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Luís de Camões e Guimarães
from OsmusikéCadernos 1
by osmusike
Álvaro Nunes alvaroamanunes@gmail.com
Este ano perfazem-se 440 anos sobre a morte de Luís Vaz de Camões, falecido a 10 de Junho de 1580, atual feriado nacional consagrado como o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Ora, em Guimarães, tempos houve em que Camões era evocado com toda a pompa e circunstância. Assim aconteceu em 10 de Junho de 1880, aquando do tricentenário do seu nascimento, como consta registado nas “Efemérides vimaranenses” de João Lopes de Faria:
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“A Comissão criada para celebrar o tricentenário de Camões principiou as suas solenidades neste dia por uma missa rezada na Colegiada, em que foi celebrante o Padre António José Pereira Caldas Júnior, pelas 11 horas da manhã (…) Terminada a missa, a comissão dos festejos, acompanhada por todas as corporações, dirigiu-se à Casa da Câmara e estando aí reunidos em sessão solene os vereadores, foi-lhes apresentado e lido pelo Conde de Margaride uma mensagem, na qual a mesma comissão oferecia ao município dois exemplares duma tradução de alguns cantos dos Lusíadas em francês pelo duque de Palmela e revista por Madame Stäel; edição que a mesma comissão mandará fazer para distribuir neste dia em honra do grande épico. Fez-se dela uma tiragem de 200 exemplares e 12 desses de luxo, sendo aqueles numerados e distribuído pelos assinantes e oferecidos exemplares ao rei D. Fernando, ao imperador do Brasil, à Câmara e ao Dr. Pereira Caldas (…) Na mesma mensagem se pedia à Câmara que um dos largos ou ruas de Guimarães fosse batizada com o nome de Camões e que se resolveu logo por unanimidade, sendo por isso escolhida a antiga Rua Nova das Oliveiras. Em seguida, por proposta do vereador António Joaquim de Mello, também se resolveu que ao Largo do Pelourinho se pusesse o nome Largo do Trovado, em comemoração do primeiro trovador português Manuel Gonçalves, nascido no antigo burgo, na Rua de Couros. Terminada a sessão à meia hora da tarde, saiu uma banda real, convidando os habitantes a iluminarem as suas casas (…)”
No entanto, o relato de João Lopes de Faria daria ainda conta de um jantar concedido aos presos, toques de sinos a repique e o cancelamento da iluminação no Toural, por causa da chuva. Porém, nessa noite de 11 de Junho, reporta-se também o espetáculo de gala ocorrido:
“Na noite de 11 de junho e com a continuação dos festejos houve no teatro espetáculo de gala, representando-se pela primeira vez o original do nosso cónego Dr. António d’Oliveira Cardoso “Lágrimas e Risos”, em 3 atos. Nos intervalos recitaram-se algumas poesias, produções literárias de vimaranenses, entre os quais se distinguiu o Dr. Pereira Caldas (…) O teatro achava-se elegantemente adornado com ramagens e coroas de carvalho e louro e bandeiras. No camarote central de segunda ordem estava o busto de Camões, em gesso, entre cortinados azuis e brancos, lendo-se em escudetes postos sobre as colunatas de cada camarote datas mais notórias da vida de Camões e na primeira ordem em idêntico lugar os nomes de 14 poetas e literatos notáveis vimaranenses (…) O saldo deste espetáculo, deduzidas as despesas, que foram grandes, reverteu em benefício das obras da Penha, que por esse motivo iluminaram nessa noite o cimo dos penedos e deu uma salva de morteiros”.
O texto dá ainda conta de um acidente ocorrido devido ao fogo, bem como da constituição da comissão dos festejos, aos quais se agregaram os condes de Margarida e de Vila Pouca, bem como o barão de Pombeiro e Francisco Sarmento, notáveis da época.
De facto, Guimarães nunca esqueceu o genial poeta, que se encontra consagrado na toponímica da cidade: a rua de Camões, que liga o Toural às Domínicas. Aliás, muito recentemente, entre dezembro de 2017 e maio de 2018, “Os Lusíadas” seriam manuscritos em Guimarães por cerca de 450 “copistas”, dos 6 aos 95 anos, entre os quais o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, que escreveria as três últimas estrofes. Uma excelente iniciativa, denominada “Dê 10 minutos à Língua Portuguesa”, à qual antigos professores da Escola Secundária Martins Sarmento e do seu movimento “Voltar à Escola” deram arranque e que contou ainda com o apoio da Biblioteca Raul Brandão e da Sociedade Martins Sarmento. Uma edição manuscrita e
singular, que atualmente se encontra à guarda da Sociedade Martins Sarmento, ao lado da primeira edição impressa, existente nesta instituição vimaranense. Com efeito, como na altura sublinhou Paulo Vieira de Castro, presidente da Sociedade Martins Sarmento, uma ocorrência que seria um “exemplo de dinamismo de um grupo que mostra o que é ser professor”. No fundo, e tal como os desígnios de Osmusiké - Associação Musical e Artística do Centro de Formação Francisco de Holanda - exemplos concretos de vida ativa ao serviço da cultura e do saber partilhado.
Mas Guimarães está também imortalizado nos “Lusíadas”, em especial nas estrofes 31 e 35 do canto III, que transcrevemos:
“De Guimarães o campo se tingia Co sangue próprio de intestina guerra, Onde a mãe, que tão pouco o parecia Ao seu filho negava amor e terra”. Co ele posta em campo já se via, E não vê a soberba o muito que erra Contra Deus, contra o maternal amor, Mas nele o sensual era maior. Não passa muito tempo, quando o forte Príncipe de Guimarães está cercado De infinito poder, que desta sorte, Foi refazer-se o inimigo magoado. Mas, como se oferecer à dura morte O fiel Egas amo, foi livrado Que, de outra arte, pudera ser perdido, Segundo estava mal apercebido.
Camões está, de facto e para sempre, entre aqueles que “se vão da lei da Morte libertando” …
Cremos, contudo, que Guimarães bem poderia assinalar estas referências intramuros. Não só Camões, obviamente, mas também muitos outros como Saramago, Torga, Ferreira de Castro, Raul Brandão, Camilo Castelo Branco, que nas suas obras citam Guimarães e que deveriam ser de conhecimento público. Aqui fica o repto e o desafio …