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Quadrifonia

QUADRIFONIA

Corremos eufóricos atrás o trevo de quatro folhas, mas a sorte não nos bafejou. Vimos nascer flores azuis, lilases, vermelhas, brancas amarelas, sorrisos sem maldade dentro das palavras. Criamos canções, segredos, sonhos, ilusões. Cantamos no intervalo das chuvas uma canção improvisada para afugentar o medo dos trovões. Fizemos das nossas dúvidas segredos, e resignados vencemos as noites sem fim quando a insónia nos consumia o desejo ou a chuva fustigava as vidraças. Guardamos segredos sussurrados nos ouvidos. Perseguimos os fantasmas da noite com responsórios inventados e lengalengas do tempo de criança. Inventamos o sonho sem o reconhecer. Criamos a ilusão perversa do corpo, ao percorrer o olhar em busca da luz numa incerteza arrepiante e comovedora. Vagueamos por lugares desconhecidos, por paisagens indefinidas, florestas inexploradas, por veredas nunca imaginadas. Os barcos entravam no cais sob o impulso das ondas, transportando as bandeiras na ponta dos mastros num ambiente de festa para esquecer amarguras. Ficamos à espera, lendo os sinais do vento no desejo de dissolver a dúvida que persiste ou do sol que quer despontar a medo quando os pássaros esvoaçarem na incerteza irrequieta dos seus voos. Haveremos de fazer despontar nas palmas das mãos invulgares segredos de paixão, sem agitar a luz e o brilho dos olhos, definir as intenções do vento. Levantar-nos-emos a meio da noite à procura de algum conforto na penumbra evidente do corpo, sabendo que por ele flutuam imaginação e desejo ou a harmonia que acalenta o canto. Aprenderemos a distinguir as luas refletidas na água, as palavras murmuradas em segredo, as promessas de um sorriso direto e livre.

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José Matos

zematos2@sapo.pt

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