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A PhysikUPDATE é a revista do Departamento de Física e Astronomia (DFA) da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) feita pelos alunos e para os alunos.
Todos os anos poderão encontrar uma nova edição desta mesma. Esta edição foi preparada pela nossa equipa do ano letivo 2023/2024 - Beatriz Salvador (2º Ano da Licenciatura em Engenharia Física), Guilherme Teixeira (3º ano de Licenciatura em Engenharia Física), Fábio Gaspar (2º Ano da Licenciatura em Engenharia Física), Diogo Pimenta (3º ano de Licenciatura em Engenharia Física), José Ascensão (3º ano de Licenciatura em Física), Marco Loureiro (3º ano de Licenciatura em Engenharia Física), Luís Vilaça (Mestrado em Engenharia Física), André Soares (Mestrado em Engenharia Física), Eva Rodrigues (3º ano da Licenciatura em Engenharia Física), Pilar Teixeira (3º ano da Licenciatura em Engenharia Física), Francisco Sequeira (2º Ano da Licenciatura em Engenharia Física), Francisco Frade (2º Ano da Licenciatura em Engenharia Física), Marta Oliveira (2º Ano da Licenciatura em Engenharia Física), Henrique Dias (3º Ano da Licenciatura em Engenharia Física – Atual Coordenador do Departamento de Integração).
De que fala a nossa revista? A PhysikUPDATE fornece-vos uma coletânea de artigos sobre temas relevantes e contemporâneos na física atual, bem como conteúdo que pode ser útil para os estudantes de física. Para além de certas atividades desenvolvidas no departamento, tais como PEEC’s, trabalhos realizados por alunos de mestrado ou doutoramento, poderão ainda encontrar entrevistas exclusivas a professores, testemunhos de alunos, artigos de opinião e jogos. Nesta edição, podem contar com um artigo sobre Computação Quântica, um artigo sobre o álbum “Ashlyn” da cantora norte-americana Ashe e um artigo sobre o mais recente Prémio Nobel da Física. Poderão, também, encontrar testemunhos de estudantes que obtiveram a Bolsa Gulbenkian, assim como uma entrevista exclusiva com o professor João Lima. E por último, mas não menos importante, teremos, além dos habituais passatempos, uma nova rubrica de poesia. Posto isto, a publicação desta revista teria sido impossível sem o apoio do DFA e do IPDJ, da Teresa Van Zeller (designer), da Leonor Andrade (Presidente do PhysikUP) e da participação especial de Magda Amorim (Mestrado em Engenharia Física), Ricardo Martinho (3º ano de Licenciatura em Física), Gonçalo Sousa (3º ano de Licenciatura em Engenharia Física), João Ferreira (3º ano de Licenciatura em Física), Fernando Maia (Ex-aluno do DFA e atualmente na Smartex), João Lima (Professor Auxiliar do DFA) e, claro, de vocês - os nossos leitores. Como sempre, a equipa da PhysikUPDATE deseja-vos uma boa leitura, e votos de um bom ano académico!
Pela Equipa,
Presidente
3. BRO ESTOU ENTRELAÇADO - INTRODUÇÃO À
COMPUTAÇÃO QUÂNTICA > FERNANDO MAIA
artigo técnico artigo de divulgação
7. PRÉMIO NOBEL DA FÍSICA 2023 > JOSÉ ASCENSÃO
9. ASHE - ASHLYN > MARCO LOUREIRO
11. SENTIR > JOSÉ ASCENSÃO
BOLSA GULBENKIAN NOVOS TALENTOS
12. MAGDA AMORIM
13. GONÇALO SOUSA
14. ENIGMA DOS CHAPÉUS
BOLSA GULBENKIAN NOVOS TALENTOS
15. JOÃO FERREIRA > FÍSICA
16. RICARDO MARQUES > MATEMÁTICA
17. PROFESSOR JOÃO LIMA
21. ÁLBUNS, LIVROS E FILMES
artigo de opinião poesia entrevista testemunho testemunho passatempo sugestões passatempos
22. SUDOKU, SOPA DE LETRAS, XADREZ, SOLUÇÕES DA EDIÇÃO ANTERIOR
1. Bro, estou entrelaçado! - Introdução à Computação Quântica
1.1 Um qubit..?
Apanhei-te no clickbait? Se sim, vou mostrar-te um cheirinho do mundo da Computação Quântica (CQ)! Imagina um computador que não opera apenas com uns e zeros, mas num caleidoscópio de possibilidades! Com um bit clássico, podemos ter o estado |ψ⟩ = |0⟩, ou |ψ⟩ = |1⟩ No entanto, num computador quântico podemos usar estados como |ψ⟩ = α|0⟩ + β|1⟩, onde α e β são número complexos, e |0⟩ e |1⟩ são vetores que correspondem a um estado de base. Repara que neste caso existe uma sobreposição de estados com infinitas combinações, o que dá à CQ um grande poder! É como ter uma moeda que é cara e coroa ao mesmo tempo! A sobreposição é efetivamente uma propriedade única dos qubits, que são a unidade fundamental de informação na Computação Quântica.
Imagina que temos uma sobreposição de estados de base com n qubits desta forma:
|φ⟩ = a0|00···00⟩ + a1|00···01⟩ + a2|00···10⟩ + ··· + a2n−1|11···11⟩
Se tivermos um número de qubits igual a 300, isso significa que temos 2300 ≈ 1090 coeficientes complexos a i de informação codificada nesses mesmos qubits. Só para teres uma ideia do quão poderoso isso é, vou deixar aqui um facto: o número de átomos no universo é menor que 1082! O que quer dizer que se quiséssemos codificar cada coeficiente complexo num átomo, não seria possível!
1.2 Porque é que a Computação Quântica é tão poderosa?
Para ilustrar as capacidades extraordinárias do processamento de dados quânticos, vamos usar um exemplo ultra-simplificado, mas que nos ajuda a compreender melhor (disclaimer para todos os experts na área). Suponha-se que precisamos calcular uma função f(x) para x = 0, 1, 2, 3 usando um computador clássico. Iríamos precisar de quatro cálculos separados: f(0), f(1), f(2) e f(3). Além disso, precisaríamos de armazenar x = 0, 1, 2, 3 em quatro registos de memória diferentes antes do cálculo. Pois bem, em computação quântica, só
POR FERNANDO MAIA \ / MAIA.ORTIGAO@SAPO.PT
necessitamos de construir um vetor |Ψ⟩, representado por uma combinação linear dos estados |0⟩, |1⟩, |2⟩ e |3⟩ como mostrado em baixo, e armazená-la num único registo quântico! A essência é utilizar um mecanismo que preserve a linearidade, produzindo o seguinte resultado:
f (|Ψ⟩) = f (0.5|0⟩ + 0.5|1⟩ + 0.5|2⟩ + 0.5|3⟩) = 0.5f(|0⟩) + 0.5f(|1⟩) + 0.5f(|2⟩) + 0.5f(|3⟩)
Esta abordagem permite a execução simultânea de todos os cálculos!
