A biotecnologia aplicada na cana-de-açúcar - OpAA17

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Fisiologia

Opiniões jul-set 08

Marcos Silveira Buckeridge

Professor de Fisiologia e Bioquímica de Plantas do Instituto de Biociências da USP

Marcos Buckeridge

Rotas para o etanol celulósico em um cenário de mudanças climáticas Em um cenário de mudanças climáticas, o Brasil encontra-se em uma situação peculiar. Apesar de ser considerado um devastador de florestas, é também o país que apresenta um dos melhores níveis de sustentabilidade energética no mundo. Em grande parte, isto se dá graças ao etanol de cana. Mas, será que o Brasil continuará a ser um líder mundial na área de biocombustíveis, em especial o bioetanol? Fizemos experimentos com plantas de cana, crescendo durante 1 ano, em alto CO2 (720 ppm, esperado para meados do século), e descobrimos que nestas condições a cana produziu 60% a mais de biomassa no colmo, armazenou 29% a mais de açúcar e 20% a mais de fibras. Descobrimos que há quatro genes relacionados à captação de luz na fotossíntese, que aumentam nestas condições. Manipulando estes genes podemos tentar aumentar o acúmulo de biomassa, sem ter que depender de aumentar o CO2, transformando as respostas fisiológicas da cana em biotecnologia, para produzir ainda mais bioetanol. Para aumentar ainda mais a produção de bioetanol, outra rota possível é a utilização dos açúcares da parede celular. A parede ocorre em todas as células vegetais de todas as plantas e é composta de polissacarídeos. Estes são formados de açúcares mais simples, os monossacarídeos, que se ligam entre si, através do que chamamos de ligações glicosídica, as quais têm grande quantidade de energia e podem ser quebradas, com relativa facilidade, por enzimas de plantas e microrganismos. Ao hidrolisar os polissacarídeos e produzir monossacarídeos utilizando enzimas de microrganismos ou as próprias enzimas da cana, a eficiência é muito maior do que queimar o material vegetal ou tratá-lo com ácidos, pois há menos perda de calor e formação de compostos intermediários, que podem ser tóxicos para as leveduras e/ ou produzir efluentes poluidores. A busca pela eficiência de hidrólise passa pelo uso de enzimas que são catalisadores específicos, que quebram apenas as ligações químicas desejadas. É como desmontar um equipamento complexo, usando todas as ferramentas corretas. A des-

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montagem é rápida e eficiente, não exigindo grandes gastos por parte do desmontador. Se não tivermos as ferramentas apropriadas, a desmontagem torna-se ineficiente. O problema não é tão simples como parece, pois além de possuir ligações químicas diferentes, os polímeros da parede celular interconectam-se de forma ainda desconhecida e isto dificulta muito o acesso às ligações glicosídicas. Portanto, é necessário, primeiro quebrar as interações de pontes de hidrogênio entre os polímeros e introduzir água entre eles. A hidratação dos açúcares tornamos mais acessíveis às enzimas, uma vez que para fazer a hidrólise, como o nome diz, é necessário haver água. Há vários tipos de parede celular em plantas e estes representam combinações de diferentes polímeros. Ao contrário do que se acredita, em geral, as paredes celulares não são formadas apenas de celulose e lignina, mas de uma mistura de celulose (~30%), hemicelulose (~30%), pectinas (~30%), alguma lignina (~3%) e proteínas (~7%). Na cana, que é uma gramínea, já sabemos que as paredes são do tipo II, compostas por pouca pectina e com um complexo celulose-hemiceluloses, cujas últimas são uma mistura de arabinoxilanos>betaglucanos>mananos. A celulose é sintetizada na membrana das células e é complexada com as hemiceluloses, que são feitas no Complexo de Golgi, no citoplasma. As hemiceluloses

são secretadas para o espaço intercelular e os betaglucanos e os mananos servem de andaimes para montar um complexo entre arabinoxilanos e celulose, travando o sistema em uma malha complexa, com vários tipos de ligações entre as moléculas. Já deve ter ficado claro para o leitor que desmontar este complexo não é tarefa simples. Será necessário conhecer cada tipo de ligação e a forma de agregação entre os polímeros, o que, em biologia celular, chamamos de “arquitetura” da parede celular. Para desmontar esta malha de polímeros, será necessário usar um conjunto de enzimas (de microrganismos e/ou da própria cana), que desmonte tudo e produza monossacarídeos que sejam fermentáveis. Em 2001, usando o banco de dados do genoma da cana (SucestFapesp), identificamos 469 genes ligados ao metabolismo da parede celular. Descobrimos que a cana está constantemente sintetizando polissacarídeos de parede, mas que o sistema de hidrólise das principais hemiceluloses está praticamente desligado, conforme ilustra a figura. Mais recentemente, determinamos a estrutura química dos polímeros de parede celular da cana e temos agora um mapa das ligações químicas a serem quebradas. Temos, assim, as chaves e as fechaduras dentro da própria cana. As perguntas que temos que responder agora são: como controlar o balanço entre os sistemas de biossíntese e degradação de parede? Quais os genes que controlam esta divisão de trabalho? Podemos alterar este padrão na planta, de forma a fazer com que ela torne suas paredes mais acessíveis às enzimas de fungos, para que obtenhamos açúcares livres a partir das hemiceluloses e celulose, de forma eficiente?


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