CUMANANA L-POR

EDIÇÃO OUTUBRO 2025

NÚMERO L

Cumanana B O LE T IM V IRT UA L D E CU LTU R A PER U ANA PAR A A ÁF R ICA

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DO PERU

EDIÇÃO DEDICADA À 16ª EDIÇÃO DO DIA DA AMIZADE PERUANO-AFRICANA DISCURSO DE ABERTURA DA 16ª EDIÇÃO DO DIA DA AMIZADE PERUANO-AFRICANA

EXPANDINDO A AFRICANIDADE

RECEITA FEIJÃO COM BODE

ISSN: 3084-7699 (em linha)

CONTEÚDO 4

Discurso de abertura da 16ª Edição do Dia da Amizade Peruano-Africana

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Discurso de abertura da 16ª Edição do Dia da Amizade Peruano-Africana em representação das embaixadas africanas residentes em Lima

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A Diáspora Africana no Peru colonial: raízes históricas da Amizade Peruano-Africana

Embaixador Félix Denegro Boza, Vice-Ministro das Relações Exteriores do Peru

Ahmed Bakr, Embaixador do Egito no Peru

Raúl Eduardo Flores Rojas

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A cumanana no povo afroperuano de Yapatera: identidade e memória projetadas para as indústrias culturais e o turismo

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A visibilidade do povo afroperuano a partir das políticas culturais

Samanta Hilda Calle Ruiz & Rosa Isabel Castillo Tavara

Alicia del Pilar Quevedo Canales, Ministério da Cultura do Peru

SEÇÃO ESPECIAL: EXPANDINDO A AFRICANIDADE

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Afro-americanos napoleônicos: agentes idealistas?

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Dos Andes ao Magrebe: a literatura de Clorinda Matto de Turner e Assia Djebar como espelho de sociedades em transformação

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O legado afroperuano no Hatajo de Negritos e Pallitas

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Assim como o amor, a verdade é inclusiva: The Histories de Kerry James Marshall.

Embaixador no Serviço Diplomático da República, Jorge Alejandro Raffo Carbajal

Primeira-Secretária no Serviço Diplomático da República, Amparo María Melchor Castro

Segunda-Secretária no Serviço Diplomático da República, Verónica Miyagusuku Ríos

Segundo-Secretário no Serviço Diplomático da República, Jimy Trujillo Chuquihuaccha

RECEITA

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Bode com feijão

INTRODUÇÃO

Vice-Ministro das Relações Exteriores do Peru e representantes das embaixadas africanas presentes na XVI edição do Dia da Amizade Peruano-Africana Fonte: Ministério das Relações Exteriores do Peru

N

a segunda-feira, 20 de outubro de 2025, o Centro Cultural Inca Garcilaso do Ministério das Relações Exteriores foi palco da XVI edição do Dia da Amizade Peruano-Africana (DAPA), uma comemoração que reafirmou o compromisso do Peru com o fortalecimento dos laços de amizade e cooperação com as nações do continente africano.

O evento também permitiu destacar o aspecto cultural da relação biregional. Nesse contexto, foi apresentada uma série filatélica comemorativa pelos aniversários das relações diplomáticas com Senegal, Angola e Tanzânia, símbolo do apreço pela história compartilhada e pela diversidade cultural.

Durante sua intervenção, o Embaixador Ahmed A cerimônia foi presidida pelo Vice-Chanceler Félix Hamdi Bakr Mohamed enfatizou que a África e a Denegri Boza e pelo Embaixador da República América Latina compartilham desafios comuns, Árabe do Egito, Ahmed Hamdi Bakr Mohamed, que como a necessidade de diversificar suas economias, representou as embaixadas africanas acreditadas no reduzir sua dependência de matérias-primas e país. O evento foi coorganizado com as representações apostar na educação, na tecnologia e na produção diplomáticas da Argélia, Egito, Marrocos, África do com valor agregado.

Sul e Angola, e contou com a presença de destacadas autoridades, entre elas os congressistas Heidi Juárez A jornada incluiu uma mostra cultural e gastronômica e Víctor Flores, o Vice-Ministro da Interculturalidade, que permitiu ao público apreciar danças afroperuanas Percy Barranzuela, assim como os embaixadores da e árabes, apresentações musicais e uma degustação Bélgica, Romênia, Rússia, Guatemala, Japão, Cuba, de pratos típicos do Peru e dos países africanos participantes. As embaixadas africanas e o Ministério Panamá e outras nações amigas. da Cultura apresentaram mesas decorativas que Em seu discurso inaugural, o Embaixador Denegri refletiram a riqueza e a diversidade do continente destacou o compromisso do Peru em fortalecer africano, promovendo um valioso espaço de os laços de amizade e cooperação com os países intercâmbio intercultural. africanos, sublinhando que 2025 marca o primeiro ano de implementação do Plano Estratégico para a África Entre as apresentações artísticas mais destacadas 2024–2030 do Ministério das Relações Exteriores. estiveram o festejo, o alcatraz, o sapateado Além disso, ressaltou os avanços no âmbito político- afroperuano e um recital de décimas conduzido diplomático, como as reuniões de consultas políticas pelo mestre Octavio Santa Cruz, que ressaltaram a realizadas com Gana e Angola, e anunciou que está influência africana na identidade cultural peruana. prevista a realização desse mecanismo com a África do Sul e o Egito.

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ARTIGO 1

DISCURSO DE ABERTURA DA 16ª EDIÇÃO DO DIA DA AMIZADE PERUANO-AFRICANA

Embaixador Félix Denegri Boza, Vice-Ministro das Relações Exteriores

É

uma honra presidir, em representação do senhor Chanceler, a inauguração da décimo sexta edição do Dia da Amizade Peruano-Africana, evento no qual celebramos os laços históricos, culturais e de cooperação que unem o Peru ao continente africano.

O ano de 2025 representa um marco importante para nossas relações com a África. Estamos concluindo o primeiro ano de execução do Plano Estratégico para a África 2024–2030, que orienta a política externa peruana a uma relação mais ativa, estruturada e de longo prazo com os países africanos.

Alcançamos conquistas significativas. Em setembro, realizamos a Primeira Reunião de Consultas Políticas com Gana, e em julho, a Primeira Reunião com Angola, que resultou na assinatura de um Acordo de Isenção de Vistos para Passaportes Diplomáticos e Oficiais. Da mesma forma, comemoramos o quadragésimo (40º) aniversário do estabelecimento das relações diplomáticas com Angola, ocasião em que renovamos nossa vontade de continuar fortalecendo a cooperação bilateral.

Também estamos preparando novas reuniões dos mecanismos de consultas com a África do Sul e o Egito, parceiros estratégicos com os quais compartilhamos uma visão comum sobre o desenvolvimento sustentável, a cooperação técnica e as formas de enfrentar juntos os grandes desafios globais.

No âmbito cultural e acadêmico, consolidamos a revista Cumanana, que neste mês alcança sua edição número 50. Publicada em espanhol, inglês, português e francês, ela se tornou um espaço de referência sobre a África e a diáspora afrodescendente.

Vice-Ministro das Relações Exteriores do Peru, Embaixador Félix Denegri Boza Fonte: Ministério das Relações Exteriores do Peru

Por fim, desejo destacar o lançamento, amanhã, da série filatélica comemorativa pelos aniversários das relações diplomáticas com Angola, Senegal e Tanzânia, elaborada em conjunto com os Serviços Postais do Peru, como símbolo tangível de nossa irmandade com o continente africano.

Senhoras e senhores, Agradeço a colaboração das Embaixadas da Argélia, do Egito e do Marrocos, acreditadas em Lima, coanfitriãs desta edição do Dia da Amizade PeruanoAfricana, bem como a presença das representações diplomáticas concorrentes de Angola, África do Sul, Nigéria, Guiné Equatorial e Sudão, que nos honram com sua visita neste dia.

Com a firme convicção de que o futuro da relação Peru–África é promissor, declaro inaugurada a XVI edição do Dia da Amizade Peruano-Africana e convido todos a desfrutar das atividades culturais e gastronômicas que preparamos para esta agradável celebração.

Da mesma forma, neste ano apresentamos três novas publicações: Peru e África em imagens do novecentos, Peru–Namíbia: uma visão de política e cooperação internacional e Quando dois mundos se abraçam. Obras que valorizam os vínculos históricos, culturais e diplomáticos que unem o Peru ao continente africano Muito obrigado. e que resgatam a memória compartilhada que nos . irmana.

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ARTIGO 2

DISCURSO DE ABERTURA DA 16ª EDIÇÃO DO DIA DA AMIZADE PERUANO-AFRICANA EM REPRESENTAÇÃO DAS EMBAIXADAS AFRICANAS RESIDENTES Ahmed Bakr, Embaixador do Egito no Peru

Embaixador do Egito no Peru na XVI edição do Dia da Amizade Peruano-Africana Fonte: Ministério das Relações Exteriores do Peru

É uma verdadeira honra dirigir-me a todos nesta significativa celebração do Dia da Amizade PeruanoAfricana. Este encontro é uma oportunidade para reafirmar os profundos laços históricos, culturais e humanos que unem o Egito à África e para olharmos juntos para um futuro de cooperação e desenvolvimento compartilhado.

O Egito é parte integrante da África — não apenas por sua geografia, mas também por sua história, sua cultura e seu destino comum. Desde o nascimento de nossa civilização às margens do Nilo até nossos esforços atuais pela integração continental, o Egito sempre esteve unido ao coração da África. Nosso patrimônio histórico e cultural é parte inseparável da identidade africana — um testemunho vivo da criatividade, da força e da continuidade do espírito africano ao longo dos séculos.

Como egípcio, orgulho-me de representar um país que não é apenas uma ponte entre a África e o mundo árabe, mas que constitui parte essencial do continente africano.

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O Egito depende em 98% das águas do rio Nilo, que nasce nas montanhas da África Oriental e atravessa onze países antes de chegar ao Mediterrâneo. Essa água sagrada, fonte de vida e civilização, recordanos que nossa existência está unida à de nossos irmãos africanos. Por isso, o Egito sempre buscou manter relações de cooperação e entendimento com os países da bacia do Nilo, sustentado na equidade e na responsabilidade compartilhada.

Desde os tempos do Antigo Egito, nosso país tem estado vinculado ao restante do continente por laços de sangue, comércio, cultura e conhecimento.

A rainha Hatshepsut, uma das figuras mais notáveis da nossa história, fortaleceu o comércio com a África por meio de sua célebre expedição à Terra de Punt — provavelmente localizada na região do Chifre da África. Essa missão trouxe ao Egito produtos valiosos como ouro, ébano, mirra e incenso, mas, acima de tudo, consolidou os primeiros vínculos diplomáticos e comerciais do continente, baseados na cooperação pacífica.

Esses laços não se romperam com o passar do tempo. No século XX, o Egito desempenhou um papel fundamental nos movimentos de independência africanos, oferecendo apoio político, logístico e educacional a numerosos países que lutavam para se libertar do colonialismo.

integrada e em paz. Essa agenda inclui metas concretas como o desenvolvimento de uma rede ferroviária panafricana, o aumento do comércio intraafricano, a igualdade de gênero e a industrialização sustentável.

E a África avança…

Hoje, nosso continente é o mais jovem do planeta, com mais de 60% de sua população com menos de 25 anos. Sua população total supera 1,4 bilhão de pessoas, e estima-se que chegará a 2,5 bilhões até 2050. Esse crescimento representa um imenso potencial humano, um mercado em expansão e uma fonte de inovação e criatividade que transformará o mundo. O Egito, por exemplo, possui o segundo maior PIB do continente africano, refletindo a força econômica e a projeção de desenvolvimento que caracterizam nossa região.

Gamal Abdel Nasser Fonte: Wikipedia

O presidente Gamal Abdel Nasser foi um dos principais impulsionadores da Organização da Unidade Africana (OUA), fundada em 1963, cujo objetivo era promover a unidade, a solidariedade e a independência dos povos africanos. Hoje, esse legado continua por meio da União Africana (UA), criada em 2002 como sucessora da OUA, que reuniu os países africanos entre 1963 e 2002. O Egito teve a honra de presidir a organização em 2019, um ano decisivo no processo de reforma institucional da União Africana, que buscou fortalecer seu papel na mediação de conflitos e na promoção do desenvolvimento sustentável.

Egito é também membro fundador de importantes organizações regionais africanas, como o Mercado Comum da África Oriental e Austral (COMESA), que reúne 21 países e busca integrar os mercados africanos; e é parte ativa da Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (NEPAD), iniciativa criada para impulsionar a industrialização, a segurança alimentar e a conectividade digital do continente.

Por meio dessas plataformas, o Egito trabalha junto a seus irmãos africanos para alcançar os objetivos da Agenda 2063, a grande visão estratégica da União Africana que aspira construir uma África próspera,

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Amigos, o desenvolvimento não depende apenas dos recursos naturais que possuímos, mas também do investimento no ser humano. Tanto a África quanto a América Latina compartilham um desafio comum: diversificar suas economias, reduzir a dependência das exportações de matérias-primas e apostar na educação, na tecnologia e na produção com valor agregado. Se a África e a América Latina trabalharem juntas, poderão deixar de ser regiões dependentes para se tornarem motores de crescimento e inovação global.

Ambos os continentes possuem: • Uma riqueza cultural e natural sem precedentes.

• Mercados jovens e dinâmicos.

• Recursos estratégicos essenciais para a economia mundial, como lítio, cobre, cobalto e gás natural.

Grande Museu de Gizé

Fonte: Explorandomagazine

Nosso desafio é transformar essa riqueza em bem-estar, evitando a fuga de talentos e criando oportunidades para nosso povo. A autossuficiência não significa isolamento, mas cooperação inteligente.

Significa construir uma economia interconectada e justa, onde a África e a América Latina sejam vistas não apenas como regiões fornecedoras, mas como atores centrais do século XXI.

Da mesma forma, o Egito celebra a recente eleição do ex-Ministro do Turismo e Antiguidades, Dr. Khaled El-Enany, como Diretor-Geral da UNESCO, tornandose o primeiro egípcio a ocupar essa importante posição. Essa nomeação é uma honra para o Egito e para toda a África, reafirmando nosso compromisso com a educação, a ciência e a proteção do patrimônio cultural da humanidade.

E neste ano, o Egito também se orgulha de compartilhar três acontecimentos que refletem o dinamismo cultural, histórico e nacional do nosso país.

E, por fim, desejo destacar o papel do Egito na busca pela paz, por meio da mediação nas negociações conjuntas que levaram ao cessar-fogo entre o Hamas e o Estado de Israel — um passo esperançoso destinado a aliviar o sofrimento e promover a estabilidade na região e no mundo.

Em primeiro lugar, a inauguração do Grande Museu de Gizé, que será realizada em 1º de novembro, o maior museu do mundo dedicado a uma única civilização.

Este monumental projeto, localizado ao lado das Pirâmides de Gizé, abrigará mais de cem mil peças do Antigo Egito, incluindo a coleção completa do tesouro de Tutancâmon. Será um espaço extraordinário em todos os aspectos — não apenas preservará nosso legado milenar, mas também abrirá suas portas ao mundo como símbolo de orgulho, conhecimento e diálogo entre culturas.

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Este é o Egito de hoje: orgulhoso de sua história, comprometido com seu continente e otimista em relação ao futuro.

Continuemos fortalecendo nossos laços, compartilhando conhecimento e celebrando o que nos une: a amizade, a dignidade e a determinação de nossos povos.

Muito obrigado e feliz Dia da Amizade PeruanoAfricana!

ARTIGO 3

A DIÁSPORA AFRICANA NO PERU COLONIAL: RAÍZES HISTÓRICAS DA AMIZADE PERUANO-AFRICANA

Raúl Eduardo Flores Rojas

consolidou-se nos séculos XVI e XVII para atender à demanda por mão de obra em setores-chave, como a agricultura.

Segundo registros históricos, o comércio transatlântico de escravos para o Peru colonial foi alimentado principalmente por populações provenientes de reinos africanos como Oyo, Dahomey e outros Estados da África Ocidental, onde prisioneiros de guerra ou tributos eram vendidos a intermediários europeus. Esses indivíduos, frequentemente capturados em conflitos internos ou por meio de redes comerciais preexistentes, eram transportados em condições desumanas através do oceano Atlântico, chegando a portos como Cartagena das Índias ou diretamente ao Callao, de onde eram distribuídos para Lima, Trujillo, Arequipa e outras regiões do vice-reinado.

