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Um “jejum cinéfilo” que ficou para a história

Paulo Cunha, Cineclube de Guimarães

paulomfcunha@gmail.com

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Mesmo atenuado por formas alternativas de visionamento “caseiro”, como a televisão, o VOD ou o streaming, este “jejum cinéfilo” que vivemos por estes dias parece demasiado longo para todos, mas houve um longo período na história da cidade em que os vimaranenses se viram privados de sessões regulares de cinema durante 18 meses! Em Julho de 1935, motivado por um conflito entre o arrendatário (empresa exploradora da sala de cinema) e o proprietário do edifício (Associação Artística Vimaranense), as sessões de cinema no então Cinema Gil Vicente foram suspensas por tempo indeterminado. A outra sala de cinema da cidade, o degradado Teatro D. Afonso Henriques, por sua vez, havia fechado as suas portas em 1930. Agravando a causa cinéfila, nesse Verão de 1935, a habitual Parada dos Bombeiros Voluntários não abriu ao público. Sem oferta cinematográfica na cidade, os cinéfilos vimaranenses não se conformaram e procuraram o cinema fora da cidade, começando a organizar “excursões cinéfilas” a algumas povoações vizinhas, nomeadamente Fafe, Vizela e Braga. Nessa longa pausa de exibições regulares, apenas se registaram na cidade algumas sessões pontuais: em Fevereiro de 1936, a Escola Industrial de Guimarães serviu de sala a três sessões de beneficência em favor da sua Caixa Escolar; dois meses mais tarde, foi a vez do Asilo de Santa Estefânia receber nas suas instalações algumas sessões de cinema, organizadas pela Empresa do Teatro Cine-Parque de Vizela; em Junho de 1936, a situação “remediou-se” com a reabertura da Parada dos Bombeiros Voluntários e o reinício das sessões de cinema ao ar livre; em Setembro de 1936, chegam à cidade-berço notícias sobre um Cine-Salão das Taipas, espaço de exibição cinematográfico explorado pela Empresa José Crespo; em Setembro de 1936, também funcionou no Largo da Condessa do Juncal um inédito e “turbulento” cinema ao ar livre, de frequência gratuita, em que cada espectador trazia de casa um banco ou cadeira para assistir ao espectáculo. Depois de resolvido o diferendo entre inquilino e senhoria, o Cinema Gil Vicente reabriria em Janeiro de 1937. No mesmo mês, após a circulação pela cidade durante algumas semanas de um rumor, Bernardino Jordão

confirmou ao Comércio de Guimarães que iria “construir o teatro e conto que ele funcione já no próximo verão.” Mas a construção da tão aguardada nova sala de cinema seria atrasada por pressões políticas, quer locais, quer nacionais. Os responsáveis camarários, e a generalidade da classe política, manifestavam algumas reservas em relação à figura de Bernardino Jordão, tanto pelo seu envolvimento político em algumas causas (financiamento do jornal A Velha Guarda, semanário republicano dirigido por Mariano Felgueiras) como pela afirmação de poder pessoal que lhe provinha do monopólio do fornecimento de electricidade. A nível nacional, a polícia política da ditadura fascista mantinha-o sob vigilância, por cultivar relações de amizade e de apoio financeiro a “agitadores” exilados que mantinham uma posição de oposição em relação aos regimes ditatoriais vigentes. Em resposta a todos os obstáculos, um grupo de vimaranenses mais preocupado promoveu, no dia 22 de Fevereiro de 1937, uma manifestação popular como prova de um apoio incondicional ao projecto e ao seu promotor. No final desse mês, as obras arrancavam finalmente, mas Bernardino Jordão seria detido pela PIDE “para averiguações” entre 6 de Abril e 24 de Agosto desse mesmo ano. A inauguração só aconteceria em Novembro do ano seguinte, mas a nova casa de espectáculos não foi autorizada a assumir o nome do seu promotor na fachada do edifício. Assim, nos dois primeiros anos de funcionamento, o Teatro Jordão chamarse-ia Teatro Martins Sarmento por imposição do regime fascista. Nas décadas seguintes, o Teatro Jordão tornar-se-ia na sala de visitas da cidade, recebendo a visita de diversas companhias de teatro, variedades, tunas, orquestras e circo, entre outros. Mas o espectáculo mais frequente e popular seria o cinema, com sessões memoráveis para gerações consecutivas de vimaranenses. Foi também essa a primeira casa escolhida pelo Cineclube de Guimarães para as suas sessões de cinema entre 1957 e 1971.

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