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Antonio Vargas de Oliveira Figueira

Antonio Figueira

“When the only tool you have is a hammer, more and more problems begin to look like nails”. A atual efi- ciência na produção de cana-de-açú- car atesta que o melhoramento ge- nético da cultura tem sido continuamente bem-sucedido na obtenção de cultivares superiores. Entretanto, em comparação com outras culturas, o progresso no ganho de produção tem sido menor. Há diversas razões para esse progresso limitado, incluindo a complexidade genômica da espécie, derivada de cruzamentos interespe- cíficos, com número elevado e irre- gular de cromossomos, e sua base genética restrita, pois os programas de melhoramento apóiam-se em uma diversidade genética limitada.

A biotecnologia, considerada aqui no sentido restrito, representa uma gama de tecnologias distintas, tais como clonagem de plantas, manipulação gênica e transferência de genes, tipificação de DNA e mapeamento genético, e seqüenciamento do genoma e transcriptoma. Algumas dessas tecnologias são práticas consagradas e empregadas no melhoramento da cana, tal como clonagem de plantas por cultivo in vitro. Já aquelas derivadas da tecnologia do DNA recombinante agora despontam como promissoras.

A manipulação genética para pro- dução de cultivares transgênicas tem sido realizada rotineiramente no Bra- sil há alguns anos, mas, até o presen- te, não houve nenhuma liberação co- mercial, mais em razão de limitações legais, do que tecnológicas. A adoção em escala de transgênicos deve con- siderar os aspectos de biossegurança, de acordo com os riscos potenciais específicos nas áreas alimentar, am- biental e agrícola.

A cana possui vantagens expres- sivas em relação aos diversos riscos, 14

Antonio Vargas de Oliveira Figueira Vice-Diretor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP Biotecnologia no melhoramento: mito ou realidade

quando comparada com outras culturas. Em termos de segurança ali- mentar, destaca-se o uso e a pureza dos produtos derivados. Portanto, os questionamentos de improváveis efeitos não intencionais são mínimos pa- ra a cana transgênica, quando com- parados a produtos frescos, tais como frutas, ou mesmo grãos. Em ter- mos de segurança ambiental, os riscos associados ao escape ou ao fluxo gênico são limitados pelas características intrínse- cas da cana. O florescimen- to restrito e a propagação vegetativa por tolete pra- ticamente eliminam esses riscos. A origem alienígena da espé- cie Saccharum assegura a ausência de espécies próximas sexualmente intercompatíveis, enquanto que a ausên- cia de sementes ou rizomas reduz as chances de tornarem a cultura em uma planta invasora. As vantagens da ca- na, em termos de segurança agrícola, são similares às outras culturas, que indicam uma provável redução de impactos, em comparação às práticas agrícolas convencionais, com aplica- ção de agroquímicos no controle de pragas, doenças e invasoras.

A tecnologia de transferência de genes, genes de seleção e regiões reguladoras é protegida por paten- tes, que tolhem a sua aplicação co- mercial e aumentam custos. O alto custo de licenciamento e certificação para biossegurança dessas cultivares transgênicas também consiste em um impedimento econômico importante. As limitações tecnológicas derivam da escassez de informações sobre a funcionalidade de genes em controlar características de interesse agroin- dustrial, assim como das regiões controladoras da expressão desses ge- nes (promotores) ou mesmo dos fa- tores responsáveis por esse controle. No entanto, essa tecnologia deve ser considerada estratégica para a com- petitividade desse agronegócio, e a vantagem competitiva brasileira de- ve ser explorada devido à ausência de grandes empresas transnacionais na área de genética da cana.

A tipificação de DNA (finger- printing) por marcas moleculares gera pontos de referência no genoma, cuja associação com características de interesse permitiria o emprego da Seleção Assistida por Marcadores - SAM, como forma indireta de selecionar regiões genômicas, ao invés de fenótipos, facilitando e acelerando os programas de melhoramento. Po- rém, sua adoção e aplicação em esca- la ainda não são justificáveis, quando a avaliação dos fenótipos pode ser facilmente conduzida, em termos operacionais e econômicos. Para ca- racterísticas quantitativas complexas, muito influenciadas pelo ambiente, a dificuldade e a baixa precisão na identificação de associações válidas do fenótipo com as marcas limitam ainda mais sua adoção. Portanto, a aplicação de marcas de DNA no me- lhoramento só tem sido justificável para usos pontuais, como análise da diversidade genética e escolha de ge- nitores para cruzamento.

A disponibilidade de seqüências de genes expressos de cana represen- ta um enorme potencial imaginado de progresso no melhoramento, mas a informação limitada sobre a funcio- nalidade desses genes, aliada à com- plexidade genômica da cultura, reduz as chances de sucesso em curto prazo, exceto pelo acaso. A grande maioria dos genes possui função, assim co- mo o efeito de sua inter-relação com outros genes, desconhecidos, que limitam a previsibilidade das conse- qüências de sua manipulação (para indução ou repressão). A fartura de informações é animadora, por vis- lumbrar o controle do complexo me- tabolismo das plantas, mas requer a disponibilidade de situações biológi- cas bem controladas e caracterizadas previamente. No entanto, o alto custo envolvido, por demandar equipamen- tos e reagentes sofisticados e caros, sugere cautela. Há uma tendência de sobrevalorizar essa abordagem, pois impõe a crença de ser melhor do que técnicas simples e consagradas, co- mo a seleção fenotípica. O excesso de otimismo em relação ao potencial das informações genômicas pode causar frustrações no agronegócio, por prometer soluções rápidas e não poder cumprir, mas garantirá artigos científicos importantes.

A fascinação pela vanguarda da tecnologia parece ofuscar a real necessidade de gerar novas infor- mações biológicas básicas sobre a cana-de-açúcar, envolvendo aspectos da fisiologia da produção, tolerância a estresses bióticos e abióticos, am- pliação do germoplasma, busca de novas abordagens e paradigmas no melhoramento. Por necessitar de en- saios simples e de baixo custo, essas perguntas biológicas não devem ficar sem respostas.