Diáspora africana Fonte: France24

1. Introdução The African diaspora represents one of the most significant and at the same time one of the most painful chapters in modern history, driven by the transatlantic slave trade that dispersed millions of people of African origin across the world between the 15th and 19th centuries. This phenomenon, whose origin dates back to European colonial expansion, involved the capture and forced transportation of individuals from various regions of West and Central Africa to the Americas, where they were subjected to slavery to sustain economies based on labor exploitation.

No contexto do Vice-Reinado do Peru, estabelecido em 1542 como um dos centros neurálgicos do Império Espanhol na América do Sul, a chegada de africanos escravizados iniciou-se de forma discreta no século XVI, mas intensificou-se rapidamente como parte integrante desse comércio atlântico.

Os primeiros escravos africanos chegaram junto com as expedições conquistadoras, como a liderada por Francisco Pizarro em 1528, e sua presença

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Obras como El esclavo africano en el Perú colonial (1524–1650), de Frederick Bowser, documentam como, na metade do século XVII, a população escravizada africana no Peru incrementou-se significativamente, representando uma parcela substancial da força de trabalho nas plantações de açúcar e na produção de bens destinados ao mercado externo. Nesse mesmo sentido, observa-se que “na metade do século XVII já ultrapassavam os 40.000, dos quais cerca de 20.000 se encontravam na cidade de Lima” (Haro Hidalgo, 2019), o que evidencia o peso demográfico alcançado por essa população no vice-reinado. Essa importação massiva refletia claramente a consolidação de um sistema de castas raciais, no qual os africanos e seus descendentes eram considerados propriedade de seus donos, perpetuando desigualdades que perdurariam por séculos.

A importância deste tema reside em como o legado da diáspora africana moldou a identidade multicultural do Peru contemporâneo. Ainda que sua presença numérica tenha sido menor em comparação com as populações indígenas, a contribuição dos africanos vai muito além do aspecto quantitativo, pois seu papel como mediadores culturais é fundamental para compreender a cultura nacional (Arrelucea Barrantes & Cosamalón Aguilar, 2015).

Na religião, por exemplo, observa-se um sincretismo entre crenças africanas e o catolicismo, dando origem a práticas como o culto a santos com influência afro. Na gastronomia, ingredientes e técnicas africanas contribuíram para pratos emblemáticos, enquanto na linguagem cotidiana permanecem marcas linguísticas que refletem essa herança. Por volta de 1700, Lima já exibia uma forte presença afrodescendente, com contribuições na música, dança e folclore, que definiram a afroperuanidade como um dos pilares da identidade nacional.

Como se observa, “no século XVIII havia entre os afro-peruanos proeminentes arquitetos e músicos […]

Excluídos da universidade, da medicina, da política e do clero, os afro-peruanos, contudo, criaram cargos públicos e de prestígio dentro e fora das comunidades constituídas por pessoas de ascendência africana” (O’Toole, 2017, p. 149).

Essa multiculturalidade não apenas enriquece o patrimônio peruano, mas também serve de base para a diplomacia cultural contemporânea, fortalecendo os laços com as nações africanas por meio do reconhecimento mútuo de histórias compartilhadas de resistência e emancipação.

Nesse sentido, o Dia da Amizade Peruano-Africana surge como uma ponte simbólica para revalorizar esse patrimônio no âmbito diplomático moderno.

Instituído em 1986, em razão da trágica morte de Samora Machel, presidente de Moçambique e líder emblemático da luta anticolonial africana, esta data comemora a gesta emancipadora do continente africano e promove o conhecimento das relações históricas entre o Peru e a África. Celebrado anualmente em 19 de outubro, esta efeméride busca difundir a influência e as contribuições da comunidade africana na história, nas tradições e nos costumes peruanos, fortalecendo os laços diplomáticos com os países africanos. Ao longo de suas edições, tem incluído atividades culturais que destacam a presença afro no Peru, recordando os profundos vínculos interculturais que nos unem, forjados apesar das adversidades coloniais. Essa comemoração não apenas honra o passado, mas também impulsiona iniciativas de cooperação em áreas como educação, arte e desenvolvimento sustentável, alinhando-se aos esforços globais pela inclusão dos afrodescendentes.

A diáspora africana no Peru colonial representa mais do que um capítulo doloroso de escravidão — constitui também as raízes profundas de uma amizade intercultural que, por meio do Dia da

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Amizade, pode revitalizar a diplomacia cultural moderna entre o Peru e a África. Ao explorar aspectos históricos e culturais, este artigo busca contribuir para uma compreensão mais ampla de como o passado colonial informa as relações internacionais contemporâneas, promovendo uma diplomacia inclusiva que celebra a diversidade como motor de amizade e cooperação.

2. A CHEGADA DE AFRICANOS ESCRAVIZADOS AO VICE-REINO DO PERU (SÉCULOS XVI– XVII) A chegada de africanos escravizados ao Vice-Reino do Peru durante os séculos XVI e XVII representa um capítulo de grande relevância na história colonial da América do Sul, marcado pela exploração dos africanos. Esse período testemunhou a consolidação do comércio transatlântico de escravos como um dos pilares econômicos, no qual milhares de africanos foram transportados à força para suprir a demanda por mão de obra em uma região devastada pela conquista e pelas epidemias. O contexto histórico dessa diáspora insere-se na expansão imperial espanhola, que, após a conquista do Tawantinsuyo em 1532, necessitava de uma força de trabalho resistente para explorar recursos como a prata de Potosí e as plantações costeiras. Embora os números iniciais tenham sido modestos, o fluxo cresceu exponencialmente, integrando inevitavelmente os africanos a uma sociedade estratificada por castas raciais.

Samora Machel, ex-presidente de Moçambique Fonte: Mail & Guardian

Rotas e origens africanas As rotas do comércio de escravos para o ViceReino do Peru integravam-se ao vasto sistema transatlântico dominado pelos espanhóis, que monopolizavam o tráfico por meio do sistema de assientos — contratos entre a Coroa espanhola e

entidades privadas (Newson & Minchin, 2007).

Diferentemente de destinos como o Brasil ou o Caribe, onde portugueses e holandeses desempenhavam papéis diretos, o fluxo para o Peru era indireto, mediado por portos intermediários no Caribe e no Panamá. Os africanos partiam principalmente de portos da África Ocidental e Central, atravessando o Atlântico em travessias brutais de seis a oito semanas, conhecidas como o “Passo Médio”, nas quais a mortalidade podia alcançar 15% a 20% devido a doenças, superlotação e desnutrição (Newson & Minchin, 2007). Uma vez na Europa, eram redistribuídos a partir de Sevilha ou Lisboa até as Américas, via Cartagena das Índias, Veracruz ou Portobelo, onde se realizavam feiras de escravos.

Dali, cruzavam o istmo panamenho em mulas ou embarcações até o porto do Callao ou até Arica, para as minas do sul.

valorizados por sua suposta robustez, enquanto os “ladinos”, já aculturados em etapas anteriores, eram preferidos para tarefas domésticas.

O início dessa diáspora no Peru foi discreto e ligado diretamente às expedições de conquista. Francisco Pizarro, em sua incursão de 1526–1527, já incluía africanos entre sua tripulação, havendo registro de dois africanos que participaram da captura de Atahualpa em Cajamarca em 1532, de nomes Juan García e Miguel Ruíz (Restall, 2000). Esses primeiros africanos, muitas vezes livres ou semi-livres, atuavam como soldados, intérpretes ou criados, facilitando a conquista. Restall (2000) também comenta que pelo menos 30 africanos armados acompanharam Pizarro, desempenhando papéis cruciais em batalhas e explorações. Assim, em 1540, com o estabelecimento do Vice-Reino, o rei Carlos V autorizou importações limitadas — até 12 escravos por colono —, mas a demanda explodiu após a rebelião indígena de Manco Inca (1536–1544) e a escassez de mão de obra nativa (Hemming, 1970).

No século XVII, com o auge das minas de Potosí, os acordos com comerciantes genoveses e portugueses ampliaram o fluxo, transformando o Peru em um destino secundário, porém significativo, do comércio atlântico. Essa rota transportava não apenas corpos, mas também culturas: línguas bantas, religiões iorubás e tradições mandingas, que se sincretizariam em solo peruano, lançando as bases de uma diáspora resiliente.

Condições de escravidão e papéis na sociedade colonial

Escravatura negra no Peru Fonte: Enterarse

As origens africanas desses escravizados eram diversas, refletindo as dinâmicas internas de captura na África e as preferências dos compradores espanhóis. Predominavam as regiões da Alta Guiné (incluindo Senegâmbia e Serra Leoa), onde etnias como os wolof, mandinga e fulani eram capturadas em guerras ou razias. Isso coincide com o registro de que “as gerações fundadoras no Caribe, no México e no Peru provinham esmagadoramente da Alta Guiné setentrional — os ‘Rios da Guiné’ aparecem com destaque nos registros, sugerindo a costa da atual Guiné-Bissau” (Borucki, Eltis & Wheat, 2015, p. 445). Angola e o Congo foram fontes principais no século XVII devido ao controle português, com grupos bantos como os kongo e angolanos; em menor medida, o Golfo de Biafra e a região iorubá (atual Nigéria e Benim) também contribuíram, com povos como os igbo e iorubás. Esses “bozales”, nome dado aos recém-chegados não aculturados, eram

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As condições de escravidão no Vice-Reino do Peru eram extremamente opressivas, caracterizadas por uma exploração física e psicológica que variava conforme o contexto geográfico e econômico. Nas minas de Potosí e Huancavelica, os escravizados africanos enfrentavam trabalhos infernais: desciam a galerias profundas, expostos a vapores tóxicos, desabamentos e jornadas de 12 a 16 horas. A mita indígena fornecia a maior parte da mão de obra, mas os africanos, vistos como mais resistentes, eram empregados em funções especializadas, como capatazes ou nas fundições. Nas haciendas costeiras, como as de Cañete e Chincha, dedicadas ao algodão, açúcar e vinhedos, os escravos realizavam trabalhos agrícolas intensos — arar, semear e colher sob o sol escaldante — supervisionados por feitores com chicotes.

Nas cidades, especialmente em Lima, predominava

a escravidão urbana, com africanos servindo como domésticos, artesãos ou vendedores ambulantes.

As mulheres escravizadas trabalhavam como cozinheiras, lavadeiras e passadeiras, enquanto os homens atuavam como mordomos, cocheiros e cozinheiros (Aguirre, 1993). As condições gerais incluíam má nutrição, moradias precárias em bairros periféricos e uma expectativa de vida baixa, raramente superior a 40 anos. A legislação colonial, como as Leis das Índias, pretendia regular o tratamento, mas na prática era ignorada; os escravos eram tratados como propriedade, vendidos em leilões públicos e marcados a ferro quente, como explica Aguirre (1993): “Os senhores em todo momento insistiam na condição de ‘objeto’ do escravo e pretendiam negarlhe a humanidade, pelo menos no que diz respeito aos direitos de propriedade.”

Diante dessa opressão, os africanos desenvolveram formas de resistência que desafiavam a ordem colonial. Uma das mais notáveis foi o cimarronismo — fugas individuais ou coletivas para os palenques, comunidades fortificadas em regiões remotas como as yungas ou a serra. Esses cimarrones, frequentemente armados, assaltavam fazendas e comboios, criando economias autônomas baseadas na agricultura de subsistência e no escambo. Outra estratégia foram as confrarias, irmandades religiosas afrodescendentes sob o amparo da Igreja Católica, que funcionavam como redes de apoio mútuo. O’Toole (2017) relata que: “Os africanos e seus descendentes também se uniam às confrarias católicas, urbanas ou rurais, com outros que compartilhavam a mesma origem, como os da Guiné-Bissau que participavam ativamente da confraria de São Nicolau de Tolentino em Trujillo.”

Assim, organizadas por etnias, promoviam enterros, festas e economias coletivas para alforrias, preservando tradições africanas sincretizadas com o catolicismo, como danças e rituais. Em suma, embora a escravidão definisse seus papéis como mão de obra desumanizada, os africanos forjaram uma agência coletiva, influenciando a dinâmica social do vice-reino e deixando um legado que perdura na identidade afroperuana contemporânea.

Impacto demográfico e social O impacto demográfico da chegada de africanos escravizados ao Vice-Reino do Peru foi significativo, embora modesto em comparação com outros destinos atlânticos, alterando a composição populacional e a estrutura social. Segundo Mori Julca (2018), “Nos primeiros anos da invasão espanhola

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havia cerca de 50 negros. Por volta de 1550 eram 3.000; em 1590 chegavam a 20.000 em Lima e no Callao; em 1614 representavam 40% da população de Lima; e em 1791, 60%”, refletindo um crescimento que compensou o colapso demográfico indígena (pp.

141–142).

Os negros no Peru Fonte: Mundo Negro

A meados do século XVI, os números eram baixos, em torno de 5.000, concentrados em Lima e Potosí, mas cresceram no século XVII com o auge da mineração, alcançando picos nas décadas de 1610–1640. Essa imigração forçada compensou o colapso demográfico indígena, que caiu de milhões para centenas de milhares devido a doenças e à exploração, integrando os africanos como um estrato intermediário na pirâmide racial: abaixo dos espanhóis e indígenas tributários, mas acima em termos de habilidades especializadas.

Socialmente, os africanos se integraram por meio de processos de mestiçagem e aculturação, contribuindo para uma sociedade de castas em que termos como “negro”, “mulato” e “zambo” definiam hierarquias. Segundo O’Toole (2017): “Na década de 1640, estes [africanos e seus descendentes] constituíam aproximadamente 40 por cento da população em cidades costeiras como Lima e Trujillo.”

Essa presença fomentou uniões mistas, gerando uma classe livre de pardos e morenos que, no século XVII, dominava os ofícios artesanais e as milícias coloniais. Além disso, como destacam Arrelucea e Cosamalón (2015), “a contribuição e a presença dos africanos e afrodescendentes não se restringem ao período colonial nem às fontes que os identificam sob categorias étnicas. Sua contribuição observase em seu papel como intermediários culturais, nos quais demonstraram grande criatividade e vitalidade ao articular suas próprias práticas e valores com os dos grupos com os quais se relacionavam.”

Essa capacidade de sincretismo fortaleceu a formação de uma identidade peruana multicultural.

No entanto, era evidente que a integração era desigual: discriminados por leis que proibiam seu acesso a cargos públicos ou à posse de armas, muitos recorriam à manumissão, comprando a liberdade com economias ou por meio de testamentos.

Esse impacto perdurou, moldando uma identidade peruana multicultural, embora marginalizada até o século XX.

3. Influência cultural da diáspora africana no Peru A comunidade africana, que chegou ao Vice-Reino do Peru entre os séculos XVI e XVII como mão de obra escravizada, não apenas transformou a economia colonial, mas deixou um legado profundo na identidade cultural do país. Apesar das opressões e proibições impostas pelas autoridades espanholas, os africanos e seus descendentes adaptaram suas tradições, fundindo-as com elementos indígenas e europeus, para criar expressões únicas que perduram até hoje. Essa influência manifesta-se especialmente na música, nas danças, na religião e na gastronomia, enriquecendo a diversidade cultural peruana e fortalecendo os laços históricos entre o Peru e a África.

Música afroperuana: ritmos e fusões A música afroperuana representa uma das fusões mais vibrantes da diáspora africana no Peru, nascida da resiliência diante das restrições coloniais. Durante o período colonial, as autoridades espanholas proibiram o uso dos tambores africanos tradicionais, considerados símbolos de rebelião e paganismo, o que obrigou os escravizados a improvisar com objetos do cotidiano. Assim surgiu o cajón peruano, uma caixa de madeira simples tocada com as mãos, que se tornou o instrumento percussivo emblemático dessa tradição.

Essa adaptação não apenas preservou os ritmos africanos, como também os integrou às melodias espanholas e andinas, criando gêneros híbridos que capturam a essência da resistência cultural.

Um dos gêneros mais representativos é o festejo, um ritmo alegre e dinâmico que evoca celebrações e liberdade. Caracterizado por sua percussão intensa e movimentos corporais enérgicos, o festejo é dançado com sapateado e frequentemente incorpora letras que narram histórias da vida cotidiana ou da luta contra a opressão. Por exemplo, em regiões como Chincha e El Carmen, o festejo é acompanhado por violão crioulo e quijada de burro, um instrumento

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feito com uma mandíbula de animal que produz sons vibrantes, fundindo influências africanas e locais. Outro gênero fundamental é o landó, mais lento e melancólico, com raízes no lundú africano, que expressa nostalgia pela terra natal. O landó distingue-se por seu ritmo sincopado e letras poéticas, frequentemente interpretadas com cajón e sapateado, e evoluiu para incluir fusões com o vals crioulo.

