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Carnaval
Tempo de liberdade e alegria quando o mais sério dos homens se transforma em figura irreverente, no carnaval de Petrolândia não é diferente há muito tempo.
Mantido até 1936, o Papagaio Falador é o mais antigo bloco que se tem notícia. Seu fundador, João Leal, comerciante, de família tradicional, tesoureiro da paróquia, homem sério, não resistia ao carnaval.
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Enquanto às moças cabia assistir, a ele se juntavam rapazes da alta sociedade, funcionários da estrada de ferro, coletoria e empresários que, irreconhecíveis, caiam na folia pelas ruas da cidade.
Os versos cantados pela troça, “Os filhos da Candinha”, publicados no Correio do Sertão, de 03.03.1935, citando os nomes dos participantes nos permite ter uma ideia de como isso acontecia:
Calvo, magrela e bonito. Faceiro, gentil e guapo, Djalma passa cantando Fazendo o passo do sapo. (Djalma Menezes)
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Tomando muitas pitadas Com o tabaqueiro na mão, Faz o passinho da ema O Tertinho Aragão.
Calado, manso, tristonho, Pula Chiquinho Delgado. Dando gritos, dando saltos, Como um bicho sapecado.
Lero Lima muito ancho Esquece a tipografia. E fazendo manhoso passo Vira bamba na folia.
E esse grupo famoso Que é um bicho de linha, É o grupo conhecido Dos “Filhinhos da Candinha”.
“Os amigos da Farra”, outra troça da mesma época, cantavam assim:
A vida de nada vale Para quem vive de azar. Ela é boa pra quem vive Sempre e sempre a pandegar.
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Todos os amigos da farra Vivem bem, vivem benzão. Quando dentro do furdunço Misturam pés com as mãos.
Depois vieram, entre outros, o Mocidade em Folia de Nicó e Camisa Velha em Folia de João Miguel. O Diário de Pernambuco informado pelo jornalista Hildebrando publicava na sua “COLUNA PELOS MUNICÍPIOS":
O CARNAVAL EM ITAPARICA – Não passaram despercebidos em nosso meio os três dias dedicados ao Momo. A véspera foi marcada por ruidoso Zé Pereira, que trouxe reboliço às principais ruas da localidade. Exibiu-se nos três dias o Bloco Mocidade em Folia, que alcançou regular sucesso. Houve diversos bailes (DP edição 62, de 15.03.1938)
O Vencedor, organizado por Mãezinha, esposa de Pantaleão, o conhecido Panta, continuou levando a tradição do carnaval pelas ruas da cidade por toda sua vida. Nos anos 70, entre as alegorias inseriu bonecos gigantes e deu ao bloco o nome do hotel de sua propriedade. O Planalto em Folia fazia o carnaval
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de rua mais glamoroso e democrático da cidade. Das performances em carro alegórico ao povão de pé no chão, a diversão era de todos garantida pelo som da banda, que tocando ao vivo, não deixava ninguém ficar parado. Contava seu filho Rosilvaldo ter ouvido do famoso Silvio Botelho, o relato de como se deu a confecção dos bonecos gigantes de Petrolândia.
Bonecos de Walney Araújo, inspirados nos bonecos de Pantaleão- Carnaval 2017/Foto: Blog Sertão News.
Diz que um belo dia chega a sua oficina um senhor dizendo que queria encomendar dois bonecos gigantes, a exemplo do Homem da Meia Noite e a Mulher do Dia, de Olinda. Sem dar muito crédito ao pedido ele informa o preço (nada barato) e o homem vai embora deixando marcado o dia de receber a encomenda.
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Na data marcada chega Pantaleão com um caminhão para levar os bonecos encomendados. No bolso, em dinheiro vivo, a quantia combinada. Silvio Botelho, que não acreditou na possibilidade de ter alguém de uma cidade pequena como Petrolândia com essa coragem e condições financeiras para tanto, ficou morto de vergonha. Pediu desculpas e marcou nova data para a entrega dos bonecos, desta vez de fato confeccionados e entregues. Com os bonecos o bloco chamava mais ainda a atenção. O povo aguardava ansioso nas calçadas para ver passar o bloco do povão com seus gigantes, tendo Zé Fernandes e Zé de Merosa com suas perucas e paetês no abre alas. Mantido pela família, o bloco fundado nos anos 70 continua desfilando na nova cidade. Em homenagem póstuma ao fundador mais um boneco gigante (de branco) foi acrescentado.
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Boneco do Bloco Leão Folia em homenagem póstuma à Pantaleão- 2017/Foto: Blog Sertão News.
Várias troças brincavam na rua “da frente”, como era chamada a Av. D. Pedro II, da velha Petrolândia. No meio de toda essa folia, destacavamse as figuras de Nicó. Mulher negra, descendente de escravizados, amante do carnaval, ela não perdia um desfile.
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Nicó no carnaval de rua/Blog Assis Ramalho.
Já na nova cidade, aos 80 anos, fazia questão de esquecer a idade e caia no passo com os mais jovens sem pudor. Assim também fazia Nô, folião solitário, que vestido de mulher transformava seu guarda chuva em sombrinha de frevo e desfilava inebriado de álcool e felicidade pelas ruas da cidade, como diz, o hoje sábio advogado petrolandense, Manuel Gabriel.
A irreverência era grande, mas todos brincavam sem problema, afinal todo mundo se conhecia. Quer dizer… nem sempre. Uma vez, em meio à fuzarca de uma troça, um dos rapazes avistando um soldado colega do ginásio dá-lhe um banho de talco sem se importar com o fato dele estar naquela hora em serviço, fardado. Irreverente, achou que o coleguismo estava acima da farda. Resultado: foi parar na cadeia por desacato. Foi um Deus nos acuda! A Turma da Pesada teve que parar a batucada, gente chorava, a folia acabou, o carnaval perdeu a graça. Foi uma tristeza. Tentaram conversar com o soldado, pedir para retirar a queixa, ele nem quis saber. Alguém lembrou de recorrer ao prefeito José Araújo. Foi a solução. Amigo solto, refeito do susto, algumas cervejas bastaram para o retorno da alegria. Nas manhãs de carnaval esta mesma troça, a Turma da Pesada, formada por Alberto de Geremias, França de Cecídio, Tadinho, Nilson Dantas, Wilton, Protázio, Toinho de Vicente e outros, circulava com talco e batucada nas casas dos “intimados”. Na casa de Zé Marcelino, Zé de Caboclo, Afonsinho, Chiquinho de Amaro, Zé Ferraz e do Prof. Gilberto Menezes, os litros de batidas de maracujá e caipirinha ficavam à espera. Chegavam cantando, batucando, inundando a casa de talco e alegria. Tanto bebiam como levavam o “combustível” da andança.
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Outra turma do barulho histórica, foi a Caravana da Alegria.

