Dissertação marca n gilber versão banca 2006

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ - UTP

Norberto Gilber

A DUALIDADE DE SENTIDO NA REPRESENTAÇÃO DA MARCA Um estudo de marca consagrada: Nestlé.

Curitiba 2006

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Norberto Gilber

A DUALIDADE DE SENTIDO NA REPRESENTAÇÃO DA MARCA Um estudo de marca consagrada: Nestlé.

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Comunicação e Linguagens.

Orientador: Prof. Dr. Geraldo Carlos do Nascimento.

Curitiba 2006

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus sobre todas as coisas; meu refúgio e fortaleza. E aos meus pais, em memória, com seu exemplo perene de fé e de esperança.

Para minha dedicada esposa, Soraia, exemplo de perseverança e bondade, que generosamente cedeu seu tempo de mestrado para que eu (re)iniciasse o meu.

E às nossas queridas filhas, Raquel e Débora, presentes de Deus em nossas vidas.

Aos meus primeiros filhos: Marcel Alani e Daniel, pimpolhos criativos e talentosos; herança de afeto.

E a todos àqueles que durante a minha vivência pessoal e profissional na face dessa Terra Deus colocou no meu caminho; com os quais tive o prazer de aprender a aprender e a viver. Meus irmãos e parentes; colegas de infância e de juventude.

Aos queridos alunos que me serviram de estímulo e motivo no magistério. A ASA e à PanDesign, pela colaboração com algumas imagens. Colegas de trabalho, incentivadores de talento. Especialmente, meus professores em diferentes épocas.

Entre eles, e mais recentemente, os professores Dr.Geraldo Carlos do Nascimento, Dr. Jair Antonio de Oliveira (UFPR), Dr. Jean-Charles J. Zozzoli (UFAL) e Drª Kati Eliana Caetano (UTP) pelo incentivo e apoio; minha elevada consideração e apreço.

Que Deus os abençoe.

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SUMÁRIO

LISTA DE ILUSTRAÇÕES...........................................................................................v LISTA DE QUADROS................................................................................................viii RESUMO......................................................................................................................ix ABSTRACT...................................................................................................................x CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO.......................................................................................1 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS..................................................................................1 1.2 DEFINIÇÃO DO OBJETO.......................................................................................4 1.2.1 Formulação do Problema / Elaboração das Hipóteses........................................4 1.2.2 Objetivos da Pesquisa..........................................................................................5 1.2.2.1 Objetivo geral....................................................................................................5 1.2.2.2 Objetivos específicos........................................................................................7 1.2.3 Instrumental Teórico de Referência.....................................................................8 1.3 A OBSERVAÇÃO..................................................................................................11 1.3.1 Corpus................................................................................................................11 1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.............................................................11 CAPÍTULO 2 A MARCA COMO REPRESENTAÇÃO DE SENTIDO.......................13 2.1 SENSIBILIDADE E RAZÃO DA MARCA..............................................................13 2.1.1 “O homem e seus símbolos” : arquétipos..........................................................22 2.1.2 Mitologia da marca.............................................................................................25 2.2 OS SENTIDOS DA MARCA..................................................................................28 2.2.1 Sentido implícito.................................................................................................28 2.2.2 Sentido explícito.................................................................................................30 2.2.3 Percepção..........................................................................................................33 2.2.4 Breve estudo da imagem...................................................................................35 2.2.5 A marca como simulacro....................................................................................49 2.3 AS RELAÇÕES LÓGICAS DA MARCA................................................................54 2.3.1 Marca Registrada e Marca Notória....................................................................56 2.3.2 Top of Mind; memórias de marcas consagradas pelo público...........................60 2.3.3 A grande família: ampliando os domínios da marca..........................................67 2.3.4 Gestão de marcas: Branding uma competição de domínio das marcas............69

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2.4 AS DIMENSÕES DA MARCA...............................................................................70 2.4.1 Embalagem/rótulo, logotipo/símbolo, cor e slogan............................................71 2.4.2 Personagem: a marca mais perceptiva..............................................................82 2.4.3 A arma mais poderosa para construir e manter marcas: publicidade................84 2.4.3.1 Da linguagem publicitária: as características do texto publicitário..................86 2.4.3.2 A Função conativa ou apelativa (e os estereótipos).......................................89 2.4.3.3 Kidfluence: o caso de amor das crianças pela marca.....................................91 CAPÍTULO 3 ESTUDO EXPLORATÓRIO DE MARCA CONSAGRADA.................95 3 1 ANÁLISE DAS PEÇAS DE COMUNICAÇÃO NESTLÉ........................................96 3.1.1 Imagem: identidade visual. Personagem: do analógico ao digital.....................96 3.1.2 Campanha publicitária do Moça: retrospectiva refletida..................................104 3.1.3 Embalagem/rótulo, slogan ...............................................................................108 3.1.4 Iconografia da Moça........................................................................................114 3.1.5 Evolução de um arquétipo (ninho)...................................................................116 3.1.6 Pioneira em auscultar o cliente........................................................................117 3.1.7 Intertextualidade: uma nova leitura da marca..................................................121 3.2 NESTLÉ: A CONSTRUÇÃO DE UMA MARCA DE SUCESSO..........................124 3.2.1 Marca pessoal. Assinatura do fundador: garantia de qualidade......................124 3.2.2 Origem da personagem Moça Leiteira: La Laitière..........................................126 3.2.3 O maior consumidor mundial de leite condensado..........................................129 3.3 NO PRINCÍPIO ERA O LEITE, QUE SE TORNOU MARCA..............................135 3.3.1 “Terra que mana leite e mel”............................................................................135 3.3.2 Leite: aspectos da história do alimento............................................................135 CAPÍTULO 4 PERSONAGENS QUE REPRESENTAM MARCAS.........................141 4.1 A CAMPONESA SUÍÇA E O CABOCLO JECA TATU BRASILEIRO.................141 4.2 QUAKER E MAIZENA: LONGEVIDADE/TRADIÇÃO.........................................144 4.3 A CIGANA CORDOBESA E A LUSITANA “MARIA, SAI DA LATA!”..................147 4.4 A EXEMPLO DE DOM QUIXOTE: O MAIS LONGEVO GAROTO BOMBRIL....152 CAPÍTULO 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................154 REFERÊNCIAS.........................................................................................................161 APÊNDICE E ANEXO...............................................................................................165

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA 1 – Top of Mind - As marcas mais lembradas pelos brasileiros....................3 FIGURA 2 – Linguagem visual da embalagem (Moça de colher)................................7 FIGURA 3 – Moça Fácil..............................................................................................11 FIGURA 4 – Good Food, Good Life. Promessa explícita e implícita de satisfação....14 FIGURA 5 – Dois Frades: dualidade de sentido manifesta pela expressividade.......15 FIGURA 6 – A Moça da latinha virou chocolate de verdade......................................19 FIGURA 7 – Assim, da Assolan: apelo ao imaginário mundo da limpeza..................21 FIGURA 8 – O mundo das imagens Havaianas.........................................................21 FIGURA 9 – As novas curvas sensuais da Moça: “fazendo maravilhas!”..................23 FIGURA 10 – O arquétipo da Grande Mãe – A deusa Terra.....................................27 FIGURA 11 – La Laitière (modelo) arquétipo da Grande Mãe...................................27 FIGURA 12 – Ninho arquétipo....................................................................................27 FIGURA 13 – O símbolo Carrefour: identidade forte, imagem quase imperceptível..34 FIGURA 14 – O simulacro da Moça remete para outras imagens.............................51 FIGURA 15 – “Varig, Varig, Varig!”............................................................................53 FIGURA 16 – Marcas Nestlé: corporativa e comercial...............................................57 FIGURA 17 – Catupiry: marca notória........................................................................59 FIGURA 18 – A Pirâmide do Conhecimento (adaptada de Aaker)............................61 FIGURA 19 – Marca genérica (“marca-mãe”) Nestlé.................................................66 FIGURA 20 – Exemplo de extensões de linha da marca Nescau..............................66 FIGURA 21 – “Filhotes” da Moça da “grande família” Nestlé.....................................68 FIGURA 22 – “Mini gostosuras” da Mocinha..............................................................68 FIGURA 23 – Warhol – Campbell, soup.....................................................................73 FIGURA 24 – Coca-Cola: quando a embalagem é a marca......................................73 FIGURA 25 – Fale com a Nestlé................................................................................75

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FIGURA 26 – Embalagem: apelo emotivo da marca.................................................75 FIGURA 27 – Catupiry: Marca de confiança..............................................................77 FIGURA 28 – Logomarca Nestlé................................................................................78 FIGURA 29 – Novas Havaianas.................................................................................78 FIGURA 30 – Frango a jato da Sadia.........................................................................83 FIGURA 31 – A dupla de pingüins Antarctica............................................................83 FIGURA 32 – Adaptação do Esquema de Jakobson.................................................87 FIGURA 33 – Exemplo de função conativa................................................................88 FIGURA 34 – Turma do mingau.................................................................................92 FIGURA 35 – Novo Ninho: influência desde a mais tenra idade................................94 FIGURA 36 – Anúncio brasileiro de 1916..................................................................95 FIGURA 37 – A Moça estetizada: nova linguagem da leiteira da Nestlé...................97 FIGURA 38 – Permanência da personagem do “leite da Moça”................................98 FIGURA 39 – Rótulos abertos contam a história de 100 anos de Leite Moça...........99 FIGURA 40 – Moça remoçada em 2003/4……………………………………………..101 FIGURA 41 – Mocinha do Bob’s..............................................................................103 FIGURA 42 – Imagem da personagem em reflexão: analógica, digital e virtual......105 FIGURA 43 – A sinuosidade das curvas acentuadas na nova embalagem.............108 FIGURA 44 – Moça de apertar.................................................................................109 FIGURA 45 – Embalagens criadas para atender a novos hábitos...........................109 FIGURA 46 – Back Nova versão (2006).................................................................110 FIGURA 47 – Percepção estética dos elementos ilustrativos do Moça Flakes........112 FIGURA 48 – Evolução do desenho/símbolo da marca Nestlé................................116 FIGURA 49 – “ABC: Pedagogicamente preparado para as criancinhas..................117 FIGURA 50 – Cartilha (capa) da década de 1940....................................................117 FIGURA 51 – Culinária brasileira da Moça, pioneirismo na cozinha experimental..118 FIGURA 52 – Cartilha da década de 1960...............................................................119 FIGURA 53 – Fale com a Moça...............................................................................120

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FIGURA 54 – Página de apresentação no site Nestlé.............................................121 FIGURA 55 – Logomarca corporativa mundial da Nestlé.........................................22 FIGURA 56 – Há quatro gerações suscitando afeto e confiança.............................122 FIGURA 57 – Site Nestlé, 28.4.5: Som de pulsar de coração intermitente..............123 FIGURA 58 – A mulher, sempre lembrada...............................................................123 FIGURA 59 – Henri Nestlé.......................................................................................124 FIGURA 60 – Farine Lacteé: A Primeira Personagem da marca Nestlé..................125 FIGURA 61 – La Laitière - Origem da Moça............................................................126 FIGURA 62 – Calendário da Moça, de 1916............................................................128 FIGURA 63 – Cartilha de recomendação de uso do leite........................................128 FIGURA 64 – Novos hábitos....................................................................................131 FIGURA 65 – Chocolate diet Nestlé.........................................................................134 FIGURA 66 – Fotografia tirada por Claude Lévi-Strauss em S. Paulo (1937).........137 FIGURA 67 – Primeiras marcas paulistas de leite...................................................139 FIGURA 68 – Garrafa de leite “Nescafé”: merchandising de marcas......................140 FIGURA 69 – Jeca Tatuzinho. Almanaque Fontoura...............................................142 FIGURA 70 – La Laitière..........................................................................................143 FIGURA 71 – O homem da Quaker.........................................................................145 FIGURA 72 – Os 130 anos de Maizena...................................................................145 FIGURA 73 – A cigana Cordobesa..........................................................................147 FIGURA 74 – A lusitana “Maria, sai da lata!”...........................................................151 FIGURA 75 – Monalisa, de Da Vinci........................................................................153 FIGURA 76 – Moreno, da Bombril............................................................................153 FIGURA 77 – Cavaleiro da triste figura, de Cervantes.............................................153 Notas: 1) As figuras referenciadas com a sigla “AHN” foram pesquisadas diretamente no Nestlé Centro de Pesquisa e Documentação – Acervo Histórico (SP). 2) As figuras identificadas com “PD”, “AM” e “EM” são cortesia das agências Pande Design Solutions e Alcântara Machado, e Eduardo Munhoz - mestrando do Mackenzie (SP), respectivamente. Por outro lado, todas as figuras em que não consta a referência foram obtidas de processo de escaneamento direto pelo autor deste trabalho.

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LISTA DE QUADROS

QUADRO I – ESQUEMA GERAL DA PESQUISA...................................................6 QUADRO II – ESQUEMA SINÓTICO DA PESQUISA.............................................9 QUADRO III – COMPARATIVO DUALIDADE DOS ASPECTOS DOMINANTES DO DISCURSO DA MARCA....................................................................17 QUADRO IV – QUADRADO SEMIÓTICO (Floch)....................................................32 QUADRO V – MAPA SEMIÓTICO GERAL (Semprini)............................................32 QUADRO VI – ICONOGRAFIA DA MOÇA.............................................................115 QUADRO VII – ICONOGRAFIA DA PERSONAGEM CARBONELL........................149

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RESUMO

Todo produto ou serviço tem uma marca associada a ele através de uma representação, manifesta sob várias formas e conteúdos. Toda marca suporta (deve ter) uma dualidade: razão e sensibilidade. Esta dualidade da marca comumente expressada por um símbolo e uma imagem se manifesta sob a forma de representação de sentido explícito e implícito compatíveis com a objetividade pretendida (pólo emissor) e os sentimentos provocados pela marca/produto em contato de sentido com o pólo receptor, gerando uma cumplicidade que os une. A marca, portanto, é um meio que reproduz algo funcionando como interface poderosa e se apresenta com maior ou menor grau de intencionalidade preconcebida e, uma vez posta em contato público (veiculada/presente), manifesta-se através dos sentidos e é percebida - e por vezes desejada - pelo receptor da mensagem em função da linguagem utilizada e dos meios por onde (a marca/produto) transita. Uma determinada qualidade observada em marcas consagradas pelo público (Top of Mind)  tais como, Nestlé e Leite Moça  é que toda marca forte explora intencionalmente uma dualidade na busca por um posicionamento preferencial na mente das pessoas. E, através da manifestação comunicacional dessa dualidade, apela tanto à razão quanto à sensibilidade do público, alvo de suas mensagens. Por essa perspectiva, podemos propor que há, no mínimo, dois modos diferentes e harmônicos (vizinhos ou próximos) que produzem um efeito desejado pelo enunciador da marca, geralmente de busca de relacionamento e alto grau de adesão e fidelidade do enunciatário: o apelo emotivo (requerendo a ação), associado aos sentidos implícitos, e o suporte racional (justificando a ação) representado pelas características explícitas de sentido.

Palavras-chave: comunicação, dualidade, imagem, marca, representação, sentidos.

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ABSTRACT

Every product or service has a trademark associated to it through a representation. This trademark, manifested in several ways and contents, has (must have) a duality: reason and sensitivity. The trademark duality, normally expressed by a symbol and an image, is manifested in the representation of explicit and implicit meaning in accordance with the target objective (sender pole) and the feelings provoked by the trademark/product in meaningful contact with the receptive pole, creating a cumplicity that unites them. The trademark is, therefore, a means which reproduces something which is working as a powerful interface and presents itself with a higher or lower degree of preconceived intentionality. Once the trademark is put in public contact, it manifests itself through the senses and is perceived, as well as desired, by the message receptor due to the language used and the environment in which the trademark/product circulates. A given quality observed in top-of-mind trademarks such as: Nestlé and ‘Leite Moça’, is that strong trademarks intentionally explore a duality in search for a privileged place in people’s minds. Through the communicative manifestation of this duality, they appeal both to the reason and sensitivity of the target audience. Thus, we can propose that there is at least two different, though harmonic, ways which produce the effect intended by the promoter of the trademark: the emotional appeal (requiring action), associated to implicit meanings; and the rational appeal (justifying action), represented by the explicit characteristics of the product. These appeals are used to achieve both a relationship and a high degree of fidelity on the part of consumers.

Key words: communication, duality, image, trademark, representation, senses.

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CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO “O sentido de uma marca não está dado de antemão. É sempre, através da movimentação do signo marcário entre as diversas facetas das relações sociais, fruto de uma negociação entre os sujeitos envolvidos que o reificam ‘a sua maneira’ tanto em sua constituição quando de sua emissão, quanto em sua (re)produção (re-elaboração) quando de sua recepção”. Jean-Charles Jacques Zozzoli (1997, p.191-192)

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS “Todos os produtos se propõem hoje sob uma sigla: cada produto tem uma marca [...]. A função da marca é indicar o produto, sua função segunda é mobilizar as conotações afetivas.” (Baudrillard, 2002, p. 199). A marca é considerada, atualmente, como um dos ativos mais valiosos de uma organização. Esse evidente reconhecimento da importância da marca, no contexto da comunicação, deve-se ao caráter de memorização de uma marca pela imagem que suscita na mente das pessoas e que motiva ações mercadológicas com a finalidade de satisfazer necessidades e desejos humanos. A marca, sob essa perspectiva, no nosso entender, passa então a ser agregada ao repertório das experiências vivenciadas pelas pessoas sujeitas às comunicações marcárias nas mais diversas manifestações midiáticas. Presente no contexto ambiental de contato ou de manuseio do composto produto/embalagem/rótulo com seu usuário, a marca funciona como uma representação. A marca, nesse contexto, é portadora de mensagens, de conteúdos persuasivos e é capaz de convencer a um público-alvo consumidor, voluntário ou circunstancial. Pois, segundo Chaïm Perelman, “cumpre reconhecer que nossa linguagem utiliza duas noções  convencer e persuadir  entre as quais considera-se geralmente exista um matiz apreensível. Propomos chamar persuasiva a uma argumentação que pretende valer só para um auditório particular e chamar convincente àquela que deveria obter a adesão de todo ser racional.” (2000, p.31).