O sapateado afroperuano, além disso, não é apenas um acompanhamento rítmico: constitui um patrimônio cultural imaterial, pois funciona como dança e instrumento ao mesmo tempo, mantendo padrões tradicionais e permitindo a criação e improvisação dos artistas afroperuanos (Chocano Paredes & Rospigliosi Navarrete, 2016). É um elemento central em muitas expressões musicais afroperuanas, como no contraponto de sapateado, em que dançarinos competem em duelos rítmicos que combinam precisão e criatividade. Segundo descrições do Smithsonian Folklife Festival (2015), esses ritmos se manifestaram em danças como o atajo de negritos, uma dança natalina da costa sulcentral (especialmente em Ica), onde os participantes sapateiam e cantam em homenagem ao Menino Jesus, relembrando o trabalho agrícola escravo por meio de vestimentas e canções. Essa tradição ilustra como a proibição dos tambores levou a inovações como o uso do corpo e de objetos improvisados, preservando a essência africana.

Zapateo

Fonte: Babel Flute

Artistas como Nicomedes Santa Cruz revitalizaram esses ritmos com obras como “Cumanana”, um gênero poético-musical em quartetos que incorpora humor e competição, fundindo décimas espanholas com ritmos africanos. Santa Cruz, em seu poema “A cocachos aprendí”, reflete a adaptação cultural: “A cocachos aprendí / que el negro es un ser humano / que tiene alma y corazón / y que sufre como yo” (Santa Cruz, 1960). De forma semelhante, o tondero

e a zamacueca integram o sapateado com influências indígenas, criando um mosaico sonoro que transcendeu fronteiras. Atualmente, o cajón é reconhecido mundialmente na música de artistas como Susana Baca, que o utiliza para fundir landó com jazz, demonstrando a vitalidade desses ritmos. Essas fusões não apenas enriqueceram a música peruana, como também simbolizam a amizade peruanoafricana, relembrando as raízes compartilhadas na diáspora.

escravizado pintou a imagem por volta de 1650, a qual se tornou símbolo nacional (Chocano Paredes & Rospigliosi Navarrete, 2016). A procissão anual em Lima inclui cânticos com reminiscências africanas e hábitos roxos, refletindo uma temporalidade circular africano-andina integrada à linearidade cristã. São Martinho de Porres, o primeiro santo afrodescendente da América, exemplifica essa fusão: como frade dominicano, usou o curandeirismo afroandino para curar, combinando folhas de coca com orações católicas. Essas práticas, analisadas por Tradições e expressões culturais Tavera (2022), mostram como os africanos atuaram como catalisadores para unir culturas antagônicas — Além da música, a diáspora africana impregnou as europeia, andina e africana — por meio de oferendas tradições peruanas com expressões culturais que e libações compartilhadas com tradições andinas. fundiram elementos africanos ao catolicismo colonial e às cosmovisões indígenas, criando um legado A gastronomia afroperuana também faz parte imaterial de resiliência e sincretismo. As danças desse legado imaterial, com pratos preparados por afroperuanas, por exemplo, são manifestações escravizados nas cozinhas coloniais que fundiram vivas dessa influência, como a yunsa, celebrada em técnicas africanas a ingredientes locais. Exemplos fevereiro durante a colheita de algodão em El Carmen, incluem anticuchos, tacu tacu, carapulcra e sangrecita, que inclui danças acrobáticas, música huachihualo e que introduziram métodos como fritar e dourar, rituais comunitários ao redor de uma árvore cortada, transformando a culinária peruana. Nos doces, simbolizando renovação e continuidade cultural. destacam-se o turrón de Doña Pepa e o ranfañote, Outras danças, como o alcatraz, o inga e o son de ligados a festividades religiosas. Como assinalam los diablos, incorporam movimentos eróticos e Chocano e Rospigliosi (2016) em Patrimônio Cultural festivos que evocam tradições africanas adaptadas a Imaterial Afroperuano, essa tradição culinária “reflete contextos coloniais. a habilidade das populações afroperuanas em combinar elementos culturais gastronômicos da África, da Europa e da América, gerando um novo paladar de caráter sincrético” (p. 24). Assim, esses elementos não apenas nutriram o corpo, mas também fortaleceram laços comunitários, preservando memórias orais e rituais.

Esse legado imaterial, invisível porém profundo, evidencia como a diáspora africana enriqueceu a diversidade peruana, promovendo valores de convivência que hoje inspiram a diplomacia cultural.

A influência da comunidade africana evoluiu para integrar-se à identidade nacional peruana, persistindo por meio de esforços de preservação que conectam o passado colonial ao presente.

Atualmente, essas tradições permanecem vivas em regiões como Piura, Chincha e Cañete, onde comunidades afrodescendentes organizam festivais e oficinas para transmitir danças e música às novas gerações.

Nicomedes Santa Cruz Fonte: Wikipedia

No âmbito religioso, a fusão é evidente nas confrarias, irmandades de escravos que combinaram rituais africanos com o catolicismo. Essas organizações permitiram preservar cultos ancestrais sob fachadas cristãs, como na veneração ao Senhor dos Milagres, cuja origem remonta a quando um angolano

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No contexto contemporâneo, a música afroperuana fundiu-se a gêneros globais, como em A Nova Música Afroperuana, onde artistas como Araceli Poma combinam ritmos afroandinos com jazz a partir de Nova York. Susana Baca, com álbuns como Eco de Sombras, e Eva Ayllón, a “Rainha do landó”, levaram

esses sons ao mundo, conquistando prêmios como o Latin Grammy e colaborando com artistas internacionais. Enquanto isso, o Dia da Cultura Afroperuana (4 de junho) promove sua visibilidade.

Como afirmam Arrelucea e Cosamalón (2015), esses legados ultrapassaram suas próprias fronteiras e deram origem a um novo mundo, rico em manifestações culturais que transcendem a música, as artes, o esporte e a gastronomia. Essa evolução não apenas preserva o legado, mas também o revaloriza na diplomacia cultural, como no Dia da Amizade Peruano-Africana, promovendo intercâmbios que reconhecem raízes compartilhadas e combatem a discriminação. Assim, a diáspora africana continua moldando a nação, inspirando uma amizade duradoura.

Exteriores (MRE), com a participação de embaixadas africanas acreditadas em Lima, como as de Argélia, Egito, Marrocos e África do Sul. Assim, esta data não apenas lembra a independência africana, mas também convida à reflexão sobre como o passado escravista pode transformar-se em base para à solidariedade internacional, fomentando o respeito mútuo e a cooperação em um mundo globalizado. Em essência, o Dia da Amizade Peruano-Africana atua como um lembrete de que a história compartilhada pode alimentar alianças futuras, revalorizando a contribuição africana para a diversidade cultural peruana e posicionando o Peru como um ator proativo no diálogo Sul-Sul.

4. O Dia da Amizade Peruano-Africana: Revalorizando o legado na diplomacia cultural moderna Origens e significado O Dia da Amizade Peruano-Africana representa uma ponte simbólica entre o passado colonial e as relações contemporâneas, instituído pelo Decreto Supremo nº 0020-86-RE, de 1986, em razão da trágica morte do presidente moçambicano Samora Machel em um acidente aéreo em 19 de outubro daquele ano. Machel, considerado o pai da independência de Moçambique, simbolizava a luta pela emancipação africana contra o colonialismo e o apartheid, inspirando líderes como Nelson Mandela e Julius Nyerere. Seu falecimento motivou o governo peruano, sob a presidência de Alan García, a criar essa comemoração anual para homenagear não apenas Machel, mas todos os protagonistas da gesta descolonizadora africana, Relações Exteriores Fonte: Serviços ao cidadão que entre as décadas de 1950 e 1970 libertou mais de cinquenta nações do jugo europeu.

Aplicação na diplomacia cultural O significado desse dia transcende a homenagem histórica: busca destacar os profundos laços entre o Peru e a África, forjados durante o período colonial com a chegada de milhares de africanos escravizados ao Vice-Reino do Peru. Esses vínculos manifestaramse em contribuições culturais duradouras, como a música afroperuana e as tradições religiosas sincréticas. No contexto da diplomacia cultural, o dia enfatiza o reconhecimento do legado africano na identidade peruana, promovendo a inclusão da comunidade afroperuana, que representa cerca de 3,6% da população, segundo o censo de 2017. Desde sua criação, celebra-se a cada 19 de outubro com eventos organizados pelo Ministério das Relações

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Na diplomacia cultural moderna, o Dia da Amizade Peruano-Africana tornou-se uma plataforma estratégica para fortalecer os laços bilaterais e multilaterais entre o Peru e o continente africano, integrando o legado histórico africano em iniciativas contemporâneas que promovem a cooperação e o intercâmbio. Desde sua décima primeira edição, em 2020, adaptada ao formato virtual devido à pandemia, até a décima quinta, em 2024, as celebrações evoluíram para eventos híbridos que combinam atos protocolares com expressões artísticas, gastronômicas e educativas, organizados pela Chancelaria peruana em colaboração com embaixadas africanas. Por exemplo, na XI edição,

Dia da Amizade Peruano-Africana Fonte: Relações Exteriores

destacou-se a participação do Brasil como país convidado, reconhecendo sua herança africana compartilhada, e incluíram-se exposições documentais sobre as relações diplomáticas Peru– África. Essas atividades não apenas comemoram o passado, mas também ativam o legado afroperuano para impulsionar agendas diplomáticas, como a abertura de novas missões peruanas na África, somando-se às embaixadas já existentes no Quênia, Argélia, Egito, Gana, Marrocos e África do Sul.

da diáspora africana — desde sua influência na gastronomia crioula até tradições religiosas como a devoção ao Senhor dos Milagres —, o Peru posiciona sua política externa como inclusiva e multicultural.

Isso fomenta a cooperação em fóruns internacionais como a União Africana e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), onde temas como mudança climática e desenvolvimento sustentável são abordados sob uma perspectiva histórica compartilhada.

Um eixo central é o uso da cultura como ferramenta diplomática. Em 2023, a XIV edição incluiu o Festival de Cinema Africano, de 23 a 27 de outubro, com exibições de filmes que exploram temas de identidade, migração e resiliência, atraindo o público peruano e fomentando diálogos sobre racismo e inclusão.

Eventos como esses incorporam danças tradicionais africanas, música com instrumentos como o djembe e degustações de pratos como jollof rice ou injera, combinados com elementos afroperuanos como o cajón e o sapateado. Em 2024, a XV edição contou com a participação de delegações de Angola, Argélia, Egito, Marrocos e África do Sul, destacando um vídeo mapping no Circuito Mágico da Água, que projetou imagens da diáspora africana no Peru, simbolizando a integração cultural. Essas iniciativas revalorizam o legado afroperuano, posicionando-o como um ativo diplomático, promovendo intercâmbios artísticos que fortalecem os laços econômicos e políticos. Por exemplo, as visitas de delegações angolanas em 2024 e 2025 reforçaram a cooperação em áreas como mineração e educação, enquanto a visita de uma delegação ganense em 2025 enfatizou o potencial de alianças em comércio e turismo cultural, como destacou a embaixadora peruana em Gana, Rosa Gómez.

Expectativas futuras

Essa aplicação prática da diplomacia cultural não se limita a eventos anuais: também impulsiona programas de longo prazo, como bolsas de estudo para estudantes africanos em universidades peruanas e oficinas sobre história afroperuana em escolas diplomáticas. Ao revalorizar o legado

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O legado da diáspora africana no Peru colonial oferece uma base histórica para consolidar as relações diplomáticas com a África no médio e longo prazo, integrando essa herança compartilhada em estratégias de cooperação bilateral e multilateral.

No médio prazo, iniciativas como a nomeação do primeiro embaixador peruano em Angola, em fevereiro de 2025, e a I Reunião de Consultas Políticas Peru–Angola, em julho do mesmo ano, ilustram como o reconhecimento dos vínculos históricos facilita avanços concretos em comércio, mineração e educação. Eventos como o IV Meet the Team, em junho de 2025, que promovem diálogos com países africanos, reforçam essa tendência, assim como o relançamento da agenda bilateral com a África do Sul em temas de comércio, mineração e ciência antártica.

Publicações como Imortalizando relações bilaterais: Peru e África em imagens do novecentos (2025), do Ministério das Relações Exteriores, ressaltam como o patrimônio cultural afroperuano pode enriquecer essas alianças, promovendo intercâmbios educacionais e culturais que transcendem o passado colonial rumo a um futuro de cooperação Sul–Sul. Essas ações, ancoradas na comemoração do Dia da Amizade, permitem expandir a presença diplomática peruana no continente africano, com ênfase no fortalecimento do comércio e da cooperação, como evidenciado pelos esforços para aumentar os intercâmbios com a África.

No longo prazo, a história compartilhada da diáspora pode impulsionar alianças sustentáveis em áreas como o desenvolvimento econômico e o enfrentamento de desafios globais, incluindo as mudanças climáticas e a equidade racial. A Direção da África do Ministério das Relações Exteriores, responsável por avaliar compromissos internacionais, posiciona o Peru para aprofundar as relações estabelecidas desde 1985 com países como Angola, estendendo colaborações a fóruns como a União Africana e a CELAC. Dessa forma, o Dia da Amizade consolida-se como um mecanismo para transformar o legado histórico em ferramentas diplomáticas duradouras, contribuindo para uma integração global mais inclusiva.

Conclusão

educacionais e econômicos. A recente abertura de novas embaixadas e as reuniões de consultas políticas, como as iniciadas com Angola e Gana, são passos promissores que devem ser ampliados. A história nos mostra que a diversidade, forjada mesmo em contextos de adversidade, é uma fonte inesgotável de força e inovação. Olhar para o futuro das relações Peru–África com otimismo significa reconhecer que, na riqueza de nossa herança multicultural, reside a semente de uma amizade mais profunda, uma colaboração mais estreita e um futuro compartilhado em que a diversidade não apenas se tolera, mas se celebra como o laço mais poderoso de união.

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Por isso, é imperativo que essa data transcenda o âmbito protocolar e se consolide como um motor de promoção de intercâmbios diplomáticos, culturais,

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ARTIGO 5

A CUMANANA NO POVO AFROPERUANO DE YAPATERA: IDENTIDADE E MEMÓRIA PROJETADAS ÀS INDÚSTRIAS CULTURAIS E O TURISMO 1

Samanta Hilda Calle Ruiz Universidade Nacional de Fronteira Faculdade de Ciências Empresariais e Turismo scalle@unf.edu.pe

Rosa Isabel Castillo Tavara Universidade Nacional de Fronteira Faculdade de Ciências Empresariais e Turismo 2020202009@unf.edu.pe

RESUMO

A

cumanana, expressão poético-musical afroperuana originária de Yapatera (Piura) e declarada Patrimônio Cultural da Nação em 2004, constitui um símbolo de resistência e memória coletiva. Baseada no verso improvisado e no contraponto, tem servido como veículo de identidade, crítica social e transmissão intergeracional de saberes afrodescendentes. O estudo adota uma abordagem qualitativa documental, fundamentada na revisão bibliográfica, na análise cultural e no diagnóstico estratégico de seu potencial como recurso cultural para o turismo sustentável e as indústrias criativas. Os resultados evidenciam seis diretrizes prioritárias para sua valorização: diagnóstico participativo dos portadores culturais, fortalecimento educativo, criação de um arquivo digital comunitário, realização de festivais inter-regionais, integração em circuitos turísticos e formulação de políticas públicas de apoio econômico. Essas ações buscam garantir a salvaguarda do patrimônio e sua articulação com o desenvolvimento local. Mais do que uma manifestação artística, a cumanana revela-se um arquivo oral da memória afroperuana e uma ferramenta de coesão comunitária.

Sua incorporação no turismo cultural e nas indústrias criativas permitiria revitalizar a prática entre os jovens, diversificar a economia local e consolidar Yapatera como modelo de gestão patrimonial participativa e ponte intercultural entre o Peru e a África.

