo era acertar o ângulo da bolinha para evitar que ela atingisse a rede. Alguns anos depois, em 1961, foi desenvolvido o jogo Space- war, considerado o primeiro jogo a rodar em um computador. A partir deste momento, a evolução constante em busca do aperfeiçoamento é marca registrada dos jogos.
Hoje, muito se fala na nostalgia dos games antigos. Até mesmo quem não era nascido nos anos 80 e 90 já ouviu falar do famoso Atari,
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com seus jogos pixelados e de aparência pouco realista, mas que viraram febre entre jovens e adultos desta geração, como o clássico Space Invaders. As primeiras máquinas Arcade com títulos como Street Fighter e Mortal Kombat fizeram os fliperamas ferverem. Com novas tecnologias, as máquinas foram diminuindo de tamanho e ganhando espaço nas casas. Não é preciso voltar muitos anos para relembrar a grandiosa época de consoles da SEGA, o Mega Drive que colocou uma geração inteira na pele do ouriço Sonic e os primeiros jogos de Super Nintendo com o carismático Donkey Kong e o encanador Mario em busca de salvar sua princesa. Para viver essas histórias bastava possuir o aparelho de videogame, uma televisão compatível e o cartucho com a aventura a ser vivida.
A tecnologia avançou mais um pouco e agora era possível jogar com até 4 pessoas em um mesmo console. A revolução veio com o Nintendo 64, que além da possibilidade de jogar em modos multiplayer, também tinha um design todo moderno e repleto de transparências.
Enquanto isso, no ambiente dos computadores, os jogos pixelados começaram a ganhar mais animação e profundidade, os gráficos começaram a ficar refinados e as histórias tornaram-se cada vez mais complexas. O que antes era embutido no sistema operacional das máquinas, agora era comercializado em disquetes.
Não demorou muito para que a tecnologia aplicada aos consoles fosse adaptada para atender a necessidade dos jogadores. A onda da vez eram os Gameboys, aparelhos portáteis que permitiam aos jogadores levarem seus jogos preferidos aonde quer que fossem. Se você não tinha condições de ter um desses, podia se divertir a vontade com os multigames portáteis vendidos nas casas de R$1,99, onde os jogos do Atari ficavam disponíveis em preto e branco e no bom e velho formato quadradão.
Enquanto crianças, jovens e adultos se divertiam com essas invenções, uma nova tecnologia chegou e revolucionou tanto o mercado dos jogos quanto o da música. Agora, ao invés de cartuchos
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e disquetes, os jogos eram armazenados em CDs, dispositivos de armazenamento de arquivos com capacidade superior, melhor desempenho na execução do programa e capacidade de melhorar a qualidade gráfica do conteúdo. Na era dos CDs, os computadores passaram a ganhar uma quantidade maior de títulos assim como os videogames passaram a um tamanho ainda menor no aparelho, e cada vez maior no conteúdo do jogo. O grande destaque desta época fica para Sony, que entrou de cabeça no mundo dos jogos com o Playstation, sucesso de vendas com seu primeiro console mais conhecido como PS1 (Playstation 1).
Deste momento em diante, a impressão que temos ao analisar a história dos jogos é que a tecnologia pisou fundo no acelerador e as inovações, antes mais espaçadas, passaram a acontecer de forma mais constante. Quase que numa versão digital da Guerra Fria, Microsoft e Sony mantêm uma briga constante pelo topo no mercado de jogos. São travadas batalhas para o melhor visual do console, pelos títulos mais fortes e exclusivos de cada plataforma, pela inovação na jogabilidade e pelo apelo ao jogador. Ao que tudo indica, essa batalha está longe de terminar.
Mas agora, vamos deixar os consoles um pouco de lado e focar em como a grande invenção da internet e a consolidação da rede global de computadores colaborou para o panorama atual do mundo dos games.
Podemos ficar horas e horas discutindo a respeito do desenvolvimento dos jogos junto da evolução da humanidade, mas, para entender como os jogos ganharam o ambiente online e se firmaram como uma potência do entretenimento. Vamos abordar aqui o principal precursor do que hoje conhecemos como Massive Multiplayer Online (MMO): o RPG de mesa.
O RPG, ou Role Playing Games, nada mais é do que um jogo de interpretar papéis. Ele surgiu como uma forma de adaptar jogos de tabuleiro, que restringiam a interpretação e ação dos personagens, para um ambiente ainda mais interativo. Com a influência de livros da literatura fantástica, as narrativas tornaram-se cada vez
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mais complexas e passaram a incluir seres destas mitologias, como Dragões, Orcs, Anões e Elfos. Era um prato cheio para os jogadores que gostavam de exercer a criatividade ao invés de ficarem presos em um mesmo papel do início ao fim do jogo. Em 1971, o lançamento do título “The Fantasy Game” foi considerado um marco na história deste tipo de jogo, uma vez que continha um manual para ensinar as pessoas a jogar. . Somente mais tarde vieram clássicos como Vampiro a Máscara e Dungeons&Dragons, que recentemente ganhou as telas ao aparecer na série Stranger Things.