E, uma vez estabelecido um vínculo comunicacional e afetivo, a marca passa a

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funcionar também como uma poderosa interface verbal e não verbal nos diversos estágios de sua manifestação.

Por essas razões, e tendo a marca como objeto de estudo, nosso trabalho representa o investimento de um esforço dedicado a encontrar respostas na investigação e análise dos vários sentidos, explícitos e implícitos1, da marca institucional e comercial. Originalmente um mero instrumento para diferenciar mercadorias e seus fabricantes de seus concorrentes, a marca contemporânea, intencionalmente anunciada e promovida, passou a ocupar um espaço importante na mídia. Convertida em um notável catalisador das atenções na vida das pessoas, tornou-se um objeto de questionamento nas disciplinas da área mercadológica e de Comunicação. Sua importância e efeitos na sociedade de consumo, mediada e midiatizada, extrapolam as várias dimensões em que tradicionalmente transita: a de sua criação, produção, registro, divulgação e consumo. Mas, quais os sentidos distintivos de uma marca apoiada em aspectos objetivos e subjetivos de sua representação como imagem?

Diante da diversidade e complexidade da marca e de sua pertinência na pesquisa em Comunicação, buscamos nosso objeto de estudo em um importante referencial de pesquisa que privilegia as marcas consagradas e as mais lembradas pelo consumidor brasileiro, i. e. através da última publicação Folha Top of Mind – Memória Nacional (As marcas campeãs de 2005)2. (Fig. 1).

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implícito [Do lat. implicitu, part. pass. de implicare.] Adj 1.Que está envolvido, mas não de modo claro; tácito, subentendido. [Antôn.: explícito.] explícito [Do lat. explicitu.] Adj 1.Expresso formalmente; claro, desenvolvido, explicado: resposta explícita. [Antôn.: implícito. Cf. explicito, do v. explicitar.] ~ V. função —a. (FERREIRA, 2005).

2 O mais importante levantamento sobre lembrança de marca do país - “Qual a primeira marca que lhe vem à cabeça?”. Perguntas como esta, “feitas a 5085 pessoas entrevistadas, pelo Instituto Datafolha pelo 15º ano consecutivo, com homens e mulheres de idade igual ou superior a 16 anos, de todas as classes sociais e graus de escolaridade, em 127 municípios, distribuídos por todos os Estados e Distrito Federal”. Suplemento Folha (jornal de maior circulação no Brasil) Top of Mind (p.

12), de 18.10.2005. (Nosso projeto de pesquisa baseou-se, inicialmente, na edição FTM de 2004).

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Figura 1 - Top of Mind - As marcas mais lembradas pelos brasileiros (FTM):

“As 7 mais” >

“Top to top”

Assim, com base nesse instrumento efetivo de pesquisa, selecionamos como marca representativa de nossos questionamentos  por sua relevância, permanência e abrangência  a organização Nestlé e sua tradicional marca de produto: o leite Moça. Marcas Registradas de Société des Produits Nestlé S.A. A base da nossa pesquisa foi, anteriormente, estabelecida em estudos preliminares sobre o tema e, além da experiência profissional na área mercadológica em grandes organizações, investigamos mais amiúde em pesquisas bibliográficas.

Fomos mais fundo no exame do corpus: efetuamos visitas às instalações da própria Nestlé, promovemos discussões com especialistas da área, estabelecendo uma postura permanente de atenção aos movimentos marcários na mídia e, prazerosamente, na investigação do sentido implícito, ao longo da pesquisa adquirimos e consumimos os produtos objetos de estudo como também os seus congêneres concorrentes.

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1.2 DEFINIÇÃO DO OBJETO 1.2.1.Formulação do problema / elaboração das hipóteses.

O que as marcas representam? Como as marcas são percebidas pelo grande público? Como se produzem os efeitos de uma marca? Uma marca tem um ou vários sentidos? E como eles são percebidos ou representados? Marcas consagradas têm algo em comum? O que aconteceria se os produtos não tivessem marca? Questões como essas foram levantadas há algum tempo e serviram de estímulo e motivo para o trabalho a que nos propomos desenvolver, empenhados em buscar elementos característicos que possam estar presentes em toda marca consagrada pelo público, ao longo de uma existência.

Considerando-se a marca como símbolo representativo de uma organização, de produtos e de serviços, que associa forma e conteúdo, razão e sensibilidade, e que nos contextos onde atuam – ambiente no qual estão expostas ou se desenvolve a comunicação de massa; com emprego das linguagens conceitual e simbólica, por conter aspectos objetivos e subjetivos  levantamos a hipótese de que a marca é uma representação explícita e implícita de sentido. E ainda, como hipóteses secundárias, partindo da noção de que “os consumidores são de fato os ‘donos’ da marca de afeto.”3 (ROBERTS, 2005), a de que essa representação, revestida de graus de intencionalidade, possibilita a integração do destinador e do destinatário da marca, e de que as diversas linguagens empregadas pela marca concorrem para o mesmo sentido de unidade representativa.

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ROBERTS, Kevin. Citado por Nelson Blecher em As marcas da paixão. Revista Exame, p. 60-62, março de 2001; CEO mundial da agência Saatchi & Saatchi. Autor de LOVEMARKS: o futuro das marcas, onde afirma que para sobreviverem, as grandes marcas precisam criar nos consumidores uma "fidelidade além da razão".

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1.2.2 Objetivos da pesquisa.

1.2.2.1 Objetivo geral.

Testar as hipóteses de que as marcas consagradas através de sua manifestação em produto/serviço suportam (devem ter) uma dualidade: razão e emoção; e que essa dualidade se manifesta sob a forma de representações de sentido. E a de que uma dessas representações se dá necessariamente pelos aspectos objetivos dos elementos lógicos, que são concebidos como suporte constituinte

da

razão

de

ser

do

produto/serviço

(sua

concretude,

suas

características, p. ex.) e a de que a outra representação se dá pelos elementos subjetivos, estimulando a sensibilidade (promessas de afeto, de ternura, p.ex.).

Tendo em vista as diferentes percepções das marcas consagradas mais conhecidas e desejadas pelo público consumidor brasileiro, formadas em grande parte devido à sua exposição freqüente na mídia, nossa pesquisa buscará primeiramente - em termos metodológicos - interpretar e identificar os elementos constituintes da marca: sua natureza e suas funções, que podem ser observadas a seguir no QUADRO I Esquema da Pesquisa. Em seguida, analisaremos suas manifestações comunicacionais para assim compreender e encontrar respostas aos problemas formulados a partir de considerações dos resultados da pesquisa Top of Mind, que nos estimulou a proceder ao exame, avaliação e crítica da marca institucional Nestlé e sua tradicional marca de produto: o leite MOÇA.

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QUADRO I - ESQUEMA GERAL DA PESQUISA

CONCEITO GERAL

MEIO

EFEITO

MARCA

REPRESENTAÇÃO

DUALIDADE DE SENTIDO

SENTIDO EXPLÍCITO (produto)

SENTIDO IMPLÍCITO (percepção)

CORPUS

EMBALAGEM/ PRODUTO

Nestlé (Marca institucional Assinatura Corporativa)

Manifestação da marca e suas extensões Design gráfico Elementos plásticos: corpo/forma/cor/textura...

Moça (Marca comercial)

(texto e visual)

AMBIENTE Setor/Ramo de atuação (Nestlé)

Imagem da marca (narrativa) Personagem Elementos icônicos Paisagem (figura/fundo) Símbolo Extensões de sentido

PUBLICIDADE (peças de comunicação)

Construtora da marca Convencimento público Linguagem persuasiva Criação de mito e estereótipo

CONTEXTO

Histórico Cultural Social Econômico

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1.2.2.2 Objetivos específicos.

Gostaríamos de esclarecer que dirigiremos atenção especial ao composto da embalagem dos produtos Nestlé onde figuram elementos importantes para a nossa investigação e que são representativos da marca e de suas extensões. Isso se fará a partir da seleção e análise desses elementos entre os quais estão as personagens imagéticas e os sinais gráficos que contribuem significativamente para os sentidos da marca. Portanto, procederemos à leitura crítica de comunicação e linguagens nas diversas manifestações visual (compreensão das imagens) e verbal (como um texto) das expressões que acompanham as marcas Nestlé através de suas embalagens, rótulos, slogans e, principalmente, personagens. (Exemplo: fig. 2:). Outros elementos poderão vir a contribuir em nosso trabalho, tais como o exame de comunicação nas relações públicas dos programas de relacionamento e fidelização de clientes, seu público externo; abrangendo a interatividade advinda com as novas mídias (hipermídia) quando se acessa uma rede de interconexões.

Figura 2 – Linguagem visual da embalagem (Moça de colher). (PD)

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1.2.3 Instrumental teórico de referência.

Tendo como referência a linha de pesquisa do Mestrado em Comunicação e Linguagens: Análise de Linguagens Midiáticas, recorreremos a duas perspectivas conceituais que afluem para o objeto de estudo. A primeira abordagem considera a marca como um patrimônio (do seu proprietário) e atua como agente de captação de recursos e de criação de valor mercadológico; atua pela razão e tem um posicionamento e um objetivo claramente definidos. Para essa perspectiva, a comunicação é revestida de intencionalidade (um propósito) dirigida servindo para a criação e veiculação de mensagens otimizadas considerando apenas o plano do significante. A fundamentação teórica aqui é propiciada pelos diversos autores especializados no estudo da marca, preponderantemente, voltados para princípios e conceitos sob essa visão. Entre eles: David A. Aaker, J.-N. Kapferer e S. Randazzo.

Lançaremos mão ainda, quando necessário, de autores especializados em suas áreas de atuação com artigos ou exemplos pragmáticos tais como design e embalagem, no intuito de complementaridade.

Sob o suporte dessa abordagem, procederemos a um exame exploratório que vamos chamar de percurso transitivo da marca, ou seja, no âmbito do enunciador (agentes que programam as diversas manifestações da marca e sua utilização) em busca dos sentidos explícitos ou da concepção do discurso da marca nas representações concretas, tangíveis ou de autoridade. No Quadro II, a seguir, podese observar o andamento proposto do Esquema Sinótico da Pesquisa.

A outra vertente, que contribuirá com nossa proposta de análise das formas de expressão das imagens e marcas, atua na observação da produção de sentido, i.e. centrada nos processos que geram os efeitos.

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QUADRO II - ESQUEMA SINÓTICO DA PESQUISA

Hipótese de que a marca (Nestlé) é uma representação dual de sentido. E a de que essa representação integra Destinador e Destinatários da marca gerando cumplicidade entre eles.

DOS SENTIDOS EXPLÍCITOS

EXAME EXPLORATÓRIO do percurso transitivo da marca no Pólo Emissor.

Comunicação estratégica.

INTENCIONALIDADE

DOS SENTIDOS IMPLÍCITOS

ANÁLISE CRÍTICA das manifestações discursivas da marca centrada na emissão.

PERCEPÇÃO

OBJETIVO

OBJETIVO

CONHECER os elementos essenciais que se constituem no percurso da razão.

COMPREENDER os elementos que contribuem para os sentidos no percurso da sensibilidade

(COGNITIVO/PRAGMÁTICO)

(SENSÍVEL/AFETIVO)

ANÁLISE DOS SENTIDOS DA MARCA Semiologia e semiótica da marca (elementos verbais e não verbais) OBSERVAÇÃO OBJETIVOS DA MARCA

INTERPRETAÇÃO PERCEPÇÃO DA MARCA

CONCLUSÕES SENTIDOS PERCEBIDOS DA MARCA MANIFESTA NESTLÉ

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Nessa vertente, contribui “a semiótica que, examinando os textos na relação da aparência (plano de expressão), com a imanência (plano de conteúdo), observa o sentido como construção e processo.” (DISCINI, 2005, p. 200). Na investigação por sentidos latentes da marca, num mundo “consumidor de imagens”, e respaldados nos autores da semiótica ou semiologia, daremos preferência aos estudos desenvolvidos por Martine Joly, devido à necessidade de compreendermos a maneira como a imagem comunica e transmite as suas mensagens. Ainda na linha greimasiana, citaremos passagens de Jean-Marie Floch. Consideraremos também as contribuições relativas aos signos visuais: Roland Barthes eventualmente será citado em passagens como intervenções acerca da imagem. No estágio final deste trabalho nos voltaremos aos textos publicitários e mesmo aos textos inseridos na comunicação promocional das embalagens/rótulos de produtos onde a marca figura como protagonista. Assim, da análise de discurso dentro dos aportes teóricos das ciências da linguagem, consultaremos Norma Discini.

Considerando-se que “para a semiótica, o sentido resulta da reunião, na fala, na escrita, no gesto ou no desenho, de dois planos que toda linguagem possui: o plano da expressão e o plano do conteúdo” FLOCH (2001, p. 9), procederemos a uma segunda abordagem de avaliação e crítica da manipulação enunciativa da marca como imagem e linguagem - já demonstrada no QUADRO II -, no sentido de reconstrução do texto em suas diversas manifestações e narratividade.

Cabe aqui ressaltar que na interface dessas duas vertentes, citaremos dois estudiosos da marca na atualidade que, no nosso entender e pelas suas obras referenciadas, transitam livremente entre as duas perspectivas conceituais acima citadas: Jean-Charles J. Zozzoli e Clotilde Perez.

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1.3 A OBSERVAÇÃO 1.3.1 Corpus.

Delimitado e selecionado por sua representatividade, o corpus é composto por duas marcas tradicionais (e suas extensões de marca) já consagradas pela preferência pública no mercado brasileiro: Nestlé e Moça.

1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Nossa abordagem é dirigida à linguagem da comunicação apoiada em manifestações de organizações sociais, através da qual a marca é analisada pela sua narratividade, como um texto (“unidade de sentido em contexto”). Visto que na comunicação, de acordo com Discini, “um destinador manipula um destinatário para que este queira e deva entrar em conjunção com um valor, apresentado como objeto de desejo” (op. cit., p. 201). E texto, dentro da situação de comunicação publicitária é discurso persuasivo que tem suas tramas próprias de significação e trabalha com elementos simbólicos para fazer a mediação entre objetos e pessoas.

O foco da nossa pesquisa será centrado em um estudo exploratório da marca consagrada Nestlé4 e sua tradicional marca de produto: o leite Moça5.

Exemplo:

Fig. 3 – Moça Fácil. (PD)

Nestlé – a marca registrada leva o nome do seu fundador, Henri Nestlé, que inventou a primeira fórmula de alimento infantil utilizando o leite condensado, chamada Farinha Láctea. A Nestlé, multinacional suíça, é o maior fabricante mundial de alimentos e nutrição (Fonte: site Nestlé).

5 Leite Moça – chegou ao Brasil em 1890 com o nome Milkmaid, mas logo começou a ser chamado “o leite da moça” por causa do desenho em sua embalagem; a Nestlé, seu fabricante, manteve esse nome quando começou a fabricar o produto no país, em 1921. (BARBOSA, p. 459).

4

12

Examinaremos a narrativa mercadológica e sua manifestação visual; seu discurso na mídia nas peças publicitárias, promocionais e, principalmente, as manifestações das marcas representadas pelo composto da embalagem: rótulo, sinais gráficos, slogan e personagem. Apresentaremos também um levantamento iconográfico do personagem que atua como protagonista da marca Moça e citaremos os programas de relacionamento e fidelização de clientes da organização.

Faremos ainda um breve levantamento historiográfico da empresa Nestlé para ilustrar o nosso trabalho fundamentados em pesquisa pessoal no Nestlé Centro de Pesquisa e Documentação - Acervo Histórico em São Paulo-SP. A análise dos materiais citados para estudo deverá obedecer aos propósitos do questionamento formulado de como se produzem os sentidos explícitos e implícitos de uma marca apoiada em aspectos objetivos e subjetivos de sua representação, de onde se observa a convergência de uma conexão simbólica e afetiva dos seguintes aspectos:

a) Aspectos objetivos (voltados para a razão): a essência da marca e seus atributos constituintes enquanto características explícitas (design, embalagem, rótulo, nome, posicionamento etc. Embora, estes também possam se voltar para o sensível); b) Aspectos subjetivos (voltados à sensibilidade, essencialmente no plano da expressão):

percepções

dos

vários

sentidos

Nestlé/Moça através das narrativas discursivas.

representados

pelas

marcas

13

CAPÍTULO 2 - A MARCA COMO REPRESENTAÇÃO DE SENTIDO

2.1 SENSIBILIDADE E RAZÃO DA MARCA “A diferença essencial entre emoção e razão é que a primeira leva à ação, enquanto a segunda leva a conclusões.” – Donald Calne – neurologista. (apud ROBERTS, p. 42).