Palavras-chave: turismo cultural, indústrias culturais, identidade cultural, patrimônio cultural, comunidade afrodescendente

Os cumananas de Yapatera Fonte: Ministério da Cultura

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II. ORIGEM ETIMOLÓGICA E CARACTERÍSTICAS DA CUMANANA 2.1. Raízes linguísticas africanas

I. INTRODUÇĀO

O vocábulo “cumanana” provém do kikongo, língua africana da família bantu falada na região do Congo, e seu significado aproximado é “saber” ou “reciprocidade do conhecimento” (Panta Chunga et al., 2023). Essa raiz linguística evidencia a profunda conexão entre as tradições orais africanas e as expressões poéticas desenvolvidas pelos afrodescendentes no norte do Peru, confirmando que a cumanana não é simplesmente uma adaptação crioula, mas uma continuidade direta de práticas culturais africanas reelaboradas no contexto americano, que se desenvolveram em sincretismo com práticas culturais locais costeiras e andinas.

O Peru abriga uma grande diversidade cultural que inclui importantes contribuições das populações afrodescendentes, cuja presença remonta ao período colonial. Apesar de sua relevância histórica, as comunidades afroperuanas enfrentaram processos de invisibilização que dificultaram o reconhecimento pleno de suas contribuições (Valdivia et al., 2007).

Nesse contexto, as expressões artísticas e as tradições orais tornam-se espaços de resistência e afirmação identitária.

O conceito de “reciprocidade do conhecimento” implícito na palavra revela a natureza dialógica dessa prática: não se trata de uma expressão monológica, mas de uma troca, um contraponto em que duas ou mais vozes constroem coletivamente sentido e conhecimento. Essa dimensão comunitária é característica de muitas tradições orais africanas, nas quais o conhecimento é concebido como patrimônio coletivo, constantemente atualizado e enriquecido em cada performance (Hampaté Bâ, 1982).

No coração da província de Morropón, região de Piura, encontra-se o povo afroperuano de Yapatera, reconhecido por sua herança africana e forte senso de identidade comunitária. Entre suas manifestações mais emblemáticas destacase a cumanana, uma expressão poético-musical que combina improvisação, ritmo e verso, constituindo um testemunho vivo da memória coletiva afrodescendente. Herdada dos africanos escravizados que chegaram à costa norte durante o período colonial, a cumanana evoluiu como símbolo de resistência cultural e veículo de transmissão de valores, experiências e saberes ancestrais (Alzamora, 2018).

Outros autores sustentam que a palavra tem uma raiz mestiça e indígena costeira, com influências africanas e coloniais, refletindo o caráter sincrético do processo cultural peruano (Arrelucea, 2022).

Em conclusão, a cumanana representa uma arte da palavra que combina verso, música e contraposição oral, em um exercício de criatividade e engenho que transcende gerações e hoje é parte do patrimônio cultural peruano.

Yapatera

Fonte: Ministério da Cultura

Atualmente, a cumanana projeta-se como um recurso valioso para o desenvolvimento das indústrias culturais e do turismo sustentável, contribuindo para o fortalecimento da identidade yapaterana e para a diversificação da oferta cultural do norte peruano. O presente artigo examina sua função social e cultural, e explora seu potencial como eixo articulador de estratégias de desenvolvimento local baseadas na cultura e no turismo responsável.

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2.2. Estrutura e características formais A cumanana caracteriza-se por sua estrutura de quartetos octossilábicos com rima consoante, o que a aproxima formalmente de outras expressões da poesia oral hispano-americana, como a décima (Trapero, 2013). Contudo, sua especificidade reside no elemento do contraponto ou duelo poético, em que dois cantores competem em engenho, sagacidade e criatividade lírica. Esse aspecto competitivo constitui um mecanismo de validação social do conhecimento e da habilidade verbal, premiando a rapidez mental, a capacidade de improvisação e o domínio da linguagem metafórica.

Cumananero El Gordo Guardado Fonte: GIINNSOTUR (2025)

O contraponto da cumanana aborda diversos registros temáticos — amoroso, picaresco, social, normativo e existencial. Em cada um manifesta-se a sabedoria popular do povo afrodescendente, sua visão de mundo e seu senso de humor, muitas vezes marcados pela ironia. Essa diversidade temática permite que a cumanana funcione simultaneamente como entretenimento, reflexão filosófica, crítica social e registro histórico.

III. CONTEXTO HISTÓRICO E DESENVOLVIMENTO EM YAPATERA 3.1. A cumanana no período colonial Durante o período colonial, as fazendas da costa norte peruana —especialmente em Piura e Lambayeque— foram espaços onde os africanos escravizados e seus descendentes desenvolveram formas próprias de comunicação, canto e poesia, adaptadas às condições do sistema escravista (Espinoza, 2007). Nesse contexto de opressão, as expressões culturais africanas funcionaram como mecanismos de resistência simbólica e estratégias de preservação da identidade e da dignidade humana.

A cumanana surgiu como um meio de expressão coletiva que, ao final da jornada de trabalho, transportava os afrodescendentes escravizados ao ambiente cotidiano de suas origens africanas (F. Távara, comunicação pessoal, 9 de outubro de 2025).

Nesse momento, os versos narravam a vida cotidiana, as relações amorosas, os conflitos interpessoais, as injustiças do sistema colonial e os sonhos de liberdade. Por meio da metáfora e da linguagem codificada, os cumananeiros podiam articular críticas à ordem social sem se expor diretamente a represálias, utilizando o humor, a ambiguidade e a polissemia como recursos de sobrevivência cultural.

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A estrutura de contraponto permitia que essas improvisações se transformassem em eventos comunitários nos quais toda a população participava como audiência ativa. Essas performances eram parte essencial de celebrações, velórios, festas patronais e encontros familiares — espaços em que a comunidade reafirmava sua coesão e identidade distintiva. Com o tempo, a cumanana tornou-se um componente central da identidade afroperuana local, consolidando-se como uma prática cultural que definia a especificidade yapaterana (Alzamora, 2024).

3.2. Portadores culturais e transmissão intergeracional A persistência da cumanana em Yapatera tem sido possível graças ao esforço de gerações de cumananeiros que transmitiram seus conhecimentos de forma oral. Entre os portadores culturais mais destacados encontra-se Fernando Barranzuela Zevallos, lembrado como “poeta e cumananeiro milenar”, que transformou a palavra em instrumento de reflexão e resistência diante do esquecimento histórico (Espinoza, 2016).

Cumananeiras Yumi e Lili no mausoléu do poeta Fernando Barranzuela Fonte: GIINNSOTUR (2025)

Em suas composições, Barranzuela evocava a chegada de seus ancestrais africanos ao vale de Yapatera e sua luta pela liberdade e dignidade, construindo, por meio da poesia oral, um relato alternativo da história regional que colocava no centro a experiência afrodescendente. Sua obra serviu de modelo para novas gerações, demonstrando que a tradição oral pode ser tão poderosa e duradoura quanto a cultura escrita.

O falecimento de mestres cumananeiros como Barranzuela gerou preocupação quanto à continuidade dessa tradição. A perda desses portadores culturais implica o desaparecimento de repertórios específicos, conhecimentos técnicos e memórias históricas não documentadas sistematicamente, sublinhando a urgência de implementar programas de salvaguarda.

No entanto, observou-se in situ a existência de outros cultores da cumanana, entre eles Alonso Rodríguez, Fernando Barranzuela Filho, Lilian León, Luzmila Carrasco, entre outros adultos mais velhos, adultos e jovens.

pedagógico e de coesão comunitária, reforçando a identidade coletiva. Nas celebrações yapateranas, os duelos poéticos representam uma competição de engenho que reúne crianças, jovens e adultos, criando um espaço intergeracional no qual são transmitidos valores, conhecimentos e estéticas culturais. A comunidade se reúne para ouvir, aprender e rir, fortalecendo vínculos intergeracionais e renovando compromissos com a identidade compartilhada.

4.2. Arquivo de memória coletiva O valor cultural da cumanana reside em sua capacidade de narrar a história pela voz do povo, constituindo um “arquivo oral” da experiência afroperuana. Por meio dos versos, os yapateranos contam suas origens, lutas e esperanças, construindo uma narrativa histórica alternativa às versões oficiais que frequentemente invisibilizaram a experiência afrodescendente.

A oralidade transforma-se em um arquivo vivo da memória afroperuana, uma história que não se encontra em documentos oficiais, mas que se preserva na voz dos cumananeiros e na memória coletiva. Essa forma de preservação histórica, embora vulnerável às transformações sociais, é democrática e acessível a todos os membros da comunidade, independentemente de seu nível de alfabetização.

IV. FUNÇÃO SOCIAL E VALOR CULTURAL DA CUMANANA

De acordo com Ato (2019), nas instituições educacionais de Yapatera, essa expressão mantém forte significado afetivo entre os estudantes.

No entanto, sua prática cotidiana reduziu-se significativamente entre as novas gerações. Recuperar seu uso sistemático permitiria reforçar a identidade local e revitalizar a consciência afroperuana entre os jovens yapateranos, oferecendo-lhes ferramentas culturais para enfrentar os desafios da discriminação que ainda persistem.

4.1. Comunicação e coesão comunitária

V. PROJEÇÃO PARA AS INDÚSTRIAS CULTURAIS

Fernando Barranzuela filho declamando cumananas Fonte: GIINNSOTUR (2025)

A cumanana cumpre uma função social multidimensional na comunidade yapaterana.

Atua como um meio de comunicação artística que articula emoções, valores e reflexões sobre a vida cotidiana, permitindo expressar sentimentos e experiências que poderiam ser difíceis de verbalizar na linguagem comum. A forma poética fornece uma estrutura para a expressão emocional, enquanto o contexto performático cria um espaço seguro para o compartilhamento de experiências pessoais e coletivas.

Simultaneamente, funciona como um instrumento

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5.1. Oportunidades nas indústrias culturais A projeção da cumanana para as indústrias culturais representa uma oportunidade estratégica de transformação social e econômica. O conceito de indústrias culturais, promovido pela UNESCO (2018), refere-se a atividades econômicas que produzem e distribuem bens e serviços baseados na criatividade, no conhecimento e no patrimônio cultural. Em Yapatera, a cumanana pode constituir-se como eixo articulador de projetos de criação artística, produção audiovisual, publicações literárias e programas educativos.

Iniciativas como “Cumananas ou Kumananas”, projeto literário do escritor piurano Walter Pintado Pasapera, demonstram que a literatura afroperuana pode ser revitalizada a partir da comunidade e gerar interesse nacional. A criação de oficinas de formação, festivais regionais, concursos literários e residências artísticas impulsionaria a profissionalização dos artistas locais e a consolidação de um circuito cultural afroperuano regional.

criativo e a distribuição equitativa dos benefícios econômicos e simbólicos gerados. A exploração comercial do patrimônio cultural sem consentimento ou participação comunitária constitui uma forma de extrativismo cultural que perpetua dinâmicas coloniais.

VI. A CUMANANA COMO RECURSO PARA O TURISMO CULTURAL SUSTENTÁVEL 6.1. Potencial turístico e experiências vivenciais Sob uma perspectiva de desenvolvimento econômico local, a cumanana possui enorme potencial como recurso cultural e experiência vivencial, capaz de articular circuitos de turismo sustentável na região de Piura. Yapatera, reconhecida como berço da cultura afrodescendente do norte peruano, segundo o escritor Walter Pasapera (2025), foi identificada como zona prioritária para o desenvolvimento de um turismo cultural que valorize a autenticidade, a participação comunitária e o respeito pelas tradições locais.

Segundo Chávez (2014), o turismo no distrito pode ser fortalecido por meio da inclusão de manifestações culturais como a cumanana, junto à gastronomia afroperuana, festividades tradicionais e espaços de memória histórica. A integração desses elementos em circuitos culturais coerentes poderia gerar experiências turísticas participativas, nas quais o visitante não apenas observa, mas interage e aprende.

Esse modelo de turismo vivencial contrasta com as formas de turismo massivo que mercantilizam superficialmente as manifestações culturais. Em Capa do livro “Cumanana – Kumanana” Yapatera, a cumanana contribui para um turismo Fonte: Fuente Propia baseado na autenticidade, na educação intercultural e no respeito, permitindo que os visitantes 5.2. Produtos culturais e salvaguarda compreendam as raízes africanas da cultura peruana O desenvolvimento de produtos culturais derivados e reflitam sobre as histórias de escravidão, resistência — como discos, documentários, livros ilustrados e criatividade cultural que definem a experiência e conteúdos digitais — permitiria ampliar afrodescendente. significativamente a difusão dessa tradição dentro e fora do Peru. Na Videoteca das Culturas do Ministério 6.2. Integração turística e desenvolvimento da Cultura (2014) encontra-se o documentário “Las local Cumananas de Yapatera”, exemplo valioso de registro A relação entre cumanana, identidade e turismo pode audiovisual que preserva e promove a tradição. ser observada nas celebrações do Dia da Cultura É imprescindível que esses projetos sejam realizados em estreita coordenação com a comunidade yapaterana, garantindo o consentimento livre, prévio e informado dos portadores culturais, sua participação ativa em todas as fases do processo

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Afroperuana, no Festival do Manga e na Festa do Senhor da Piedade, nas quais os habitantes de Yapatera organizam danças, recitais poéticos, oficinas e mostras gastronômicas que atraem visitantes de várias regiões.

Essas atividades geram renda direta e indireta para a comunidade — por meio da alimentação, venda de artesanato e serviços turísticos —, mas também fortalecem o orgulho cultural local e promovem a continuidade do patrimônio imaterial.

Nesse contexto, as mulheres yapateranas desempenham um papel fundamental como narradoras, cantoras, gestoras culturais e promotoras da tradição oral. Sua participação ativa garante a transmissão intergeracional da memória cultural e amplia a representação da comunidade afroperuana no espaço público, desafiando estereótipos de gênero. A presença protagonista das mulheres cumananeiras contribui para diversificar os conteúdos temáticos, incorporando perspectivas femininas que enriquecem o repertório coletivo.

artesanais e diálogos com portadores culturais.

Essas experiências devem ser projetadas e geridas pela própria comunidade.

Sexto, fomentar políticas públicas que reconheçam formalmente os cumananeiros como portadores do patrimônio cultural imaterial, concedendo-lhes incentivos econômicos e apoios institucionais para a transmissão de saberes. Essas políticas poderiam incluir bolsas para jovens aprendizes, pensões para mestres cumananeiros e financiamento para projetos de documentação.

VII. ESTRATÉGICAS PARA A VALORIZAÇÃO Para consolidar um processo sustentável de valorização da cumanana como patrimônio vivo, propõem-se seis diretrizes estratégicas: Primeiro, realizar um diagnóstico participativo que identifique os principais expoentes atuais, estilos locais, espaços de prática e percepções comunitárias sobre seu valor e futuro. Esse diagnóstico deve empregar metodologias participativas que reconheçam os yapateranos como sujeitos ativos do conhecimento.

Festival da Manga de Yapatera Fonte: Walac

VIII. CONCLUSÕES

A cumanana no povo afroperuano de Yapatera constitui um legado de imenso valor histórico, estético e social, que merece esforços contínuos de salvaguarda e projeção. Essa expressão poéticoSegundo, fortalecer o ensino sistemático da musical representa não apenas uma manifestação cumanana em instituições educacionais por meio artística singular, mas também um testemunho de de módulos pedagógicos de oralidade afroperuana e resistência cultural afrodescendente, um arquivo história local, integrando essa tradição ao currículo oral de memória coletiva, um mecanismo de escolar, respeitando sua natureza performática e coesão comunitária e um recurso potencial para o desenvolvimento local sustentável. comunitária.

Terceiro, promover a digitalização e criação de um arquivo comunitário que documente cumananas tradicionais e contemporâneas, incluindo gravações audiovisuais, transcrições e metadados sobre intérpretes, ocasiões e significados culturais.

A preservação da cumanana implica reconhecer e fortalecer uma herança africana viva e relevante, que continua cumprindo funções sociais fundamentais e pode ser fonte de orgulho, educação e prosperidade para as futuras gerações.

Quarto, organizar festivais e encontros inter-regionais que incluam concursos de improvisação, recitais poéticos, conferências sobre cultura afroperuana e feiras culturais. Esses eventos tornam a tradição visível, criam contextos de valorização e podem se converter em atrações turísticas sustentáveis.

Sua integração estratégica nas indústrias culturais e em circuitos de turismo sustentável representa uma oportunidade concreta para fortalecer a identidade afroperuana, promover a diversidade cultural e consolidar Yapatera como modelo de gestão patrimonial comunitária.

