Jornal Fala Favela 06 (Juventudes em Movimento)

ATÉ QUANDO VÃO MATAR OS NOSSOS?

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Entrevista com pesquisadora do projeto Juventudes em Movimento

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Crônica: “O Apocalipse do Alemão”: o fim do mundo chegou

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Porque o Rio de Janeiro tem o pior transporte público do mundo?

Foto: Hector Santos

Edição 06 / Rio de Janeiro / Complexo do Alemão / Maio 2019 / Distribuição Gratuita

Olá, Pessoal Estamos aqui novamente para conversar com vocês sobre alguns pontos que consideramos relevantes quando se trata de favela e periferia. Na edição passada falamos um pouco da história do Fala Favela e os desafios de fazer um jornal, de fato, comunitário. O retorno do Fala Favela nos colocou diante de novos desafios sem esquecer dos antigos. Para nós é importante criar pautas que dialoguem com o tecido social, por exemplo, do Complexo do Alemão e também com o restante da cidade, daí a necessidade de uma conversa ao pé do ouvido sobre temas que nos rodeiam e nos interessam.

Construímos com cuidado diálogos sobre moradia, direito à cidade, pesquisa de fluxo e ativismo juvenil, mobilidade urbana, contos e histórias curiosas, de modo que a sexta edição do Fala Favela possa chegar nas mãos de cada leitor(a) com um conteúdo rico, inserido na realidade local e prazeroso.

Cada uma dessas conversas está ancorada na perspectiva de desenvolvimento humano. E as e questões de direitos são fundamentais na construção de um mundo mais humano. Em outras palavras, na configuração de um mundo cujo diálogo, a pluralidade, a diversidade estejam sempre em movimento capaz de produzir locais de convivência e convívio mais interessantes para todos.

Aproveitamos para agradecer a todas as pessoas que gentilmente responderam os questionários da pesquisa sobre direito e cidadania do projeto Juventudes em Movimento e em breve devolveremos os resultados.

Boas energias e boa leitura.

Ricardo De Moura

Foto: Hector Santos

Ponto de Kombis da Praça de Inhaúma

MEU NOME É FAVELA

MEU NOME É FAVELA

O QUE AS FAVELAS NOS CONTAM SOBRE A CIDADE? por Thiago Matiolli

A pergunta que dá o título ao texto é um dos princípios que orienta a atuação do Instituto Raízes em Movimento nos últimos anos.

somam e complementam como se formassem capítulos de um livro.

Essa questão não tem uma resposta única e definitiva, como se todas as favelas formassem um conjunto unitário de experiências e biografias. Pelo contrário, são muitas as respostas possíveis, pois ricas e variadas são as trajetórias de cada favela. E essas trajetórias não competem entre si para saber qual é a mais verdadeira, pelo contrário, elas se

Por outro lado, essa pergunta propõe uma inversão na forma como se conta a história sobre os espaços, em particular, sobre as cidades e as favelas. De modo geral, a forma como as/os pesquisadoras/es trabalham a história segue um roteiro no qual, primeiro, os contextos mais amplos (o mundo, o país, o estado, a cidade) são caracterizados e, posteriormente, cada lugar em particular é estudado a partir da forma como refletem os fenômenos mais gerais (mundiais, nacionais, estaduais, urbanos/municipais).

No nosso caso, primeiro, seria descrito a vida nas cidades para, depois, tentar entender o que se passa nas favelas, como se estas somente pudessem ser o efeito do que acontece de errado (ou não acontece) nas cidades. E as favelas passam a ser pensadas sempre como indicativos das falhas na cidade. Como algo que não deu certo e deve ser consertado ou apagado.

Quando, de outra maneira, a gente descreve antes a trajetória de uma favela, focando em um tema ou não, para tentar entender depois o que acontece na cidade, essa favela deixa de ser apenas o reflexo do que se passa em outros contextos, para virar um critério que usamos para entender o restante da sociedade. Surge outro ponto de vista, muitas vezes silenciado nas formas oficiais de se contar a história, mas rico de alternativas de pensar e fazer a cidade.

