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O sabor da terra em tempo de pandemia
from OsmusikéCadernos 1
by osmusike
Isabel Maria Fernandes
Diretora do Museu de Alberto Sampaio, Paço dos Duques e Castelo de Guimarães Imf.isabel@gmail.com
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Este é um tempo que não conhecíamos. Ouvimos os nossos avós falar de pestes, de guerras, da pneumónica… Lembro-me de o meu avô as referir e de a minha sogra dizer que da família materna, durante a pneumónica, apenas se salvaram a avó e a mãe. Mas, era um tempo longínquo e na memória dos outros, nada que imaginássemos para o nosso tempo… Mas a epidemia chegou, transformou-se em pandemia, passou a ocupar o nosso tempo e a moldá-lo como nunca sequer sonhámos! Chegou para nos afastar dos que mais amamos – pais, filhos, netos… Deixámos de nos abraçar, deixámos mesmo de nos ver fisicamente e a saudade foi ganhando terreno e amargurando os dias. Chegou o teletrabalho, as reuniões por Zoom, Whereby ou outra qualquer plataforma digital. Falamos com quem gostamos por telemóvel, facebook, WhatsApp. Deixámos de juntar na mesma mesa a família em algazarra, deixámos de ouvir rir, falar muito ou comentar as peripécias da vida de cada um… Passámos a usar máscaras, a calçar luvas, a pensar duas vezes antes de ir ao supermercado, deixámos de cumprimentar e beijar os outros. Ah, e como nos faz falta esse contacto físico!

Cada um de nós foi fazendo das fraquezas forças e foi-se ajustando a este novo e amargurado tempo. Eu, que vivo no campo, nele encontrei o meu refúgio e a minha terapia! Quando estou em casa e o computador ou o telemóvel não me subjugam, gosto de passar tempo na terra. Visto-me a rigor – calças, camisola e galochas, muno-me com os utensílios necessários e vou para a terra! Cuido das minhas aromáticas, mimo as minhas flores, tiro ervas daninhas quase sempre… Danadas das ervas daninhas! Oiço os pássaros, vejo-os a comerem-me os morangos e as framboesas. E tenho uma mágoa enorme de não lhes distinguir o canto. Com a ajuda da net vou-os conhecendo – melros (estes são fáceis!), poupas, petos, andorinhas, águias (ou serão milhafres?). Ah, já me esquecia… também há morcegos por perto! Pelo chão encontro minhocas, toupeiras e cobras! As mais das vezes tenho a fazer-me companhia a minha gata – a Ninja. Quase parece um cão! Segue-me para todo o lado e até teima em cavar a terra! Este sossego é muitas vezes interrompido pela música que sai dos autofalantes das igrejas mais próximas e já distingo de onde vem o som! Mas, com todo o respeito pela fé de cada um, esta música religiosa, sai de uma aparelhagem roufenha, sem qualidade e incomoda quem quer sossego. Será que alguém em sua casa pára para ouvir esta música? Será que a mensagem que se pretende transmitir é eficaz? Duvido… Mas voltemos à terra. Percebo eu do assunto? Não?! E sou mesmo o espanto da vizinhança, pois passo muito tempo de joelhos, sobre uma placa a cavar a terra! Mas a minha espécie de hérnia discal a isso obriga! Dá para perceber que sou uma urbana, armada em lavradeira! Não interessa! O prazer que me dá a terra compensa tudo! E as vizinhas gostam de me dar dicas e de me oferecer couves, tomates, alfaces e flores! O facto de havermos decidido vir viver para o campo foi a melhor coisa que fizemos nos últimos tempos e, em tempo de pandemia, ainda mais valorizamos estes horizontes, esta verdura e este sossego!