Quinto, integrar a cumanana em circuitos turísticos sustentáveis por meio de experiências de imersão cultural que combinem performances cumananeiras com gastronomia, visitas a sítios históricos, oficinas

Para que essa projeção seja bem-sucedida, é essencial que os yapateranos mantenham o controle e a gestão de seu patrimônio cultural, participando ativamente de todas as decisões sobre seu uso,

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representação e comercialização. Somente assim a cumanana poderá ser simultaneamente recurso econômico, símbolo identitário, espaço de memória e ponte intercultural que conecta passado e futuro, local e global, Peru e África.

As diretrizes estratégicas propostas constituem um marco orientador que deve ser adaptado por meio de processos participativos envolvendo toda a comunidade yapaterana. A implementação bem-sucedida requer vontade política, recursos econômicos, coordenação interinstitucional e, sobretudo, o compromisso e protagonismo dos próprios yapateranos como gestores de sua cultura e construtores de seu futuro.

Dessa forma, a palavra cantada continuará sendo o eco ressonante de uma história coletiva que, a partir da voz do povo afrodescendente, segue escrevendo o futuro.

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Espinoza León, C. (2016). Yapatera y la historia del progreso según don Fernando Barranzuela.

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ARTIGO 5

A VISIBILIDADE DO POVO AFROPERUANO A PARTIR DAS POLÍTICAS CULTURAISS Alicia del Pilar Quevedo Canales Direção de Políticas para a População Afroperuana – Ministério da Cultura do Peru

Em 17 de dezembro de 2024, a Organização das Nações Unidas (ONU) anunciou o Segundo Decênio Internacional para os Afrodescendentes, que começou oficialmente em 1º de janeiro de 2025 e terminará em 31 de dezembro de 2034. Essa declaração incentiva a concentração dos esforços dos Estados-membros para o desenvolvimento de suas populações afrodescendentes. Estima-se que dez anos seja um período adequado para implementar um Plano de Ação e alcançar resultados concretos.

afrodescendentes, tanto suas lutas contra a discriminação e o racismo estrutural, quanto seus aportes e expressões culturais.

Uma ideia importante destacada no balanço realizado pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas sobre o Primeiro Decênio é que um dos aspectos em que mais se avançou no Plano de Ação foi na visibilidade das condições de vida dos afrodescendentes. No entanto, apesar disso, poucas mudanças estruturais ocorreram nas situações Assim como no primeiro Decênio, iniciado em 1º de de desigualdade e racismo em que vivem os janeiro de 2015 e concluído em 31 de dezembro afrodescendentes nas diversas sociedades: de 2024, os eixos orientadores do Plano de Ação continuam sendo reconhecimento, justiça e “Na última década, conseguimos uma maior compreensão e visibilidade das experiências vividas desenvolvimento. pelos afrodescendentes, mas ainda não fizemos o O reconhecimento implica promover o direito suficiente para introduzir mudanças reais e positivas à igualdade e à não discriminação das pessoas em suas vidas” 1 afrodescendentes. Inclui educar e sensibilizar a cidadania, coletar informações relevantes sobre essa população e fomentar sua participação política e inclusão social.

A justiça é entendida como o acesso efetivo ao sistema judicial, assim como a implementação de medidas especiais, sejam ações afirmativas ou mecanismos de reparação histórica.

O direito ao desenvolvimento abrange estratégias para combater a pobreza e melhorar o acesso à educação, ao emprego, à saúde, à moradia e a outros serviços públicos, com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais existentes.

Para implementar de forma efetiva esses três eixos, é fundamental posicioná-los na agenda pública dos Estados, o que requer aumentar a visibilidade social dos afrodescendentes. Esse processo consiste em inserir os temas no debate público, destacá-los nos meios de comunicação e promover sua discussão em diferentes espaços sociais. Na era digital, isso também implica difundir — e até “viralizar” — conteúdos que reflitam as realidades das pessoas

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ONU

Fonte: Ayuda en acción

População afro-peruana

Fonte: Ministério da Cultura

Uma rota a partir do Peru Nesse sentido, o presente artigo reflete sobre as diferentes formas de promoção das políticas de visibilidade para o povo afroperuano, desenvolvidas no Ministério da Cultura, com o objetivo de traçar uma rota dentro do marco do Segundo Decênio Internacional dos Afrodescendentes, cuja finalidade é que, além das ações de visibilidade, consolidemse mudanças estruturais que promovam o desenvolvimento das populações afrodescendentes.

Em 2013, foi criada a Direção de Políticas para a População Afroperuana (DAF), órgão do Ministério da Cultura, cuja missão é: “Elaborar e implementar políticas, planos e programas de proteção, promoção de direitos e desenvolvimento da população afroperuana, garantindo seu desenvolvimento com identidade, em um marco de igualdade de direitos” (Ministério da Cultura, 2013).

Para cumprir esse mandato, a DAF estruturou sua intervenção em quatro eixos de trabalho: 1. Políticas públicas: elaboração e implementação de documentos de gestão que orientem a ação estatal.

2. Participação e representação: criação de espaços de deliberação para as organizações afroperuanas e promoção de sua representação em diferentes níveis de governança.

e cultural do povo afroperuano, difundindo suas contribuições históricas e atuais à nação.

Calendário de visibilidade afroperuana Um dos principais avanços em termos de visibilidade tem sido a consolidação de um calendário anual de efemérides afroperuanas, que permite institucionalizar momentos-chave de comemoração e reflexão. Entre as datas mais importantes destacam-se: 4 de junho, Dia da Cultura Afroperuana: Em 2006, o Congresso da República declarou, por meio da Lei 28761, o dia 4 de junho como o Dia da Cultura Afroperuana, em homenagem ao nascimento de Nicomedes Santa Cruz, artista e intelectual símbolo do povo afroperuano. É um dia dedicado a reconhecer as contribuições afroperuanas para a construção da nação nos âmbitos econômico, social, científico, cultural, religioso e artístico.

Junho, Mês da Cultura Afroperuana: Instituído em 2014 pela Resolução Ministerial 182-2014-MC, com o objetivo de ampliar o espaço para realizar atividades que deem visibilidade ao povo afroperuano. Está se consolidando como um mês emblemático, com ações de alcance nacional e internacional. Cabe destacar que junho também é reconhecido como o Mês do Orgulho LGBTQI+.

3. Gestão da informação: produção e análise de dados quantitativos e qualitativos que fundamentem a tomada de decisões em políticas públicas.

4. Visibilidade: promoção do reconhecimento social 1

Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. (2024, dezembro). Segundo Decênio Internacional para as Pessoas de Ascendência Africana renova o apelo por reconhecimento, justiça e desenvolvimento [História]. https://www.ohchr.org/es/stories/2024/12/second-international-decade-people-african-descent-renews-call-recognition-justice

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25 de julho, Dia da Mulher Afroperuana: Em 2020, foi promulgada a Lei 31049, que declara o dia 25 de julho como o Dia Nacional da Mulher Afroperuana, com o propósito de visibilizar, reconhecer, valorizar e conscientizar sobre a participação e contribuição da mulher afroperuana no desenvolvimento social, econômico, político e cultural do Peru. A lei encarrega o Ministério da Cultura e o Ministério da Mulher e Populações Vulneráveis (MIMP) de promover atividades que fortaleçam sua participação efetiva.

destacando a participação política dos afroperuanos, especialmente no evento denominado Encontro Nacional de Organizações Afroperuanas “Somos Família”, que neste ano celebra sua décima edição.

Outras ações de visibilidade

Além das efemérides que buscam se consolidar no calendário nacional como referência para toda a cidadania, existem ações de visibilidade promovidas ao longo do ano, essenciais para reconhecer 19 de outubro, Dia da Amizade Peruano-Africana: conquistas e contribuições do povo afroperuano.

Em 1986, por meio do Decreto Supremo 0020-86RE, foi instituído o Dia da Amizade Peruano-Africana, Declaração de Personalidade Meritória da Cultura em homenagem ao falecimento do presidente e líder Afroperuana: é um reconhecimento oficial a pessoas de Moçambique, Samora Machel, considerado o pai cujas obras e ações contribuíram significativamente da independência de seu país e um lutador contra o para o país. Esse reconhecimento abre oportunidades para divulgar seus legados, incluindo declarações regime do apartheid. de centenários de nascimento — como os de Essa data honra aqueles que dedicaram suas Nicomedes Santa Cruz (2025) e Victoria Santa Cruz vidas à luta emancipatória na África e expressa (2022) —, bem como a emissão de selos postais o reconhecimento do povo peruano pelos laços comemorativos, como no caso de Lucha Reyes históricos que nos unem ao continente africano, bem (2024). como por sua valiosa contribuição à nossa cultura e sociedade.

3 de dezembro, Dia da Abolição da Escravidão: Em 1854, foi proclamada a abolição da escravidão no Peru. Em homenagem a essa data, o Ministério da Cultura realiza atividades comemorativas

Reconhecimento de personalidades meritórias da cultura afroperuana, 2017 Fonte: Ministério da Cultura

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Encontro de pesquisadores sobre a Cultura Afro-Peruana, 2025, Universidade Nacional Maior de San Marcos Source: Ministry of Culture

Declaração de patrimônio imaterial e locais de memória histórica do povo afroperuano: As declarações de patrimônio imaterial são reconhecimentos oficiais concedidos a práticas culturais com raízes afroperuanas que fazem parte do acervo cultural nacional. Entre elas estão a Festa do Senhor dos Milagres, as danças do Hatajo de Negritos e Pallas, o uso musical do checo, a dança do tondero, o cajón peruano e a caixinha rítmica afroperuana.

Da mesma forma, são reconhecidos como locais de memória histórica aqueles lugares cuja história é marcada por uma significativa presença afrodescendente, como Zaña, na região de Lambayeque, e San Luis de Cañete, em Lima.

O Encontro de Pesquisadores sobre Cultura Afroperuana: Iniciado em 2017 e oficializado pela R.M. N.º 480-2023-MC, este evento reúne pesquisadores, acadêmicos e cultores para divulgar avanços no conhecimento sobre a cultura afroperuana. Buscase, assim, incidir na agenda pública com evidências que orientem políticas e iniciativas em favor do povo afroperuano.

Elaboração e publicações de livros que difundem a cultura afroperuana: Está sendo construída uma linha editorial dedicada à produção de livros de alta qualidade que visibilizam e promovem a riqueza cultural do povo afroperuano. Entre as publicações mais destacadas está Presencia afrodescendiente en el Perú. Siglos XVI–XX (2015), dos historiadores Maribel Arrelucea Barrantes e Jesús Cosamalón

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Aguilar, obra que oferece uma valiosa reconstrução histórica sobre a presença e os aportes dos afrodescendentes no país.

Da mesma forma, o livro Fogón afroperuano: Herencia y saber de la cocina afroperuana de la costa, elaborado em conjunto com a organização Activos Culturales Afro (ACUA) e o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), reúne — a partir de um trabalho colaborativo — receitas e práticas culturais de diversas localidades afroperuanas, com cozinheiras como Carmen Huapaya Solano (San Luis de Cañete), Mirtha Cartagena, Angeolina Palma, Esther Cartagena e Josefina López (Chincha), assim como Rosa Colchado, Amelia Jiménez e Fanny Azañero (Zaña, Lambayeque), que são tanto autoras quanto protagonistas do conteúdo. Esta publicação foi recentemente reconhecida com o prestigiado Prêmio Gourmand 2025, na categoria de livros de culinária de livre acesso e distribuição gratuita.

A lista apresentada sobre as ações e iniciativas de visibilidade promovidas pelo Ministério da Cultura reflete o esforço para posicionar na agenda pública tanto as demandas sociais do povo afroperuano quanto seus valiosos aportes, em uma tentativa de combater o racismo e a discriminação. No entanto, a experiência acumulada durante o Primeiro Decênio Internacional para os Afrodescendentes nos lembra que a visibilidade, por si só, não é suficiente. É necessário que essas ações sejam acompanhadas por medidas concretas e sustentadas que abordem as desigualdades estruturais que afetam grande parte da população afrodescendente.

Por exemplo, a declaração de Personalidades Annex 1 – Calendar of Important Dates or Meritórias da Cultura deve vir acompanhada de Commemorations of the Afro-Peruvian People políticas que garantam condições de vida dignas para essas pessoas e uma difusão adequada de sua obra.

Da mesma forma, a comemoração do Dia da Mulher Afroperuana deve ir além do simbólico, impulsionando políticas públicas que reduzam efetivamente a violência de gênero e melhorem o acesso ao emprego digno para as mulheres afroperuanas.

Prêmio ao livro Fogón Afroperuano no 30º Gourmand Awards Fonte: Best in the World Gourmand

A implementação de datas comemorativas, distinções e reconhecimentos costuma ser uma das ações mais imediatas na gestão pública, o que explica a proliferação de jornadas dedicadas a diversas causas e coletivos. No entanto, o verdadeiro desafio não está em sua criação, mas em garantir sua sustentabilidade por meio de ações significativas que contribuam para reduzir as brechas estruturais que afetam os povos afrodescendentes. Nesse sentido, as iniciativas de visibilidade são essenciais, mas devem transcender o simbólico.

Para que essas iniciativas tenham um impacto genuíno, é imprescindível que sejam acompanhadas por mecanismos efetivos de representação e redistribuição de recursos. Só assim poderemos avançar rumo a uma democracia verdadeiramente inclusiva, onde o reconhecimento cultural se traduza em melhorias tangíveis na qualidade de vida e no pleno exercício de direitos para a população afroperuana.

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Activos Culturales Afro ACUA, Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e Ministério da Cultura do Peru. (2023). Fogón afroperuano: Herencia y saber de la cocina afroperuana [Livro eletrônico].

Ministério da Cultura do Peru. https://programaacua. org/wp-content/uploads/2022/08/Libro-FogonAfroperuano.pdf Artigo OHCHR ONU. “El Segundo Decenio Internacional de los Afrodescendientes renueva el llamamiento al reconocimiento, la justicia y el desarrollo” (19 de dezembro de 2024). www.ohchr.org/es/ stories/2024/12/second-international-decadepeople-african-descent-renews-call-recognitionjustice Normas Ministério das Relações Exteriores. (1986, 21 de outubro). Decreto Supremo N.º 0020-86-RE: Declaram o dia 19 de outubro de cada ano como o Dia da Amizade Peruano-Africana.

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Lei N.º 28761: Declaram o dia 4 de junho de cada ano como o Dia da Cultura Afroperuana. Diário Oficial El Peruano.

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Bibliografia Livros Arrelucea Barrantes, M., & Cosamalón Aguilar, J. (2015). La presencia afrodescendiente en el Perú: Siglos XVI - XX. Ministério da Cultura do Peru. https:// centroderecursos.cultura.pe/sites/default/files/rb/ pdf/La-presencia-afrodescendiente.pdf

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Ministério da Cultura. (2023, 19 de outubro). Resolução Ministerial N.º 480-2023-MC: Institucionalizam o Encontro de Pesquisadores sobre Cultura Afroperuana. Recuperado de https://www.gob.pe/ institucion/cultura/normas-legais/4875472-4802023-mc Assembleia Geral das Nações Unidas. (2024).

Resolução A/RES/79/193 sobre o Segundo Decênio Internacional para as Pessoas de Ascendência Africana.

EXPANDINDO A AFRICANIDADE

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ARTIGO 6

AFRO-AMERICANOS NAPOLEÔNICOS, AGENTES IDEALISTAS?

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Embaixador Jorge Raffo Diretor-Geral da África, Oriente Médio e Países do Golfo

O Caribe centro-americano, imbuído dos ideais do Iluminismo e impactado pelos princípios da Revolução Francesa, é o cenário das lutas entre os impérios europeus em ascensão contra o império espanhol em declínio. O território e seus mares são disputados ferozmente desde o final do século XVIII e início do XIX, por meio de métodos que implicavam uma intensa mobilização de homens em idade de combate, assim como uma definição política de numerosos grupos sociais que precisavam calibrar sua lealdade a um ou outro lado. Muitas dessas decisões sociais se apoiavam em critérios de identidade étnica vigentes na época (Rueda, 2009).

Gomes, segundo a bordo da nave corsária Bruto; e Antoine Duple, mulato haitiano— tiveram outro destino. Junto com cerca de vinte marinheiros franceses, foram condenados a servir “com grilhões nas obras portuárias de Porto Rico” (González, 2010, citado por Puigmail, 2013). Duple protagonizou depois uma fuga espetacular da prisão, mas foi recapturado durante uma confusão em uma taberna onde se escondia, à espera da embarcação que o levaria para fora de Porto Rico.