Caravana da Alegria/Foto: Clarice Araújo.
Organizada por Fátima Pariconha e sua turma, neste, a participação feminina começava a despontar. Certamente por isso era uma troça mais organizada. Trocava de fantasia a cada ano e tinha até marchinha própria como abre alas que dizia assim:
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Estão vendo quem acaba de chegar, Caravana da Alegria saudando o povo do lugar... Não é água não, não é bafo de boca. É a Caravana deixando a moçada com água na boca. No carnaval de 1980, já mais próximo do fim da velha cidade, surge a Turma do Tacho de uma brincadeira dos amigos Assis Ramalho (blogueiro), Edson Madeira, Juracy, Zé Roberto (Magrão), Adalberto (Carioca), Arnaldo (Dé) e Vicente do BB.

Turma do Tacho - 2016/Foto: Blog Assis Ramalho.
No Bar da Rosa, bebendo, como de costume, enquanto esperavam o Bloco de Panta passar, por pura brincadeira, resolveram roubar o
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pote de barro onde a amiga Rosa guardava a água naturalmente fria que servia aos consumidores de suas cocadas, também vendidas naquele estabelecimento. Depois de distrair a dona, levaram o pote e, na maior algazarra e alegria pela conquista com sabor de pecado, enchendo o “troféu” com toda sorte de bebida. Seguiram o Bloco de Panta com o pote na cabeça bebendo e distribuindo o “goró” aos passantes. Foi tanto sucesso que o bloco existe até hoje.
Além dos blocos e das troças, havia também o famoso corso do povo de Barreiras no domingo à tarde, quando um grande número de carros se deslocava para desfilar em Petrolândia a fim de mostrar quem fazia o carnaval mais animado.
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Mas nem só na rua havia carnaval. Animados por orquestras e muito lança perfume, os bailes nos clubes de Petrolândia e Barreiras também eram concorridos, apesar de não acessível a todos. Só moças e rapazes “de família”, com condições de pagar entrada podiam entrar.

Carnaval no Grêmio de Petrolândia- 1976/Foto: Paula Rubens.
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Cada clube procurava superar o outro, caprichando na animação e nas fantasias, numa rivalidade antiga herdada do futebol.

Carnaval no Colonial de Barreiras/Foto: Saúde Nanuca.
Mas veio a barragem e o DP edição 51, pag. 5 do segundo caderno de 21.02.1976, noticia: Petrolândia esforça-se para animar o Carnaval – “O grêmio Recreativo da Cidade”, à frente o presidente Manoel Mário da Silva, está investindo 40 mil, com a contratação de orquestra, ornamentação, iluminação e outras promoções para realizar um dos mais animados carnavais dos últimos tempos.
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A orquestra do Maestro Josemir Carvalho, de Belo Jardim, tocará para as festas carnavalescas do Grêmio e apesar dos atropelos causados pela construção da barragem de Itaparica, as ruas receberão decoração especial, motivando clima de animação entre os habitantes.
O carnaval de rua também promete novidades para os foliões. Com expectativa (...) pela agremiação Planalto em Folia que este ano apresentará fantasias de luxo.
Além das tradicionais escolas de samba locais, sairá às ruas o bloco Turma da Pesada, integrado por Petrolandenses universitários que estudam no Recife e em Salvador.
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E o último carnaval chegou:

Foto: Saúde Nanuca.
E em março daquele ano já não havia mais rua, nem clube, nem cidade...
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