Na sociedade contemporânea cada vez mais erodimos os produtos materiais para consumirmos símbolos, nesse sentido é que Perez, ao resumir em prefácio as reflexões desenvolvidas por Zozzoli, escreve: “A marca é uma conexão simbólica e afetiva estabelecida entre a organização (sua oferta material, intangível e aspiracional) e as pessoas para as quais se destina”. (Barbosa, et al., 2005, p. X).

Considerando que o nosso campo de pesquisa é, fundamentalmente, constituído pela marca e suas diversas manifestações visuais, tais como, embalagem e rótulos em cujo design a imagem da figura humana impera, inseparável da sua veiculação na comunicação de marketing; essas imagens adquirem importância numa sociedade carente por sentidos. Elas problematizam a representação de marca: as imagens vão além da ação de consumo do produto; estimulam de forma crescente o poder da emoção. (Fig. 4).

Pretendemos demonstrar que a marca (sua imagem holística) constante na comunicação social manifesta “mais do que a expressão explícita, o que conta no texto publicitário é o que está subjacente, o implícito, o conotado”, como afirma Roland Barthes (1990). Entretanto, pelo que poderemos observar na evolução do trabalho de análise que aqui nos propomos (Cap. 3), na comunicação marcária há emprego perene tanto da linguagem simbólica quanto da linguagem conceitual. Na evidência da linguagem conceitual o explícito procura evitar a analogia e a metáfora, esforçando-se por dar à marca enquanto logotipo/slogan um sentido direto e não

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figurado ou figurativo. Ex.: Good Food. Pelo slogan, além da função poética, a marca busca convencer-nos por meio de argumentos, raciocínios e provas. Ao passo que a linguagem simbólica, [Good Life], segundo Marilena Chaui, “tem assim um poder encantatório e como forma propriamente humana de comunicação, da relação com o mundo e com os outros, da vida social e política, do pensamento e das artes”.

Figura 4 – Good Food, Good Life. Promessa explícita e implícita de satisfação.

(2003, p.148-149), visa persuadir-nos – fundamentalmente opera por analogias (“semelhanças entre palavras e sons, entre palavras e coisas”) [Good Food, Good Life.] e por metáforas (“emprego de uma palavra ou de um conjunto de palavras para substituir outras e criar um sentido poético para a expressão”) [Nestlé faz bem.]  realiza-se principalmente como imaginação. E, também, por metonímia: “substituição de um termo por outro que com ele tem relação de sentido lógica e constante” (Id.).

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[No mesmo exemplo da consagrada marca corporativa mundial: “Saborear um Nestlé”; referindo-se ao chocolate]. A linguagem simbólica6 fascina e seduz; “levanos para dentro dela, arrasta-nos para seu interior pela força de seu sentido, de suas evocações, de sua beleza...” (id. ib.). Tal como na expressão do texto sincrético do enunciado da figura 5:

Fig. 5 – Dois Frades: dualidade de sentido manifesta pela expressividade. “A complementaridade entre imagem e linguagem, numa circularidade simultaneamente reflexiva e criadora”. (JOLY, 1999, p. 11).

6

Esclarecemos que o nosso trabalho não tem qualquer pretensão de esgotar as definições e conceitos, mas tão-somente guiar-nos pelos caminhos já trilhados pelos estudiosos do assunto.

Assim, p. ex., com referência a signo: é “tudo aquilo que, sob certos aspectos e em alguma medida substitui alguma coisa, representando-a para alguém” – Charles S. Peirce. Já que “quando não podemos tomar ou mostrar a coisa, passamos pelo desvio do signo” J. Derrida. E ainda “um signo é aquilo que se repete. Sem repetição não há signo, pois não poderíamos reconhecê-lo” Barthes. Moles descreve percepção da imagem como um processo de integração de subsignos e supersígnos. Ainda “podemos caracterizar o signo como uma entidade que: 1) pode tornar-se sensível (ou seja, sua existência independe de estar sendo percebido ou utilizado no momento, mas a sua percepção é sempre possível); 2) marca, em si, uma ausência determinada, para um grupo definido de usuários (o signo é sempre institucional)”. Saussure chamou, a essa parte que pode tornar-se sensível, significante; à parte ausente, significado; relação que se mantém entre um e outro, significação. ”o signo une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito a uma imagem acústica (significante)”. (in: BARBOSA, 2001).

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Marca, aqui considerada como texto, em contexto. Uma vez que o texto, conforme nos explica Discini, seja verbal, visual ou sincrético7, não pode, entretanto, ser visto apenas como signo, união de um veículo significante e de um conteúdo significado. Primeiro, porque tanto o conteúdo como a expressão, constituintes de qualquer signo, supõe cada qual relações internas de sentido. Segundo, porque o próprio texto deve ser considerado situação de comunicação, o que supõe um enunciado em relação com uma enunciação. (2005, p. 29).

No que tange ao domínio da comunicação, notamos em nossa pesquisa que há certa relação entre o produto e a marca, que parte do material (ingredientes do produto, p. ex.) para chegar ao fundamento da marca: o imaterial (um valor aspiracional ou um vínculo emocional). No entanto, o próprio discurso publicitário contemporâneo tende a sobrevalorizar o emocional e a abandonar as justificativas racionais do consumo, contrapondo-se ao discurso tradicional, que segundo JeanNoël Kapferer “para o consumidor, a existência antecede a essência. [...] Em sua descrição das marcas, o consumidor vai do concreto para o abstrato, do material para o imaterial, do produto à imagem”. (2004, p. 40).

Essa dualidade que a marca parece portar expressa um par de termos entre os quais há uma relação essencial: p. ex. o modo da ação e o da especulação.

Como os compilados no QUADRO III – Dualidade dos aspectos dominantes do discurso da marca obtidos através da análise dos elementos principais, isto é, da observação de embalagens/rótulos e seus atributos subjacentes presentes no produto, no ponto de venda e veiculados na mídia. acordo com a autora, “o texto é sincrético, se juntar em si dois meios diferentes de expressão”.

Sincretismo [Do gr. synkretismós, pelo fr. syncrétisme.] sm 1.Filos. Tendência à unificação de idéias ou de doutrinas diversificadas e, por vezes, até mesmo inconciliáveis. [Cf., nesta acepç., ecletismo (1).] 2.Amálgama de doutrinas ou concepções heterogêneas: 3.Fusão de elementos culturais diferentes, ou até antagônicos, em um só elemento, continuando perceptíveis alguns sinais originários. 4.Psicol. Percepção global e indistinta, da qual surgem, depois, objetos distintamente percebidos.

7 De

17

QUADRO III - COMPARATIVO DUALIDADE DOS ASPECTOS DOMINANTES DO DISCURSO DA MARCA1

Modelo

RAZÃO

SENSIBILIDADE

Mensagem

Denotada

Conotada

Assinatura Corporativa (Promessa)

Good food, Good life.

Comercial

Nestlé

Faz bem

Embalagem

Qualidade e Confiança

Fazendo maravilhas

Sentido da Marca

EXPLÍCITO

IMPLÍCITO

Representações

CONCRETAS (Alimento/Qualidade)

ABSTRATAS (Sensação/Bem estar)

Conceito de Imagem Marca

Percepção direta (imagem direta)

Imaginação (imagem mental)

Produto Nestlé (características/benefícios)

TANGÍVEL

INTANGÍVEL

Aspectos do Discurso da Marca

OBJETIVOS (Lógico/Racional)

SUBJETIVOS (Sensível/Perceptivo)

Barthes (s/ significação e significância)2

Óbvio

Obtuso

Motivação ação humana3

DEVER

QUERER

Prático

Utópico

Kapferer

Existência Concreto Produto

Essência Abstrato Imagem

Função das atitudes e práticas sociais

PRAGMÁTICA (Leva à ação utilitária)

HEDÔNICA (Que conduz ao prazer)

Slogan

Axiologia do consumo4 Floch, a partir de Greimas

Consumo5

1 Análise

dos elementos principais da marca nas variantes textuais: observação de embalagens/rótulos, slogans e anúncios veiculados na mídia. 2 Conforme Barthes (1990, p. 47). 3 Lógica e semiótica de Greimas. 4Teoria crítica dos conceitos de valor. Floch admite ambíguo o termo “utópico”. 5 Jean-Noël Kapferer (Op. cit.).

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Esboçamos a seguir um breve comentário acerca dos elementos compilados no QUADRO III considerando suas relações internas de sentido, intimamente entrecruzadas. Os termos que aparecem na coluna “Razão” são aqueles ligados à expressão explícita, de sentido denotado, indica e mostra o que está manifesto.

Como exemplo, tomemos a primeira parte do slogan corporativo mundial da Nestlé: Good Food. Por essa expressão podemos entender que o essencial da marca consiste em um termo real e necessário: saúde (advinda do consumo de bons produtos). Já o outro termo Good Life, assim como os demais da coluna “Sensibilidade”, projeta em nossa imaginação um sentido complementar conotativo e conseqüente e que se deduz do primeiro, porém, que está subjacente, implícito.

Nesse caso, o sentido do slogan remete ao prazer (de viver). O que nos leva a sugerir, a princípio, que a identidade da marca Nestlé seja dual: saúde e prazer.

São vários os autores que defendem a dualidade na manifestação da marca e que serão citados no transcurso do nosso trabalho. Apenas como exemplo, tomemos a afirmação de Kapferer: “[...] a marca é um ser discursivo. Ela enuncia as qualidades objetivas e subjetivas do produto” (2003, p.90).

Cremos, sobretudo, que toda marca suporta (deve ter) uma dualidade: razão e sensibilidade. Pois, conforme Barthes: “proponho denominar este signo completo o sentido óbvio [...] que vem à frente [...] ‘que se apresenta naturalmente ao espírito’.

Quanto ao outro sentido [...] proponho chamá-lo o sentido obtuso, [...] que é velado” (1990, p. 47). Entre tantos exemplos, é o caso em que “a Moça da latinha virou chocolate de verdade” (Fig. 6): o produto da razão transforma a necessidade em prazer individual e imediato (hedônico). Entendemos, portanto, que “o imaginário e o real devem estar ligados: o primeiro inspira o segundo. O segundo torna o primeiro concreto.” KAPFERER (Ib. id., p. 104).

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Na mutação do real (produto), é a marca e o seu personagem fenotípico que orienta nossa percepção e permanece na lembrança sensível do receptor. Ou ainda, como Kapferer nos lembra: “Os produtos são mudos, é a marca que lhes dá um significado. Decodificam-se os produtos por meio da perspectiva da marca, suas lentes”. (op. cit, 49).

Figura 6 – Sinônimo de produto, a Moça do leite condensado se derrete pelo prazer de se fazer experimentar; agora em barras de chocolate.

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Nesse momento inicial de nossa pesquisa, já nos defrontamos com alguns conceitos que necessitam de esclarecimentos e que subsidiaram a priori a escolha do tema dessa dissertação, motivo de nossos questionamentos: A marca como representação... O termo por nós empregado ao longo desse trabalho se consubstancia, inicialmente, nos estudos de Santaella e Nöth (1998, p. 15-20) no capítulo dedicado a Imagem como representação visual e mental.

Indo direto ao ponto de nosso particular interesse, visto a estreita ligação de marcas consagradas a seus símbolos e aos seus personagens amalgamados no sentido de rubrica do proprietário, empregamos representação da marca como o de re-presentação dado por Santaella (op. cit.): “Uma representação parece... reproduzir algo alguma vez já presente na consciência.

Essa idéia também está consolidada na história da semiótica. Para Ockham, signos representativos eram signos ‘rememorativos’... quer dizer, signos que nos lembram de algo”.

E tendo em vista que em nosso trabalho a imagem é tida como representação visual e mental, voltemos a Santaella: O mundo das imagens se divide em dois domínios. O primeiro é o domínio das imagens como representações visuais: desenhos, pinturas, gravuras, fotografias e as imagens cinematográficas, televisivas, holo e infográficas pertencem a esse domínio. Imagens, nesse sentido, são objetos materiais, signos que representam o nosso meio ambiente visual. O segundo é o domínio imaterial das imagens na nossa mente. Neste domínio, imagens aparecem como visões, fantasias, imaginações, esquemas, modelos ou, em geral, como representações mentais. Ambos os domínios da imagem não existem separados, pois estão inextricavelmente ligados já na sua gênese. Não há imagens como representações visuais que não tenham surgido na mente daqueles que as produziram, do mesmo modo que não há imagens mentais que não tenham alguma origem no mundo concreto dos objetos visuais [ou da experiência com o mundo]. (Id. Ib.)

Tomados esses dois domínios que os autores afirmam não existirem separadamente e que “a unificação se dá no conceito de representação e de signo” estabelecemos as nossas bases iniciais do tema de pesquisa respaldados ainda na ótica de Clotilde Perez: O conceito de representação e de signo aparece muitas vezes na literatura semiótica como sinônimos, sendo possível e comum a intercambialidade em diversas situações. O próprio Peirce caracteriza a semiótica como a “teoria geral das representações” e a apresenta, em diversas situações, como sinônimos.

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Para Peirce, representar é “estar para”, indica uma relação com um outro. Com o propósito de melhor delimitar o conceito de representação e de signo, Peirce introduz o conceito de representamen: “Quando se deseja distinguir entre o que representa e o ato de representação, a forma mais conseqüente é o conceito de representamen”. (2004, p.148)

Por essa perspectiva  a questão do interpretante relativa à noção de representante , Perez conclui que “representação é um conteúdo concreto apreendido pelos sentidos, pela imaginação, pela memória ou pelo pensamento”.

Figura 7 – Assim, da Assolan: apelo ao imaginário mundo da limpeza.

Figura 8 – O mundo das imagens Havaianas: sincretismo com valores da natureza.

(AM)

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2.1.1 “O homem e seus símbolos”: arquétipos.

O homem utiliza a palavra escrita ou falada para expressar o que deseja transmitir. Sua linguagem é cheia de símbolos, mas ele também, muitas vezes, faz uso de sinais ou imagens não estritamente descritivos. Carl G. Jung (1987, p. 13)

Tendo em vista os múltiplos contextos em que a marca se insere, e a posição por nós adotada acerca da dualidade em que ela se manifesta, propomos introduzir aqui um breve resumo pontual e específico, dos estudos de Jung8 (1987, p. 18-103) sobre o simbolismo (i. e. o papel dos símbolos na comunicação e na vida mental humana), e de um tipo específico de comunicação que utiliza símbolos comuns a toda humanidade (arquétipos).

A Nestlé iniciou em 1878 a fabricação de um leite condensado açucarado, e que, na Suíça, passou a chamar-se de La Laitière  corpus original de onde extraímos as imagens e símbolos para análise. Pouco antes, nascia no mesmo país aquele que seria no futuro, o criador da ‘psicologia analítica’: Carl G. Jung (1875– 1961). Jung acreditava na existência de um inconsciente individual e de um inconsciente coletivo que, junto com suas manifestações, os arquétipos9, subjaz ao primeiro.

Inicialmente, Jung coloca que o que chamamos de símbolo é um termo, um nome ou mesmo uma imagem que nos pode ser familiar na vida diária, embora possua conotações especiais além do seu significado evidente e convencional.

Implica alguma coisa vaga, desconhecida ou oculta para nós. A exemplo do que insistimos que a marca contenha os sentidos explícitos e implícitos [observáveis na O texto a seguir foi extraído do capítulo escrito pelo próprio Jung (Cap. 1: “Chegando ao inconsciente”). Portanto, todas as referências, com ou sem aspas, são créditos do próprio autor.

9 Para desenvolver esta noção, Jung partiu da observação de que muitos pacientes seus descreveram sonhos que apresentavam notáveis paralelos com mitos e símbolos de diferentes tradições religiosas. Assim, dedicou-se à análise dos significados psicológicos desses elementos inconscientes coletivos. Indo mais longe, Jung descreveu o processo de ‘individuação’, que leva à presença mais forte ou mais fraca das características de extroversão e introversão, e ao predomínio de uma das quatro funções mentais: o pensamento, o sentimento, a intuição e a sensação.

8

23

personagem (moça leiteira) do leite Moça (Fig. 9)], Jung esclarece que: Figura 9 – As novas curvas sensuais da Moça: “fazendo maravilhas!”. (AHN)

Assim, uma palavra ou uma imagem é simbólica quando implica alguma coisa além do seu significado manifesto e imediato. Esta palavra ou esta imagem têm um aspecto “inconsciente” mais amplo, que nunca é precisamente definido ou de todo explicado. E nem podemos ter esperança de defini-la ou explicá-la. Quando a mente explora um símbolo, é conduzida a idéias que estão fora do alcance da nossa razão”. Por existirem inúmeras coisas fora do alcance da compreensão humana é que freqüentemente utilizamos termos simbólicos como representação de conceitos que não podemos definir ou compreender integralmente. Esta é uma das razões por que todas as religiões empregam uma linguagem simbólica e se exprimem através de imagens. (op. cit., p. 20).

Ele acrescenta ainda que o homem nunca percebe plenamente uma coisa ou a entende por completo pois, os sentidos do homem limitam a percepção que este tem do mundo à sua volta. Além do que, há aspectos inconscientes na nossa percepção de realidade: “mesmo quando os nossos sentidos reagem a fenômenos reais, a sensações visuais e auditivas, tudo isto, de certo modo, é transposto da esfera da realidade para a da mente” e de que “dentro da mente a natureza dos acontecimentos nos é desconhecida (pois a psique não pode conhecer sua própria substância)”. (Ib. id.).