Os agentes napoleônicos enviados à conturbada Hispano-América tiraram importantes conclusões dos acontecimentos protagonizados pelos irmãos Bocé e sua frustrada tentativa libertária. Passaram então a perseguir um duplo objetivo: cumprir o bloqueio continental decretado por Paris contra os britânicos —utilizando navios corsários para afetar o comércio inglês nas águas do Caribe centroamericano— e, ao mesmo tempo, apoiar as forças patriotas insurgentes enfraquecendo as tropas espanholas em terra.

Numerosos afrodescendentes juridicamente “livres” —expressão do período colonial usada para diferenciá-los daqueles submetidos à escravidão— aderiram à causa independentista latino-americana com a esperança de participar de uma sociedade mais inclusiva e igualitária. A partir de 1789, os afroamericanos do Caribe centro-americano tornaramse agentes desestabilizadores da ordem colonial. O papel exercido pelo Haiti e pela Jamaica nas iniciativas políticas que buscavam separar as regiões centro- Aos quarenta e cinco anos, Jacques Anastase americanas do domínio de Madri é exemplificado Desmolards ou Dumoulard recebeu a missão de criar e manter a rede de agentes secretos a serviço de pela aventura dos irmãos Bocé ou Bogé.

Napoleão. Em 1809, estabeleceu-se em Baltimore, Os irmãos Jean Gaspard e Agustín Bocé ou Bogé, de onde dirigia uma rede de espiões e informantes corsários franceses, ambos mulatos, participaram em por toda a América, especialmente no México, onde 1799 de uma tentativa revolucionária em Maracaibo, contava com várias dezenas sob suas ordens.

Venezuela, dirigida pelo patriota Francisco Javier Pirela. No entanto, Pirela foi capturado alguns dias antes da data prevista para o levante, o que permitiu às forças do Rei prender os dois capitães e os setenta e oito tripulantes das embarcações Bruto, Patrulla e Arlequín. Foram encarcerados no castelo do Panamá, onde cumpriram pena por vários anos, até que, em 1806, o embaixador da França perguntou “se os irmãos Jean Gaspard e Agustín Bocé haviam sido libertados”. A resposta enviada a Talleyrand, ministro das Relações Exteriores de Napoleão Bonaparte, indicava que sim, haviam sido libertados, mas que os três navios permaneciam confiscados (Manzanilla, 2011, citado por Puigmail, 2013).

Seus segundos comandantes —Juan María Gautier, mulato francês originário de Porto Príncipe; Jacob 2 Artigo publicado no jornal La Tribuna de Honduras em março de 2022.

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Napoleonic Empire

Source: National Geographic

É considerado o instigador dos primeiros movimentos em Cuba, a partir do final de 1809. Desmolards continuou trabalhando em atividades de espionagem até 1811, quando foi substituído por outro oficial napoleônico, Anasthase d’Amblimont, que destacou dois de seus melhores agentes —François Louis Delpech e Charles Demarquet— para colaborar com os patriotas no istmo e na Nova Granada.

O primeiro buscou apoio à causa napoleônica através do Panamá e tentou, em retribuição, que Paris designasse “[...] 20 oficiais de artilharia, 6 chefes de oficinas, 8 tipógrafos, 4 mestres mineiros, etc.” (De Gandia, 1955), totalizando oitenta e seis especialistas para as forças insurgentes dos patriotas; enquanto o segundo esteve ao lado do Libertador Simón Bolívar na entrevista com o General José de San Martín, em 26 de julho de 1822, em Guayaquil, que decidiu o destino daquela cidade como parte da Grande Colômbia. Bolívar diria sobre Demarquet que “[...] não sabe mentir nem caluniar, eu o considero leal e sincero” (Barrios, 2002, citado por Puigmail, 2013).

O melhor exemplo dessa estratégia de desestabilização das forças terrestres da metrópole na Hispano-América foi o acordo promovido por Delpech, Fajardo e o próprio Napoleão em 1813, que incluía a promessa de enviar uma expedição da França em apoio aos patriotas. Os reveses da Grande Armée e o primeiro exílio de Napoleão na ilha de Elba impediram a concretização desse compromisso.

Considerando o conjunto dos fatos, a expedição dos irmãos Bocé foi o toque de alvorada da presença de convicções revolucionárias e napoleônicas entre os afro-americanos, traduzidas em ação.

Ferreira, L. (2009). Afrodescendientes en la independencia de América Latina: una revisión histórica. Montevideo: Universidad de la República.

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Lima: Fondo Editorial del Congreso del Perú.

Estudos recentes (Zapata, 2009; Ferreira, 2009) buscam valorizar a participação pioneira dos afrodescendentes nos movimentos libertários em períodos tão precoces quanto a última década do século XVIII. E, como expressa Puigmail (2013), “[...] não é estranho, então, vê-los envolvidos nos primeiros movimentos independentistas ao lado de Francisco de Miranda, apoiar Simón Bolívar durante seu exílio em 1815–1816 e, depois, integrar os exércitos emancipadores.”

Bibliografía Barrios, M. (2002). Napoleón y la independencia de América: relaciones entre Bolívar y los franceses. Madrid: Editorial Complutense.

De Gandia, E. (1955). Historia de las ideas en la América española. Buenos Aires: Editorial Kapelusz.

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Simón Bolivar

Source: Wikipedia

ARTIGO 7

DOS ANDES AO MAGREBE: A LITERATURA DE CLORINDA MATTO DE TURNER E ASSIA DJEBAR COMO ESPELHO DE SOCIEDADES EM TRANSFORMAÇÃO

Amparo María Melchor Castro Primeira Secretária no Serviço Diplomático da República do Peru

“Se a história é o espelho onde as gerações futuras devem contemplar a imagem das gerações passadas, o romance deve ser a fotografia que estereotipe os vícios e as virtudes de um povo, com a consequente moral corretiva para aqueles e a homenagem de admiração para estas.” Clorinda Matto de Turner, - Clorinda Matto de Turner, 1889, p. 11 O Peru, país que abre suas portas ao mundo a partir do Pacífico sul-americano, e a Argélia, o maior país do continente africano, banhado pelo Mediterrâneo, construíram sua identidade nacional a partir do encontro e da tensão entre heranças ancestrais e legados coloniais. A colonização espanhola e francesa vivida por essas duas nações, respectivamente, marcou marcos fundamentais que definiram a identidade moderna peruana e argelina.

Os processos de independência que atravessaram, embora ocorridos em séculos distintos — no Peru em 1821 e na Argélia em 1962 —, estão marcados por sacrifícios e lutas coletivas que ecoaram em múltiplas expressões artísticas, desde a pintura e a escultura até a música e a literatura.

Djebar fazia o mesmo em La femme sans sépulture (2002), romance histórico que reconstrói o sacrifício e a luta das mulheres argelinas, evidenciando o papel fundamental dessas mulheres combativas.

Clorinda Matto de Turner: literatura e denúncia social Clorinda Matto de Turner nasceu em Cusco em 1852.

Escritora peruana de projeção mundial, cresceu em Calca, um pequeno povoado nos Andes. Grimanesa Martina Matto Usandivaras — que mais tarde adotaria o nome de Clorinda Matto — retratou, ao longo de suas obras, as vivências rurais e o entorno andino que marcaram sua infância. Desde jovem, revelou seu talento para a escrita, conseguindo aos quatorze anos o cargo de editora do jornal de sua escola. Apesar de ter abandonado os estudos algum tempo depois para ajudar seu pai nas tarefas domésticas e no cuidado dos irmãos — já que sua

A literatura tem permitido, ao longo dos anos, tecer pontes e encontrar afinidades entre espaços geográficos remotos ou extemporâneos. Os romances, por exemplo, possuem a capacidade de narrar histórias de dor e esperança, reviver memórias e funcionar como bancos de recordações. Esse gênero tem representado um espaço de resistência e sensibilidade, sobretudo para aqueles e aquelas que, por meio da escrita, retrataram abusos, injustiças e indiferenças de suas épocas.

O presente artigo é um convite a explorar os paralelismos criativos que atravessam duas grandes escritoras, temporal e geograficamente distantes, mas que abordam temáticas semelhantes. Clorinda Matto de Turner, em sua obra Aves sin nido (1889), considerada o primeiro romance indigenista do Peru, denunciou as estruturas de discriminação, abuso e exploração em que viviam as comunidades indígenas de seu tempo. Por outro lado, a quase dez mil quilômetros de distância, na Argélia, Assia

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Capa, Aves sin Nido

Fonte: Armaenia Editorial

Denegri e Peluffo (2020) definem Matto como uma personagem controversa e pioneira do indigenismo, cuja obra revaloriza o quéchua e é atravessada por um olhar feminista — que não deve ser lido sob a ótica do feminismo contemporâneo. Clorinda Matto se destaca por seu ativismo político em uma época em que a separação entre o espaço público (político) e o privado (doméstico) era incuestionável, e tanto a política quanto a literatura eram dominadas por homens.

Um ponto de partida pessoal Podemos ver como Clorinda Matto de Turner representa, no Peru do século XIX e ainda hoje, uma voz que questiona as estruturas de seu tempo e os princípios sobre os quais a República peruana foi erguida. Com esse mesmo espírito questionador, Assia Djebar e sua magnífica obra La femme sans sépulture oferecem uma perspectiva da independência argelina a partir de um olhar feminino, reconstruindo a história de uma heroína que lutou pela libertação da Argélia.

Clorinda Matto

Fonte: Biblioteca Nacional do Perú

mãe havia falecido —, Matto nunca deixou de escrever. Incursionou em múltiplos gêneros: poesia, prosa, romances, lendas, tradições e teatro. Em 1889, foi editora de El Perú Ilustrado, a revista mais influente de sua época, onde publicou Aves sin nido.

Em 1892, fundou a tipografia La Equitativa, projeto operado exclusivamente por mulheres, que também serviu como espaço de difusão das obras de outras escritoras.

Segundo Mary Berg (2010), os principais temas que se destacam na obra de Matto são a emancipação e a educação das mulheres; as injustiças sociais; o sofrimento e a exploração em que vivia a população indígena; assim como a abolição da corrupção e do abuso tanto no governo quanto no âmbito eclesiástico. Clorinda Matto teve uma preocupação central com o aspecto social e com os abusos sofridos pelos indígenas, o que a levou a confrontar a Igreja e os políticos de sua época. Assim, em 1895, vítima de perseguição política, fugiu para o Chile e depois para a Argentina, onde se estabeleceu e viveu até 1909, ano em que faleceu prematuramente.

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Mural Cabaah, Argel Fonte: Arquivo pessoal

Cheguei a Assia Djebar após minha recente viagem a Argel. Percorrendo a Casbah, as ruas da “cidade branca”, as ruínas de Tipasa e sua arquitetura carregada de história, conhecendo as mesquitas e as construções coloniais, senti curiosidade em complementar essa experiência por meio da literatura argelina.

aparece em diversos livros e filmes; um deles, produzido em 1974, reuniu as histórias de dezenas de mulheres que compartilharam suas experiências durante os anos de guerra — suas dores como mães, esposas e filhas. Djebar também evidenciou o papel ativo das mulheres rurais argelinas durante a independência (Serrano-Niza, 2020).

Assia Djebar: memória e resistência feminina

Ao longo da vida, Djebar manteve um compromisso político ativo que também se reflete em sua obra, na qual denuncia a desproteção sofrida pelas mulheres, resgatando as vozes e histórias daquelas desaparecidas durante a guerra. É o caso de La mujer sin sepultura, romance baseado em um fato histórico e revestido pela criatividade da autora.

Djebar narra a história de Zulija Udai, heroína das guerras de independência da Argélia, que, após o assassinato de seu marido por colonos franceses, ingressa na resistência, afasta-se dos filhos, vive na clandestinidade e atua como intermediária no transporte de alimentos e mensagens entre a cidade e os rebeldes nas montanhas.

Escrever sobre Assia Djebar foi uma aventura que me levou a conhecer um pouco mais, por meio da pena dessa ilustre argelina, a história de um país que não deixa de me surpreender. Fatima-Zohra Imalayene, que mais tarde adotou o nome de Assia Djebar, nasceu em Cherchell em 1936, uma pequena cidade a 90 quilômetros da capital, Argel. Foi a primeira mulher argelina a estudar na prestigiosa École Normale Supérieure em Paris, de onde participou ativamente das greves estudantis pela causa independentista de seu país. Djebar acreditava profundamente no papel transformador da educação, especialmente para as mulheres. Em sua época de estudante, apenas 1% das mulheres frequentava a escola, sendo ainda menor o percentual das que concluíam os estudos.

Djebar foi professora de história, literatura e cinema em países como Argélia, França, Marrocos e Estados Unidos; e foi a primeira mulher magrebina a integrar a Académie Française em 2005.

Tipasa, Argelia

Fonte: Arquivo pessoal

Djebar possui uma vasta produção que inclui poemas, romances históricos e autobiográficos, teatro, cinema, entre outras expressões criativas. Sua obra caracteriza-se por entrelaçar fatos históricos com vivências e relatos pessoais, permitindo que o leitor mergulhe em seus livros e se sinta parte da história.

Sua narrativa é particularmente interessante por escrever a transição de um sistema colonial para uma república independente e refletir sobre a transformação da identidade nacional. Esse trabalho

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Capa, “La Mujer sin sepultura”.

Fonte: Armaenia Editorial

Praça de Armas de Lima Fonte: Foto do autor

A história situa-se em Cesarea (Cherchell), terra natal de Djebar, e conta a vida de Zulija por meio das vozes de mulheres que a conheceram: suas duas filhas (Hania e Mina), sua amiga dona Lionne (Lla Lbia, em árabe), sua cunhada Zora Udai, além da própria Zulija.

Todas relatam a trajetória da primeira mulher árabe a obter um diploma escolar, fluente em francês, que se casou três vezes (os dois primeiros matrimônios terminaram em divórcio e o último marido foi assassinado), que integrou a resistência e deu a vida pela independência de seu país. As vozes dessas mulheres são testemunhos de dor e resistência que colocam a mulher como protagonista da história.

Zulija, mulher valente que organizou um grupo de resistência com o apoio de outras mulheres, foi despojada de lar, filhos e família — e até da própria vida —, sendo negado à sua família o direito de enterrá-la e pranteá-la.

Encontros temáticos

religiosa. Por isso, a protagonista assume um papel ativo diante dos atropelos cometidos contra os Yupanqui e figura como agente promotora de mudanças em um contexto social onde o papel feminino estava reduzido ao doméstico e maternal — um exemplo de sororidade e força.

Em contraponto, Marcela representa o rosto da opressão em que viviam as mulheres indígenas da época — realidade infelizmente ainda vigente em alguns contextos contemporâneos. Marcela é duplamente submetida, por ser mulher e por ser indígena. Ela encarna a dor coletiva de um tempo e espaço onde as mulheres eram privadas de decidir sobre seus corpos e silenciadas por uma estrutura social que as invisibilizava.

O contraste proposto por Matto ao nos apresentar essas duas mulheres permite compreender a opressão social do período e a necessidade de enfrentar as desigualdades sociais, raciais e de gênero como único caminho para a transformação social. A denúncia social de Aves sin nido convida o leitor a construir uma consciência reformadora e apresenta a mulher (encarnada em Lucia) como agente de mudança disruptiva, que abandona o papel de vítima/submissa para questionar as estruturas.

Matto e Djebar, duas escritoras que partem de realidades distintas — o Peru republicano do final do século XIX e a Argélia pós-colonial do século XX —, encontram convergências em suas principais preocupações literárias e convicções políticas: (i) apresentam a mulher como sujeito de resistência e (ii) escrevem sobre identidades nacionais em formação, Por sua vez, Djebar, em La mujer sin sepultura, ainda marcadas pelas feridas do período colonial. apresenta as mulheres como bancos de memória A mulher como sujeito de resistência que preservam fatos históricos importantes. Dona Lionne, por exemplo, é descrita como “pura memória”, Lucia Marín, na obra de Clorinda Matto, encarna com a capacidade de reviver o passado e narrar a a figura de uma mulher instruída e culta, sensível vida de uma mulher invisibilizada como Zulija — às desventuras das mulheres de sua comunidade cumprindo um papel intergeracional de transmissão — em especial Marcela, esposa de Juan Yupanqui, de identidade. um humilde indígena. Lucia representa um espírito justiceiro que questiona as estruturas sociais, os Do mesmo modo, Zulija, a protagonista, é uma mulher abusos da autoridade e a indolência/condescendência que rompe paradigmas. Ela não apenas se comove

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com a dor e o abuso de sua cidade e seu povo, mas rompe o silêncio e torna-se ativista na guerra de independência argelina. Zulija é exemplo de luta feminina e resiliência, desafia estereótipos e transforma o silêncio em ação, convertendo-se em símbolo de resistência.

nacional a partir do olhar de “elas”. La mujer sin sepultura resgata vozes de mulheres silenciadas pela história e mostra o papel que desempenharam na formação da identidade nacional e nas lutas independentistas. A escritora argelina recupera a vida e a memória de Zulija, heroína argelina, para integrar a voz feminina na reescrita da história.

