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Dança de São Gonçalo
São Gonçalo, celebrado anualmente em 10 de janeiro, é o santo protetor dos ossos e das pessoas que buscam por um bom casamento. É também o padroeiro dos violeiros. Evangelizador empenhado, conta-se que para converter as prostitutas, organizava animadas danças ao som de sua viola durante todo o dia de sábado, até se cansarem, de modo à não caírem na tentação no domingo. Trazida para o Brasil pelos Portugueses, a dança foi utilizada na catequese dos pecadores e inicialmente apresentada nos templos religiosos católicos. Considerada de caráter mundano, acabou sendo proibida pelas autoridades eclesiásticas e passou a ser realizada nas áreas rurais, onde ainda subsiste como pagamento de promessa ao Santo. Na dança de São Gonçalo, também conhecida por “roda”, dançam homens e mulheres, em duplas, sem necessidade de par, tendo como personagens o Mestre, tocador de viola; o Contramestre, tocador de meia-cuia ou meia cabaça e dois Guias que são sempre os segundos de cada cordão. Executam coreografia em roda e movimentos variados conhecidos por tesoura, meia-volta, roda viva, rolo, cruz, prisão e outras.
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Não há figurino específico, cada um entra na roda com a roupa que tem. Mas ultimamente os figurinos foram sendo adaptados, sendo mais comum vestir todos de branco, com quepes e turbantes, colorindo o figurino com fitas. O São Gonçalo de Sergipe, por exemplo, usa branco com saias estampadas, para homens e mulheres, e fitas coloridas que vão de um dos ombros até a cintura. Agostinho Francisco Vieira (Augusto do Riachão), 93 anos, apreciador da dança de São Gonçalo desde menino, conta que Maria Ultra do Nascimento e Adelino José de Sousa, foi o casal precursos da dança por lá. Adelino, nascido em Serra Talhada, e criado no Riachão, aos dezoitos anos já organizava a dança juntamente com seu pai José França, que tocava a viola enquanto Adelino, com um pauzinho, fazia o batuque na cuia, hoje substituída pelo pandeiro.
“Alcancei ele dançando... ele já era um home de idade. Nós comecemos por ali e lai vai... Dançava a gente do Riachão e tinha gente do Brejinho da Serra” .., conta Augusto do Riachão.
A dança de São Gonçalo acontece na casa de quem quer pagar uma promessa ao santo, em qualquer dia a ser combinado com o pagador da promessa que providencia transporte, comida e
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bebida para os participantes. Assim lembra Augusto:
“Naquele de primeiro a pessoa fazia uma promessa: Meu divino São Gonçalo que eu fique bom desse incômo pra eu pagar uma promessa pra vós. Quando dava fé a pessoa fica boa.” No terreiro, armava-se uma latada de palha, piso de barro molhado desde a noite anterior para baixar a poeira, uma mesa servia de altar. Matava-se porco e bode para receber os dançadores, apinhados nas carrocerias dos carros que saiam de casa cedinho. Chegando tomavam café e começava a festa. Perfilados em duas filas, tendo os tocadores à frente, iniciavam a dança saudando o altar, conforme as lembranças de Dona Bebé, uma das dançadoras do Riachão, hoje aos 81 anos:
Deus vos salve ó casa santa, onde Deus fez a morada, onde mora o cálix bento e a hóstia consagrada.
Até a hora do almoço os cantos de repetição ao som da viola e da cuia não paravam:
São Gonçalo do Amarante, quem te trouxe nessa terra? Foi o ar de uma viúva e o suspiro de uma donzela.
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A dança de São Gonçalo dura o dia inteiro com intervalo para o almoço. Bebida alcoólica não é permitida, só o aloá5 . A palavra Aloá vem do Quimbundo, língua falada em Angola. É uma adaptação do hebraico Eloah, que significa “Deus” ou um espírito relacionado ao poder universal, originalmente a palavra era usada como demonstração de afeto, paz, misericórdia e compaixão. É também usado com este significado místico para cumprimentar ou despedir-se de alguém em algumas culturas indígenas. Nas festas de São Gonçalo do Riachão o aloá ajudava a refrescar o calor provocado pela dança e era muito apreciado. Com o tempo, desvinculado de seu sentido místico, foi sendo substituído pelo refrigerante. Após o almoço, a dança e a cantoria continuvam com versos assim:
Margarida diz que vai Se mudá pro Moxotó Com sua saia de chita E Sapato de filó.
São Gonçalo apareceu
5 Bebida fermentada, da tradição afro-indígena, também feita com abacaxi ou milho, em algumas regiões.
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Lá na praia no sol posto Com uma estrela no braço Outra na maçã do rosto.
À tardinha a festa chegava ao fim. Era preciso voltar para casa e o verso avisava:
Vamos dar a despedida Como deu a saracura. Meu divino São Gonçalo Coisa boa não “adura”...
Embora poucos, ainda há remanescentes dançadoras e dançadores das rodas de São Gonçalo na área rural e urbana de Petrolândia. Porém não há mais um local de maior concentração, como havia no Riachão de antes, que para formar uma roda de São Gonçalo não precisava data especial, bastava alguém se animar a começar e todo mundo entrava na dança. Atualmente, sem nenhum grupo organizado, os remanescentes do Riachão que ainda se animam a dançar, se agregam à turma de João da Cebola (antigo morador do Riachão, hoje residente em Rodelas-BA), que vez por outra é chamado a organizar rodas de São Gonçalo em pagamentos de promessas na região. Exemplo dessa prática ocorre no Brejinho , onde anualmente, em dezembro, mantendo a tradição do pai, o empresário Armando Rodrigues realiza uma roda de São Gonçalo comandada por João da Cebola.
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“Mas, o povo da Bahia dança mais avexado”, diz Dona Bebé, antiga “dançadeira” do São Gonçalo do Riachão.
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