Em suma, o poder da computação quântica reside em dois aspetos chave. Primeiramente, requer apenas um sistema de n-qubits para armazenar um vetor num espaço de 2n dimensões. Por exemplo, com n = 300, precisaríamos de apenas 300 eletrões. Em contraste, um computador clássico teria que armazenar 2300 coeficientes complexos para caraterizar completamente um vetor no mesmo espaço dimensional, excedendo qualquer capacidade de memória clássica concebível. Em segundo lugar, graças à linearidade da mecânica quântica, podemos processar os cálculos de todos os estados simultaneamente. Para n = 300 , é possível executar 2300 cálculos de uma só vez, uma tarefa virtualmente impossível para um computador clássico. Este fenómeno é conhecido como paralelismo quântico!
1.3 Porque é que agora a computação quântica está tão na moda?
A computação quântica tornou-se cada vez mais popular por várias razões, refletindo o seu potencial
para revolucionar diversas áreas, o que é bastante interessante se quiseres trabalhar nesta área nos próximos anos. Este recente aumento de interesse começou em 2016 com a IBM, que causou um grande im- pacto no mundo tecnológico com uma iniciativa pioneira: Computação Quântica em Cloud disponível ao público geral pela primeira vez - mais à frente vamos ver um exemplo. Desde então, temos desde startups a grandes empresas a trabalhar nesta área, focando-se, por exemplo, no desenvolvimento de sistemas mais estáveis e com mais qubits, na criação de métodos de correção de erros e de novos e refinados algoritmos quânticos! Este ecossistema está a contribuir, e irá certamente continuar no futuro, com inúmeros avanços em Criptografia e Segurança, incluindo algoritmos como o de Shor, que teoricamente poderiam descodificar métodos de encriptação amplamente utilizados – este é definitivamente um tópico que vale a pena explorar mais a fundo [1]. Naturalmente, estes avanços também atraem um enorme interesse comercial e governamental. This is just the beginning!
1.4 Computação Quântica baseada em gates
Uma abordagem à computação quântica é a Gate Based . Consiste no seguinte: temos um estado de entrada a que chamamos input , passamos esse estado por um gate e obtemos um output, semelhante às operações lógicas na computação clássica.
FIGURA 1 - COMPUTAÇÃO QUÂNTICA BASEADA EM GATES.
Existe outro tipo de abordagem à CQ chamada de Quantum Annealing, que utiliza um processo de ajustes graduais para encontrar o estado de menor energia de um sistema, tornando-a particularmente adequada para resolver problemas de otimização. Mas, neste artigo, vamos focar-nos no Gate Model. Um exemplo de uma gate quântico é o NOT:
UNOT |0⟩ = |1⟩ UNOT |1⟩ = |0⟩
Bastante simples, certo? Nota que, se aplicares a porta UNOT a um estado base, representado aqui por um vetor na notação de Dirac (bra-ket), vais obter o outro vetor da mesma base. Neste caso, é muito semelhante a um NOT clássico. E quanto ao Hadamard gate?
H |0⟩ = (|0⟩ + |1⟩) = |+⟩
H |1⟩ = (|0⟩ − |1⟩) = |−⟩
Repara que se aplicarmos o Hadamard gate a um estado base, ele transforma esse estado numa sobreposição de estados |0⟩ e |1⟩! Este gate não tem um análogo clássico, como deves imaginar... Quando usamos mais do que um qubit, podemos ter portas como a porta XOR, também chamada de porta CNOT. Neste exemplo de 2 qubits abaixo apresentado, podemos ver que se o bit mais significativo (MSB) for igual a 0, o qubit alvo (neste caso, o bit menos significativo - LSB) permanecerá o mesmo. Mas, se o MSB for 1, o LSB troca de valor!
UXOR |00⟩ = |0,0 ⊕ 0⟩ = |0,0⟩ = |00⟩
UXOR |01⟩ = |0,0 ⊕ 1⟩ = |0,1⟩ = |01⟩
UXOR |10⟩ = |1,1 ⊕ 0⟩ = |1,1⟩ = |11⟩
UXOR |11⟩ = |1,1 ⊕ 1⟩ = |1,0⟩ = |10⟩
Existem muitos outros gates quânticos, estes são apenas alguns exemplos.
1.5 Algoritmo de Deutsch
Tomei a liberdade de vos mostrar um bocadinho do mundo da algoritmia quântica, e expor aqui o algoritmo de Deutsch. Escolhi este pois é mais simples e porque foi desenvolvido no ano em que nasci, 1998. Basicamente, através deste, conseguimos verificar se uma função booleana é constante ou não.
Função Booleana: f : {0, 1} -> {0, 1}
fA(0) = 0 e fA(1) = 0 -> constante
fB(0) = 0 e fB(1) = 1 -> não constante
fC(0) = 1 e fC(1) = 0 -> não constante
fD(0) = 1 e fD(1) = 1 -> constante
Classicamente, precisaríamos de duas operações para saber se a função é constante ou não: f(0) e f(1). No entanto, com a computação quântica, preci- samos apenas de uma operação!
Considerando este problema, vou descrever brevemente as partes do problema. Não te preocupes muito se não conseguires entender tudo à primeira. Se tiveres dúvidas, é só mandar-me um e-mail, e se eu souber respondo!
O algoritmo de Deutsch-Jozsa genérico confere um aumento exponencial de velocidade em relação ao clássico, o que realmente é fascinante. Para implementar o algoritmo de Deutsch, é necessário:
1. Criar um Quantum Oracle ou Oráculo Quântico - tipicamente é o que codifica a função, objeto de estudo. Sendo um oráculo, muitas vezes não sabemos como ele é implementado. A única coisa que sabemos é que o seu comportamento está relacionado com o problema que estamos a tentar resolver. Neste caso, o problema está relacionado com a função f(x).
Um oráculo pode ser tão simples quanto a matriz identidade, mas geralmente é complexo e requer alguns sistemas físicos para implementá-lo. Mais à frente vamos criar um ambiente com um oráculo equivalente quando precisarmos de testar o nosso circuito (sim vamos construir o circuito deste algoritmo!). Mas na maioria das vezes, podemos tratar Uf como uma caixa preta.
2. Criar uma sobreposição quântica na entrada - acho que não é estranho pensar que precisamos que a entrada seja uma sobreposição quântica de estados, uma vez que queremos usar o poder do paralelismo quântico para calcular a função usando diferentes vetores de base simultaneamente.
3. Usar o Oráculo Quântico para efetuar cálculos - aplicamos o oráculo à sobreposição quântica. Para este exemplo, podemos inicialmente usar um oráculo que é apenas uma matriz identidade, que, como já sabemos, codi- fica uma função constante.
