33 Enseada de São Sebastião: nunca mais, camarão! Esta não é uma história de pescadores. Aliás, é sim! Embora não valorize peixes pescados, conta sobre as rudes condições a que se sujeitou um jovem recém-entrado na adolescência, arrastado por fanáticos pescadores amadores para Ilha Bela e São Sebastião (litoral Norte de São Paulo), quando ainda em estado virgem: ele e a bela dita região. O resultado nunca é o esperado quando se faz tudo de modo improvisado, levado pela emoção. Nada foi programado, tudo aconteceu ao acaso, arranjado ao final do dia, improvisando tudo o que se podia. Objetivo final traçado, parco dinheiro ajuntado, petrechos amontoados no chão. José ao volante da sua nobre condução (velha Kombi VW). Euclydes, levado pelo entusiasmo de poder pescar um peixe inusitado, caçoava de Miguel nato pescador de profissão. Espanhol, único convidado, trabalhava na VW com o João, que também acompanhava a excursão. O raro responsável ali, Antônio o pai de todos, por sua maioridade intentava orientar a arrebatada mocidade. O representante da menoridade, mal saído da puberdade, era o caçulo Bel, um moço complacente tomado pelo arrebatamento, mal sabia o que viria pela frente. Decididos, pegaram a estrada e para o Rio (RJ) a Kombi foi direcionada. Na Via Dutra, já em São José dos Campos, os aventureiros entraram na Rodovia dos Tamoios. Seguiram rumo ao litoral. Embora entusiasmados, quase ao final da viagem precisando tirar água do joelho, pararam em Paraibuna. O cemitério era a porta de entrada do vilarejo, onde uma placa se avistava com uma frase recepcionando os visitantes: -“Nós que aqui estamos por vós esperamos”. Curiosa e talvez maldosa essa frase do letreiro de um cemitério brasileiro. -Vocês não acham!? Ao menos para os vivos peregrinos que por ali passavam esfomeados, naquela região serrana onde apenas se encontrava doces variados das bananas que por ali abundavam, aquela frase soava como um convite inesperado e inapropriado. Reanimados e ávidos para alcançar o destino, retomaram na serra o caminho. A estrada de terra com a chuva impiedosa se tornou derrapante e custosa, e para quem almejava chegar, difícil de avançar. O farol da Kombi nas curvas da serra mal permitia enxergar, e derrapando na estrada, nas valas atolada a Kombi finalmente estancou. Em meio à neblina, no negrume ermo da Serra do Mar1, parados na estrada eles puderam avistar um DKW empinado, no morro jogado, sem ninguém pra contar. - “E agora, José?… a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José?” 2. Noite já avançada, nevoeiro, a Kombi depois de empurrada seguiu até chegar a Enseada (de São Sebastião). Rodando aquelas paragens, por não haver hospedagem dormiram na única instalação, oferecida por irmãos da Congregação (Cristã no Brasil). Os bancos da igreja foram virados e ajuntados, feltros estendidos como colchão. E os pernilongos (borrachudos) por cobertura, sem lençol, aplicavam doídas mordeduras. Na noite anterior em que havia chegado, Bel com estômago vazio nada havia comido ou bebido. Pela manhã na Enseada como o desjejum inexistia, nem ao menos um pãozinho ou cafezinho, Bel cirandou por ali e encontrou na caiçara um pescador que viera de coleta na areia de berbigões (moluscos) e pesca de camarões com arrastão para serem vendidos aos restaurantes de Ilha Bela. O pescador compadecido deu-lhe punhado de camarão cozido. E Bel esfomeado e desidratado no assoalho da Kombi comeu a porção; impulsivo e sem cerimônia mal a casca fora retirada. Como não aplacava a fome nas muitas horas em jejum, voltou à nova porção (de camarão), até ser saciado. Ao final do dia, quando a noite precipitava, um princípio de congestão no fígado provocou no corpo uma vermelhidão; depois, ânsia e vômitos em profusão... Na manhã do terceiro dia, quando todos já haviam se adaptado aos ataques da mosquitada embora desesperançados pela pesca escassa além da sofreguidão da ração improvisada, o Clidão (Euclydes) fora ferroado por um baiacu3 por ele mesmo fisgado; 50
Histórias restauradas de um tempo perdido