Torna possível, por exemplo, pensar a importância das favelas para existência das cidades. Como dissemos em outro momento, o “rolé da favela, produz as cidades”, quer dizer, sem as/os trabalhadoras/es que moram nas favelas, a cidade não funciona. Sem as professoras/es, funcionárias/os da saúde, motoristas de ônibus, pedreiros etc. que saem diariamente para, honestamente, fazer seus trabalhos, a cidade pára. Na verdade, ela sequer poderia existir.

Pesquisadora do projeto Juventudes em Movimento fala sobre a aplicação da pesquisa de fluxo em 11 favelas do Complexo do Alemão.

J.M - A aplicação da pesquisa de fluxo do projeto Juventudes em Movimento terminou. Como você avalia essa etapa?

B.A - A avaliação é extremamente positiva ainda que o trabalho tenha sido exaustivo (risos). No decorrer desse quase um mês que estivemos em campo, tivemos a oportunidade de trabalhar com 20 jovens moradores/as do Complexo que fizeram esse levantamento. Sem dúvida, pudemos acumular uma série de informações e realizar aprendizados valiosos que servirão para qualificar os dados coletados, objetivo da próxima etapa do Projeto.

Isso, por um lado, mostra o engajamento e dedicação dos/das jovens na execução do trabalho, e valida a eficácia da metodologia desenvolvida pelo Ibase no sentido de possibilitar que eles/elas se envolvam numa experiência de pesquisa sobre a percepção das situações vividas pelos/as moradores/as, mas a partir de um enfoque de direitos. Nas conversas de avaliação que realizamos ficou evidente que esse momento serviu para que eles/elas aprofundassem o

conhecimento que têm sobre o território e sobre o que pensam os/as demais moradores/as.

J.M - Quantos questionários foram aplicados? Quais os principais pontos abordados? Quem era o público alvo?

B.A - A pesquisa teve uma amostra de 1903 questionários distribuídos segundo cotas de idade, sexo e comunidade, calculadas conforme a última fonte disponível que é o Censo Demográfico de 2010, do IBGE. De modo geral, nos interessou saber a opinião dos/as moradores/ as sobre suas condições de vida e sobre a efetivação de seus direitos. Mas também tivemos seções do questionário destinadas apenas aos/às jovens moradores/as e às mulheres (cis e transgêneros). Para esses dois públicos, abordamos questões sobre as relações de gênero, sobre a vida e direitos das juventudes e sobre o uso de tecnologias de informação e comunicação no Complexo.

J.M - Como foi a recepção dos(as) moradores(as) à pesquisa?

B.A - A recepção foi a mais diversa: os/as jovens relataram desde boas surpresas como elogios e a possibilidade de aprofundarem a conversa e o conhecimento que tinham do território, até situações de hostilidade em função da temática abordada na pesquisa, centrada principalmente na percepção sobre direitos humanos.

Especificamente, as questões de percepção sobre discriminação em função da orientação sexual e de gênero, foram bastante polemizadas. Reflexo do momento social e político que estamos vivendo: há uma onda de intolerância propagada por lideranças políticas e religiosas que se utilizam das tecnologias de informação (novas e antigas) para disseminar suas ideias contra a diversidade e os direitos humanos e essas ideias infelizmente fazem eco com parte da população.

J.M - Em março, foi realizado um encontro de formação específico para a pesquisa. Qual a importância deste momento? Poderia explicar como foi o processo?

B.A - A formação realizada com os/as jovens entrevistadores/as foi extremamente relevante para todo o desenrolar da pesquisa. Foi nesse momento eles/elas receberam treinamento específico para realização de pesquisa quantitativa e aplicação de questionários e puderam se apropriar dos conceitos e da metodologia que embasa.

Foram quatro dias em que tivemos a oportunidade de nos debruçar sobre os temas estruturantes da pesquisa e contar com a oportunidade de trocas muito profícuas entre os/as jovens, a equipe técnica do Projeto e parceiros/as históricos do Ibase que puderam contribuir com a formação.