4. Medir o MSB - Se obtivermos |0⟩, significa que f(x) é constante; se me- dirmos |1⟩, a função não é constante. Vejamos ao detalhe neste esquemático:
Analisando a figura, torna-se mais claro o funcionamento deste algoritmo. Os 2 qubits à esquerda são inicializados em |0⟩ . Uma porta UNOT é aplicada ao LSB. Em seguida, criamos um estado de sobreposição quântica, aplicando o Hadamard gate a ambos os qubits. Passamos então pelo Oráculo e finalmente aplicamos um Hadamard gate ao MSB e medimo-lo. Se o MSB for |0⟩, a função é constante; se for |1⟩, não o é.
Desafio-te a construir este circuito quântico no IBM-Q [3] e a executá-lo utilizando um computador quântico real! Usa o gate identidade para ambos os qubits como o teu oráculo! Nesse caso, a função f(x) é constante
ou não? O que acontece se em vez do gate identidade, tivermos um CNOT como oráculo aplicado ao MSB como qubit de controlo e ao LSB como qubit alvo?
1.6 Future
Acredito que este é um momento incrível para estar vivo! Estamos a era na era NISQ - noisy intermediate-scale quantum, tempos repletos de potencial para a computação quântica [4]! Nesta fase, dá-se prioridade à exploração de algoritmos híbridos (quanto-clássicos) e desta forma pretende-se quebrar barreiras e limites da tecnologia, especialmente na resolução de problemas complexos. No entanto, ainda estamos a descobrir as capacidades completas desta era. Os computadores quânticos são muito propensos a erros e suscetíveis a ruídos - os qubits são extremamente sensíveis a perturbações ambientais e pequenas imperfeições do hardware. Por essa razão, há um grande foco em desenhar algoritmos resistentes a ruídos para melhorar o seu desempenho.
O potencial da tecnologia NISQ gera ainda alguma controvérsia [4]. Nesse sentido, o desenvolvimento constante é fundamental para obtermos uma CQ mais robusta e capaz de ultrapassar as limitações atuais. O caminho para desbloquear todas as potencialidades da computação quântica é longo, mas as perspetivas e descobertas ao longo do caminho são emocionantes e promissoras!
[1] minutephysics. How Quantum Computers Break Encryption | Shor’s Algorithm Explained. url: https://www. youtube.com/watch?v=lvTqbM5Dq4Q.
[2] Hiu Yung Wong. Introduction to Quantum Computing: From a Layperson to a Programmer in 30 Steps. Springer, 2022.
[3] IBM Quantum Composer. url: https:// quantum.ibm.com/composer/ files/new.
[4] John Preskill. Quantum Computing in the NISQ era and beyond, 2018. doi: 10.48550/ARXIV.1801.00862. url: https://arxiv.org/abs/1801. 00862.
Desde o ano de 1901, as descobertas mais marcantes no mundo da Física são laureadas anualmente com o Prémio Nobel da Física. Esta prestigiada distinção é presenteada pela Royal Swedish Academy of Sciences em colaboração com a Fundação Nobel, uma instituição privada fundada com o intuito de honrar o último desejo de Alfred Nobel. No seu último ano de vida, o químico e engenheiro sueco, creditado com a invenção da dinamite, eternizou por escrito numa carta a sua vontade de que, após a sua morte, a sua fortuna fosse utilizada para homenagear anualmente os que, no ano em questão, mais contribuíram para a Humanidade nas áreas da Física, Química, Medicina, Literatura e Paz. Entre os 224 vencedores da Prémio Nobel da Física até à data encontram-se vários dos grandes físicos modernos, como Marie Curie (1903), Max Planck (1918), Albert Einstein (1921) e Richard Feynman (1965).
No ano de 2023, o Prémio Nobel da Física foi entregue a três cientistas, Anne L’Huillier, Ferenc Krausz e Pierre Agostini, pela sua colaboração no desenvolvimento de métodos experimentais para gerar pulsos eletromagnéticos na escala do attosegundo (10-18 segundos!). Estes pulsos mostram-se de grande importância e possuem potenciais aplicações em áreas desde a eletrónica à medicina, visto que tornam possíveis medições à escala temporal do eletrão, permitindo estudar o movimento destas partículas e os fenómenos internos da matéria com grande detalhe. >
O processo utilizado na obtenção destes pulsos ultra-rápidos toma base no trabalho de Fourier, que enuncia o facto de que qualquer forma de onda pode ser produzida a partir da combinação de ondas sinusoidais com a amplitude e frequência adequadas, e numa técnica desenvolvida por Anne L’Huillier. Em 1987, a física nascida em Paris, em conjunto com os seus colaboradores, conseguiu produzir overtones (harmónicos) utilizando lasers no infravermelho transmitidos por um gás nobre. A luz do laser, ao passar pelo gás, distorce os campos elétricos que mantêm os eletrões ligados aos seus núcleos atómicos, permitindo que alguns escapem mesmo dos átomos. No entanto, devido à oscilação dos campos que constituem o feixe de luz, a distorção do campo elétrico irá inverter de sentido e o eletrão será “puxado” de volta para o átomo, libertando o excesso de energia que captou do feixe sob a forma de pulsos de luz, que criam esses overtones
curiosidade
Sabias que Anne L’Huillier tem ligações à FCUP? A agora professora na Universidade de Lund é co-fundadora da Sphere Ultrafast Photonics, uma spin-off com sede na nossa faculdade e, em 2012, oritentou a tese do então estudante de doutoramento em Física, Miguel Miranda, em conjunto com o professor Hélder Crespo.
Posteriormente, Pierre Agostini e o seu grupo de investigação tiveram sucesso na produção e investigação de uma série de pulsos consecutivos, o que permitiu obter uma medição para a duração de cada um dos pulsos, resultado esse que foi de cerca de 250 attosegundos. Simultaneamente, Ferenc Krausz e o seu grupo trabalhavam numa técnica capaz de selecionar um pulso único, tendo mesmo conseguido isolar um pulso de 650 attosegundos, que foi utilizado no estudo de um processo no qual os eletrões eram “puxados” para fora dos seus átomos. Ambas experiências demonstraram que os pulsos à escala do attosegundo podem ser medidos e utilizados em novas aplicações tecnológicas. Quando deparado com a questão “Estes pulsos à escala do attosegundo permitem visualizar a quimíca em ação, ver à escala temporal do eletrão. O que é que mais o entusiasma sobre esta possiblidade?”, Ferenc Krausz refere que é sempre entusiasmante poder ver algo que ninguém podia ver antes e que nunca esquecerá o momento em que, no seu laboratório em Viena, em 2001, conseguiram pela primeira vez observar a dinâmica do eletrão. O físico húngaro-austríaco destaca também o facto de que estes pulsos são uma ferramenta que permite o desenvolvimento de novos modelos, que simplificam a descrição de sistemas complexos como os átomos, permitindo a utilização da tecnologia computacional atual para o seu estudo. Ao longo dos anos, vários sucessos dignos de Prémio Nobel baseraram-se no estudo da luz e das suas aplicações, como por exemplo a invenção do LASER e do MASER (Townes, Basov e Prokorov), premiada em 1964, ou a criação do LED azul (Akasaki, Amano e Nakaramura), distinguida em 2014. Assim, este esforço científico, acompanhado por uma vasta lista de descobertas, leva a que, mais uma vez, tenha sido distinguido um breakthrough na área da Ótica e Fotónica que promete “iluminar” o futuro da Física.