Com a internet popularizada e a evolução em termos de desempenho e constituição dos computadores, o modelo de jogo no qual se baseia o RPG foi aos poucos migrando para rede. A primeira experiência nesse novo mundo aconteceu com os jogos MUD (multiuser dungeons), mas foi com os jogos do tipo FPS (First player shooter) que o mundo da internet começou a ser pouco a pouco dominado pelos jogadores. A interação nessa época ainda era restrita, não era possível jogar de forma massiva, então geralmente as partidas recebiam entre 2 e 3 jogadores simultâneos. O primeiro grande título desta época foi o Wolfeistein 3D, o qual podemos chamar de precursor de um dos grandes títulos que se fazem presentes até hoje. Se você, assim como eu, é um fã deste mundo, certeza que já escutou falar no nome Doom.
Somente no ano de 1995 os MMOs RPG, a junção do jogo massivo com o RPG de mesa que falamos anteriormente, começaram a ganhar o mundo digital. Foi com títulos como Meridian 59 e Ultima Online que este novo nicho passou a se destacar. Novos termos e novas formas de jogar passaram a fazer parte do cotidiano dos jogadores. Dentro dos jogos você possuía um Avatar, personagem criado com base nas escolhas do jogador e nas limitações do jogo; um mundo aberto com alterações constantes mesmo que você não estivesse conectado ao jogo e a possibilidade de formar grupos de jogadores para partilhar objetivos e conquistas.
Diferente dos títulos conhecidos até então, o MMO RPG não possui uma história finalizada, você pode jogar da forma que desejar
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e pelo tempo que desejar. Zerar o jogo não é uma possibilidade. Assim como aconteceu com os jogos projetados para console, os jogos voltados para o ambiente online também foram ganhando características e especificações conforme a época em que foram desenvolvidos. Aos poucos surgiram empresas especializadas no desenvolvimento e na publicação deste tipo de jogo. A Blizzard e seu gigante World of Warcraft, a Level Up que trouxe para o Brasil títulos como Ragnarök e Grand Chase e, mais recentemente, a Riot Games que ganhou as manchetes do mundo todo ao se destacar com campeonatos milionários de League of Legends.
A quantidade de jogadores simultâneos também aumentou de forma significante, de 2 ou 3 para a impressionante marca de 8 milhões de jogadores simultâneos, conquistada pelo League of Legends no ano de 2019.
Hoje, são diversas as possibilidades nesse mundo, os jogos deixaram de ser somente uma forma de diversão e passaram a alcançar o patamar de emprego dos sonhos para muitos jogadores, seja no desenvolvimento, na divulgação ou até mesmo no atendimento aos outros jogadores. Mas, por mais que a cultura dos jogos tenha crescido e se consolidado, o mundo gamer ainda é estigmatizado, principalmente sob o olhar dos que vivenciaram de longe essa transição, como um meio de entretenimento sem futuro e que possui os dias contados.
Além do entretenimento, os jogos também alcançaram outras proporções. Já é possível identificar instituições de ensino que utilizam os games como ferramenta de aprendizado, bem como grandes empresas que buscam nesta possibilidade uma maneira lúdica de informar os colaboradores e difundir a cultura empresarial. Foram desenvolvidos baralhos com situações reais que incentivam o aprimoramento de características pessoais, games para celular com o intuito de estimular a aprendizagem e a coordenação motora fina de crianças e jovens com problemas motores e até mesmo jogos focados na preservação da memória e que auxiliam a diminuir o esquecimento na vida adulta.
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Aquela história de que jogos não acrescentam e não dão futuro, caiu por terra. É possível pensar e traçar uma carreira sólida no mundo dos jogos e em diversas áreas do conhecimento, elas não estão mais restritas ao desenvolvimento de personagens e enredos como tempos atrás. É possível atuar com administração, marketing, tecnologia da informação, direito, economia, pedagogia, fisioterapia, psicologia, jornalismo e outras tantas áreas.
Outro fato que comprova o “boom” dos jogos eletrônicos é a crescente exposição midiática deste tema. Feiras como a Brasil Game Show (BGS) movimentam a economia da cidade de São Paulo e promovem a interação entre empreendedores e entusiastas deste universo. Campeonatos de esportes eletrônicos deixaram a cena underground para tomar as telas da televisão e lotar as arquibancadas de grandes estádios de futebol. Organizações visualizaram nos jogos uma tendência e apostaram em novos modelos de mercado, tornando-se referência na área e oferecendo serviços especializados a este público que cada vez torna-se mais seleto e exigente quando o assunto é aprimorar sua experiência de jogo.
Por trazer em si todo estigma que foi abordado anteriormente neste capítulo, o mundo dos jogos, mesmo cada vez mais abrangente, ainda encontra séria resistência quando tratamos do assunto inclusão. Para a maioria das pessoas, quando questionadas sobre a ideia que têm a respeito de um ambiente profissional voltado aos jogos, seja em qual for a área, o imaginário evoca a visão de um espaço predominantemente masculino, com poucas ou nenhuma mulher envolvida no processo. A mulher ainda aparece como figura coadjuvante neste panorama, mas veremos nos próximos capítulos que muita coisa ainda está para mudar.
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