Sobre a psique, Jung nos lembra que “o homem desenvolveu vagarosamente e laboriosamente a sua consciência, num processo que levou um tempo infindável, até alcançar o estado civilizador”. Quanto aos aspectos de memória  ligada aos

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sonhos10 Jung revela a capacidade que temos de isolar parte de nossa mente e que é, na verdade, uma característica valiosa: Permite que nos concentremos em uma coisa de cada vez, excluindo tudo o mais que também solicita a nossa atenção.

Uma vez que utilizaremos o conceito de arquétipo11 em outras partes do trabalho, com autores diferentes, convém, antes, ‘ir à fonte’. Conforme Carl G. Jung: Os “resíduos arcaicos”, a que chamo “arquétipos” ou imagens primordiais (...) não são representações conscientes: seria absurdo supor que representações tão variadas pudessem ser transmitidas hereditariamente (...) se os arquétipos fossem representação originadas em nossa consciência (ou adquiridas por ela) nós certamente os compreenderíamos, em lugar de nos confundirmos e espantarmos quando se apresentam. O arquétipo é, na realidade, uma tendência instintiva, tão marcada como o impulso das aves para fazer seu ninho [representando a logomarca Nestlé, brasão de família de Henri Nestlé] ou o das formigas para se organizarem em colônias. É preciso que se esclareça, aqui, a relação entre instinto e arquétipo. Chamamos instinto aos impulsos fisiológicos percebidos pelos sentidos. Mas, estes instintos podem também manifestar-se como fantasias e revelar, muitas vezes, sua presença apenas através de imagens simbólicas. São a estas manifestações que chamo arquétipos. A sua origem não é conhecida; e eles se repetem em qualquer época e em qualquer lugar do mundo. (op. cit., p. 67-69)

Como exemplo, Jung cita: ”A energia dos arquétipos pode ser concentrada (através de ritos e outros apelos à emoção das massas) com o objetivo de levar as pessoas a ações coletivas. Os nazistas sabiam disso e a utilizavam”.

Longe de nosso propósito o aprofundamento desse tema, mas devido à sua relevância em nossas análises propostas e extensas citações de outros autores especializados nos estudos da marca, não poderíamos refutar tal conhecimento.

10

Sigmund Freud foi o pioneiro a tentar explorar empiricamente o segundo plano inconsciente da consciência: trabalhou baseado na hipótese de que os sonhos estão associados a pensamentos e problemas conscientes. Jung chegou à conclusão de que “os sonhos são o mais fecundo e acessível campo de exploração para quem deseje investigar a faculdade de simbolização do homem”.

11 Primeiramente observado por Freud, que chamava “os elementos que não são individuais e nem podem fazer parte da experiência pessoal do sonhador” de “resíduos arcaicos”: formas mentais cuja presença não encontra explicação alguma na vida do indivíduo e que parecem, antes, formas primitivas e inatas, representando uma herança do espírito humano.

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2.1.2 Mitologia da marca.

“A vida é uma jornada heróica [...] Numa sociedade de consumo levada a aumentar continuamente o crescimento e os lucros, estamos todos lutando para manter a nossa identidade”. Afirmativas como essas estão na esteira que Randazzo utiliza para introduzir ao tema Por que pessoas precisam de mitologias. Em proveito de nosso trabalho e tendo em vista a aplicabilidade da Mitologia da Marca às imagens símbolos nas marcas Moça e Nestlé, sintetizamos algumas das idéias que o autor defende: A força da mitologia, e os símbolos que a guiam (as imagens arquetípicas), vêm da psique inconsciente – a nossa alma primitiva e instintiva [...] A força do mito e dos símbolos está na sua capacidade de romper a nossa armadura intelectual, para chegar à nossa alma. (1997, p. 81-84).

Entendendo a marca como uma entidade perceptual (PEREZ, op. cit.) que existe no espaço psicológico da mente do consumidor, Randazzo coloca a publicidade como meio para preencher este espaço perceptual da marca (ib., p. 86).

E que “a mitologia da marca brota do inventário perceptual da marca – o que a marca representa na mente do consumidor”.

Na ótica de Randazzo, muitas marcas criam mitologias que servem para refletir e reafirmar a identidade do consumidor. O que se deseja é que o consumidor se identifique com a imagem do usuário (o tipo de pessoa apresentada usando o produto) criada pela publicidade.(id., 96). [Nossa análise do back, na p. 105].

Indo ao ponto de nosso interesse sobre os aspectos da feminilidade, o autor segue na mesma linha de Jung (já abordado acerca de imagens arquétipicas e simbólicas) mencionando que “os homens e as mulheres têm em comum o instinto materno representado pelo arquétipo da Grande Mãe, afirmando que “os mitos moldam a vida das pessoas mesmo quando ninguém se dá conta disso.” (ib. p. 102).

26

Randazzo

explica

que

a

Grande

Mãe

é

uma

imagem

(arquetípica)

feminina universal que mostra a mulher como eterna provedora (Fig. 10). (ib. 103).

Em nosso exemplo, de acordo com Jung, O arquétipo da Grande Mãe [...] tem a ver com um lugar de origem, com a natureza.

Também significa o inconsciente, a nossa vida natural e instintiva, o reino fisiológico, o corpo em que moramos ou estamos contidos; pois a ‘mãe’ também é a matriz, o barco que transporta e alimenta, e do ponto de vista psicológico, representa portanto os alicerces da consciência. [...] Qualquer coisa grande e acolhedora que contenha, abrace, envolva, defenda, abrigue e alimente outra coisa menor pertence ao primordial reino do matriarcado” [grifos meus] (apud RANDAZZO, p. 104).

Essas observações nos ajudarão na análise do desenho do “ninho”, da Nestlé e a feminilidade da Moça remoçada da nova embalagem “com cintura”. No que se refere ao logotipo “ninho”, associamos a imagem arquetípica feminina à da canária (Fig. 12) que alimenta os filhos: ela como mãe, transmite calor, provê alimentação, fornece o abrigo, traz segurança... os filhotes buscam a segurança e receiam o abandono.

Quanto à personagem da marca Moça, entendemos que ela reflete o desejo das mulheres por novas mitologias capazes de refletir os novos anseios e papéis exigidos pela sociedade contemporânea (ib., 135). E que alargarão os seus limites.

Randazzo nos propõe ainda uma comparação com outras marcas: “Passando para personagens masculinos, examinemos o Homem da Aveia Quaker.

Trata-se de um ótimo exemplo de personagem mítico baseado no arquétipo do Grande Pai. O seu rosto é um ícone de marca imediatamente reconhecível e duradouro que atua primeiramente no nível do produto para retratar a essência e o principal atributo da marca: a qualidade típica dos bons velhos tempos”. O homem da Aveia Quaker [...] comunica uma sensação de antiga qualidade que transcende o produto”. (RANDAZZO, op. cit., 209).

Esse critério também poderá ser utilizado para o “ninho” (Fig. 12) símbolo da marca corporativa mundial. O símbolo da mãe (canária) em posição de “amamentar” os filhos remete aos símbolos femininos: “O símbolo da mãe é arquétipo e se refere a um lugar de origem, a natureza”. Consoante Randazzo (ib., p.365), “A primeira maneira de se medir o sucesso de uma marca é simples: longevidade”.

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Figura 10 – O arquétipo da Grande Mãe – A deusa Terra. Coleções especiais, Columbia University (apud RANDAZZO, op. cit., p. 105).

Figura 11 – La Laitière (modelo) arquétipo da Grande Mãe.

Imagem original do Acervo Histórico da Nestlé (AHN).

Figura 12 – Ninho arquétipo.

28

2.2 OS SENTIDOS DA MARCA

“O corpo carrega duas caixas. Na mão direita, mão da destreza e trabalho, ele leva uma caixa de ferramentas. E na esquerda, mão do coração, ele leva uma caixa de brinquedos. Santo Agostinho disse ordem da utilidade e ordem da fruição.” Rubem Alves. Educação dos sentidos e mais...

Campinas, SP: Lexus, 2005 (p. 9-17).

Sensibilidade e razão: essa dualidade que a marca parece portar expressa uma relação essencial: o modo da ação e o da especulação.

2.2.1 Sentido implícito.

Iniciando-se pelo que José Martins (1999) chamou de natureza emocional da marca quando nos lembra que “a razão analisa, mas é a emoção que mobiliza” [p. ex. o Good Life... prometido no slogan da Nestlé], introduziremos aqui as referências relacionadas às representações de sentido implícito da marca. Em sua crítica aos métodos tradicionais de planejamento de marketing12 que objetivam analisar o lado puramente racional do consumidor, Martins (1999, p. 36) ressalta que “a mente pode se expressar por associações emocionais que não estão presentes na consciência.

Conseguimos realizar essa tarefa na presença de imagens que têm o mesmo significado simbólico para as pessoas porque traduzem elementos emocionais (arquétipos)”.

12

Persistindo na crítica aos mercadólogos, Martins adianta que se conversarmos com o consumidor, com o espírito racional, é claro que não vamos conseguir associações que fujam do aspecto racional.

As agências [de propaganda, ou de comunicação] que cuidam do marketing das empresas preocupam-se em ser lógicas e organizacionais. Cuidam de forma cartesiana do relacionamento corporativo de seus clientes e de dados como estatísticas de vendas, faturamento, estratégia de distribuição e precificação. (...) O único e frágil trunfo seria contar com a “idéia criativa” da agência de publicidade. O autor estende sua crítica à Nestlé quando afirma que “Ultimamente, a empresa vem mudando sua comunicação. Os fatores de imagem que colocam a marca como representante da categoria (leite) foram abandonados em favor de gente alegre e barulhenta do arquétipo socialização”. Aproveitamos para citar a crítica de Perez (p. 38) acerca da imagem institucional da Nestlé: “Ocorre que a empresa tem utilizado sistematicamente a imagem de Gugu [apresentador do SBT] para comunicar sua megapromoção de sorteios de casas. Certamente há um grande problema neste momento em que a imagem de Gugu e sua reputação estão sendo fortemente atacadas. A austeridade da Nestlé não “combina” com uma dúvida a respeito da reputação de um “porta-voz”.

29

Exemplo de arquétipo citado por Martins, é o mesmo de Randazzo: o ninho e as aves do símbolo figurativo (ícone) Nestlé, que exprimem feminilidade e fertilidade entre outras associações.

Segundo esse mesmo autor, os arquétipos emocionais são padrões comuns a toda cultura humana. Podem ser percebidos como estados de espírito ou formas de percepção do mundo. Os arquétipos são elementos simbólicos que resgatam estados de espírito comuns a todos nós, possibilitando um trabalho de criação de objetos definidos. E “para entrar em contato com os arquétipos13, é necessário uma postura intuitiva e sensível: só assim eles formarão um padrão em nossa consciência”. Citando a Nestlé, a empresa que domina o mercado lácteo mundial, ele considera que ela tem o melhor símbolo para a categoria: o ninho – que representa “cuidado, aconchego, proteção, alimentação e carinho  do arquétipo raiz nobre”.

A

existência,

para

toda

a

humanidade,

de

esquemas

mentais

e

representações universais, arquétipos, ligados à experiência comum a todos os homens é defendida por vários teóricos. No entanto, para Martine Joly (1999, p. 42), concluir daí que a leitura da imagem é universal resulta de uma confusão e de um desconhecimento. A confusão é a que muitas vezes foi feita entre percepção e interpretação. Reconhecer este ou aquele motivo não significa que se compreenda a mensagem, no seio da qual o motivo pode ter uma significação muito particular.

Reconhecer motivos nas mensagens visuais e interpretá-los são duas operações mentais complementares, mesmo se temos a impressão de que são simultâneas.

13

Arquétipo [Do gr. archétypon.] sm 1.Modelo de seres criados. 2.Padrão, exemplar, modelo, protótipo. 3.Psic. Segundo C. G. Jung [v. junguiano], imagens psíquicas do inconsciente coletivo (q. v.), que são patrimônio comum a toda a humanidade: O paraíso perdido, o dragão, o círculo são exemplos de arquétipos que se encontram nas mais diversas civilizações.

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O próprio reconhecimento do motivo exige uma aprendizagem: existem numerosas diferenças entre a imagem e a realidade que ela supostamente representa.

2.2.2 Sentido explícito.

Ainda na esteira das reflexões de Martins (1999), podemos relacionar sentido explícito ao estado racional ou espírito comparativo que é a atitude cartesiana diante da realidade, a aguçada capacidade de análise, a lógica pura a serviço do homem, a busca de uma realidade limpa, organizada, com uma estrutura que permita um padrão de vida elevado e estável [p. ex. o Good Food, Good Life. prometido no slogan da Nestlé]. Assim, na perspectiva de Martins: A razão livra o homem da ilusão dos sentidos, desvenda os segredos da matéria (leis naturais), suas relações de causa e efeito e coloca o entendimento dos fenômenos naturais ao alcance de todos. Proporciona experiência do domínio sobre a matéria, o desenvolvimento da tecnologia, o conforto, a segurança e a ordem. O enfoque científico parece conter a solução para todos os males da humanidade, com promessas de abundância, saúde e bem-estar. A vida, no entanto, é feita de emoção. A linguagem impessoal da razão não motiva as pessoas, porque seus interesses são inconscientes e a lógica não explica seu comportamento. O racional é adequado para o planejamento, controle e desenvolvimento de sistemas operacionais, mas não serve para lidar com vontades e emoções. (...) Nesse arquétipo, as pessoas têm a necessidade de classificar e medir tudo com parâmetros matemáticos. O racional busca a definição de símbolos de status. Explica a realidade através de relações estatísticas e regras objetivas. (op. cit., p.68)

Na trama de comunicação mercadológica que a marca adota, de acordo com João Anzanello Carrascoza14 as peculiaridades do produto ou serviço, os objetivos da marca anunciante e o perfil do público a que se destina a mensagem, torna-se conveniente investir num discurso dominado por um desses pólos” (2004, p. 31). Em 14

Carrascoza faz referência à acepção nietzschiana no discurso publicitário, entre o dionisíaco e o apolíneo; onde “o apolíneo está ligado ao sonho, e não por acaso os textos publicitários, que se apóiam nesse conceito e exploram a racionalidade, intentam persuadir o público com um conteúdo idílico, ainda que baseado na lógica-formal aristotélica”. Carrascoza ainda nos lembra que “a diferenciação entre as duas vertentes pode ser, inclusive, mais bem comprometida cientificamente pelos dois hemisférios que dividem o cérebro. O lado esquerdo do cérebro é lógico, linear e objetivo, e focaliza os detalhes. O lado direito é intuitivo, caótico e subjetivo, e capta o quadro geral”.

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nossa acepção: sentido15 explícito e/ou implícito  Carrascoza explica que o apolíneo [indução direta] e o dionisíaco16 [em que o caráter indutivo é mais indireto] não são excludentes, mas variantes complementares. Em se tratando de comunicação publicitária, ele ainda acrescenta:

A publicidade opera com dois tipos de função hedônica: a estética (fazer saber) e a mística (fazer crer). Em ambos os casos, o fazer saber e o fazer crer estão a serviço do fazer querer publicitário, ou seja, de levar o receptor da mensagem a experimentar o produto ou serviço. Podemos afirmar que a função estética está mais ligada à variante apolínea – o consumidor precisa tomar conhecimento do produto/serviço e de suas características, precisa saber se decidir, pois se vale de argumentos emocionais, fazendo assim o consumidor crer para querer. (ib. , p. 34).

Em

nossa

análise

semiótica

das

manifestações

da

marca

Nestlé,

procuraremos utilizar o quadrado proposto por Floch: categorias de valorização prática, utópica, crítica e lúdica, a partir de Greimas (Quadro IV) para chegar aos termos correspondentes por nós utilizados neste trabalho: sentido explícito, sentido implícito, concreto e abstrato. Em seguida, passaremos a Semprini (1998) no Quadro V – Mapa semiótico geral “que amplia esse quadro onde os valores crítico e lúdico são qualificações e especificações dos valores práticos e utópicos” (CARRASCOZZA, Ib., p. 35) formando um qualificado expediente aos nossos propósitos.

15

Sentido [Part. de sentir.] sm Fisiol. Cada uma das formas de receber sensações, segundo os órgãos destas. [São cinco os sentidos: visão, audição, olfato, gosto e tato.]. Filos. Faculdade de conhecer de um modo imediato e intuitivo, a qual se manifesta nas sensações propriamente ditas; senso. Ter sentido: Ser concebível; ser aceitável. (FERREIRA, 2005).

L. Hjelmslev propõe uma definição operatória de sentido, identificando-o com o “material” primeiro, ou como o “suporte” graças ao qual qualquer semiótica, enquanto forma, se acha manifestada.

(GREIMAS e COURTÉS, 1979, p. 416).

16 A essência do dionisíaco, segundo Nietzche, nutre analogia com a embriaguez, especialmente com o sentimento de liberdade e alegria que ela desperta. (apud CARRASCOZA, p. 32).

32

QUADRO IV - QUADRADO SEMIÓTICO Quadrado de Floch, a partir de Greimas: axiologia do consumo:

QUADRADO SEMIÓTICO

Prático Valores utilitários

Utópico Valores existenciais

Crítico Valores não existenciais

Lúdico Valores não utilitários

Reproduzido de FLOCH (1993).

QUADRO V - MAPA SEMIÓTICO GERAL (Semprini) Semprini, retomando o caminho teórico greimasiano, mostra-nos que a identidade profunda de uma marca está no nível de seus valores primários.