[1] https://noticias.up.pt/2023/10/03/ nobel-da-fisica-2023-entregue-a-cofundadora-de-spin-off-da-fcup/ [2] https://www.nobelprize.org/prizes/ physics/2023/popular-information/ [3] https://spie.org/news/laser-nobel-prizes-poster-2023-update#_=_ [4] https://www.nobelprize.org/prizes/ physics/2023/krausz/interview/
Ashe é o nome artístico da cantautora Ashlyn Rae Wilson, nascida na primavera de 1993 na Califórnia. O seu álbum de debut, Ashlyn, foi lançado a 7 de maio de 2021, depois de vários singles e EPs, e é essencialmente um tributo a uma relação amorosa e às consequências do seu fim.
O álbum inteiro tem um som bastante característico: é claramente um álbum Pop, mas é possível notar influências do jazz, nomeadamente na estrutura harmónica de várias das canções, como “When I’m Older”. A voz da artista, bem como a forma como compõe, são reminiscentes de vozes contemporâneas como Billie Eilish ou Stephen Sanchez. O álbum abre com uma música em colaboração com FINNEAS, “Till Forever Falls Apart”, que serve como uma canção de amor cheia de maus presságios. A música começa num tom gentil, e Ashe canta sobre como o amor é tudo o que importa; à medida que atinge o clímax, no bridge e no último refrão, o fim da relação mostra-se inexorável, e as palavras adquirem um significado de consciência desse fim (“I swear that I’ll be yours forever ‘till forever falls apart”. Esta ideia propaga-se para a canção “I’m Fine”, onde se evidencia a dependência emocional. Ashe fala do seu mau estar mental e do apoio que encontra somente no seu parceiro. O primeiro ponto de viragem do álbum está em “Love Is Not Enough”, balada na qual Ashe reconhece aquilo que já evidenciava no princípio do álbum: o amor de facto não chega (“It takes a lot more than a ring, more than a vow, more than a promise”). O sentimento de apoio incondicional que sentia em “I’m Fine” é substituído pela sensação de não ser vista por quem ama. Fundamentalmente, esta canção serve como ilustração do tormento de reconhecer que a relação está terminada. Ashe prossegue culpando o facto de terem começado a relação muito jovens, na doce e melancólica “When I’m Older”, cantada quase como se fosse uma canção de embalar, ideias que se mantém em “Taylor”. Em seguida, vem a raiva de Ashe contra o seu ex-parceiro: em “Me Without You”, a artista apercebe-se de que não precisa tanto do seu parceiro como ele a queria fazer crer, enquanto que em “Save Myself” mostra arrependimento por ter perdido tempo numa relação impossível. Esta raiva é superada em “Not Mad Anymore”, em que Ashe
reconhece os próprios erros e deixa o arrependimento desaparecer (“Oh babe, you’re the best mistake I made”). Estas três canções são mexidas, quase cinemáticas, ilustrando bem a raiva, o arrependimento, e a aceitação.
Na canção seguinte, “Always”, Ashe pondera sobre se o término é a melhor decisão para o seu parceiro, aceitando ainda que o amor que por ele sentia nunca desaparecerá completamente. A parte instrumental no final introduz o maior hit do álbum, “Moral of The Story”. Nesta balada, o piano indeciso reflete a nova perceção do quão disfuncional era a sua relação, e dos abusos que a artista sofreu durante esta. Ashe decide levar os acontecimentos como lições (“Some mistake get made, that’s alright, that’s okay, you can think that you’re in love when you’re really just in pain”), até ao bridge, em que a ideia de dúvida sobre se valeu a pena o sofrimento por estas lições prevalece. A afirmação do refrão é alterada para “Some mistake get made, that’s alright, that’s okay, you can think that you’re in love when you’re really just engaged”. Uma versão desta música com Niall Horan serve de bonus track.
Finalmente pronta para a superação, Ashe decide procurar relações sem significado, de forma a impedir-se de cair no mesmo ciclo de abuso e dependência emocional, desejando deixar de ser uma “Serial Monogamist”. Dos instrumentos usados nesta canção, destacam-se as guitarras, o baixo e o cravo, que servem para modificar de forma fluida o tom da música entre o verso e o refrão.
Antes de terminar o álbum, surge a única canção que em nada se relaciona com o resto do álbum, e que, a meu ver, será a balada mais impressionante de Ashe: em “Ryne’s Song”, Ashe faz um tributo belíssimo ao seu irmão, Ryne, que morreu de overdose. O luto de Ashe começa com apatia e uma certa negação. Embora os instrumentos mostrem sempre melancolia, a sua voz mantém-se estável e quase monótona até ao refrão, em que surge um arrependimento doce em não ter estado suficientemente presente (“We always think we’ve got time, but there’s no time before it’s over”). A contenção de Ashe decai no último refrão e no bridge, desaparecendo por completo num grito de pura dor (“Yeah I’d like to think if I had known there were only some hours left before you were gone forever”).
Resumindo o album, Ashe fecha com “Kansas”, uma canção dissonante e com tom bastante conclusivo. A autora conclui que vale a pena arriscar o coração, mesmo que seja inevitável que este se parta. De facto, o refrão serve para indicar tanto esta ideia de que a dor virá como a de que a dor também não será para sempre (“It’s only a matter of time.”).
Em conclusão, recomendo vivamente que ouçam este álbum, e a obra da Ashe no geral, caso queiram ouvir um género de Pop original, sincero e, acima de tudo, bonito. Será com certeza uma experiência enriquecedora e, espero eu, prazerosa.
>
POR JOSÉ ASCENSÃO
Sentir o que não se sente
Imaterial, não palpável
Presente mas inexistente
Em mim real, fora intocável
Por mais que muita saiba
Na ciência não há explicação
Quanto mais o cérebro sabe
Mais o coração vive em contradição
E aí está a maldição do ser humano
Pensar e sentir
Ninguém sabe o que pensa quando sente
Ninguém sabe o que sente quando pensa
Nunca ninguém consegue decidir
Pensar, com sentimento contra a corrente
Sentir, com pensamento já na sentença
E só no último verso, frio,
É que se chega ao problema
Ninguém sabe se pensou ou sentiu
Enquanto escrevia o seu poema
Olá!