“Olhai tudo isto! — novamente, meu gesto é para Embora Zulija tenha sido executada e seu túmulo ti, espectadora desta cena imobilizada, para dentro seja desconhecido, ela encarna um símbolo nacional de vinte dias ou de vinte anos, não importa, meu de resistência. gesto denuncia o ridículo apetrecho de seu exército —. Olhai, meus irmãos, tudo isto apenas por uma “Em 1956 e 1957, Zulija estava realmente no centro: mulher!” (Djebar, 2020, p. 42). não apenas da luta em Cesarea, mas dos contatos a manter, dos vínculos a estabelecer entre as montanhas, Em conclusão, vemos como Matto e Djebar com seus guerrilheiros, e os habitantes da cidade — apresentam um arquétipo de mulher que transcende semi-comprometidos, atolados, temerosos, cautelosos, o papel maternal e doméstico, constituindo-se como também esperançosos —, que viam o futuro se figura sensível aos desafios de suas realidades e aproximar com abalos e tempestades” (Djebar, 2020, p. às transformações de nações em construção. Para 138). ambas, as mulheres encarnam a protesta social e são suporte de suas comunidades — a sororidade Assim, ambas as escritoras convergem: a identidade está presente. nacional está em processo de construção, atravessado por feridas coloniais e pelas lutas pela independência Identidade nacional e marcas do colonialismo política. Para Matto e Djebar, essa identidade não pode ser construída sem um olhar amplo e inclusivo Matto escreveu no final do século XIX, quando o que incorpore mulheres, indígenas e camponeses.

Peru, formalmente, já tinha mais de meio século como República independente; porém, a população Reflexões finais indígena ainda vivia em condições semelhantes às da colônia. Em Aves sin nido, Matto denuncia os A literatura de Matto e Djebar, escritas em contextos abusos cometidos contra os indígenas, excluídos da distintos, é atravessada por preocupações comuns — o construção republicana. Ela eleva a voz e descreve papel da mulher, a nação e o colonialismo. Aves sin nido e a identidade nacional fraturada de seu tempo, que La mujer sin sepultura retratam criticamente sociedades ignorava indígenas e mulheres. “Nascemos índios, em transformação, em que ambas ergueram suas vozes, escravos do padre, escravos do governador, escravos enfrentando perseguições e exílios. A vigência de suas do cacique, escravos de todos os que empunham a ideias segue a nos interpelar; por isso, são, sem dúvida, símbolos culturais e políticos da literatura universal. Que vara do mandão” (Matto, 2019, p. 274). este diálogo, cheio de afinidades e encontros inesperados,

Matto também relata como a Igreja e o poder local sirva de motivação para conhecer um pouco mais Peru funcionavam como pilares de opressão para as e Argélia pela pena de Clorinda Matto de Turner e Assia comunidades, perpetuando hierarquias coloniais. A Djebar. escritora cusquenha usa a pena para refletir vícios e virtudes da sociedade em que viveu, reconhecendo o papel moral e político do romance. Sua denúncia é um chamado a incluir indígenas e mulheres na construção da identidade nacional, ao mesmo tempo em que revela as paradoxas do Peru republicano do século XIX, onde o colonialismo encontrou refúgio e buscou justificar-se em hierarquias de etnia e gênero. Essas ideias seguem atuais, e Clorinda Matto é considerada precursora de um conceito de nação alicerçado na justiça social e na diversidade.

Por sua parte, Assia Djebar, a partir da reconstrução da memória coletiva, escreve sobre a identidade

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Praça de Armas de Cusco Fonte: Própria

Assia Djebar Fonte: Times

Referências Berg, M. G. (2010). Clorinda Matto de Turner (1852-1909): Perú. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes.

Denegri, F., & Peluffo, A. (Eds.). (2020). Su afectísima discípula, Clorinda Matto de Turner. Cartas a Ricardo Palma, 1883-1897. Pontificia Universidad Católica del Perú, Fondo Editoria Djebar, A. (2020). La mujer sin sepultura (M. Bofill, Trad.). Madrid: Armaenia Editorial. (Trabajo original publicado en 2002).

Matto de Turner, C. (1889). Aves sin nido. Buenos Aires: Felix Lajouane Editor.

Serrano-Niza, D. (2020). Cuerpos de mujeres (des)colonizados según Assia Djebar. Revista Estudos Feministas, 28(2).

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ARTIGO 8

O LEGADO AFROPERUANO NO “HATAJO DE NEGRITOS” E “PALLITAS”

Manifestações da costa sul-central do Peru reconhecidas como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO Verónica Miyagusuku Ríos Segunda Secretária no Serviço Diplomático da República

O Hatajo de Negritos e o Hatajo de Pallitas, tradições originárias da costa sul-central do Peru, constituem manifestações profundamente representativas da cultura afro-andina peruana. Essas tradições expressam um encontro histórico entre a cosmovisão andina, os costumes africanos e a influência europeia, resultando em símbolo de identidade e coesão social na região de Ica (Ministério da Cultura do Peru, 2019).

Em 2019, ambas as manifestações foram inscritas, por proposta do Estado peruano, pelo Comitê Intergovernamental para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da UNESCO, em sua Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade (UNESCO, 2019). Isso significou um A dança das pallitas ou pastoras é interpretada por mulheres ao som da guitarra ou do violino, acompanhada de sapateado e canto reconhecimento internacional que ratificou o valor Fotógrafo: Antonio Rodríguez Ministério da Cultura do Peru, 2016 universal dessas tradições e sua capacidade de A população africana que chegou ao Peru trouxe testemunhar o mestiçagem cultural. consigo elementos de sua cosmovisão, musicalidade O presente artigo explora a origem do Hatajo e expressões artísticas, que se entrelaçaram com as de Negritos e Pallitas, seus traços distintivos, práticas andinas preexistentes e com o catolicismo seu significado social e sua projeção no cenário europeu imposto pelos colonizadores, dando origem internacional; bem como as medidas de salvaguarda às danças e cantos coletivos que hoje apreciamos implementadas pelo Estado peruano para garantir a nos Hatajos (Ministério da Cultura do Peru, 2019). continuidade dessa tradição. Nesse sentido, ressaltaEssas danças recriam passagens bíblicas vinculadas se que tais expressões constituem testemunho vivo à adoração do Menino Jesus pelos pastores e da resiliência afro-andina, destacando especialmente à Epifania. O Hatajo de Negritos é interpretado a amizade cultural afroperuana como traço essencial principalmente por homens, enquanto a dança das da identidade do Peru e de sua diversidade.

Pallitas é executada por mulheres. Em ambos os I. Origem histórica do Hatajo de Negritos e Pallitas casos, as danças realizam-se ao compasso de cantos e de instrumentos como guitarra e violino. As duas A região de Ica, na costa sul-central do Peru, abriga expressões, reconhecidas como símbolos de devoção uma ampla comunidade afrodescendente desde religiosa, reúnem até meio centenar de dançarinos o período colonial. Durante os séculos XVI e XVII, que se apresentam em praças e igrejas durante populações africanas levadas ao Peru integraram- as celebrações natalinas de dezembro e janeiro se aos sistemas produtivos e sociais da região, (Ministério da Cultura do Peru, 2019). especialmente nas fazendas vitivinícolas e agrícolas.

De acordo com testemunhos locais recolhidos pelo historiador William Tompkins, a origem do Hatajo de Negritos e Pallitas remonta à segunda metade do século XVIII nessa região peruana (Tompkins, 2011).

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II. O mestiçagem cultural no Hatajo de Negritos e Pallitas O Hatajo de Negritos e Pallitas representa uma síntese cultural única, fruto da convergência de três mundos: a herança africana, a cosmovisão andina e a influência europeia. Dessa mistura surge um espaço de reencontro e diálogo intercultural, que resultou em uma identidade coletiva diversa perdurando ao longo dos séculos. Para além das profundas desigualdades históricas, o Hatajo encarna uma forma de fraternidade cultural, na qual arte e espiritualidade se converteram em uma língua comum dentro da diversidade de seus portadores (UNESCO, 2019).

comunitária que sustentam o Hatajo. A formação de quadrilhas, a prática de compartilhar momentos de canto e dança, assim como a transmissão intergeracional de saberes, expressam um sistema cultural baseado na solidariedade e cooperação entre vizinhos, herança do princípio ancestral do ayni, que concebe a vida social como um tecido de apoios mútuos.

É relevante notar que o termo “pallitas” vem do quíchua e alude às pastoras; assim, até no próprio nome da dança evidencia-se o componente andino.

Além disso, os espaços de apresentação (praças, casas e templos) respondem à lógica andina de compartilhar o sagrado com o comunitário (UNESCO, A memória africana manifesta-se principalmente no 2019). componente rítmico, uma das características mais distintivas da manifestação. O sapateado vigoroso Dessa maneira, dança e canto tornaram-se ponte que de Negritos e Pallitas, acompanhado de guizos permitiu a afrodescendentes e andinos construírem (cascavéis), evoca as práticas musicais e corporais dos juntos uma espiritualidade mestiça, na qual o europeu africanos que chegaram à costa peruana, em tempos foi reinterpretado a partir das práticas locais (UNESCO, coloniais, sob condições de escravidão (Ministério da 2019). Esses elementos transformam o Hatajo em voz Cultura do Peru, 2019). viva de resistência cultural e em lembrete de que a história afroperuana é inseparável da construção da identidade nacional (Ministério da Cultura do Peru, 2019).

III. Declaração como Patrimônio Cultural da Nação em 2012 e medidas de salvaguarda

O Ministério da Cultura do Peru reconheceu o Hatajo de Negritos e Pallitas como Patrimônio Cultural da Nação em 2012 (Vice-Ministério de Patrimônio Cultural e Indústrias Culturais, 2012); esse ato teve um impacto positivo na valorização da herança afroperuana, ao reconhecer a importância de suas tradições na identidade nacional. Essa decisão enquadra-se em um processo iniciado em 2006, Cada grupo está sob a direção artística de um dançarino principal, cuja quando o Congresso declarou o 4 de junho como o Dia função é ensinar a coreografia, os cantos e os ritmos aos participantes da Cultura Afroperuana (Lei Nº 28761 – Dia da Cultura Fotógrafo: Antonio Rodríguez Fonte: Ministério da Cultura do Peru, 2016 Afroperuana), contribuindo para a revalorização do Cabe assinalar que, durante as apresentações, patrimônio imaterial do povo afroperuano os conjuntos de dançarinos e cantores entoam Desde então, foram implementadas diversas saudações de adoração ao Menino Jesus e à Virgem iniciativas de salvaguarda e difusão das manifestações Maria, evidenciando diretamente a influência do afro-andinas: documentários como El Hatajo para el catolicismo europeu. A tradição em si ocorre no Niño (Ministério da Cultura, 2012); oficinas e festivais marco do calendário litúrgico, refletindo como comunitários promovidos por instituições como o as comunidades afrodescendentes e andinas Centro Cultural Afroperuano San Daniel Comboni ressignificaram símbolos cristãos para lhes conferir em Chincha; fóruns e simpósios organizados pela sentidos próprios (Ministério da Cultura do Peru, Direção Desconcentrada de Cultura de Ica; bem como 2012). Importa também precisar que os cantos concursos e festivais apoiados por governos locais e não se limitam às cenas bíblicas, pois incorporam regionais (Ministério da Cultura do Peru, 2019). referências à vida agrícola, mostrando a estreita relação entre espiritualidade e cotidiano.

A influência andina reconhece-se nos valores de vida

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É obrigatório para todos os dançarinos dos grupos participarem de ensaios regulares que começam alguns meses antes do Natal.

Fotógrafo: Antonio Rodríguez Fonte: Ministério da Cultura do Peru, 2016

Além disso, o Ministério da Cultura distinguiu como Personalidades Meritórias da Cultura importantes guardiãs e difusoras das tradições afro-andinas, como Teresa Palomino Ormeño (2012) e Dominga Elisa Milaní Daza (2013). Esses reconhecimentos, junto com os esforços institucionais, fortaleceram a identidade afroperuana e representam um caminho para garantir a transmissão intergeracional das práticas que hoje constituem um símbolo vivo de resiliência, coesão social e contribuição à diversidade cultural do Peru.

(Andina, 2019). Tal reconhecimento visibilizou a riqueza e a resiliência da população afrodescendente no Peru e reafirmou o compromisso do país com sua diversidade cultural e com o fortalecimento dos laços entre povos afrodescendentes e andinos.

O plano de salvaguarda elaborado pelo Ministério da Cultura para a inscrição do Hatajo na Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO contempla ações específicas como: formação de intérpretes de violino, guitarra e tambor; recuperação de plantas tradicionais utilizadas nos trajes das Pallitas; e IV. Inscrição na UNESCO como Patrimônio da realização de encontros anuais entre quadrilhas Humanidade para compartilhamento de saberes. Essas medidas evidenciam o compromisso de assegurar que a Em dezembro de 2019, durante a XIV sessão do tradição não apenas seja preservada, mas também Comitê Intergovernamental para a Salvaguarda do revitalizada e fortalecida a cada nova geração Patrimônio Cultural Imaterial, realizada em Bogotá, (UNESCO, 2019).

Colômbia, o Hatajo de Negritos e Pallitas foi inscrito na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade (UNESCO, 2019). O processo de nomeação foi conduzido pelo Ministério da Cultura do Peru, em coordenação com as comunidades portadoras da tradição.

Essa inscrição representou um marco histórico, pois foi o primeiro elemento diretamente vinculado à cultura . afroperuana reconhecido nesse nível internacional

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Fotografia apresentada na exposição “Hatajo de Negritos y Pallitas, Herencia afro-andina del Perú” Fotógrafa: Milena Carranza Fonte: UNESCO, 2025

É importante destacar que, no âmbito do processo de nomeação, diversas associações e autoridades municipais participaram ativamente da elaboração do dossiê, concedendo seu consentimento livre, prévio e informado (Palma Quiroz, 2015).

da dança, as experiências de escravidão e colonização, transformando-as em manifestações artísticas de espiritualidade e união coletiva (Ministério da Cultura do Peru, 2019).

V. Valor universal e projeção internacional

Acima de tudo, deve-se ressaltar que são essas próprias comunidades as protagonistas das medidas O Hatajo contribui para a reflexão mundial sobre os de salvaguarda propostas e principais responsáveis direitos culturais. Sua transmissão intergeracional dentro de um ambiente comunitário garante a por sua implementação (UNESCO, 2019). crianças e jovens um forte vínculo de pertencimento Fazer parte dessa lista coloca o Hatajo de Negritos e continuidade, reforçando seu direito à identidade e o Hatajo de Pallitas em um cenário global, junto cultural. Em nível global, esse valor se articula com a expressões emblemáticas como o Flamenco a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento da Espanha (2010), a Capoeira do Brasil (2014) e Sustentável, ressaltando que a cultura é um pilar o Candombe do Uruguai (2009), cujas inscrições essencial para promover um desenvolvimento impulsionaram seu reconhecimento mundial e inclusivo e sustentável (Ministério das Relações favoreceram a implementação de políticas públicas Exteriores do Peru, 2025). de salvaguarda, reconhecendo suas comunidades portadoras como referências de identidade nacional. Dessa forma, o Hatajo de Negritos e Pallitas supera o âmbito local e se consolida como símbolo de Nesse sentido, a inscrição do Hatajo peruano oferece diversidade cultural e da capacidade criativa da também uma oportunidade de projeção internacional humanidade. Seu reconhecimento pela UNESCO do talento e das expressões culturais peruanas, reafirmou às comunidades portadoras da região de servindo como meio de sensibilizar a comunidade Ica que seu legado não é apenas patrimônio do Peru, nacional e internacional sobre o papel fundamental mas também uma contribuição de alcance universal das tradições afrodescendentes no desenvolvimento ao acervo cultural de todos os povos (UNESCO, 2019). integral, na coesão social e no diálogo intercultural do A Chancelaria do Peru tem promovido essa expressão Peru. como emblema do mestiçagem afro-andino. Um Consequentemente, proteger e manter vivas as exemplo dessa política de diplomacia cultural foi a danças do Hatajo permite reconhecer como as organização da exposição fotográfica apresentada na comunidades ressignificaram, por meio da música e sede da UNESCO, em Paris, pela artista Milena

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Carranza, intitulada “Hatajo de Negritos y Pallitas, Herencia afro-andina del Perú”, inaugurada em 3 de junho de 2025 (Ministério das Relações Exteriores do Peru, 2025). A mostra foi realizada no marco da Semana da América Latina e do Caribe e do Mês da Cultura Afroperuana, o que lhe conferiu grande visibilidade e relevância.

