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As Nicolinas e Osmusiké

Filipe Guimarães, Presidente da Assembleia Geral de Osmusiké filipeguimaraes@esfh.pt

Compreender qualquer realidade social implica a respetiva contextualização no tempo e nos paradigmas axiológicos estruturantes das vivências da época. Por isso, falar das Nicolinas e do seu inicial ‘ostracismo’ à participação da comunidade académica vimaranense, mais do que uma fácil e comum condenação, necessita de uma contextualização histórica e social. Recorde-se, a propósito, que as Nicolinas têm a sua origem nos costumes académicos vimaranenses do século XVI e que a sua ligação de exclusividade ao Liceu parece prender-se com a herança dos estudantes de Latim da Colegiada de Guimarães (século XIX) e dos seus seminaristas (Amaro da Costa, 2015), com passagem de testemunho para o Seminário-Liceu de Santa Clara (1896), onde definitivamente os estudantes liceais assumiram a liderança das celebrações. Por isso, o estigma de ostracismo sociocultural e académico que muitas vezes projetamos nas Nicolinas antes do 25 de Abril, parece, não ter grande consistência epistemológica, antes se revela como corolário evolutivo e circunstancial de toda uma situação, que acentua uma herança de práticas e tradições. De qualquer modo, e pesem embora estas considerações preliminares, o que realmente deve realçar-se é o âmbito de universalidade e equidade participativa que as Nicolinas assumiram após o 25 de Abril. Deixando de ser privilégio de uma única instituição académica, as Nicolinas pautaram-se como o efetivo elo de todos os estudantes vimaranenses, numa práxis que assume, antes e acima de tudo, o direito à liberdade de expressão e, consequentemente do direito à participação cívica, à democracia. As Nicolinas, recorde-se, embora tradicionalmente revestidas de e por um carater religioso, são, na sua essência a manifestação de tradições que encontram possivelmente a sua origem última nas tradições e crenças célticas, onde as festividades relacionadas com os equinócios se apresentavam como oportunidades para manifestar o direito à imaginação, ao sonho e, sobretudo, ao protesto e contestação social (Costa et al., 2003). Por isso, esta universalização que após o 25 de Abril se fez sentir acabou por as transformar em reais guardiões de toda uma tradição, de todo um património imaterial, que caldeado nos crisóis socioculturais célticos se foi consolidando em Guimarães a partir do século XVII.

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Atesta-se assim a perenidade de um património que se foi e vai enriquecendo em cada uma das suas manifestações e que se alarga não só às gerações seniores, mas que envolve já os mais jovens, na afirmação inequívoca da sua riqueza enquanto património imaterial. Procurando interpretar e comungar deste património, ‘Osmusiké’ têm-lhe dedicado algumas das suas produções. ‘Osmusiké’, para quem os não conhece, são um grupo artístico, centrado essencialmente na produção e interpretação musical, que teve a sua origem nas Ações de Formação de Professores no Centro de Formação Francisco de Holanda, na década de 90. Tomando como paradigma da sua entidade, a convivência e a amizade através da expressão artística e lúdica, este grupo, inicialmente só de professores e agora alargado à comunidade, tem como lema principal o desenvolvimento pessoal e socio emocional através do canto. A aprendizagem é um processo ao longo da vida. Quando tal processo se assume estruturalmente alicerçado no ludismo, e na expressão artística, na sã convivência assume contornos mais significativos, essencialmente mais expressivos de um ‘saber ser’, onde a solidariedade e a empatia se revelam como vertentes longitudinais. Nascida em 2002, ‘Osmusiké’ teve, como se referiu anteriormente, a sua origem nas ações de formação para professores. Mas um professor é um comunicador, um ‘ensinador’ de tradições, de bem-estar e sinergias de vida. Por isso, a primeira ação deste grupo artístico foi a publicação de um CD de canções para crianças, onde as letras expressam toda uma cultura, todo um conjunto de memórias passadas que as gerações futuras não podem nem devem ignorar. Começava aqui a delinear-se, para além de uma dimensão pedagógica, uma outra dimensão, a cultural, onde a história se transmite através do ludismo, em canções com letras próprias e reveladoras de tais conteúdos. Sob o comando dos professores Jorge Nascimento e Óscar Ribeiro, o primeiro, enquanto diretor do CFFH, criou a Associação e o segundo assumiu um papel importante como orientador musical do Associação. ‘Osmusiké’ apresentam-se hoje perante a comunidade vimaranense, em particular, e a comunidade nacional, em geral, como um grupo onde a qualidade artística se alia à riqueza do património histórico e cultural expresso nas letras das canções, numa idiossincrasia rara de encontrar, não só no nosso país, como em qualquer outra parte.

Revelador do que acaba de afirmar-se foi a necessidade que o grupo sentiu de, em 2009, se transformar em associação cultural e artística, com a designação de ‘Associação Musical e Artística do Centro de Formação Francisco de Holanda”. Grupo artístico, onde a qualidade e o veio cultural, sobretudo da cultura e história vimaranenses, se apresentam como elos estruturantes da sua intervenção. ‘Osmusiké’ são uma associação a que a comunidade vimaranense e mesmo nacional tem de prestar a devida atenção, pois são os atuais transmissores de um conjunto de valores e heranças históricas e culturais que, a não existirem, seriam brevemente esquecidas e que, agora, sob o ludismo e arte da sua intervenção se vêm perpetuando, fazendo parte integrante do nosso acerbo musical e cultural.

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