Sou a Magda Amorim, tenho 21 anos e sou estudante do primeiro ano do mestrado em Engenharia Física na Universidade do Porto. Iniciei o meu percurso universitário em 2020 na Licenciatura em Engenharia Física na Universidade do Porto. Desde sempre desenvolvi o gosto pela Matemática Aplicada e Física, sendo que as áreas de software, robótica, eletromagnetismo, mecânica e eletrónica me foram captando o interesse. Por isso a escolha de um curso de Engenharia Física partiu da oportunidade de abordar todas estas áreas e poder desenvolver algumas delas mais profundamente.
Durante a licenciatura o meu principal foco foi adquirir bastante conhecimento. É de facto um curso bastante exigente, que requer muito desenvolvimento de raciocínio e toda uma nova forma e perspetiva de abordar as questões da física, o que torna estes anos de aprendizagem mais teórica muito desafiantes. Tive acesso a um leque extremamente diversificado de áreas científicas que me permitiu conhecer melhor os meus interesses. Sendo um curso partilhado pela Faculdade de Ciências e de Engenharia, permite-nos uma perspetiva na área quer da investigação quer da indústria e assim descobrir com qual mais nos identificamos. No meu caso, desenvolvi muito o gosto pela indústria, inovação e desenvolvimento, e pelos desafios que esta nos coloca. É de facto bastante entusiasmante poder inovar e responder às necessidades tecnológicas que a sociedade procura. No último ano da licenciatura, com alicerces mais fortes no conhecimento teórico, decidi candidatar-me a uma Bolsa Gulbenkian Novos Talentos 2022 a qual vim a desenvolver ao longo de todo o ano letivo no tema Inteligência Artificial Quântica: Aplicação de tecnologias de informação quântica em “machine learning”.
Esta foi uma das experiências mais enriquecedoras que tive até agora. Tive o meu primeiro contacto com a área de Machine Learning, desenvolvi bastantes conhecimentos teóricos e práticos neste ramo que se veio a revelar fascinante. Além disso criei uma extensa rede de networking com excelentes investigadores das diversas áreas científicas e pude partilhar este percurso com alunos de todo o
país. Foi certamente uma experiência extraordinária e que me permitiu evoluir não só intelectualmente, mas também no desenvolvimento de soft skills de comunicação, exposição pública, e partilha. Após terminar a licenciatura decidi iniciar o meu percurso profissional num estágio de verão. Para isso contactei algumas empresas de maior interesse na área de inteligência artificial, software, robótica e automação. Surgiu a oportunidade de fazê-lo na Smartex AI aonde trabalhei como Data & Business Analyst durante 8 meses. Esta experiência, para além de permitir aplicar e desenvolver competências técnicas fez-me também tomar consciência das minhas maiores dificuldades, nomeadamente em adaptar-me a um ambiente com muitas pessoas em que tinha de comunicar eficazmente para transmitir os meus pontos de vista. Percebi a importância de soft skills de liderança, comunicação eficaz, inteligência emocional. A Smartex recebeu-me muito bem e permitiu-me aos poucos ir colmatando estas lacunas que não são tão desenvolvidas no meio académico. Atualmente fui selecionada para uma bolsa de investigação no grupo VCMI (Visual Computing and Machine Intelligence) do INESC TEC, aonde vou trabalhar no desenvolvimento de métodos baseados em Vision-Language Models para pesquisa de informação médica multimodal. Quanto a perspetivas para o futuro, procuro sempre oportunidades de alcançar mais conhecimentos na área de inteligência artificial, quer visão quer linguagem. Não excluindo que, com a formação adquirida, possa vir a integrar projetos nos ramos da robótica, software e computação quântica, área que despertam o meu interesse.
Em relação à minha formação penso que não há nada de muito relevante a comentar. Posso referir talvez que fiz toda a minha escolaridade frequentando escolas da cidade onde continuo a habitar, Vila Nova de Gaia, sempre combinando os estudos com a prática desportiva e nunca com grandes expectativas em relação ao futuro. Olhando para trás, consciente da minha posição atual, não deixa de ser interessante o facto de não ter criado nenhum plano que me trouxesse até aqui. Poderia ser levado a pensar que esta falta de planeamento limitou o meu percurso, no entanto sinto que foi a ingenuidade das minhas decisões, baseadas quase no instinto, que me fizeram perceber o quanto gostava de Física, guiando-me até ao preciso momento em que me encontro, escrevendo este testemunho para a revista do Núcleo de estudantes de Física da Universidade do Porto.
É a estudar Física que me sinto bem, e foi a estudar Física Computacional que me deparei pela primeira vez com a bolsa ‘Novos Talentos’, numa sessão de dúvidas com o professor João Viana Lopes. Após ouvir a sugestão do professor, fui pesquisar sobre a bolsa e descobri que para além do apoio financeiro, a mesma oferece a oportunidade de desenvolver um projeto de investigação numa área de interesse. Apesar de ainda não ter nenhuma ideia do tipo de trabalho que pretendia desenvolver, vi com muito bons olhos esta oportunidade, e comecei a tratar da candidatura logo no verão. O processo de candidatura foi bastante simples, contando com a participação da professora Fátima Mota e do professor Eduardo Castro, a quem agradeço aqui a atenção prestada, que escreveram as cartas de recomendação necessárias. Acho justo também mencionar uma ex-bolseira e estudante de Engenharia Física da UP, a Magda Amorim, que de certa forma me incentivou a participar neste projeto, fazendo comigo aquilo que me proponho a escrever nesta carta, contando a sua experiência como bolseira da Gulbenkian – é ótimo poder aprender com a partilha de pessoas mais experientes. Após finalizar a candidatura, não pensei mais no assunto nem criei, mais uma vez, nenhuma espectativa sobre o futuro, até ao dia, em finais de outubro, em que recebo um e-mail da Fundação com a radiante notícia de que tinha sido selecionado como bolseiro. Curiosamente, a notificação surgiu no mesmo dia da palestra sobre Computação Quântica dada pelo professor Duarte Magano, na FCUP. Cativado pelo tema, decidi abordar o
professor Duarte com a possibilidade de ser meu tutor num projeto de Computação Quântica, ao que o mesmo respondeu positivamente e é com ele que me encontro a tentar desenvolver um algoritmo de clustering baseado em quantum random walks. O trabalho de investigação tem sido tranquilo e bastante flexível quando conjugado com os deveres académicos, e a própria Fundação não impõe qualquer tipo de pressão para o desenvolvimento do trabalho, respeitando o ritmo de cada um. Depois de ter passado por bibliografia aconselhada pelo meu orientador, atualmente tento implementar um algoritmo de clustering com walkers clássicos. Para finalizar gostaria de salientar que esta experiência tem sido extremamente enriquecedora, onde para além do meu trabalho já consegui conviver e criar contactos com outros bolseiros das mais diversas áreas científicas englobadas pela bolsa, aprendendo com a maneira de pensar de todos eles. Gostaria sinceramente de ainda deixar algum conselho ao leitor, porém como sinto que não tenho capacidade para o fazer, deixo apenas algo que levo cada vez mais a sério e que funcionou comigo: procurem ser fiéis à pessoa que são.