Entre os temas abordados, tivemos: direitos humanos e indicadores de cidadania; gênero e sexualidade; a produção de dados e os olhares de cidadania; as pesquisas com juventudes; e procedimentos para realização de uma pesquisa quantitativa amostral. Também aprofundamos a metodologia do Sistema de Indicadores de Cidadania desenvolvido pelo Ibase já que o questionário foi elaborado visando a coleta de dados para produção de indicadores de Cidadania Percebida.

Estamos agora entrando na etapa final da pesquisa de dados para a construção dos primeiros Indicadores de Cidadania que compõem o Sistema INCID aplicado no Conjunto de Favelas do Alemão.

O passo agora é o processamento dos dados obtidos e, em conjunto com as e os jovens que participam do projeto, escolher os indicadores importantes, com maior aderência no território e que representam melhor a efetivação ou violação dos direitos que julgam importantes como bandeira de luta, denúncia e divulgação.

Estes indicadores irão compor o Sistema de Indicadores de Cidadania do Complexo do Alemão e servirão de base para as discussões nas Rodas de Diálogo que serão realizadas com ampla participação das juventudes, das mulheres e das organizações de cidadania ativa do Alemão, como etapa posterior do Projeto Juventudes em Movimento.

Tenho absoluta certeza que em qualquer local onde há o senso de comunidade já existiu, existe ou existirá um fato, uma curiosidade ou uma personagem especial que acaba se transformando em referência nas memórias dos moradores, né não?! Claro que é. Por exemplo, dentre tantas histórias que contaremos aqui sobre o Complexo do Alemão, esta do apagão – quase o “fim do mundo” - merece ser a primeira. Se fosse nos dias de hoje ia bombar nas redes sociais.

Sinceramente falando, não sei exatamente a data. Ouvi dizer que foi em maio de 1988, mas pode ter sido ali por volta do início da década de 90. De qualquer forma, quem não lembra aquele episódio pitoresco quando “todos(as)” acharam que era o “fim do mundo”? Verdade! Afinal, além de tudo ter ficado na escuridão total no Complexo do Alemão a gente assistiu um festival de cores no céu. Até o cheiro da maresia ficou mais intenso. Foi mesmo um momento assustador para muitas pessoas. Mas agora chega a ser um pouco engraçado.

Eu era moleque e lembro de estar na varanda de casa brincando. Tinha outras pessoas da família.

Todo mundo começou a orar. É sério. Tinha até gente correndo para as igrejas na intenção de “aceitar Jesus” e pedir perdão pelos

pecados. Boatos como esses são infinitos e cada um com sua pitada de emoção. Cada morador(a) vai recordar da sua maneira, vai depender da localidade que morava no Alemão na época, o que fazia no momento e como o ocorrido impactou em sua memória. Lamentável não termos tanto avanço tecnológico naquele dia. Quase não se tem registros desse apagão que aconteceu em boa parte da cidade do Rio de Janeiro. Hoje ia viralizar nos grupos de whatsapp e páginas do Facebook.

Diversos bairros sem luz, trens parados, quase não passavam carros nas ruas. Como minha casa era no alto da Avenida Central, no Morro do Alemão, a escuridão tomou conta de um grande perímetro aos olhos humanos, somente o aeroporto Galeão (hoje Tom Jobim) aceso, ostentava a força dos seus geradores de energia.

Lembro que até isso foi motivo nos comentários e burburinhos durante aquela noite.

Contar essa história hoje, nos dias em que vivemos, soa como piada. Mas, naquela época, há quase 30 anos (ou um pouco mais), foi realmente um acontecimento suficiente para marcar as nossas vidas. Agora quando a lembramos vem acompanhada de muitas risadas e versões.

Alguns dizem que foram dois balões que caíram ainda acesos na subestação da rede elétrica localizada lá no alto do morro. Tem matérias que narram um incêndio em Catumbi. De todo modo, entre certezas e incertezas, bacana é rememorar essa fábula entre os amigos e da r gostosas risadas.

