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Presépio ou Lapinha
Hoje os termos lapinha e presépio são considerados como sinônimos, mas nem sempre foi assim. Lapinha originou-se de “Lapa ou Gruta”, local, por tradição, onde a Sagrada Família se recolheu até o nascimento de Jesus. Segundo Câmara Cascudo e seu Dicionário do Folclore Brasileiro, lapinha, seria denominado o pastoril que se apresentava diante dos presépios. Com o tempo, a apresentação das pastorinhas passou a ser denominada simplesmente “pastoril” e o termo “lapinha” a significar o mesmo que presépio. O presépio teve início com São Francisco de Assis no ano de 1223. Querendo mostrar aos camponeses como tinha sido a noite do nascimento, ele resolveu montar a cena numa gruta em um bosque da região, dispondo nela bonecos de barro em tamanho natural representando Jesus e seus pais. Um boi e um burro, ambos verdadeiros, compunham a cena. Assim, podia explicar melhor o que queria. Depois disso a ideia espalhou-se pelo mundo utilizando-se imagens menores. Com o passar dos séculos, novos elementos foram acrescentados à cena, a gosto de quem montava. Muitos sem conexão nenhuma com a época do nascimento de Jesus, como por exemplo, um globo de vidro contendo uma casa
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com neve a cair no telhado. Espantosa representação de um inverno surreal para uma região desértica como a do local de origem de Jesus. Em Portugal a tradição é muito antiga, possivelmente influenciada pela fundação do primeiro convento franciscano da Península Ibérica, na cidade de Alenquer, ainda no século XIII. Nessa época, o costume se limitava ao interior de igrejas e ambientes religiosos, depois se espalhou também para as casas dos católicos, tornando-se uma tradição a começar pelos nobres. No Brasil, há registro de que foi utilizado na catequese dos índios pelo Padre José de Anchieta, desde 1552. Mas, foi entre os séculos XVII e XVIII que os presépios foram efetivamente introduzidos e difundidos no Brasil por padres jesuítas, portugueses, franceses e espanhóis. As lapinhas, ou presépio, como também são chamados, eram armadas nas casas das famílias tradicionais e abertas à visitação pública. Com lagos de espelhos de vidro, colinas de papelão, palhas, barro, pedras, búzios de praia e estrelas douradas ou prateadas, a lapinha era montada pacientemente com capricho e criatividade. Quanto maior e mais cheia de enfeites, mais admiradas. Assim, a cada ano a dona do presépio ia acrescentando novos elementos, quase todos na maioria das vezes confeccionados por ela mesma.
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Nas casas mais ricas, uma das salas era reservada exclusivamente para a lapinha, montada no início do Advento sem a figura do menino Jesus, colocado somente na noite de Natal depois da Missa do Galo. Findo o ciclo das Festas Natalinas, no dia seguinte ao Dia de Reis, as lapinhas eram desarmadas, os objetos de uso permanente como imagens, espelhos, etc., eram cuidadosamente guardados. Todos eles que enfeitaram o presépio, eram considerados sagrados, por isso os demais apetrechos, como palhas, papelão e outros materiais descartáveis não podiam ser jogados no lixo. Eram queimados numa cerimônia que envolvia principalmente as crianças e as pastorinhas do Pastoril. Em fila, cada um carregava consigo um dos materiais, se aproximava da fogueira e os lançava nas chamas cantando. Em alguns lugares, além dos objetos, as pessoas passaram a escrever pedidos em pedaços de papel para queimar junto com a lapinha e serem atendidos ao longo do ano. Assim, formam um círculo ao redor da fogueira cantando, repetindo o verso até tudo ser destruído pelo fogo. Segundo a crença popular, realizar o ritual dá sorte à casa que abrigou a lapinha e aos participantes da cerimônia.
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Câmara Cascudo em seu livro “Presépio e Pastoris”, de 1943, relata essa cerimônia, que ainda hoje é realizada Brasil afora.
“Essa cerimônia [...] tem como base um cortejo, cuja frente um grupo de moças conduz as palhas de coqueiros que servirão para formar o nicho onde esteve armada, durante o período de Natal, a cena do nascimento de Jesus” . Seguem-se duas filas prolongadas de meninas e meninos, conduzindo balões multicores, fechando o séquito uma orquestra de instrumentos de sopro, que toca a seguinte melodia enquanto a multidão canta:
A nossa Lapinha Já vai se queimar...(Bis) E nós, Pastorinhas, Devemos chorar.
Queimemos, queimemos A nossa Lapinha (Bis) De cravos e rosas, De belas florinhas.
Queimemos, queimemos Gentis Pastorinhas (Bis) As secas palhinhas Da nossa Lapinha”.
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As palhas são amontoadas no local escolhido para a cerimônia do “queima” e ateia-se fogo nelas. Ao redor desse fogo (transformado em fogueira devido à quantidade de palhas secas) é formado um grande círculo de moças e rapazes de mãos dadas cantando:
“A nossa Lapinha Já está se queimando...(Bis) E o nosso brinquedo Está se acabando.
As nossas palhinhas Já estão se acabando...(Bis) E nós, Pastorinhas, Nós vamos chorando”.
Quando a fogueira se transforma em cinzas, o cortejo volta ao seu ponto de partida, cantando: “A nossa Lapinha Já se queimou....(Bis) E o nosso brinquedo Já se acabou. Adeus, Pastorinhas! Adeus que eu me vou...(Bis) Até para o ano Se eu viva for!”
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Em Recife, a liturgia começa geralmente no final da tarde do dia 06 de janeiro, no Bairro de Santo Antônio, centro da cidade, no Pátio da Igreja do Carmo, onde os diversos pastoris, reisados e cavalos marinhos se juntam aos católicos em geral para celebrar o Dia de Reis. Depois da celebração da missa o cortejo segue em direção ao Pátio São Pedro, onde acontece a queima da Lapinha, abrindo oficialmente alas para o Carnaval. Embora em Petrolândia na maioria das casas dos mais abastados armassem lapinhas, não se tem notícia desta cerimônia acontecer em praça pública com a participação do povo. O que se tem conhecimento são relatos desse ritual realizado em família, como na casa de Dona Lulu Delgado que todo ano, no dia seguinte ao Dia de Reis, juntava a família e as crianças da vizinhança, a fim de queimar a lapinha. No quintal da casa as crianças entravam em fila cantando:
“Nossa lapinha já vai se queimar, Adeus que me vou... Até para o ano se nós vivo for.” E lançavam nas chamas da fogueira acesa, os capins usados na manjedoura, cartolina e outros materiais descartáveis, restos do cenário do presépio que ela todo ano armava em casa, numa grande mesa na sala de estar.
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Foto: arquivo pessoal.
Por muitos anos e até o fim da sua vida, Lourdinha Menezes, Lourdinha do SESP, como era conhecida, mantinha em casa uma enorme e caprichada lapinha exposta à visitação. Ela, Dona Afonsina Cavalcante e Dona Anália, mãe do Professor Toinho da Escola Santo Antônio, trouxeram a tradição para a nova cidade. Com a morte das duas primeiras, apenas Dona Anália mantém o costume. Montada no terraço de sua casa, a lapinha de Dona Anália ainda pode ser apreciada por quem passa em sua calçada no período do Natal.
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Lapinha de Dona Anália. Foto: arquivo pessoal.
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