Quatro prisioneiros foram submetidos a um teste para que possam ser libertados. O seu objetivo é um deles dizer em voz alta a cor do seu próprio chapéu.
AS REGRAS SÃO AS SEGUINTES:
Existem 4 chapéus, 2 brancos e 2 pretos (e os prisioneiros têm esta informação)
Ninguém sabe a cor do seu próprio chapéu
Os prisioneiros estão organizados tal como na figura, de tal forma que: o 1 consegue ver o 2 e o 3; o 2 consegue ver o 3; o 3 e o 4 não conseguem ver ninguém porque há uma parede entre eles
Os prisioneiros não podem falar entre si
COMO É QUE PELO MENOS UM PRISIONEIRO PODE TER A CERTEZA DA COR DO SEU CHAPÉU?
Chamo-me João Ferreira e estou no 3º ano da Licenciatura em Física. Apesar de atualmente sentir que o meu lugar é na física, inicialmente o meu chamamento foi na verdade para a matemática. Desde novo que tenho um enorme gosto em resolver problemas de matemática, sentindo sempre uma certa repulsa à física devido à forma dogmática como era lecionada. Quando começaram os confinamentos, o meu interesse levou-me a aproveitar o meu recém-adquirido tempo livre para mergulhar nos livros e estudar matemática muito além do que era exigido de mim. Durante este percurso, tive a companhia de um amigo, também ele autodidata, com quem discutia os temas que ambos íamos estudando e juntos desafiávamo-nos com problemas de matemática e física. Foi durante estas discussões que o meu interesse na física nasceu e me levou a seguir física.
Após ingressar na universidade, mantive os meus hábitos autodidatas e continuei a estudar diversos tópicos não lecionados, nunca deixando a minha curiosidade desvanecer. Em retrospetiva, este estudo autónomo teve um grande impacto, não só no meu sucesso académico, mas também na forma como estudo e como abordo problemas. Outras coisas que me influenciaram bastante foram a infame “técnica do apagador” e os TPCs de Física Computacional, devido aos problemas desafiantes que enfrentei e as discussões que tive com colegas.
Foi no início do meu segundo ano que tomei conhecimento da bolsa “Novos Talentos” da Fundação Calouste Gulbenkian por meio de dois bolseiros. No entanto, foi só no meu terceiro ano, assumindo já ter os conhecimentos e maturidade necessários, que me decidi candidatar a esta bolsa. Nesta bolsa encontro-me a trabalhar num projeto com o professor João Viana Lopes na área de ótica não linear, no qual me insiro num ambiente colaborativo com outros estudantes desta área, do qual tenho apreciado bastante. Devo admitir que não tem sido uma tarefa fácil equilibrar as minhas obrigações académicas com o projeto, mas tem sido uma experiência muito enriquecedora e que recomendo a qualquer um que esteja interessado em seguir investigação. Para terminar deixo alguns conselhos: lembrem-se sempre do porquê de terem escolhido física e nunca deixem a vossa curiosidade e vontade morrerem, valorizem os vossos amigos, porque física não se faz sozinho e, é claro, não se esqueçam de marcar presença nos jantares de curso!
O meu percurso pela licenciatura em física poder-se-ia descrever como pouco usual. No secundário os meus interesses eram mais matemáticos do que físicos, e estive muito tempo indeciso sobre que curso escolher. Salvou-me de três anos no departamento do lado, a Escola de Verão de Física do Porto, que me impressionou muito mais do que a correspondente de matemática. Tive a oportunidade de ter como monitor o João Pedro Pires, e depois de uma semana intensa de molas e sinais de luz estava convencido. Entraria em física. No meu primeiro ano tive laboratórios por Zoom, fui bolseiro Gulbenkian+, amaldiçoei novamente o maldito chinês que decidiu comer o maldito morcego e me levou a estar mais uma vez (agora intermitentemente) metade do ano fechado em casa e a perder a queima depois de não ter tido viagens de finalistas, e decidi que provavelmente iria para mestrado em Matemática. No segundo ano, tendo tido a sorte de não ter renovado a bolsa Gulbenkian+ (que terrível hábito, este das coisas importantes na vida serem quase sempre fortuitas) tomei conhecimento da bolsa Novos Talentos e candidatei-me na área da Matemática. Não só recebi um aumento (sempre agradável), mas, o que era o mais importante para mim, teria acesso a um tutor que me orientaria numa iniciação à investigação. Como podem imaginar, é menor a vontade dos selecionadores para a Gulbenkian a dar uma das bolsas de Matemática a um estrangeiro do que a um dos seus, pelo que foi vital (disseram-me depois) ter dito que procuraria um mestrado na área. Fiz um projeto com o Professor António Machiavelo em Teoria de Números, tendo passado aproximadamente metade do ano em formas quadráticas e a aprender Teoria de Números, e a segunda metade com a aritmética dos Quaterniões de Hurwitz. Aprendi imenso, e recomendo que todos os interessados em física ou matemática se candidatem à bolsa. Não é fácil, mas vale a pena o esforço. Dizem que os conselhos que damos são os que gostávamos de ter ouvido. É provavelmente verdade. Deixo-vos alguns, de qualquer forma. Trabalhem assiduamente, e tudo o resto fica mais fácil. Vão aos jantares de curso. Juntem-se à Tuna.
[DIOGO RAMOS]: É notória a sua ligação à astronomia; tendo em conta o seu percurso académico, é capaz de situar o início dessa paixão?
[JOÃO LIMA]: A minha paixão sempre foi pela Física, talvez desde o 8.º com as experiências de eletricidade. E depois, no 10º tive uma professora muito motivadora, 30 anos depois acabei por descobrir que era cunhada do professor Lopes dos Santos. A ligação à astronomia foi circunstancial, muito depois. Eu gostava de Física e sabia que era para Física que queria ir. Os meus pais tentaram demover-me, porque eu tinha boas notas e é suposto os alunos com boas notas irem para medicina. Eu tinha um avô que era médico. Um dia o meu pai foi à faculdade e trouxe um panfleto de um novo curso, Física e Matemática Aplicada, ramo da Astronomia, e disse – tens aqui uma coisa nova. Pelo menos este panfleto não diz só Física! Pode ser que te safes, não morras à fome (risos). Que foi o que acabei por seguir. Portanto nunca tive uma paixão por astronomia, nunca tive um telescópio, simplesmente adorava Física. E, portanto, acabei por ir parar nesse curso. A astrofísica acabou por ser uma consequência disso.
Porque escolheu seguir a carreira de professor em física e não medicina?
