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Pequenas Coisas meio ambiente

Jorge Cristino, Presidente da direção do CAR

jorgecristino@gmail.com

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Diariamente éramos confrontados com uma só e absoluta realidade, a de que a Humanidade era eterna e que estávamos umbilicalmente ligados ao Planeta. Sem nós nada existia. Que profundo egoísmo este, que insistimos de forma quadradamente narcisista, em julgar que não cabemos no nosso ego e que tudo gira à nossa volta, seja de forma individual, seja como um todo.

Nada mais errado do que pensarmos que somos imortais e infinitos, sem sequer termos noção de que, para além de sermos efémeros, perdemos o melhor das nossas vidas. Perdemos os momentos especiais,

perdemos o que a natureza nos proporciona, perdemos tudo... Mas... será que perdemos?! Não será antes que nos roubam? Sim!!!! Sim, roubam-nos. Deixamos que nos roubem. Confundidos pelo medo e pelo sentimento de perda, esvaziam as nossas almas torcidas perante a pressão que exercem na corrida do dia. Éramos confrontados pela necessidade de fazer e crescer. Mortos no dia-a-dia, vivíamos momentos alucinadamente estonteantes. Numa esquizofrenia coletiva, esquecíamos o essencial, só porque o Medo era permanente. O Medo de falhar, o Medo de morrer, o Medo de viver, o Medo de arriscar, o Medo de não ter, o Medo de não crescer, o Medo

de ser julgado, o Medo de perder, o Medo de estar e o Medo de não estar, o Medo de sentir e o Medo de não sentir. Simplesmente porque éramos a sociedade do Medo. Até que um dia... sim, esse dia chegou. O Dia em que as Ruas ficaram desertas, as Cidades despareceram e tudo o que fazíamos deixou de fazer sentido. As rotinas, os horários, os compromissos, as tarefas, os medos... eclipsaram-se repentinamente, como que o Mundo parasse. Mas o verdadeiro Mundo não parou, porque esse nunca pára. Não para porque, independentemente do que possam fazer, esse Mundo é indissociável d’O Tempo. Esse sim, está intimamente ligado ao Universo e os dois nunca pararam. Regeneraram-se, continuaram os seus ciclos e mantiveram-se imunes àquilo que a Humanidade nunca o será, sem Medo.

“O que eu quero, é tornar a viver. A minha saudade é esta. O que eu quero é recomeçar a vida gota a gota, até nas mais pequenas coisas. Não reparei que vivia e agora é tarde. Sinto-me grotesco. Recomeçá-la nas tardes estonteadas da primavera e na alegria do instinto. Encontrei há pouco uma árvore carcomida: deixaram-na de pé, e um único ramo ainda verde desentranhou-se em flôr... pudesse eu recomeçar a vida!”

Raúl Brandão, in Húmus

Perante isto, do que estamos à espera? Que maior sinal poderemos querer do que este? Quem não percebe que não podemos voltar ao trilho suicida que caminhávamos de mão dada? Quem não vê o penhasco enorme e impressionante de tão belo, num lindo dia de sol, de céu azul celeste, radiantes cantando e rindo de tão estupidamente egocentristas que somos? Este é o momento que nos deve fazer parar e infletir numa nova forma de pensar, de estar e de agir. Este é o momento em que devemos ter respeito pelas gerações anteriores e garantir a passagem de valores e princípios para as gerações vindouras. Não é apenas de solidariedade, liberdade, fraternidade, igualdade, moralidade, justiça ou outros valores e princípios fundamentais. Também não são apenas os recursos naturais, o ar, a água, o solo e outros essenciais à vida. É de FELICIDADE que há séculos nos falam. É termos tempo para tratar de quem nos cuidou, é termos tempo de cuidar e ensinar de quem vem a seguir. É termos tempo para parar. É não termos medo de não fazer. É não termos medo de falhar. É sabermos que

perante a tolerância, não existe desresponsabilidade, mas antes respeito pelo próximo. Respeito pela Família. Respeito pelo meu tempo. Respeito pelo meu momento. A necessidade efémera de crescer levar-nos-á a uma acelerada destruição coletiva, capaz de aniquilar toda uma espécie. Sejamos capazes de ligar às pequenas coisas. Perante os dias fechados a olhar pelas janelas, saibamos agora abrir a porta de todos os dias da nossa vida, com a vontade de fazer mais por si próprio e pelos outros.

“Com que saudades me aparto da mentira! Dos nadas, das pequenas coisas que dão sabôr á vida. Já

reparaste que são as pequenas coisas da vida que nos fazem chegar as melhores lágrimas aos olhos?

Na natureza os ultimos dias d'outomno que se despedem de nós com saudade, o oiro húmido, o ultimo sol nas fôlhas molhadas; as noites cheias de estrellas, em que se adivinham outras estrellas ainda; a ternura que não tem existencia real, a sensação que passou por nós n'um segundo, sem deixar vestigios; e as horas que creamos, esquecidos e penetrados um do outro, ao pé do lume, já sumidas tambem na voragem. Nada—tudo. A tua expressão em certos momentos, em que uma figura transparece sob outra figura, como se me fôsse dado contemplar, n'um rapido instante, a tua alma limpida—todos os sentimentos que geramos de ilusão, de sonho e de tristeza. Tudo e nada.”

Raúl Brandão, in Húmus

É nas pequenas coisas que podemos ter as emoções que nos dão a felicidade. Ao apreciar uma paisagem, ao apreciar a natureza, ao apreciar a criança a crescer, ao apreciar cada ruga que nasce a cada dia. Parar para olhar, ver e contemplar. E apreciar os sentimentos proporcionados por um livro, por uma música, uma dança, um texto, uma peça de teatro, um filme ou simplesmente o SILÊNCIO.

Em isolamento profilático, 20 de junho de 2020, ao som de Ludovico Einaudi.

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