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Vou contar uma história
from OsmusikéCadernos 1
by osmusike
Fernando Capela Miguel
fercamiguel@gmail.com
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1.º Episódio: Vou contar uma história
A primeira e grande história é a nossa vida. Assim contarei uma história de uma parte da minha vida… Já com sete anos ou mais!!! Quando entrei pelas colunas daquele grande portão já lá vão quinze anos, jamais seria capaz de imaginar que ali, iria ter o início de um novo tempo de vida vivida, muito cheia e bem preenchida da minha existência. Primeiro porque a carta que tinha recebido do presidente/director do CFFH me convidava para a formação de adultos – os funcionários, pessoal auxiliar e bibliotecários – das escolas do Agrupamento de Escolas Francisco de Holanda (AEFH). Depois porque iria fazer “coisa” que gostava de fazer!!! A formação maior e a paixão tinham sido as motivações que justificavam o meu desempenho nos últimos onze anos neste universo fabuloso, mas difícil da denominada Educação ao longo da vida, vulgo de Adultos. Por outro lado, o CFFH era um espaço único de formação de professores que ia para além dos seus naturais objectivos pois lá se encontrava muita alegria nas amizades partilhadas e muita vontade de existir, naqueles cidadãos que eram professores e professoras que “aturavam os filhos dos outros”, na existência comprometida e profissional do quotidiano das escolas, sobretudo do primeiro ciclo básico. Pelas 22h00 de uma sexta-feira estou de saída. Junto ao portão uma amálgama de gentio se afadiga na organização “não sei de quê”!!! Vários são os instrumentos musicais que vejo sair de diferentes esconderijos!!! Vários são os conhecidos que vou cumprimentando pelo caminho que sorriem e riem como se fosse o ensaio não programado de uma festa… a Helena, a Amélia, a Bia, a Manuela, Maria José, o Lino, o Manel, o Luís, o Filipe… e outro, outro e outros… mais de duas dezenas!!! Risos!!! Tintim, pampans e boomes… Sons de ensaio de instrumentos. Pausas seguidas de gargalhadas abafadas, colectivas!!! Pandeiretas, paus, flautas, instrumentos… sons!!! Óscar e Laura de violas nas mãos trocam palavras que não entendo e eu questiono: - Vão para alguma manifestação?!! Revolução!!! – Convívio ou festada??!!! Óscar sorrindo riposta: - Vamos cantar os reis, anda daí!!! Laura reforça: - Claro, anda daí!!! Serás mais um!!! Há espaço para ti nesta noite!!!
Senti-me rei eu, sem pensar fui!!! Fui muitas vezes!!! E cantei aos reis sem nunca os encontrar!!! Encontrei outros sim, às dezenas, à procura dos reis para lhes cantar!!! De tantos anos a cantar acabei por encontrar os Reis… nos Trovadores do Cano!!!
2.º Episódio: Osmusiké chama-se o grupo
Levei uma parte da minha existência a satisfazer esta paixão pelo canto. Admirei sempre os resultados magistrais que o “instrumento de Deus” – a VOZ – era capaz de produzir. Nunca pensei ser “castrati”, mas dos treze aos quinze anos, cantei nos coreiros da colegiada. Foi uma experiência juvenil que nunca esquecerei!!! Admirei sempre o canto com grupo e as cumplicidades que se constroem no compromisso entre a afinação e o prazer de cantar!!! Os coros gregorianos, os coros conventuais, os espirituais negros com ritmos espectaculares, os godspells ou os coros informais africanos entre outros, sempre foram capazes de me extasiar e serenar as brutalidades do meu espírito!!! Mas ainda outras vozes individuais, como as cantoras e mulheres brasileiras como Mara Andrade, Elis Regina, Fafá de Belém, Adriana Calcanhotto. Depois a música do samba de Vinícius de Moraes a Caetano Veloso ou o mexicano “aveugle” José Feliciano. A voz única de Mercury com Montserrat Caballé a cantar Barcelona. Ainda o trio incrível dos tenores Pavarotti, Contreras e Plácido Domingo e o cego Ray Charles ou a voz trepidante de Norah Jones que tantas vezes me arrepiaram ouvindo-os às escuras até à emoção e lágrimas!!! Saber ouvir Amália e Ana Moura; Mariza ou Camané, Mizia, José Cid, Jorge Palma, José Mário Branco ou Fausto; Paulo Gonzo, Rui Veloso, Dulce Pontes e o magno Zeca Afonso. As mornas e coladeras da música de Cabo Verde… Perdi-me tantas vezes em noites de fado ou de baladeiros… Estas são vozes, boas vozes, extraordinárias vozes portuguesas que devemos ouvir e conhecer!!! E as vozes colectivas?!! Inesperados os coros do cante alentejanos, ou das Adufeiras das Beiras, o coro sensacional de Santo Amaro de Oeiras; o Coro Académico de Coimbra ou o Polifónico de Lisboa. O Canto Nono ou o vimaranense Vilancico são a prova provada de algumas vozes conhecidas entre o sem número de vozes colectivas, coros, corais e grupos de vozes anónimas que cantam não só por prazer, não somente para