Talvez não tivesse noção na altura. Primeiro, a medicina nunca me atraiu. Eu acho, que, por exemplo, para ser médico é preciso ser sobretudo um bom comunicador e na altura eu era mais introvertido. Agora seria a parte mais interessante, a ligação, porque o que eu gosto de fazer é dar aulas, mais do que tudo o resto. Não sei porquê (risos)! Mas na altura não sabia disso. Não me arrependo nada da parte técnica, adoro astrofísica, Física, investigação - eu faço na prática aplicações de
modelos de estrelas, que são modelos que emanam da Física. Mas adoro também o lado humano, o lado de contacto com os alunos agora. A parte que provavelmente terá a ver com algo que nasce connosco. A primeira vez que dei uma aula, a uma turma de 20 e tal, entrei e senti-me logo confortável. Mas antes pensei, vou me sentir um peixe fora de água, mas foi o oposto, foi uma atração que é difícil de explicar– o meu pai era professor, mas nunca quis que eu fosse professor.
O que o motivou a ser professor?
Tem de ser uma vocação (ser professor). Não é que tenha sido esse o apelo, fui mais pelo lado da Física, da Astrofísica. Mas sinto que, quem tiver um talento natural para comunicar, para fazer a ligação, olhar nos olhos, (…) provavelmente no início não era assim tão fácil para mim, mas tem de haver de alguma forma uma apetência natural inata para comunicar, pelo menos ter o gosto de explicar, e eu tinha esse gosto. Lembro-me que quando andava na escola, comecei a dar explicações no 10.º ano, a alunos mais novos, e descobri logo ali o gosto por explicar as coisas, o que acho muito importante.
E agora se não desse aulas, ia ser tão feliz?
[JOÃO LIMA]: Ia me sentir muito infeliz, tenho a certeza. A parte mais interessante são as aulas. Gosto da parte de investigação, da parte da relação humana, como quando converso com colegas, mas a investigação científica, é muito solitária. Agora cada vez mais em equipa, felizmente, mas grande parte é sozinho e para isso temos de ter uma autodisciplina que eu creio que provavelmente não terei tanto como deveria. Para mim, é interessante também discutir esse tal lado mais humano que se tem completamente a dar aulas. Acho que a aula não é
só dedicar matéria, é muito mais que isso. E quando foi o confinamento do COVID, ficou claro que muita da informação que se passa numa sala de aula, a chamada informação não verbal, não é informação que se consegue transmitir através duma câmara, portanto as aulas ficam muito mais impessoais. Eu acho que a comunicação entre humanos tem uma percentagem significativa de informação não verbal.
Quando se reformar com o que é que se pretende ocupar?
Já começo a pensar o que é que eu vou fazer. Eu vou para casa porque eu não tenho grandes hobbies, não gosto de plantar (risos), há pessoas que vão para casa e têm grandes obras, vão pintar os muros, e digamos, eu seria terrível porque não tenho jeito nenhum. Ou arranjo algum hobby ou jogar golfe que é um hobby de velhos, apesar do golf ser conotado como desporto de férias, não é um desporto de férias. Em Portugal é um desporto de velhos e ricos, já lá fora não precisam de ser ricos e o desporto é para todas as idades. Eu, como tive a sorte de estudar num sítio que era a capital do golfe, acabei por começar a jogar. Mas mesmo isso não preenche os dias todos.
Existem grandes contrastes entre o ensino lá fora e Portugal?
Acho que é uma experiência única que não deve ser desperdiçada. Aqueles de vocês que tiverem possibilidade de estar lá fora nem hesitem. Do ponto de vista técnico, não tive grande dificuldade. A nossa formação, a que vocês estão a ter e que eu tive é, provavelmente, melhor do que a que encontrei com os meus colegas que estudaram no Reino Unido. Eles provavelmente têm uma formação mais variada, mas menos ancorada no que é fundamental. O que se ganha do outro lado é uma experiência única porque se contacta com outros pessoas, maneiras de pensar, outras nacionalidades e regiões. Eu fiz mestrado no sul de Inglaterra à beira de Brighton e caí no erro de conviver mais com uma comunidade portuguesa de alguns alunos portugueses e brasileiros que nos juntamos num grupo, que acabou por dificultar o domínio do inglês. Mas depois, quando fui para Santa Ana era o único português numa residência universitária em que conheci canadianos, indianos, mexicanos e muitos americanos. E isso é que é a maior experiência, portanto, desse ponto de vista, foi ótimo. Mais tarde doutorei-me na universidade de Sussex. Era ótimo, não só a nível científico como cultural. É uma experiência completamente diferente, neste sentido, as universidades inglesas são uma experiência que vai muito para além do ensino. A propina é mais elevada, eu na altura pagava propina como se fosse um aluno inglês que não era muito caro, seriam à volta de 2000 libras por ano ou 1500 libras. Os alunos que são fora do Reino Unido pagavam 3 ou 4 vezes mais, mas compensava porque se tinha acesso a imensos complexos e equipamentos
desportivos como de golfe, futebol e ténis e com isto vem muita socialização coisas que normalmente as universidades portuguesas não têm.
E o que é que o fez voltar a Portugal nessa altura?
Na altura quando acabei o mestrado, concorri ao lugar de assistente aqui na Faculdade de Ciências, e como consegui o lugar já era natural voltar, pois tinha a garantia que iria ser reconhecido para o lugar de doutoramento e podia entrar na carreira de professor. Normalmente, as pessoas iam para mestrado e depois concorriam a assistente. Conseguiam lugar, iam fazer o doutoramento fora como eu e depois regressavam para integrar a carreira como professor auxiliar. Se eu tivesse outras condições de ficar lá, talvez. Ou talvez não, por causa do bacalhau (risos)! Na brincadeira, mas eles têm um bacalhau fresco, ótimo, aliás, um dos pratos lá nessa cantina da residência universitária chamava-se «bacalhau à portuguesa» e os meus colegas falavam – “João, é um prato português, anda comer, vais me explicar!”. “Bacalhau à portuguesa, mas fresco? Vocês estão a brincar (risos)!” Conheci a Escócia toda, cada vez que um amigo meu ia visitar familiares, eu mostrava a Escócia, eu conheci de uma ponta à outra de carro e é absolutamente magnífico, se puderem visitar a Escócia, aconselho. Tudo é magnífico, a quantidade de castelos lindos de morrer. É um país muito lindo, cinco milhões de habitantes, mais ovelhas que pessoas, mas é muito bonito.
Em relação ao seu tempo de licenciatura, qual foi a evolução do departamento?
Logo à partida, o contacto professor-aluno é muito mais próximo do que era no meu tempo, no meu tempo era muito mais distante e dependia dos professores. Também dependia dos departamentos. Eu tive aulas em vários departamentos e havia um histórico de alguns que era natural ignorar os alunos completamente. Mas no geral digamos que existe uma relação de muito maior proximidade. Aos vossos olhos parece que não mas há coisas que estão melhor do que estavam.