UTÓPICO PROJETO

Questionamento .

Laboratório .

O impossível .

Nova sociedade .

Visionário .

O mito coletivo etc. . Útil .

Essencial .

Vantajoso .

Econômico .

Funcional .

Técnico etc. .

Exploração Evasão Aventura Sonho Renovação Metamorfose etc.

Psicológico Sugestivo Emotivo Divertido Surpreendente Provocante etc.

INFORMAÇÃO

EUFORIA

PRÁTICO Adaptado de Carrascoza (2004, p.36)

LÚDICO

CRÍTICO

MISSÃO

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2.2.3 Percepção.

”Nihil est in intellectu quod prius non fuerit in sensu: não há nada na nossa mente, do mundo que nos circunda, que não tenha passado pelo nosso aparelho sensorial.” (adágio).

Considerando-se percepção como a realidade captada pelos sentidos, a fim de subsidiarmos nossa análise dos elementos da marca na comunicação (embalagens/rótulos), gostaríamos de citar um conceito de representação não lingüística do estudioso da neurociência António Damásio:

O cérebro elabora a linguagem mediante a interação de conjuntos de estruturas: o primeiro representa interações não lingüísticas entre o corpo e seu meio, percebido por diversos sistemas sensoriais e motores; ele forja uma representação de tudo o que uma pessoa faz, percebe, pensa ou sente. Além de decompor essas representações não lingüísticas (forma, cor, sucessão no tempo ou importância emocional) cria representações de nível superior, pelas quais gere os resultados dessa classificação.

Assim ordenamos intelectualmente objetos, eventos e relações.” (2005, p. 22-24).

Embora em nosso estudo tenhamos priorizado a manifestação do corpus da marca apenas através da linguagem gráfica (ao invés da web e da audiovisual) “Fragrâncias e aromas, presentes em vários alimentos e produtos industrializados, transmitem muito mais informações do que somos capazes de captar.” Marcelo Martins (Folha [Sinapse], setembro de 2005, p. 20); complementa citando que “o ser humano é capaz de distinguir mais de 6.000 cheiros diferentes”.

Por isso, é fácil concluir que o trabalho de comunicação estratégica de marcas, prioritariamente visual, poderia considerar outro sentido mais eficaz: o olfato. Uma vez que “se [o mais relevante] é a maneira pela qual a informação recebida é assumida, há razões para supor que a comunicação olfativa é a mais importante (...) reconhecer que é realmente o canal olfativo que proporciona a mais eficaz e a mais coercitiva das comunicações.” (GREIMAS, 1981, p. 38).

34

Acerca da percepção visual, sendo o nosso objeto de estudo um elemento cultural de manifestação mormente imagética, desenvolvemos um pequeno estudo sobre IMAGEM17 que poderá ser apreciado a seguir. E para prefaciar esse estudo, fomos buscar nas palavras de Jean-François Chanlat o sentido para as representações dessas imagens que nos rodeiam cotidianamente: “O universo humano é um mundo de signos, de imagens, de metáforas, de emblemas, de símbolos, de mitos e de alegorias. A imagem simbólica busca representar para si antes de qualquer coisa o ausente, o imperceptível, o indispensável.” (1996).

Como argumento sobre a capacidade inata da linguagem imagética, visto que trabalharemos também com conceitos relacionados à criatividade e imaginação, na percepção do cineasta Wim Wenders em Janela da Alma (2003) nossa imaginação realmente completa as palavras sendo possível ler entre as imagens. “Pois creio que vemos em parte com os olhos, mas não exclusivamente.”

Figura 13 - O símbolo Carrefour: identidade forte, imagem quase imperceptível.

17

Imagem [Do lat. imagine.] sf Em semiótica visual, a imagem é considerada como uma unidade de manifestação auto-suficiente, como um todo de significado, capaz de ser submetido à análise. A partir dessa constatação geral, duas atitudes distintas se destacam. Enquanto a semiologia da imagem, que se refere à teoria da comunicação, a considera geralmente como uma mensagem constituída de signos, para a semiótica planar a imagem é sobretudo um texto-ocorrência que a análise pode explicar construindo-o como um objeto semiótico.

(GREIMAS e COURTÉS, 1979, p. 226).

35

2.2.4 Breve estudo da imagem.

“No começo não era o verbo – eram o gesto, a expressão facial e corporal, o tato, a visão, o olfato”.

Zuenir Ventura. Apresentação, in O mundo em comunicação. (Gotijo, 2001).

“A primeira pessoa que eternizou sua própria imagem ou a de um animal na pré-história está transmitindo uma mensagem até hoje”. Silvana Gotijo (ib.).

Como aproveitamento referencial de nossa pesquisa e para melhor compreender o modo como a imagem comunica e transmite mensagem, expomos aqui um breve levantamento sobre imagem e no seu emprego em comunicação, baseado, essencialmente, nas palavras expressas e na obra de Martine Joly (1999); cujos créditos são exclusivos da autora.

Visto que vivemos em uma civilização da imagem, somos cotidianamente levados à sua utilização, decifração e interpretação. Quanto mais imagens vemos mais nos arriscamos a ser iludidos, agora que estamos apenas na alvorada de uma geração de imagens virtuais, essas novas imagens que nos propõem mundos ilusórios e no entanto perceptíveis.

Há um curioso paradoxo na utilização generalizada das imagens: por um lado lemos as imagens de um modo que nos parece perfeitamente natural, ou seja, que aparentemente não exige qualquer aprendizagem e, por outro, temos a sensação de ser influenciados, de modo mais inconsciente do que consciente, pela perícia de profissionais da imagem secretamente codificadas e aproveitando-se da nossa ingenuidade.

O que é uma imagem? O que haverá de comum entre um desenho de uma criança, um filme, uma pintura rupestre ou impressionista, grafites, cartazes, uma imagem mental, uma imagem de marca, “falar por imagens” e por aí afora? O termo imagem é tão utilizado, com todos os tipos de significados sem ligação aparente que

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parece muito difícil apresentar uma definição simples de imagem e que abarque todas as maneiras de empregá-la. O mais notável é que, apesar da diversidade das formas e dos significados desta palavra, compreendemo-la. Compreendemos que ela designa algo que, embora não remetendo sempre para o visível, toma de empréstimo alguns traços ao visual e, em todo o caso, depende da produção de um sujeito: imaginária ou concreta, a imagem passa por alguém, que a produz ou a reconhece.

Uma das mais antigas definições de imagem, dada por Platão, em A República, esclarece-nos: “Chamo de imagens em primeiro lugar às sombras, em seguida aos reflexos que vemos nas águas ou superfícies dos corpos opacos, polidos e brilhantes e todas as representações deste gênero”. Imagem, portanto, no espelho e tudo aquilo que utiliza o mesmo processo de representação; apercebemonos de que a imagem seria já um objeto segundo, em relação a uma outra que ela representaria de acordo com algumas leis particulares.

A seguir, poderemos examinar alguns aspectos da utilização da palavra imagem para tentar descobrir o seu núcleo comum e também para ver como a nossa compreensão da imagem é desde logo condicionada por todo um leque de significados, mais ou menos explícitos, ligados ao termo.

A imagem midiática. Quando observamos o uso contemporâneo da palavra imagem inferimos que ela remete a maior parte das vezes para a imagem midiática.

A imagem invasora, a imagem onipresente, aquela que criticamos e que faz ao mesmo tempo parte da vida cotidiana de cada um. Anunciada, comentada, adulada ou vilipendiada pela própria mídia, a imagem torna-se então sinônimo de televisão e de publicidade. Estas palavras não são, no entanto, sinônimas. A publicidade encontra-se, cotidianamente, na televisão, mas também nos jornais, nas revistas,

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nos cartazes das cidades. E ela também não é apenas visual, embora prevaleça visualmente. Sobretudo a imagem midiática é representada pela televisão e pela publicidade visual. Essa característica é explicável pela impessoalidade dos meios de comunicação de massa e da própria natureza da televisão como da publicidade.

Entretanto, essa combinação de imagem-televisão-publicidade fomenta um certo número de confusões prejudiciais à própria imagem, à sua utilização e à sua compreensão. A primeira confusão é assimilar suporte e conteúdo. A televisão é um medium, a publicidade é um conteúdo. A publicidade é uma mensagem particular que se pode materializar na televisão, assim como no cinema, na imprensa escrita ou no rádio. Considerada como um instrumento de promoção, e mais ainda de promoção de si mesma, a televisão tem a tendência de alargar a ação publicitária a territórios laterais, tais como a informação e a ficção. O contágio do fluxo televisivo pode passar por outros processos tais como a “espetacularização” ou a “ficcionalização”. Mas a publicidade, devido ao seu caráter repetitivo, instala-se mais facilmente na memória do que o desfile das imagens ao redor.

Considerar que passamos, com a televisão, da “era da arte para a era do visionamento”, segundo Régis Debray (apud JOLY, p.15), se pretende excluir a experiência, todavia real, da contemplação das imagens: a fotografia, a pintura, o desenho, a gravura, a litografia etc. Portanto, confundir imagem contemporânea e imagem midiática, imagem midiática e televisão e publicidade, equivale não somente negar a diversidade das imagens contemporâneas, mas também ativar uma amnésia e um imediatismo tão nocivo quanto inútil para a compreensão da imagem.

“Criou Deus o homem à sua imagem” (A BÍBLIA, Gn 1:27). Este termo de imagem já não evoca uma representação visual, mas sim uma semelhança. O homem-imagem de uma perfeição absoluta se junta ao mundo visível de Platão,

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sombra, imagem do mundo ideal e inteligível, nos fundamentos da filosofia ocidental.

Do mito da caverna à Bíblia, aprendemos que somos nós próprios imagens, seres que se assemelham ao Belo, ao Bem e ao Sagrado.

Origem das imagens. A imagem contemporânea vem de longe, vemos que não surgiu aqui e agora, com os meios de comunicação social ou de marketing.

Aprendemos a associar ao termo imagem noções complexas e contraditórias que vão da sabedoria ao divertimento, da imobilidade ao movimento, da religião à distração, da ilustração a semelhança, da linguagem à sombra.

“No começo não era o verbo” (GOTIJO, op. cit.), havia a imagem. O homem deixou vestígios das suas faculdades imaginativas sob a forma de desenhos feitos na rocha e que vão desde os tempos mais remotos do paleolítico até a época moderna. Petrogramas (desenhadas ou pintadas) ou petroglifos (gravadas ou entalhadas), estas figuras representam os primeiros meios de comunicação humana.

São imagens que imitam, esquematizando visualmente, as pessoas e os objetos do mundo real. Pensam-se que estas primeiras imagens poderiam ter também uma relação com a magia e com a religião. As religiões judaico-cristãs têm a ver com as imagens. A iconoclastia imposta pela Bíblia e de se prostrar diante delas (3º mandamento) designava a imagem como estátua e como deus. Uma religião monoteísta deveria, portanto, combater as imagens, isto é, os outros deuses. A “Querela das imagens”, que percorreu o Ocidente entre o século IV e o século VII da nossa era, opondo iconófilos e iconoclastas, é o exemplo mais manifesto deste questionamento acerca da natureza divina ou não da imagem. No Renascimento, a questão da separação entre representação religiosa e representação profana estava na origem do surgimento dos gêneros pictóricos. Mesmo abolida, a iconoclastia bizantina influenciou toda a história da pintura. No domínio da arte, com efeito, a

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noção de imagem está ligada essencialmente à representação visual: afrescos, e pinturas e também iluminuras, ilustrações decorativas, desenho, gravura, filmes, vídeos, fotografia e mesmo imagens compostas. Entretanto, um dos sentidos de imago, em latim, etimologia da nossa palavra imagem, designa a máscara mortuária (espectro ou alma do falecido) levada nos funerais na Antigüidade romana.

Presente na origem da escrita, das religiões, da arte e do culto dos mortos, a imagem é também um tema crucial da reflexão filosófica desde a Antiguidade. Platão e Aristóteles, em especial, combateram-na ou defenderam-na pelas mesmas razões.

Imitadora, para um ela engana, para outro ela educa. Desvia da verdade ou, pelo contrário, conduz ao conhecimento. Para os primeiros, seduz as partes mais fracas da nossa alma, para o segundo, é eficaz pelo próprio prazer que nos proporciona.

A única imagem graciosa aos olhos de Platão é imagem natural (reflexo ou sombra), a única que se pode tornar num instrumento filosófico. Instrumento de comunicação, divindade, a imagem assemelha-se ou confunde-se com aquilo que ela representa. Visualmente imitadora, pode tanto enganar como educar. Reflexo, ela pode conduzir ao conhecimento.

Imagem e psiquismo. Empregamos ainda o termo imagem para falar de certas atividades psíquicas tais como as representações mentais, o sonho, a linguagem pela imagem etc. A imagem mental corresponde à impressão que temos quando, p.ex., lemos ou ouvimos a descrição de um lugar, a impressão de o ver quase como se lá estivéssemos. Uma representação mental é elaborada de um modo quase alucinatório e parece pedir emprestadas as suas características à visão. A imagem mental distingue-se do esquema mental, o qual colige os traços visuais suficientes e necessários para reconhecer um desenho ou uma forma visual qualquer. Trata-se então de um modelo perceptivo do objeto, de uma estrutura formal que

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interiorizamos e associamos a um objeto e que alguns visuais são o bastante para evocar.

Calvino (1509-1564) falava da relação estreita entre a imagem mental e a visual. O interessante na imagem mental é esta impressão dominante de visualização, que se aproxima da do fantasma ou do sonho. Quando falamos de “imagem de si” ou de “imagem de marca”, estamos fazendo alusão a operações mentais, individuais ou coletivas, que neste caso insistem mais no aspecto construtivo e de identificação da representação do que no seu aspecto visual ou de semelhança.

A banalização do emprego da palavra imagem neste sentido e a facilidade com a qual ela parece ser compreendida, são realmente espantosas. Com efeito, trabalhar na imagem da empresa, na imagem de um certo produto ou marca, na imagem de uma determinada profissão etc. tornou-se mais vulgar das expressões no vocabulário do marketing, da publicidade ou das profissões ligadas à comunicação sob todas as suas formas: imprensa, televisão, comunicação empresarial ou comunicação política... Estudar a “imagem de...”, modificá-la, construí-la, substituí-la etc. – é a palavra de eficácia, seja ela comercial ou política.

Também se estuda com freqüência, em ciências humanas, a “imagem da mulher”, “do médico”, “da guerra”. Da mesma maneira, podemos utilizar imagens (de cartazes, de fotografias) para construir a imagem de alguém: as campanhas eleitorais

são

representativas

deste

tipo

de

procedimento.

Todos

nós

compreendemos que se trata de estudar ou de provocar associações mentais sistemáticas que servem para identificar este ou aquele objeto, esta ou aquela pessoa, esta ou aquela profissão, atribuindo-lhe um certo número de qualidades socioculturais elaboradas.

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A imagem, na língua, “en passant”, é o nome comum dado à metáfora. A metáfora é a figura de retórica mais utilizada, mais conhecida e mais estudada, aquela a que o dicionário atribui como sinônimo de imagem. “Falar por imagens” consiste em empregar uma palavra por outra, em função da sua analogia ou comparação. No entanto, a imagem (ou a metáfora) pode ser também um processo de expressão extremamente rico, inesperado, criativo e mesmo cognitivo, uma vez que a comparação de dois termos (explícita ou implícita) estimula a imaginação e a descoberta de insuspeitos pontos comuns entre eles. Este foi um dos princípios do funcionamento da "imagem surrealista” na pintura (Dali) e no cinema (Buñuel).

As novas imagens, produzidas em computador, passaram, nos últimos anos, da representação em três dimensões para um modelo de cinema e que podemos ver em alta definição. Programas cada vez mais poderosos e sofisticados permitem criar universos virtuais que podem apresentar-se como tal, mas falsificar uma imagem qualquer aparentemente “real”. O que temos a partir de então são recursos, por isso toda imagem é manipulável e pode alterar a distinção entre real e virtual.

Ainda mais ilusórias, as imagens interativas (visão de relevo de 360º) – aquelas obtidas com ajuda de capacete e luvas – permitem evoluir e pegar em objetos totalmente imaginários. Alguns jogos permitem fazer evoluir um clone do próprio usuário num cenário totalmente virtual.

A publicidade e os clips vieram inaugurar processos de trucagem e de efeitos especiais que vemos nos filmes de ficção. A truca digital (equipamento para produzir efeitos de redução, ampliação em imagens filmadas) é um computador que permite efeitos especiais perceptíveis. O morphing – que consiste em efetuar transformações digitais sobre imagens reais passadas por um scanner – permite manipulações ilimitadas das imagens, manipulações que podem oferecer possibilidades fantásticas

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para a ficção, para a publicidade. Alguns processos sintéticos permitem ainda a multiplicação de interfaces entre diferentes tipos de imagens, como a introdução de imagens de síntese em cenários “reais” e vice-versa. Para além do aspecto lúdico, este tipo de processo pode evitar pesadas despesas na construção de protótipos experimentais. O holograma, uma imagem laser em três dimensões, faz parte dessas novas imagens desconcertantes – por seu aspecto realista e fantasmagórico.

Estas novas imagens são designadas também como imagens virtuais, na medida em que propõem mundos simulados, imaginários, ilusórios. Em óptica, uma imagem virtual é produzida pelo prolongamento dos raios luminosos.