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Em 2018, uma pesquisa realizada por uma consultoria americana avaliou 84 cidades de diversos países e concluiu que o Rio de Janeiro possui o pior sistema de transporte do mundo. A pesquisa considerou informações sobre o tempo de espera do transporte, o valor da passagem, a integração com modais e outros itens. Essa é a realidade vivida todos os dias por milhões de pessoas que se deslocam pela cidade em busca de trabalho, serviços públicos e oportunidades. E quando observamos o preço da tarifa, percebemos que custo pesa muito no bolso da população. Quantas pessoas já deixaram de acessar alguma oportunidade por falta de dinheiro da passagem?

Mas é importante lembrar que mobilidade urbana é muito mais do que o transporte. Dependendo de onde uma pessoa vive, do que precisa fazer durante o dia e do que tem no entorno de sua casa, sua viagem pode durar alguns minutos ou muitas horas. A experiência diária no deslocamento está diretamente relacionada com a forma como as oportunidades estão distribuídas na cidade. Se as pessoas moram longe de locais onde há empregos, serviços, comércio e lazer, elas precisam gastar mais tempo para acessá-los. Na região metropolitana do Rio de Janeiro, formada por 22 municípios, cerca de 2 milhões de pessoas precisam sair de seus municípios de residência e ir até a capital para trabalhar, área que concentra 74 % dos empregos. Ou seja, reconhecemos que é fundamental melhorar o sistema de transporte, conferindo mais qualidade, conforto e preço baixo para os usuários que circulam pela metrópole. No entanto, nossa visão sobre mobilidade urbana vai além disso. Por exemplo, é necessário que haja desenvolvimento urbano, social e econômico das periferias e favelas, gerando ofertas de trabalho e renda, de serviços e de lazer próximo ao local de moradia das pessoas.

Mas esse desenvolvimento não pode ser de cima para baixo, ou seja autoritário. Ele precisa da participação dos moradores que vivem e trabalham nos seus territórios, pois são eles que vão se apropriar, ou não, dos

benefícios. Infelizmente, muitos investimentos públicos realizados em favelas, sem participação social, durante o período dos megaeventos não trouxeram qualidade de vida para a população. No Complexo do Alemão, por exemplo, quem paga o preço são os moradores.

Portanto, a mobilidade é uma chave para a democratização do espaço urbano. A nossa luta pelo direito à cidade permanece atual e precisa alcançar um novo patamar de organização. Acumular conhecimento sobre esse tema, realizar processos formativos horizontais e promover espaços de troca de experiência e solidariedade entre organizações locais, movimentos populares, moradores, comunicadores e universidade. Essa é uma tarefa estratégica neste momento.

“Encrenqueira”, “barraqueira”, “maluca”, “garota”, “não sabe de nada”, e tantos outros nomes com os quais fui agraciada e só me motivaram a lutar ainda mais por meus Direitos. Como as pessoas por tão pouco vendem os sonhos e a dignidade de quem mais precisa? A luta já não era só pela minha casa e sim por milhares de famílias. A “maluca” conseguiu provar que estavam todos enganados. Geral ia ficar sem casa. Eu era tudo na boca de uns e outros... Mas seguia firme com minha fé em Deus (único que pode todas as coisas). É difícil ser do bem nesse meio. Eu precisei provar que lutava apenas pela minha casa pra poder ter espaço e acabar com desespero de pessoas que vende seus irmãos e se contentam com migalhas. Mas Deus é justo e sonda nossos corações. Me levou a lugares que eu jamais imaginei que poderia estar. Não pra eu ser reconhecida, mas pra mostrar quem é por mim.

Wallace Bidu

INSTITUTO RAÍZES EM MOVIMENTO End.: Avenida Central, 68 Complexo do Alemão - RJ Tel.: 21 2260-3998 IBASE End.: Rua Senador Dantas, 40 Cinelândia - Centro - RJ Tel.: 21 3083-1517 Realização

JORNAL FALA FAVELA Editor: Ricardo de Moura Projeto Gráfico: David Amen ilustrações: Silvana Si e Wallace Bidu Colaboradores(as): Alan Brum, Joice Cristh, Hector Santos, Renato Tutsis e Thiago Matiolli Tiragem: 2000 exemplares Distribuição Gratuita

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