O que é que acha de estarmos a aprender técnicas matemáticas em certas cadeiras de Física que ainda não aprendemos nas disciplinas de matemática?
Acho que fazem bem (risos). Porque foi assim que muitas das ferramentas foram criadas, da matemática para resolver problemas de Física. Na génese da invenção de algumas ferramentas,
nomeadamente logo a partir do cálculo variacional que Newton inventou para resolver um problema de ordem prática, não como um exercício de abstração e matemática. Vocês deviam estar a aprendê-lo, enfim, poderiam estar a aprender na Matemática antes de a dar na Física, a questão é que o enfoque dado na Matemática à ferramenta é diferente do dado na Física. Muitas vezes eu pergunto se vocês deram isto e vocês dizem que não. Mas deram, deram com outro enfoque, deram com outra notação, enquanto se forem aprendendo à medida que vão dando a Física, vão aprender com o enfoque na Física. Podia haver uma maior coordenação, é verdade. Tem vindo a melhorar, lentamente. Nalguns casos vocês poderão até sofrer, o que poderia ser feito no vosso caso era ter uma espécie de semana em que era dado ferramentas de Matemática para Física. Isso é uma coisa que pode ser perfeitamente feita em cada unidade curricular. O problema é que aquilo dado sem aplicação fica muito hábito. Vais dar o operador gradiente, estás em coordenadas genéricas ou cartesianas, em que olhas para aquilo e parece chinês, e é só quando começas a aplicar que aquilo não é assim tão difícil como parece.
Quais foram os professores com quem teve mais proximidade?
Em termos de proximidade, tinha uma professora de primeiro ano de Cálculo Automático era uma professora que tinha acabado a licenciatura há muito pouco, portanto, as aulas eram dadas com muito cuidado. Depois disto, obviamente havia cadeiras que como não havia muitos professores da área nesses dias, quase todos tinham um cuidado extremo. Pessoas excecionais, alguns mais organizados, outros menos organizados, alguns mais próximos, outros que não eram propriamente tão fáceis. Como vos disse, a proximidade ao professor não era tão grande como é agora. Portanto é colocado em contexto. As minhas primeiras aulas de Física Experimental com o professor Bessa e Sousa foram aulas fenomenais. Logo na primeira cadeira tive essa sorte. Aliás, dá o nome ao auditório -120. Eram aulas em que os alunos tinham de chegar 5 minutos antes para terem lugar nas filas da frente. É como se uma sessão de cinema se tratasse. Ainda tenho notas guardadas, das cadeiras de Física, Eletromagnetismo, as cadeiras Astronomia I e II… São de professores que são jubilados ainda aqui na cena. Com o professor Pereira Leita tive essa experiência de fazer a introdução aos operadores. O professor Osório também deu 4 cadeiras, portanto eu tive em Astronomia fundamentalmente dois professores. Depois tive um em Cosmologia, o
professor Gália. Guardo muitas boas recordações deles.
O professor e os seus antigos colegas mantêm contacto ainda?
Mas claro, sim, sim, faço questão. Não o tenho encontrado, mas faço questão de manter contacto com amigos da minha primária que terminou em ’76. Vou geralmente aos jantares todos. E também fiz um almoço de Verão com os meus colegas de curso, entrávamos 15 e terminamos em 4 anos, 3. Portanto, é fácil encontrá-los.
Mas por que razão? Havia muita reprovação?
Muita. O terceiro ano era inacreditável. O segundo já começava a ser, mas o terceiro… estás a ver de 15 acabavam 3 e é um curso em que a média do último colocado era de 15 valores. Os alunos tinham média entre 15 e 18, média muito melhor que os alunos de Física. Como era um curso novo, atribuía alunos muito bons logo nos primeiros anos, eram quem de facto tiravam as melhores notas, depois vinham os alunos de Astronomia e outros de Física, e depois Medicina. Portanto era um curso com alunos muito bons. Mas entravam 15, terminavam 3 em 4 anos. Aliás, desse primeiro ano, os restantes acabaram mais tarde, mas seguiram a carreira científica. Ou não tendo terminado logo, podem ter terminado em 5 ou 6 anos e ser igualmente bem-sucedidos. Já até terminaram em mais anos e são mais bem-sucedidos do ponto de vista profissional. E eu estive a fazer a contagem, e desses 15, penso que tivemos à volta de 10 ou 11 doutorados, portanto, estão a fazer a atividade científica ou então foram atraídos para outras carreiras. É sinal que de facto os que entraram eram de qualidade. Mas era uma dureza. Inacreditável. Era muito complicado. E a questão é que esses cursos de Física e Matemática. Vamos pôr que entravam 60. Desses 60 alunos, a maior parte, vamos dizer 51, depois ia para ensino, porque a formação de ensino não era dada a nível de mestrado. Dos alunos de Física havia a parte educacional e a parte científica. Só para aí uns 8 ficaram para seguir para a científica. Portanto, era muito diferente o curso. Depois houve a decisão da parte da formação passar para o mestrado e a coisa mudou completamente. Agora, os alunos vão fundamentalmente com a ideia de fazer ciência, enquanto na altura não era assim. Mudou completamente no final dos anos ’90, para um paradigma diferente
The Car / Arctic Monkeys
Endless Summer Vacation / Miley Cyrus
Building a Second Brain / Tiago
NEWTON - Unidade de medida de força no sistema internacional
RÁDIO - Ondas eletromagnéticas de menor frequência
CORDAS - Teoria que propõe a existência de múltiplas dimensões além das três espaciais Einstein - Nome do físico alemão que desenvolveu a teoria da relatividade
INÉRCIA - Nome da primeira lei de Newton
AXION - Partícula hipotética que constitui a matéria escura
OHM - Unidade de medida de resistência elétrica
BREMSSTRAHLUNG - Nome do fenómeno que ocorre quando partículas carregadas aceleradas emitem radiação eletromagnética
BOHR - Nome do físico dinamarquês que contribuiu para o desenvolvimento da teoria quântica
MAXWELL - Nome do físico teórico que formulou as equações fundamentais da teoria do eletromagnetismo
SOBREPOSIÇÃO - Nome do fenómeno em que um objeto pode existir em múltiplos estados simultaneamente
FOTÃO - Nome da partícula subatômica que transporta a força eletromagnética
SPIN - Propriedade das partículas subatómicas que determina a direção de rotação intrínseca
QUARKS - Partículas subatómicas que compõem neutrões e protões
INCERTEZA - Conceito fundamental na teoria quântica que descreve a impossibilidade de conhecer simultaneamente a posição e o momento de uma partícula
MAGLEV - Como são conhecidos os comboios que funcionam com levitação magnética
PETRÓGLIFOS - Um dos hobbies da Dra Ana Rita Silva ao trabalhar no Observatório de La Silla era procurar _
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