Para compreender a utilização da palavra imagem: o ponto comum entre suas diferentes significações (imagens visuais / imagens metais / imagens virtuais) parece claramente ser, o da analogia. Material ou imaterial, visual ou não, natural ou fabricada, uma imagem é a priori, algo que se assemelha a qualquer outra coisa.

Mesmo quando não se trata de imagem concreta, mas sim mental apenas o critério da semelhança a define: quer ela se assemelhe à visão natural das coisas (o sonho, o fantasma), quer ela se construa a partir de um paralelismo qualitativo (metáfora verbal, imagem de si, imagem da marca).

A primeira conseqüência desta observação é verificarmos que este denominador comum da analogia ou da semelhança coloca desde logo a imagem na categoria das representações. Se ela se assemelha é porque ela não é a própria coisa; a sua função é, pois a de evocar; a de significar outra coisa que não ela própria utilizando o processo da semelhança. Se a imagem é entendida como representação, tal significa que a imagem é entendida como signo.

Como conseqüência ela é entendida como signo analógico. A semelhança é o seu princípio de funcionamento. Os problemas da imagem são os receios que ela

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suscita, das variações da semelhança: a imagem pode tornar-se perigosa tanto por excesso como por falta de semelhança. Demasiada semelhança provocaria a confusão entre imagem e representado. Uma semelhança insuficiente causaria uma perturbadora e inútil ilegibilidade.

Se a imagem é claramente entendida como signo, como representação analógica, podemos, todavia, fazer desde já uma distinção entre os diferentes tipos de imagens: há as imagens fabricadas e as imagens manifestas.

Imagens fabricadas imitam mais ou menos corretamente um modelo ou, como no caso das imagens científicas de síntese, propõem-no. A sua principal característica é então a de imitarem com tanta perfeição que elas se podem tornar virtuais e dar a ilusão da própria realidade, sem, todavia o serem. Elas são análogas perfeitas do real.

Imagens manifestas

assemelham-se

freqüentemente

ao

modo

como

concebemos o que elas representam. A fotografia, o vídeo e o filme são considerados como imagens perfeitamente semelhantes, puros ícones, tanto mais fiáveis quanto se tratam de registros efetuados, a partir de ondas emitidas pelas próprias coisas. O que distingue estas imagens das imagens fabricadas é que elas são vestígios. Na teoria, são, pois, indícios antes de serem ícones.

Várias razões explicam a impressão de leitura “natural” da imagem: a imagem como linguagem universal. Em especial, a rapidez da percepção visual, assim como a simultaneidade aparente do reconhecimento do seu conteúdo e da sua interpretação. Uma outra razão é a universalidade efetiva da imagem, o fato de o homem ter produzido imagens no mundo inteiro desde a Pré-história até aos nossos dias e o fato de todos nós pensarmos ser capazes de reconhecer uma imagem figurativa, qualquer que seja o seu contexto histórico e cultural.

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Sem dúvida que existem, para toda a humanidade, esquemas mentais e representativos universais, arquétipos, ligados à experiência comum a todos os homens. No entanto, daí concluir que a leitura da imagem é universal resulta de uma confusão e de um desconhecimento. A confusão é a que muitas vezes foi feita entre percepção e interpretação. Reconhecer este ou aquele motivo não significa que se compreenda a mensagem no seio da qual o motivo pode ter uma significação muito particular. Reconhecer motivos nas mensagens visuais e interpretá-los são duas operações mentais complementares, mesmo se temos a impressão de que são simultâneas. O próprio reconhecimento do motivo exige uma aprendizagem.

Quanto à autoria da imagem, que uma imagem é uma produção consciente e inconsciente de um sujeito, isso é um fato. Acerca do que o autor quis dizer, ninguém sabe nada; o próprio autor não domina toda a significação da mensagem que produziu.

Portanto, interpretar e analisar uma mensagem não consiste certamente em tentar encontrar uma mensagem pré-existente, mas em compreender que significações determinada mensagem, em determinadas circunstâncias, provoca aqui e agora, sempre tentando destrinçar o que é pessoal do que é coletivo. A mensagem está lá: observemo-la, examinemo-la, compreendamos o que ela suscita em nós, comparemos com outras interpretações; o núcleo residual desta confrontação poderá então ser considerado como uma interpretação razoável e plausível da mensagem, num momento X e nas circunstâncias Y. Esta preocupação pelas “intenções do autor”, se justifica no estudo de textos antigos. O que queremos dizer com isto é que, para analisar uma mensagem, é preciso começar por nos colocarmos deliberadamente do lado em que estamos, a saber, o lado da recepção.

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No que se refere à imagem nas artes, o seu domínio é considerado mais como resultante da expressão do que da comunicação; devido à “imagem do artista” que a nossa civilização veicula. Enquanto produção coletiva e anônima, tal indicava que a obra estava ao serviço de uma religião, de um rito ou de uma função mágica.

A necessidade de nomear o artista, manifesta uma visão da arte enquanto tal, como busca de um objetivo estético específico – idéia que “arte pela arte” levou ao limite.

Por outro lado, temos o hábito de considerar o domínio da arte como sendo oposto ao da ciência e de pensar que a experiência estética sobressai de um pensamento particular; irredutível ao pensamento verbal.

A análise da imagem (incluindo a imagem artística) suscita prazer ao analista.

O gosto pela análise, com a esperança de uma reconstrução da relação sensível do sujeito com o objeto e das suas significações. No entanto, o temperamento analista prefere “desmontar” o objeto “no sentido de reconstruir sua gênese criativa” (CAETANO)18; mas o objeto reconstruído nunca é idêntico ao original. Esta utilização da análise, pode ser encontrada principalmente no domínio da publicidade e do marketing, ou seja, analisar para melhor comunicar e melhor vender. (FLOCH, 1993). Ou ainda, no sentido da expressão de Cossoy (2006)19: A imagem de qualquer objeto ou situação documentada pode ser dramatizada ou estetizada, de acordo com a ênfase (intenção) pretendida pelo fotógrafo.

A manipulação é inerente à construção da imagem (fotográfica) [...] é sempre manipulada posto que se trata de uma representação segundo um filtro cultural são as interpretações culturais, estéticas/ideológicas e de outras naturezas que se acham codificadas nas imagens.

Ora, compreender também é um prazer! É por isso que uma das funções primordiais da imagem é a função pedagógica, através dos meios de comunicação que utilizam a imagem.

18

Observações da banca, no exame de qualificação na UTP, em 16.12.2005.

Boris Cossoy é professor-titular do depto. de Jornalismo e Editoração da ECA/USP, pesquisador, historiador e autor de Realidades e ficções na trama fotográfica (Ateliê Editorial, 2001). In: História Viva. Edição nº 27, janeiro de 2006.

19

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Considerando a imagem como uma mensagem visual compreendida entre expressão e comunicação, a abordagem analítica deve levar em conta a função desta mensagem, o seu horizonte de expectativa e os seus diferentes tipos de contexto.

Função da imagem. A imagem como uma mensagem visual (composta de diferentes tipos de signos), quer seja expressiva ou comunicativa, é sempre uma mensagem para o outro. É por isso que uma das precauções necessárias a tomar para melhor compreender uma mensagem visual é procurar para quem ela foi produzida. No entanto, identificar o destinatário da mensagem visual não é suficiente para compreender o objetivo que ela é suposta servir. A função da mensagem visual é determinante para a compreensão do seu conteúdo.

Instrumento de comunicação entre as pessoas, a imagem pode também servir de instrumento de intercessão entre o homem e o próprio mundo. Intermediária com o além, o sagrado e a morte, ela pode ter uma função de duplo, além de símbolo.

(Exemplo da cruz que representa o cristianismo, o calvário... a salvação do homem).

A função informativa (ou referencial), muitas vezes dominante na imagem, pode também se amplificar numa função epistêmica, concedendo-lhe então a dimensão de instrumento de conhecimento, visto que a imagem fornece informações acerca dos objetos, lugares ou pessoas através de formas visuais tão importantes como as ilustrações, as fotografias, os desenhos ou ainda os painéis e cartazes.

Segundo Ernest Gombrich, a imagem pode ser também um instrumento de conhecimento porque serve para ver o próprio mundo e interpretá-lo. Uma imagem, seja um mapa geográfico ou um quadro, não é uma reprodução da realidade “mas sim o resultado de um longo processo, no decurso do qual foram sucessivamente utilizadas representações esquemáticas e correções”. (apud JOLY, p. 61).

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Complementando essa idéia, é a formação de uma imagem do real, de um modelo de real, que as imagens atuais devem imitar. Fazer uma imagem é antes olhar, escolher, aprender.

Vemos que esta função de conhecimento se associa com facilidade à função estética da imagem, ao proporcionar ao seu espectador sensações específicas. Os instrumentos plásticos da imagem, qualquer que ela seja, mesmo os próprios instrumentos das “artes plásticas”, fazem dela um meio de comunicação que solicita a fruição estética e o tipo de recepção que a ela está ligada. O que significa que comunicar pela imagem (mais do que pela linguagem) vai necessariamente estimular no espectador um tipo de expectativa específico e diverso daquele que uma mensagem verbal estimula.

Imagem de publicidade. Entre as imagens mais propícias à análise encontram-se as imagens de publicidade (peças de comunicação e embalagens de produtos). Uma espécie de protótipo da imagem midiática, enfatizando-se assim a função mágica e exemplar atribuída à imagem publicitária.

Roland Barthes em “A retórica da Imagem”, foi um dos primeiros a escolher a utilização da imagem publicitária como terreno de estudo para a semiologia da imagem, que então dava os primeiros passos. A imagem publicitária “seguramente intencional”, e portanto essencialmente comunicativa e destinada a uma leitura pública, oferece-se então como o terreno privilegiado para a observação dos mecanismos de produção de sentido através da imagem. E “Como é que o sentido chega até às imagens?” (BARTHES, 1990, p. 27): a própria função da mensagem publicitária (ser compreendida rapidamente pelo maior número de pessoas) deve exibir de uma maneira particularmente clara os seus componentes e o seu modo de funcionamento, permitindo assim começar a responder a esta questão. No entanto, a

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imagem ser clara para as pessoas não significa ser simples mas compreensível pelo maior número de pessoas do público-alvo, para quem o fazer publicitário pode ter de ser sofisticado/complicado/difícil.

Os elementos que contribuem para descrição da imagem publicitária, tais como, a marca, a embalagem, os elementos visuais, a composição do anúncio, tonalidades de cor, o fundo... tudo isso pode descrever “prudentemente” um anúncio publicitário. Depois de ter feito esta descrição, Barthes nos propõe distinguir os diferentes tipos de mensagem que compõem a imagem publicitária. Neste caso:   

Mensagem lingüística; Mensagem icônica codificada; Mensagem icônica não-codificada.

Etapa aparentemente simples e evidente, a descrição é essencial uma vez

que constitui a trans-codificação das percepções visuais para a linguagem verbal.

A análise dos diferentes tipos de mensagens, do ponto de vista metodológico, é interessante e reprodutível. Tem o mérito de chamar os diferentes componentes da imagem, de colocar em evidência a heterogeneidade desta. A imagem não é constituída apenas pelo signo icônico ou figurativo, antes guarda diferentes materiais entre si para constituir uma mensagem visual. Para Barthes, os diferentes materiais são antes a lingüística, seguindo-se o ícone codificado e depois o ícone não codificado.

No que se refere à mensagem lingüística, Barthes procede a uma distinção entre os diferentes suportes (o próprio anúncio, os suportes simulados de representação – o título, marcas...). Analisa a sua retórica, neste caso a repetição, e depois o seu modo de articulação com a mensagem visual. Aquilo a que em seguida chama a mensagem icônica é para ele constituído por diferentes signos. Com efeito, aquilo que esta demonstração contém de duradouro é que a “imagem pura”, ou seja,

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tudo aquilo que no anúncio não é lingüístico, funciona verdadeiramente como signo ou, mais exatamente, como conjunto de signos. Deste modo, os objetos representados remetem para a utilização da expressão “compre-me, agora!”. Ou seja, para além da mensagem literal ou denotada [sentido explícito], posta em evidência pela descrição, existe uma mensagem “simbólica”, ou conotada [sentido implícito], ligada ao saber pré-existente e partilhada entre o anunciante e o leitor.

2.2.5 A marca como simulacro.

Talvez obsedado pelo nível “conotativo” de suas importantes análises, Jean Baudrillard20 (2002, p. 186) acrescenta ao nosso estudo que “no fundo a imagem e sua leitura não são de modo algum o caminho mais curto para o objeto, mas sim para outra imagem”. Referindo-se mais especificamente à publicidade, ele nos lembra que “não há nenhuma sociedade no estágio social de desenvolvimento moderno que possa dispensar os meios de comunicação de massa como instrumento fundamental aglutinante da estrutura grupal ou como controlador da ordem interna”. Com Baudrillard aprendemos “a idéia de sedução e de engodo desenvolvidas pela mídia, que cria um homem sempre em fuga de sua realidade cotidiana através da lógica do Papai Noel (Id. Ib., p. 176), quando este finge acreditar na realidade que os MCM lhe apresentam.”

Tomamos da visão baudrillardiana o seguinte conceito: Simulacro - Principal conceito trabalhado por Jean Baudrillard, diz que o mundo que se conhece atualmente é uma simulação construída sobre a 20

Segundo Baudrillard, a formação do simulacro faz a imagem passar por fases sucessivas, levando a um resultado que não tem nenhuma relação com a realidade: é o próprio e puro simulacro. Quanto à lógica do Papai Noel “é uma fabulação racionalizante que permite preservar na segunda infância a miraculosa relação de gratificação pelos pais (mais precisamente pela mãe) que caracteriza as relações da primeira infância” (BAUDRILLARD, id., p. 176).

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representação de representações: uma cópia sem que haja um original. Essas simulações existiriam para levar as pessoas a pensarem que uma realidade identificável realmente existe, quando, na verdade, ela seria formada de imagens falsas em que o signo se torna mais importante que aquilo que ele representa. [No caso do leite Moça, a nova protagonista que representa (originalmente) La Laitière].

Partilhando dessa perspectiva, para ZOZZOLI (1994, p. 24), a marca apresenta-se como um manifesto de síntese a respeito de um objeto. E “objeto é signo graças à marca que cristaliza os elementos materiais e imateriais do produto ou da organização em um todo harmônico e significante. Graças à marca, o objeto é linguagem e permite a quem dele se apropria comunicar”. Baudrillard releva que “não são os objetos e os produtos materiais que são objeto de consumo, eles só são objeto da necessidade e da satisfação. [...] Para se tornar objeto de consumo é preciso que o objeto se torne signo.” (apud ZOZZOLI, id. Ib.).

No tocante ao nosso tema - dualidade da marca -, a função da marca é, além de indicar o produto (sentido explícito), mobilizar as conotações afetivas (sentido implícito). Visto que: Na nossa economia fortemente competitiva, poucos produtos conservam por longo tempo uma superioridade técnica. É preciso lhes dar ressonâncias que os individualizem, dotar-lhes de associações e de imagens, dar-lhes significações em numerosos níveis, se quisermos que se vendam bem e suscitem apegos afetivos expressos pela fidelidade a uma marca. MARTINEAU, apud BAUDRILLARD, p. 199-200).

Nestlé nos serve nesse momento de exemplo, quando da sobrevalorização e superexposição marcária em todas as ocasiões e espaços comunicativos de produto – principalmente nas embalagens e no site da Internet. Talvez, mais aplicado na campanha WellNes entre seus colaboradores onde a “Nestlé Brasil lança programa mundial com foco no bem-estar”. Atualidades Nestlé (AN) nº 225.

51

Figura 14 – O simulacro da Moça remete a outras imagens.

A simulação no site Nestlé, evidente na figura 14, parece descrever um caso de amor pela marca. Para sobreviverem, as grandes marcas precisam criar nos consumidores uma "fidelidade além da razão". Esta é a única forma de se distinguirem na economia por atenção que se trava na mídia e nas gôndolas de supermercados diariamente. O segredo é usar Mistério, Sensualidade e Intimidade, paradigma que faz parte da construção de Lovemarks (ROBERTS, 2005), conceito criado por Kevin Roberts; para quem o amor é o caminho para as empresas transformando produtos em marcas registradas, estas, em marcas e, mais tarde, em Lovemarks.

Ele afirma que as marcas simplesmente perderam a atratividade, mas aponta a solução: criar produtos e experiências com poder de estabelecerem conexões emocionais duradouras com os consumidores. Mas como estabelecer conexões

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duradouras se “o racional é incapaz de entender o imaginário da marca”? “Se o consumidor não diz a verdade” quando pesquisado sobre suas preferências, “Qual é a solução?” Como ir direto às emoções sem interferência das racionalizações? A resposta é “transformar as emoções humanas em imagens e testá-las. Checar se elas representam para o consumidor as emoções que queremos passar. É fazer com que o consumidor relacione o produto às imagens que o representem. A imagem pura rompe a estrutura racional do consumidor e o coloca diante do seu imaginário”. (id. Ib.).

Caso Bombril: o poder da imagem. “Bombril 1001 utilidades21 - quando um nome vale por uma empresa”. Ensejando o próximo capítulo deste trabalho, e ilustrando o que acabamos de apresentar por criar produtos e experiências com poder de estabelecerem conexões emocionais duradouras com os consumidores, ou mesmo de fazer com que o consumidor relacione o produto às imagens que o representem, há um exemplo de marca consagrada que ilustra bem o poder da imagem bem construída e veiculada freqüentemente: A força da marca Bombril construída ao longo de cinco décadas de fixação de marca na mente do consumidor através de campanhas memoráveis na televisão brasileira.