partilhar sentimentos e emoções, mas, sobretudo por corresponderem a uma forma fundamental da manifestação da vida dos seres humanos: comunicar cantando!!! Actos culturais cantados, reconhecidos e essenciais!!! Na sequência desta meia reflexão coral e da essência do canto, acabei por aceitar o convite do Óscar e depois do Jorge para integrar aquele grupo de cidadãos, professoras e professores como eu, queriam cantar para além do tempo da profissão!!! Mais de metade já jubilados ou às portas da reforma… que fazer??!!! Só havia uma coisa a fazer!!! Organizar a vida com todos os compromissos e aderir!!! Veio-me à memória os ensaios do coro dos meninos da Colegiada!... De má memória!!! - “Canta como os Anjos”, gritava o padre enquanto nos “enfardava” uma bofetada afinadora da desafinação provocada no terceiro momento musical da elevação na Santa Missa!!! Desloquei para outro canto da memória esta e outras histórias e resolvi aderir… Passei a ir aos ensaios das quintas-feiras e cantar… Ora como diz a sabedoria dos velhos: - Quem canta seus males espanta!!! - Quem sabe cantar tem alegria para dar!!! - Quem canta até a ignorância espanta!!!
Depois destes provérbios vejamos poemas: a cantar para não me perder na prosa:
Foi a cantar que eu nasci Outros cantores vi nascer Foi cantando que vivi Será a cantar que vou morrer!!!
Se queres cantar junta amigos Irás ficar deveras espantado… Encontrarás sementes de espigos Que medram em campos de fado
Se o fado é a nossa canção E já Património da Humanidade Nós somos o cidadão Que o canta em liberdade!!!
Cá por mim cantarei até morrer E não faço nada de especial Pois em cada minuto há-de nascer Quem a cantar se torne imortal!!!
Agora ando contente A cantar Guimarães É do Osmusiké a gente Com quem canto as canções.
Minha mãe se tu soubesses Ai como eu gostava De te ouvir cantar!!! Podia ser que tu me desses Aquilo que eu mais amava: O teu amor para partilhar!!!
E foi assim que afinal me juntei ao grupo. Foi assim que encontrei gente resiliente, activa, voluntariosa até em exagero!!! Com uma disciplina indisciplinada fomos capazes de fazer afectuosos programas e projectos que nos levaram a toda a região: escolas, instituições, recantos e ruas, associações!!! Fomos Reis e Rainhas, Bobos e palafreneiros, aios, amas, cavaleiros. Cantamos em Castelos e Palácios e fizemos festas e feiras doutros tempos!!!
Cantamos com vontade e vivemos com alegria partilhada, bons momentos!!! Cantamos em todo o lado, de lado e de frente, cantamos para toda a gente: velhos, ricos e pobres, gordos e magros, homens e mulheres, crianças… muitas crianças, com todos cantamos e semeamos alegrias quase infinitas!!! Depois dos Reis bens procurados e cantados descobrimos a nossa paixão: Cantar Guimarães. Para isso nos juntamos algumas vezes em visitas guiadas a descobrir os segredos nos escaninhos do Património Material construído neste burgo velho que é o nosso Berço – Guimarães antiga!!! Cantamos as “suas gentes” e o “Castelo”, “o Paço dos Duques”, “a Sr.ª da Oliveira” e “Nicolinas”, o “D. João I”. O nosso primeiro rei, “D. Afonso”, “Rua de Stª Maria”, “Stª Luzia” e “Penha”, “S. Torcato” e outros que vamos cantando!!! Depois já feitos artistas descobrimos outras capacidades e outras vontades. Assim nasceram as valências do magnífico grupo de Teatro e da Poesia. Ah!!! A valência Música Popular que tem sido a “Alma” do “descante”, pois, a substância é um conjunto de instrumentistas, “Musikeiros” dos OSMUSIKÉ que divulgam o magnífico cancioneiro da Música Popular Portuguesa.
Nos ensaios esta malta Começa afinada a cantar Ouve-se a concertina e a flauta… Eis os OSMUSIKÉ… Pra Pular!!!
Cantam todos juntos Ou um de cada vez O cancioneiro popular Canta o Povo Português
Depois foi simplesmente viajar!!! Fazer tournées! Construir grandes espectáculos em Galas, Saraus e Arruadas!!! Cenas divinas em palcos, estrados e coretos!!! Descobrir momentos de cansaço que nos davam prazer por cumprirmos um projecto Associativo único que tem nome; OSMUSIKÉ!!! Assim é e será: Somos OSMUSIKÉ!!!