Durante o evento, o Representante Permanente do Peru junto à UNESCO, Embaixador Carlos Herrera Rodríguez, destacou que essa manifestação é um testemunho vivo do mestiçagem cultural, pois integra a cosmovisão andina, o catolicismo e a memória africana em uma síntese única. Além disso, ressaltou seu valor como expressão de resistência histórica, coesão comunitária e transmissão intergeracional de saberes, elementos que justificam sua relevância global (Ministério das Relações Exteriores do Peru, 2025).

afrodescendentes foram invisibilizadas nas narrativas nacionais. O reconhecimento internacional devolve a essas comunidades sua verdadeira importância na história do país..

Mais do que uma dança natalina, o Hatajo é um símbolo de mestiçagem cultural, diálogo, unidade e resistência histórica. Representa um modelo de como a diversidade, longe de fragmentar, pode tornar-se uma força de coesão e criatividade. Em tempos em que as sociedades enfrentam tensões identitárias, desde Ica o Hatajo recorda à comunidade internacional que a cultura é o espaço onde as diferenças unem e se transformam em criatividade e histórias compartilhadas.

Ao mesmo tempo, a coincidência com o Mês da Cultura Afroperuana permitiu vincular essa tradição às comemorações nacionais, especialmente ao centenário do nascimento de Nicomedes Santa Cruz, poeta e decimista que simboliza a contribuição afrodescendente à cultura peruana (Ministério das Relações Exteriores do Peru, 2025).

Assim, a presença do Hatajo de Negritos e Pallitas em fóruns como a UNESCO transcende o campo artístico, representando uma oportunidade de fortalecer o diálogo intercultural global, de visibilizar a participação das comunidades afrodescendentes nas narrativas nacionais e internacionais e de reafirmar que a diversidade é um elemento essencial da identidade.

VI. Reflexões finais O Hatajo de Negritos e Pallitas não deve ser visto apenas como um ritual festivo da costa sul do Peru, mas como uma lição sobre o poder transformador do diálogo e da diversidade cultural. A síntese dessas três heranças — andina, africana e europeia — constitui uma manifestação viva da amizade cultural entre o Peru e a África, forjada em meio à adversidade, mas transformada em resiliência, criatividade e espiritualidade.

Essa riqueza explica por que a UNESCO o inscreveu, em 2019, na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Sua inscrição, além de proporcionar visibilidade internacional, teve um impacto profundo na comunidade afroperuana.

Durante séculos, as contribuições das populações

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Fotografia apresentada na exposição “Hatajo de Negritos y Pallitas, Herencia afro-andina del Perú” Fotógrafa: Milena Carranza Fonte: UNESCO, 2025

Referencias Andina. (18 de Diciembre de 2019). Peru's diplomatic mission thanks UNESCO for recognizing Afro-Peruvian dances. Bogotá, Colombia.

Obtenido de https://andina.pe/ingles/noticia-perusdiplomatic-mission-thanks-unesco-for-recognizingafroperuvian-dances-778660.aspx Ministerio de Cultura. (2012). El hatajo para el niño [Documental]. (c. l. Dirección de Patri-monio Inmaterial Contemporáneo, Ed., & R. Chocano, Recopilador) Lima. Obtenido de http://repositorio. cultura.gob.pe/handle/CULTURA/1524 Ministerio de Cultura del Perú. (2019). Nomination file No. 01309: Hatajo de Negritos and Hatajo de Pallitas from the Peruvian south-central coastline (Convention for the Safeguarding of the Intangible Cultural Heritage, Intergovernmental Committee for the Safeguarding of the Intangible Cultura. París: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization UNESCO. Ministerio de Relaciones Exteriores del Perú. (06 de Junio de 2025). Nota Informativa 536-25: Exposición “Hatajo de Negritos y Pallitas, Herencia afro-andina del Perú”. Lima, Perú. Obtenido de https://www.gob. pe/institucion/rree/noticias/1183034-exposicionhatajo-de-negritos-y-pallitas-herencia-afroandina-del-peru-en-la-sede-de-la-unesco Palma Quiroz, T. R. (2015). Carta 0130900009 Solicitud de trámite para reconocimiento del Hatajo de Negritos y las Pallitas como Patrimonio Inmaterial de la Humanidad. El Carmen, Ica, Peru: Centro Poblado "El Guayabo". Obtenido de https://ich.unesco.org/ doc/src/35805.pdf Tompkins, W. D. (2011). Hatajo de negritos. En Las tradiciones musicales de los negros de la costa del Perú. (págs. 158-166). Lima: Centro de Música y Danza de la Pontificia Universidad Católica del Perú CEMDUC. UNESCO. (2019). Decision of the Intergovernmental Committee of the Convention for the Safeguarding of the Intangible Cultural Heritage: 14.COM 10.B.29.

Bogotá: Organi-zación de las Naciones Unidas para la Educación, la Ciencia y la Cultura - UNES-CO. Viceministerio de Patrimonio Cultural e Industrias Culturales. (2012). Resolución Viceminis-terial Nro. 035-2012-VMPCIC-MC. Lima: Ministerio de Cultura del Perú. Obtenido de https://ich.unesco.org/doc/ src/35801.pdf

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O Hatajo dos Negritos e Pallitas Fonte: Truth of the People

ARTIGO 9

“ASSIM COMO O AMOR, A VERDADE É INCLUSIVA” : THE HISTORIES DE KERRY JAMES MARSHALL 3

Jimy Trujillo Chuquihuaccha Segundo Secretário no Serviço Diplomático da República

justamente nesse estado sulista. Já em 1963, apenas um ano depois dos distúrbios de Watts, sua família mudou-se para aquele mesmo bairro, localizado muito próximo à filial do Black Panther Party em Los Angeles.

Durante o período escolar, quando já demonstrava certo interesse pela pintura, encontrou inspiração no livro Great Negroes: Past and Present, de Russell L. Adams, que posteriormente o levaria a vincular sua vida à arte. Nessa obra icônica, o capítulo dedicado ao trabalho de Charles W. White — pintor cujos murais e desenhos retratam o cotidiano da comunidade negra — foi o que cativou o jovem artista. Como se o destino cumprisse sua promessa, Marshall teve o Kerry James Marshall privilégio de realizar sua formação artística no Otis Fonte: Thoughtco Desde 20 de setembro, a Royal Academy of Arts, em Art Institute — posteriormente renomeado Otis Londres, celebra a obra de Kerry James Marshall com College of Art and Design — tendo como mentor e a maior retrospectiva já dedicada a um artista afro- amigo o próprio precursor da pintura afro-americana. americano em território europeu: The Histories. A monumental exposição, que reúne setenta de suas Dado esse contexto particular, não surpreende sua mais destacadas e vívidas obras, oferece uma leitura disposição em conceber a pintura a partir de uma inclusiva sobre a representação da figura negra perspectiva desafiadora. Embora as tendências dentro do cânone artístico ocidental. Desde o período artísticas da década de 1970 se orientassem para brutal do Middle Passage até a luta pelos direitos civis o conceitualismo, com remanescentes do pop art e nos Estados Unidos, o conceito de negritude emerge do abstracionismo, o pintor optou por uma postura clássica. Nas palavras do renomado crítico Eddy como protagonista dessa narrativa visual.

Frankel (2025), através da linguagem do classicismo, A travessia simbólica por quase cinco décadas de Marshall é capaz de elevar o cotidiano — o carreira desse artista representa uma oportunidade essencialmente negro — ao nível de grandes mestres única de descobrir — e, em alguns casos, redescobrir como Jacques-Louis David ou Diego Velázquez.

— um pintor cujo compromisso político evoluiu até se converter em um projeto estético capaz de inserir Um exemplo disso é o quadro De Style (1993), em que a experiência negra dentro dos seletos marcos recorre ao formato monumental de artistas como da história da arte. Nesse sentido, sua reflexão Delacroix, Rubens ou Géricault, mas com o propósito pictórica torna visíveis histórias e identidades de retratar uma cena aparentemente ordinária: sistematicamente ignoradas, oferecendo um diálogo uma barbearia de bairro. Marshall demonstra que o cotidiano afro-americano pode alcançar, por meio entre o passado e o presente da diáspora africana. da arte visual, a grandeza simbólica reservada Kerry James Marshall nasceu em Birmingham, a momentos-chave da história universal ou a Alabama, em 1955, ano em que Rosa Parks foi presa passagens bíblicas (Frankel, 2025). Sua obra confere por se recusar a ceder seu assento a um homem um halo de excepcionalidade ao comum, elevando branco em um ônibus segregado. Desde então, a vivência negra a um plano de reconhecimento sua infância se desenvolveu sob o contexto do universal. movimento pelos direitos civis, cujo epicentro estava 3Expressão utilizada pelo acadêmico Darby English

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Isso não seria possível sem o elemento unificador de suas pinturas: a negritude uniforme das figuras representadas. Para isso, o artista recorre a três tipos de preto — preto de carvão (derivado da fuligem), preto de Marte (do óxido de ferro) e preto marfim (de osso queimado). Assim, o preto em suas obras adquire um valor absoluto, sem a necessidade de ser misturado com o branco. Como explica o próprio artista: “A ideia dessas pinturas é que a negritude é inegociável [...] Elas são negras para mostrar que a negritude pode ter complexidade, profundidade e riqueza.” (citado em Mason, 2016).

como um questionamento aberto à maneira como a história “oficial” tem sido apresentada.

Em sua nova série intitulada “Africa Revisited”, eixo central da exposição, o artista retrata líderes e comerciantes africanos que participaram do comércio transatlântico de escravos. Um tema amplamente estudado por historiadores, mas pouco representado nas artes visuais (D’Souza, 2025). Sem buscar polêmica, o pintor propõe uma visão objetiva desses eventos históricos, convidando o espectador a refletir sobre as contradições humanas universais.

O comerciante David Zwirner (2025) destaca a obra Abduction of Olaudah and His Sister (2023), que reinterpreta o sequestro de Olaudah Equiano (1745–1797) — um dos primeiros abolicionistas e o único homem do século XVIII a narrar sua vida como escravo nas colônias americanas — e de sua irmã, ocorrido na aldeia de Essaka (atual Nigéria). Na pintura, o ambiente exuberante da selva contrasta com o ato sombrio que acontece em seu interior. De modo anacrônico, os sequestradores usam roupas modernas, sugerindo a persistência contemporânea de práticas semelhantes.

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De Style, 1993. Acrílico e colagem sobre tela sem chassi (264,2 × 309,9 cm)

Fonte: Artsy

Isso não seria possível sem o elemento unificador de suas pinturas: a negritude uniforme das figuras representadas. Para isso, o artista recorre a três tipos de preto — preto de carvão (derivado da fuligem), preto de Marte (do óxido de ferro) e preto marfim (de osso queimado). Assim, o preto em suas obras adquire um valor absoluto, sem a necessidade de ser misturado com o branco. Como explica o próprio artista: “A ideia dessas pinturas é que a negritude é inegociável [...] Elas são negras para mostrar que a negritude pode ter complexidade, profundidade e riqueza.” (citado em Mason, 2016).

No entanto, seria injusto enquadrar Marshall apenas sob o foco da reivindicação estética, quando seu trabalho também se projeta como uma expressão de inclusão histórica. Ao longo de sua carreira, o artista aprofundou-se nos registros da memória coletiva africana, abordando temas delicados como a escravidão e os processos de independência na África Subsaariana. Assim, sua pintura se concebe

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Sequestro de Olaudah e sua irmã, 2023. Acrílico sobre painel de PVC Fonte: Davidzwirne

Seis por um, 2024. Acrílico sobre painel de PVC. (220,3 × 321 cm) Fonte: Davidzwirne

Da mesma forma, em Six for One (2024), Marshall se inspira em uma anotação encontrada no diário de um traficante europeu de escravos: “Costumavam dar 12 homens por um cavalo. Agora só querem dar 6.”. Na cena, um grande cavalo ocupa o primeiro plano, presumivelmente adquirido em troca de seis pessoas, protegido do sol sob uma colorida sombrinha, semelhante às representações burguesas do século XIX. O artista menciona o tema da escravidão de forma indireta, voltando seu olhar para as transformações sociais que essa prática condenável gerou na África (Zwirner, 2025).

Referências D’Souza, A. (2025, 25 de septiembre). Kerry James Marshall on making ‘the paintings nobody else is making’. The New York Times. https://www.nytimes. com/2025/09/25/arts/design/kerry-jamesmarshall-royal-academy-london-art-museum.html

Frankel, E. (2025, 22 de septiembre). ‘My paintings don’t fit the narrative’: Kerry James Marshall on why he’s depicting black enslavers. The Guardian. https://www.theguardian.com/artanddesign/2025/ sep/22/kerry-james-marshall-royal-academyNão é exagero afirmar que cada peça desta exposição black-enslavers-america acrecenta a história da arte, ao incorporar a figura negra em seus cânones. The Histories não apenas Mason, W. (2016, 17 de octubre). Kerry James consagra a trajetória de um dos grandes mestres da Marshall is shifting the color of art history. The New pintura histórica, mas reafirma a vigência da África e York Times. https://www.nytimes.com/2016/10/17/ de sua diáspora dentro da cultura universal. A obra t-magazine/kerry-james-marshall-artist.html de Kerry James Marshall é um vivo lembrete de que o Zwirner, D. (2025). Kerry James Marshall. Africa passado, longe de cicatrizar, permanece pulsante em Revisited. David Zwirner. https://www.davidzwirner. nosso percurso como espécie humana. com/kerry-james-marshall-africa-revisited

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BODE COM FEIJÃO INGREDIENTS: - Carne de bode (qualquer parte)

- Vinagre de chicha de jora

- Coentro inteiro

- Urucum moído

- Cebolinha chinesa

- Óleo vegetal

- Loche (abóbora peruana)

Para o feijão:

- Pimenta escabeche

- Água

- Dentes de alho

- Feijão bayo ou pardo

- Pimenta e sal a gosto

- Pele ou toucinho de porco

MODO DE PREPARO: Corte a carne de bode em pedaços e marine com vinagre de chicha, sal, pimenta, alho picado, coentro picado, cebolinha chinesa picada, loche ralado e pimenta escabeche picada. Misture bem e deixe repousar por 10 minutos.

Em uma panela, aqueça o óleo com o urucum moído e adicione a carne marinada. Cozinhe em fogo baixo por 45 minutos.

Para o feijão: Coloque o feijão em uma panela com 1 litro e meio de água. Quando estiver cozido, adicione a pele ou o toucinho de porco em pedaços e sal a gosto. Deixe ferver por duas horas. À parte, frite o alho e adicione ao feijão já cozido. Deixe cozinhar por mais 10 minutos em fogo baixo.

Sirva o bode companhado de arroz e feijão.

Recomendação: qualquer parte do bode pode ser usada, porém as costelas ou a perna são as mais saborosas.

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CUMANANA L – OUTUBRO – 2025 Conselho Editorial Em. Jorge A. Raffo Carbajal Min. Marco Antonio Santiváñez Pimentel Min. Cons. Eduardo F. Castañeda Garaycochea

Equipe Editorial Em. Jorge A. Raffo Carbajal, Diretor-Geral e Editor-Chefe

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES

T.S. Berchman A. Ponce Vargas, Diretor de Conteúdo T.S. Giancarlo Martínez Bravo, Editor em inglês T.S. Berchman A. Ponce Vargas, Editor em francês e português

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