Na opinião de Jaime Troiano22a Bombril23 é uma marca “blindada”, quer dizer, “É desses raros casos em que a aceitação da marca é tão ampla que se tornou sinônimo de uma categoria... Há poucos logotipos com esse poder”.

conhecido slogan “mil e uma utilidades”, foi substituído pelo garoto Bombril, representação da marca institucional/produto. Mais detalhes no capítulo 4: “Personagens que representam marcas”.

22 Referenciado logo a seguir, em 2.1.2 “A grande família: ampliando os domínios da marca”.

23 Nascida Abrasivos Bombril Ltda., em 14 de janeiro de 1948; passa a ser Bombril S.A., em 1º de agosto de 1984. Em 1999, Bombril – sinônimo de lãs de aço - foi considerada “a marca do século” por especialistas em propaganda e marketing, “entre as 21 marcas que conquistaram mentes e consumidores...” (Fonte: site Bombril).

21O

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Poder que se reflete nas palavras do presidente da Bombril José Bacellar, no artigo de Silvana Mautone: A grande massa de consumidores não tem conhecimento das dificuldades que essas companhias vêm passando – o que é uma vantagem. No caso da Bombril, entre os que sabem, incluindo aí os fornecedores e clientes, há um grande número que torce para que a empresa dê a volta por cima. “É como se eles achassem que a marca não merecesse passar por esse calvário” 24.

Parmalat e Varig25 (Fig. 15) são outros exemplos de marcas consagradas acima citadas “vivendo situações semelhantes” (mergulhadas em dívida e tendo perdido participação de mercado), em termos de recall suas marcas mantêm lugar cativo na lembrança dos consumidores.

Figura 15 - “Varig, Varig, Varig.”

24

Artigo de MAUTONE, Silvana. Revista EXAME (ed. 854, nº 21, pp. 83-84) de 26 de outubro de 2005. O texto se inicia com a seguinte questão: “O que dizer de uma empresa com dívidas tributárias que ultrapassam 1,5 bilhões de reais, que chegou a suspender a produção por falta de pagamento de matérias-primas e enfrenta rotineiramente a concorrência de multinacionais do porte da Unilever?” Ao se referir às circunstâncias agonizantes da Bombril, à beira da falência, porém “sobrevivendo” no mercado devido ao reconhecimento público de imagem de sua marca cinqüentenária. No mesmo artigo, referindo-se aos investimentos em comunicação junto ao público-alvo, diz o publicitário Washington Oliveto (um dos criadores do “Garoto Bombril”), que “A Bombril foi uma das primeiras empresas brasileiras a creditar na propaganda e se voltar para a construção de uma marca”.

25 Mautone cita que “Pesquisa divulgada em agosto [2005] pela Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) mostrou que nas categorias leite longa vida e companhia aérea as duas empresas seguem sendo as mais citadas”. Glauco Abdala, sócio da consultoria Galeazzi & Associados, diz que “Devido ao poder da marca, [essas marcas-empresas] também conseguem vender seus produtos a preços mais altos do que a concorrência”.

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2.3 AS RELAÇÕES LÓGICAS DA MARCA

Em nossas considerações iniciais expressamos nossa percepção do objeto de estudo marca como produto social através do evidente reconhecimento de sua importância associado ao caráter de representação, como elemento de mediação social entre os vínculos humanos e do seu poder de comunicação persuasiva na sociedade contemporânea, como identidade corporativa de uma atividade organizacional (proprietário da marca) e de seus produtos e serviços, como símbolo elaborado e criado esteticamente (mediadores criativos e interventores da marca: designers, publicitários etc.) para atuar como atrativo de consumo e de seu valor agregado na comunicação midiática como distintivo portador de conteúdos persuasivos em mensagens dirigidas a públicos receptores (consumidores alvo da mensagem); tornando a marca uma interface poderosa de comunicação verbal e não verbal nos diversos estágios de sua manifestação visual e conceitual.

Contextualizando essa nossa perspectiva do conceito de marca onde percebemos uma dualidade emocional/racional, com a qual a marca se projeta na mente das pessoas e, por isso, vai além do produto (aqui entendido pelos seus atributos e benefícios físicos) que ela representa, partiremos inicialmente da definição de marca oferecida por Sal Randazzo: A marca é mais do que um produto; é ao mesmo tempo uma entidade física e perceptual O aspecto físico de uma marca (seu produto e embalagem) pode ser encontrado esperando por nós na prateleira do supermercado (ou onde for). É geralmente estático e finito. Entretanto, o aspecto perceptual de uma marca existe no espaço psicológico –na mente do consumidor. É dinâmico e maleável. Se quisermos entender o conceito de marca, precisamos compreender tanto o seu aspecto físico quanto seu aspecto psíquico.

(1996, p. 24).

Em vista da dimensão em que a marca se insere na mente do consumidor como “entidade perceptual, com um conteúdo psíquico definido, que é maleável e dinâmico”, Randazzo ainda nos oferece uma pista para as nossas pesquisas: dentro

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desse espaço perceptual da marca podemos criar sedutores mundos e personagens míticos que, graças à publicidade, ficam associados a nosso produto.

Complementando o conceito de marca26 registrada (trademark, em inglês) ao nosso estudo, citaremos também, de forma simplificada, a posição de Paul Rand: Uma marca é uma figura, é um símbolo, um sinal, um emblema, um brasão[...] uma imagem. Existem bons símbolos [...] como a cruz. E outros [...] como a suástica [nazista]. É a realidade que lhes dá sentido. Há nos símbolos uma certa dualidade. Eles extraem seus significados de causas boas ou más. E dão significados a causas boas ou más [...].

A marca é símbolo de uma organização [...]. Animadas, inanimadas, orgânicas, geométricas, as marcas são letras, ideogramas, monogramas, cores, coisas. Seu fim não é ilustrar, é indicar. Não representam, sugerem. A marca é criada pelo desenhista, mas é feita pela organização. Uma marca é uma figura, uma imagem... a imagem da organização. [grifo meu] (apud BARBOSA, 2001, p.456).

Cabe agora respaldar-nos nas conceituações de diversos estudiosos da marca comercial/institucional tanto no campo legal, de sua identidade e criação assim como tecer considerações desde sua origem às suas manifestações como fenômeno comunicacional da sociedade contemporânea: “Os nomes e as figuras que identificam bens e serviços de consumo, produtos ideológicos, empresas e outras organizações encontram-se cada vez mais presentes ao nosso redor”. Assim inicia Jean-Charles Jacques Zozzoli (2005 p. 112) abordando a materialidade do objeto (tangível e/ou intangível) encoberta pela expressão de um sistema de signos, de símbolos, dos quais produto e organização são o suporte. Retomando seus trabalhos precedentes cita que a marca é mais do que um nome ou imagem e um traço distintivo que identifica, mas uma “fala (verbal e não verbal)”, que deve ser compartilhada. Exaltando seu pacto de confiança entre os adjuvantes.

Para efeito de esclarecimento geral quanto à definição “oficial” de marca, consideramos adequado citar como a American Marketing Association (AMA) a define: “Marca é um nome, designação, sinal, símbolo ou combinação dos mesmos, que tem o propósito de identificar bens e serviços e um vendedor ou grupo de vendedores e de diferenciá-los de concorrentes”. “Podemos ampliar o conceito para: a) o nome da empresa, da instituição ou do produto (em ing,. brand name). A marca, assim, pode ser constituída por palavras já existentes no idioma (ex.: leite Vigor), siglas ou por nome de fantasia (ex.: Fanta); b) o símbolo visual – figurativo ou emblemático; c) o logotipo – representação gráfica do nome, em letras de traçado específico, fixo e característico; d) o conjunto desses símbolos, numa só composição gráfica, permanente e característica, constituída pelo nome, pelo símbolo e pelo logotipo –diz-se, nesse caso, marca corporativa e logomarca”. (Barbosa, op. cit.). Marca registrada: trademark. “Velcro”, p. ex.

26

56

Na “sociedade terceirizada”, que para Baudrillard (2002), mercadoria e discurso coincidem (o significante e o significado), Zozzoli declara que “a marca, como fábula, conta a estória do produto e não sua história.” (op. cit., p.115).

Assumindo a perspectiva de que a marca representa uma referência fundamental tanto para consumidores quanto para seu proprietário/produtor e seus intermediários (stakeholders), abordaremos antes alguns tópicos sobre as funções que as marcas desempenham para mais adiante voltarmos aos valores implícitos da marca e pouco explorados até aqui.

2.3.1 Marca registrada e marca notória.

Marca registrada é marca legal. A escolha da marca deve conjugar aspectos como funcionalidade, força simbólica, nome, concisão, precisão e aspectos legais.

Sob o ponto de vista legal, de acordo com o Consultor de Marcas e Patentes Vasco C. Pereira, da BrasilSul (PR), a marca é um privilégio concedido pelo Estado com o propósito de garantir o direito de uso exclusivo ao proprietário no seu ramo de atividade econômica. Já quanto ao seu conceito, segundo a lei brasileira27: 

Marca é todo sinal distintivo visualmente perceptível, que identifica e distingue produtos e serviços de outros análogos, de procedência diversa, bem como certifica a conformidade dos mesmos com determinadas normas ou especificações técnicas. O caráter de distintividade é requisito legal e encontra-se consagrada no artigo 122 da Lei nº 9.279/96. (Fig. 15).

No princípio, “as primeiras leis regulamentando o uso de marcas relacionam-se com os sinais compulsórios das corporações medievais, tais como a lei inglesa de 1266, relativa a corporação de padeiros; e, em 1374, a respeito de artigos de ferreiros [...] Leis prevendo punição para confratação: a da França de Carlos IX, em 1564, passou a punir os falsificadores de marca com a pena de morte”.

No Brasil contemporâneo a implantação de mecanismos ágeis de amparo aos sinais distintivos se dá com “a atual lei de propriedade industrial, em vigor desde 1997, generosa no tratamento das marcas, captando as principais tendências internacionais - a Lei 9.279/96 disciplina as marcas na sua dimensão moderna”. O legislador reconhece que as marcas de alto renome e notoriamente conhecidas são entes exclusivos “verdadeiros magnetos, atraem a atenção do consumidor, emprestando magia a qualquer produto ou serviço a que se liguem”. J. A. B. L. Faria Correa – Presidente da ABPI Associação Brasileira da Propriedade Industrial (dez. 2002).

27

57



Contemporaneamente, embora a distintividade continue sendo a base sobre a qual repousa a função das marcas, esse caráter distintivo passou a considerar não só os elementos gráficos constitutivos das marcas, mas, também,

o

conjunto

das

impressões

delas

decorrentes,

que

atue

individualizando, distinguindo ou certificando produtos e serviços.

Figura 16 – Marcas Nestlé: corporativa e comercial. (AHN)

A natureza da marca, quanto a sua origem, pode ser reconhecida como: Marca brasileira, aquela regularmente depositada no Brasil, por pessoa domiciliada no País [ex. Moça, Ninho... e Nestlé]. Marca estrangeira, aquela regularmente depositada no Brasil, por pessoa não domiciliada no País. (Nike, p. ex.). Quanto ao objetivo de registro da marca, visa garantir a proteção de procedência, origem e qualidade do produto ou serviço; além da sua identificação.

Para efeitos legais, a marca pode ser identificada como: marcas nominativas [o logotipo Nestlé], figurativas [o NINHO (Fig. 12)], mistas e tridimensionais. Quanto ao uso: marcas coletivas e de certificação. Quanto à natureza: marcas fortes, fracas (de uso comum) e marcas que se tornam genéricas (sinônimo de produto: Gillette, p. ex.); marca notória [Catupiry] e segunda marca.

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Marca notória: a marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade nos termos da Convenção da União de Paris para proteção da Propriedade Industrial, goza de proteção especial, independente de estar depositada ou registrada no Brasil. A proteção de que trata este artigo aplica-se também às marcas de serviço. O Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI (autarquia federal, responsável pelo registro da propriedade industrial no território nacional) poderá indeferir pedido de registro de marca que reproduza ou imite, no todo ou em parte, marca notoriamente conhecida.

O percurso de conquista da notoriedade por uma marca exige persistência no tempo e permanência no espaço de visibilidade pública que somente poucas empresas logram êxito. O status de uma marca notória é o mesmo que dizer que não pode ser reproduzida, imitada ou usada em qualquer atividade industrial, comercial ou de serviços, sem que haja uma autorização expressa de quem detém o seu registro, o proprietário da marca.

Segundo Paulo Quartiermeister, professor da cadeira de Marca da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM), ao comentar sobre o poder das marcas-objeto (sinônimos de produto): Maizena (da Unilever) e Gillette, a primeira vantagem dessas marcas é o pioneirismo. “Com anos de vida elas surgiram numa época em que a concorrência era bem menor. Muitas atuavam praticamente sozinhas em seus segmentos”. Conquistar a cobiçada posição, atualmente, está cada vez mais difícil. “Hoje, a marca precisaria inovar em termos de conceito ou tecnologia (O “sabonete das estrelas” [Lux] foi relançado com novas embalagens e fragrâncias). Ou melhor, precisaria ser a pioneira em determinada categoria”. É o que entendemos ao afirmar que Nestlé é sinônimo de chocolate (no Brasil, desde 1959, a marca de chocolate em tablete e em tubo); ou Moça de (leite) condensado.

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Para ilustrar o caso de marcas notórias, tomamos como exemplo o tradicional requeijão cremoso Catupiry28 criado em 1911, por Mário e Isaíra Silvestrini, na estância hidromineral de Lambari-MG. Em agosto de 1936, a marca foi registrada sob o nº 47449 no Instituto de Propriedade Industrial (INPI). Em 1997 veio o reconhecimento oficial de marca notória, pelo Inpi. Isso quer dizer que não pode ser reproduzida, imitada ou usada em qualquer atividade industrial, comercial ou de serviços, sem que haja uma autorização expressa da Lactínios Catupiry Ltda.

Figura 17 – Catupiry: marca notória.

Sobre direito de marca, há um anúncio da Nestlé “Aviso aos Varegistas [sic]” publicado em jornal na cidade do Rio de Janeiro em 12 de abril de 1912, sobre as punições judiciais para os “negociantes” de leite condensado que se utilizam ilegalmente das marcas “Moça” ou “Milkmaid” (exclusivas da Nestlé).

Ainda sobre o percurso de notoriedade, “o conhecimento da marca envolve um intervalo de sentimentos contínuo  desde aquele, incerto, de que a marca seja 28

Catupiry, no dicionário internacional de queijos, Les Fromages, editado pela Larousse, é definido como o “requeijão do Brasil”. Sua receita é tão secreta quanto à da Coca-Cola. Curiosamente, o Catupiry - nome tupi-guarani, que significa “excelente” - passa dos 80 anos sem nenhuma propaganda, sem ninguém anunciar sua marca na mídia. Tem sua força de comunicação junto ao público no ponto de venda, através da sua embalagem típica.

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reconhecida, até a crença de que ela é a única na classe de produtos” 29. Como então uma marca se torna conhecida? Na explicação de David Aaker (1998, p. 65) o conhecimento da marca é a capacidade que um comprador potencial tem de reconhecer ou de se recordar de uma marca como integrante de uma certa categoria de produto. O professor Aaker, da Universidade da Califórnia, descreve o grau de evolução de conhecimento da marca através da Pirâmide do Conhecimento, que adaptamos a seguir (Fig. 17); onde a primeira marca mencionada numa pesquisa de recall sem estímulo alcança a classificação de Top of Mind, uma posição especial.

De forma concreta, ela está à frente das outras marcas na lembrança da pessoa.

2.3.2 Top of mind: memórias de marcas consagradas pelo público.

Especialmente através da publicidade, o acesso à mente do consumidor se dá através de “imagens, símbolos e sensações que passam a definir a entidade perceptual que chamamos marca. [...] Uma marca existe em um espaço psicológico, na mente das pessoas, dos consumidores. Consiste em uma entidade perceptual, com um conteúdo psíquico previamente definido, mas que é absolutamente dinâmico, orgânico e flexível.” (PEREZ, op. cit., p.48). Por essa perspectiva, no que concerne ao nosso propósito de se utilizar o Top of Mind da Folha para conhecer melhor as marcas mais presentes na cabeça do consumidor ou as mais lembradas em nosso país, voltamos a Aaker para demonstrar como ocorre essa classificação:

Com a concessão de patentes ou registros, “nasce um direito de uso exclusivo que perdura durante os prazos previstos por lei, e que, no caso das marcas, pode ser perpétuo desde que a marca continue em uso e seu registro seja sucessivamente prorrogado”. Faria Correa (id.) Sobre o INPI, Correa ainda nos informa que “com o regime de exceção instaurado do Brasil em 1964 [...], em 1970, o regime vigente decidiu criar o Instituto Nacional de Propriedade Industrial, mediante a Lei nº 5648 de 11 de dezembro de 1971”.

29

61

Top Of Mind Lembrança da Marca Reconhecimento da Marca Desconhecimento da Marca Figura 18 – A Pirâmide do Conhecimento (adaptada de Aaker).

O nível mais baixo, reconhecimento da marca, baseia-se em um teste de recall estimulado [lembrança da marca]. O próximo nível é o da lembrança [espontânea] da marca, não estimulado. Ainda na opinião de Aaker (op. cit.), uma posição ainda mais forte de recall, não apresentada na Figura 18, seria aquela de uma marca dominante, a única lembrada por um alto percentual de entrevistados.

Em nosso estudo, o Top of Mind da Folha apresenta essa categoria de marca sob o título “Top to top” (Fig. 1), onde a “Nestlé volta a dividir o pódio com Omo e CocaCola”. Como bônus da lembrança o autor coloca a vantagem competitiva de que manter um alto nível Top of Mind através de exposição constante pode criar não apenas o conhecimento da marca, mas também um destaque tal que pode inibir a lembrança de outras marcas.

Ser conhecida é a primeira condição para o sucesso da marca –e saber o quanto ela é lembrada é informação que vale ouro. Isso serve como baliza para as próximas “ações de branding”, como são chamadas as estratégias de defesa do patrimônio da marca no jargão publicitário. Muito mais que um símbolo gráfico que corresponde a um produto, ela acaba construindo uma relação com o consumidor.

Quanto mais forte é esse vínculo, maior será a fidelidade ao produto e, portanto,

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melhores serão os resultados das vendas. Sob essa Apresentação do “Raio-X de campeões” da Folha Top of Mind (2005), são entrevistados especialistas em marca: No mercado, 90% das marcas são apenas nomes. Não têm bom posicionamento, não estão bem vestidos, não são bem comunicados. Rafael Sampaio [autor de Marcas de A a Z] (p. 113).

Marca é o voto de Minerva (na hora de decisão da compra), é o fator de diferenciação que vai desempatar a escolha. Luli Radfahrer ECA - USP (p. 113).

Ressalvando: “no entanto, não bastam apenas estratégias de propaganda e marketing  o produto precisa corresponder às expectativas que sua comunicação criou.” (id.).

Na pesquisa Datafolha que serve de base para o nosso trabalho, as sete marcas mais lembradas pelos brasileiros em 15 anos [de edição do Top of Mind], em suas categorias, foram: Volkswagen, Coca-Cola, Philips, Hellmann’s, Omo, Kibon, Doriana (Fig. 1). Interessante notar que essas marcas são acompanhadas invariavelmente, na comunicação mercadológica, de seus atuais slogans (adaptados ás novas demandas) como uma grande arma de fixação da imagem da marca que assina agregando poderoso apelo emocional (sentido implícito):

“Viva o que é bom” Coca-Cola “Agora é Extracremosa. Parece só um detalhe, mas faz toda a diferença” Doriana ”A verdadeira maionese” Hellmann’s “Isso sim é diversão“ Kibon “Porque se sujar faz bem” Omo “Sense & simplicity” Philips “Perfeito para sua vida” Volkswagen Exemplos de marcas consagradas Top of Mind >

Top to Top:

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Líder quase absoluta na categoria chocolate no Folha Top of Mind, o posicionamento de marca Nestlé para toda a família (e filhotes) de produtos é revelado por Mário Castelar, diretor de comunicação e marketing da Nestlé no Brasil para quem a Nestlé assumiu como estratégia o investimento forte na marca institucional. A intenção é ser percebida como líder em nutrição, saúde e bem-estar.

Respaldada no binômio “Tradição e Confiabilidade”, em 2005, a marca “Nestlé, compartilha com Omo30 e Coca-Cola o primeiro lugar na lembrança dos brasileiros31 [...] e vencem mais do que suas próprias categorias [de produtos]: elas são as primeiras marcas que vêm à cabeça das pessoas, independentemente de produtos ou serviços.” (FTM) O histórico de slogans adotados pela Nestlé nas últimas duas décadas época de suas maiores investidas no mercado brasileiro - já demonstra preocupação com a qualidade de vida e relacionamento estreito com as pessoas:  Nestlé. Sua vida, nossa história. (1988 a 1994)  Nestlé. Nossa vida tem você. (1997 a 2002)  Nestlé. Good Food, Good life. (2003 -) (institucional da Nestlé mundial)  Nestlé faz bem. (2004/2005).

30 A

marca Omo é citada “pelo menos oito em cada dez entrevistados como a primeira marca que lhes vem à cabeça. E a liderança na memória também se dá no mercado: a empresa tem mais de 40% de participação, segundo o Ipobe. (...) Trazida para o Brasil em 1957, a marca da Unilever praticamente introduziu o sabão em pó no país”. A Coca-Cola é hoje o carro-chefe do portifólio da The Coca-Cola Company –estima-se que a companhia seja responsável por cerca de 45% dos refrigerantes vendidos no mundo. No Top Of Mind, ela ocupa o posto de líder da sua categoria desde a primeira edição da pesquisa, em 1991. FTM (2005).

31 Na mesma edição da Folha Top of Mind, citando a gênese de marcas poderosa, o publicitário Franscec Petit, sócio da agência DPZ, nos conta que as marcas mais poderosas da atualidade surgiram no mesmo período histórico – entre 1890 e 1940. Omo surgiu na Inglaterra na década de 40 Nestlé existe desde meados do século 19. “Coca-Cola foi lançada em 1886. Hoje a Coca-Cola é a imagem publicitária mais forte do mundo. Mais de 900 mihões de produtos da Coca-Cola são consumidos diariamente em quase 200 países. The Guinness Book of Records. São Paulo: Ed. Três, 1998. (p. 173).

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Simulacro da marca. Tidas como divindades no Olimpo, Coca-Cola32, Omo e Nestlé dividem o primeiro lugar na lembrança dos brasileiros de acordo com o Datafolha33. No Top of Mind, a Nestlé tem sido líder quase absoluta na categoria chocolate: “Enquanto a Lacta apostava nos seus produtos mais populares, Sonho de Valsa e Diamante Negro, a Nestlé assumiu como estratégia o investimento forte na marca institucional. Seus diversos produtos acabam pegando carona na campanha da marca-mãe. A intenção [da Nestlé] é ser percebida como líder em nutrição, saúde e bem-estar.”(id.)

“MARCAS QUE DÃO FILHOTES”. Comentando acerca do crescente número de logotipos que rompem os limites do produto principal [marca-mãe] e se expandem [filhotes] e se projetam em muitas direções nas prateleiras dos supermercados, Nelson Blecher34 nos chama a atenção para uma tendência no marketing das grandes organizações cuja marca corporativa respalda o lançamento de inúmeros “filhotes” para ocupar a mente dos consumidores: “a Samsung galgou a lista das marcas mais valiosas do planeta com uma estratégia que vem ganhando mais e mais adeptos entre as empresas: a aposta na marca corporativa para, apoiada nela, cruzar diferentes gôndolas com uma bateria de lançamentos. Foi a necessidade de globalizar-se que compeliu os coreanos a focar a marca-mãe – que abriga centenas de produtos, seus filhotes. A gigante coreana está longe de ser a única a adotar 32 Conforme

a publicação, a Coca-Cola surgiu no mesmo período histórico da Nestlé, foi inventada em 1886. Trazida para o Brasil em 1957, a marca Omo, da Unilever, praticamente introduziu o sabão em pó no país. Segundo o publicitário Francesc Petit, da DPZ, as marcas mais poderosas da atualidade surgiram entre 1890 e 1940.

33 Reforçando a imagem de marca: a pesquisa DataFolha é tão relevante e reconhecida no meio empresarial que a partir da publicação dos resultados (envolvendo a opinião pública nos mais diversos eventos patrocinados) as empresas classificadas em todas as categorias detonam campanhas intensas por toda a mídia (especialmente a impressa) reforçando ainda mais sua posição de liderança. Cremos que além da opinião pública em geral, esse reforço visando valorização da marca (brand equity), se estabelece no nível de stakeholders (inclui fornecedores e acionistas).

34 BLECHER, Nelson. in: Marcas que dão filhotes. Artigo publicado na revista EXAME, ed. 849, de 17 ago. 2005.

65

essa prática.” Blecher (op. cit.). Ele cita inclusive, a associação do laboratório Johnson e Johnson e a francesa Danone, fabricantes de iogurtes. Mais adiante faremos menção de Nestlé e Coca-Cola em operações de marca de chá refrigerante. À prática acima descrita, dá-se o nome de extensão de marca. As vantagens de esticar a marca parecem evidentes: economia de escala, p. ex. “sem ultrapassar a limites que prejudiquem a marca” (id.). Adepta dessa estratégia figura a Quaker34  caso das barras cereais  marca cinqüentenária da Pepsico que usa a marca-mãe para ingressar em nichos potenciais de mercado. Para Blecher “a marca-mãe passou a ficar mais próxima do cliente em vários momentos do dia” (id.) provocando sinergia. Mas, conforme afirma Aaker (1998) “todo esforço deve começar por uma avaliação do significado da marca na mente dos potenciais consumidores”35.

Ao que tudo indica, observando os inúmeros lançamentos de produtos no mercado atual, a estratégia de comunicação e marketing da Nestlé aposta na marca corporativa para, apoiada nela, cruzar diferentes gôndolas com uma bateria de lançamentos, extensões de marca e de linha, tirando proveito do potencial da marcamãe que passa abrigar dezenas de novos produtos, seus B. No exemplo da Fig. 19 – Marca genérica Nestlé, a empresa vale-se do recurso de possuir marca líder de mercado lançando estrategicamente outros produtos assinados com a “marca-mãe”. “Marcas como Nescafé, Moça, Maggi, São Luiz, [p. ex.] identificam várias linhas de produtos que têm vida própria, mas com o aval da Nestlé” (STRUNCK, 2003).

35Uma

corrente oposta à de Aaker é liderada pelo inglês John Quelch, reitor da London Business School, que enxerga armadilhas no caminho da extensão. A mais perigosa delas seria a quebra de fidelidade à marca, por romper hábitos do consumidor. Outro risco seria a canibalização. A redução da participação do produto no mercado comprometeria a saúde da marca no longo prazo. Blecher in: Bonito é ser mega. EXAME de 22/04/2003.

66

Figura 19 – Marca genérica (“marca-mãe”) Nestlé. (AHN)

Figura 20 – Exemplo de extensões de linha da marca Nescau. (AHN)

No Capítulo 3, retornaremos ao tema focando a marca institucional Nestlé como um totem de relação social e simbólica especialmente voltado ao atendimento das expectativas em termos de promessas criadas no público-alvo36 gerando novos hábitos de consumo provocados pelas suas extensões de marca, em um país rico em culturas e tradições.

36

público-alvo sm 1.Prop. Segmento do público ao qual se destina uma mensagem específica. [Sin. (ingl.): target. Pl.: públicos-alvos e públicos-alvo.]

67

2.3.3 A grande família: ampliando os domínios da marca.

“Os consumidores dizem o que pensam, mas fazem o que sentem” J. Troiano ao analisar as conexões da marca com o seu público consumidor.”

“As marcas corporativas deixam de ser apenas um símbolo institucional para ser uma arma de negócios e de blindagem da empresa” J. Troiano (M&M, setembro 2005).

Considerado um dos maiores especialistas em marca no Brasil, Jaime Troiano37, nos revela um pouco da sua ampla experiência na pesquisa de marca, em artigo conjunto com Cecília Russo (Troiano Consultoria de Marca - SP): O momento de escolha de um novo produto é caracterizado por decisões e julgamentos.

Marcas conhecidas, portanto, tendem a ser mais respeitadas e consumidas nesses momentos por questão ligadas a garantia e a qualidade. No caso de extensões de marca, os consumidores são levados a invocar conhecimentos e crenças formados através de experiências passadas. [Fig. 19]. Conforme o número de produtos (“filhotes”) associados a uma marca-mãe [Exemplo evidente da Nestlé e suas extensões de marca] os consumidores são forçados a alterar, gradativamente, a imagem que têm da marca em questão, no sentido de incorporar o que de novo está sendo apresentado por ela no mercado [ex.: Mocinha (lanche infantil) [Fig. 22], extensão em nova embalagem do leite Moça]. Extensões, quando feitas corretamente, tendem a fortalecer a marca-mãe. Por conseqüência, deixam a mãe também mais robusta [prolongando-lhe a vida e prosperidade] e capaz de enfrentar as exigências do mercado. De acordo com Keller e Aaker (1992), um ponto chave para a extensão de marca é o “fit” entre a extensão (“filhote”) e a marca-mãe. “Fit”, aqui, seria a compatibilidade de uma extensão com o significado da marca. Como resultado disso, esforços para estender uma marca deveriam começar pela medição do significado da marca, na mente dos potenciais consumidores. [grifo meu]. A grande Família: marcas têm grandes famílias. P. ex. a família Melitta. Partindo do produto original –a mãe-, que foi o filtro, e ampliando seu portifólio de produtos, gradativamente, com filhotes: o café, a cafeteira, a jarra etc. Nosso trabalho partiu do conceito de extensão de marcas e não do conceito de extensão de linha. Vamos pensar em Maguary como um bom case de extensão de linha [Nestlé, fig. 20]: marca de sucos concentrados com vários sabores. Cada um desses sabores é uma extensão de linha de marca. São filhotes que permaneceram no território original da marca mãe. Na extensão de marca, os produtos foram nascendo e ocupando novas categorias de negócio (distintas da original). Sobre mudanças de paradigmas, [em sua opinião] o século XXI não será o século de criação de novas marcas; mas o da ampliação ou maximização do uso das marcas já estabelecidas [...] devido, principalmente, ao fortalecimento das marcas-mãe. [Tendo em vista nossa marca em foco, a Nestlé, estendemos o assunto:] As extensões também podem incrementar o negócio atual das marcas. O novo filhote pode ser uma oportunidade, p. ex., de aumentar o customer equity: fazer mais negócios com os consumidores que já são leais à sua marca. Ou ainda acompanhar seu consumidor em comportamentos que ele já possui. Extensões também têm a capacidade de trazer mais consumidores para uma marca. [...] na busca por entender o processo de transmissão do DNA das famílias e criamos princípios de extensão de marca: Princípio da preservação do ingrediente. Aqui, o filhote carrega consigo o ingrediente principal do produto-mãe. [o Moça Fiesta, p. ex. Fig. 21]. A Sadia e a Nestlé são bons exemplos de grande família, nos dois sentidos do termo; e não por acaso, são famílias rivais. (...) Uma regra elementar: como as marcas são um ativo intangível, extensões são ferramentas para desenvolver o poder das marcas. [grifos meus]

37

Entrevistamos, por e-mail, o consultor aqui citado, que nos recomendou alguns procedimentos em relação à nossa pesquisa de marca. Recebemos o estudo diretamente de Cecília Russo, consultora da Troiano e organizadora do seminário “A marca em três dimensões” realizado em São Paulo em outubro de 2005.

68

Figura 21 – “Filhotes” da Moça da “grande família” Nestlé. (PD)

Figura 22 – “Mini gostosuras” da Mocinha. (PD)

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2.3.4 Gestão de marcas: branding. uma competição de domínio das marcas.

O que a marca significa para o comprador? Considerando a marca dentro do processo de escolha voluntária pelo consumidor, Rafael Sampaio considera marca como a síntese das experiências reais e virtuais, objetivas e subjetivas, vividas em relação a um produto, serviço, empresa, instituição ou, mesmo, pessoa. Do outro lado do processo, como principal patrimônio das organizações, a marca “age como um facilitador operacional (eliminando processos de decisão complexos); como um elemento catalizador (acelerando a decisão); e como forma de expressão social (transformando essas decisões em fatos de interação social)”. (2002, p. 27).

Vista pelas empresas e instituições, “a marca é a síntese da sua franquia junto ao mercado” seus produtos e serviços. Seguindo esse enfoque, Sampaio chega ao conceito de branding38 [raíz de brand: marca, em inglês]: ”Branding pode ser definido como o conjunto das tarefas de marketing – incluindo suas ferramentas de comunicação – destinadas a otimizar a gestão das marcas”. (Id. Ib.).

Ainda pelo enfoque empresarial, para Aaker o processo de construção de marca revela “a necessidade de desenvolver vantagens competitivas sustentáveis, baseadas em competições fora da área de preços” proporcionando efetivamente valor para o cliente através do brand equity e “desenvolver e proteger a propriedade de suas principais marcas.” (1998). É com essas ressalvas que Aaker nos introduz ao conceito de brand equity: O brand equity é um conjunto de ativos e passivos ligados a uma marca, seu nome e seu símbolo, que se somam ou se subtraem do valor proporcionado por um produto ou serviço para uma empresa e/ou para os consumidores dela. (...) Os ativos e passivos nos quais o brand equity se baseiam... podem ser agrupados em cinco categorias: 1) Lealdade à marca. 2) Conhecimento do nome. 3) Qualidade percebida. 4) Associações à marca em acréscimo à qualidade percebida. 5) Outros ativos do proprietário da marca – patentes, tradmarks, relações com os canais de distribuição etc. (op. cit., p. 16).

38

Branding: o processo de estabelecer e gerenciar imagens, percepções e associações pelas quais o consumidor se relaciona com um produto ou empresa. Conf. KLEIN (2003, P. 8).

70

Visando o fortalecimento da marca, os fatores formadores do brand equity ligam-se à lembrança de marca e imagem de marca (associações favoráveis e exclusivas). A isso, se dá o nome de “posicionamento de marca”, que objetiva criar a imagem de marca adequada para chegar primeiro na mente do consumidor. Por essa perspectiva, marca, além de uma dualidade emocional/racional (o que os consumidores sentem e pensam sobre a marca e como agem em relação a ela) deve ter uma riqueza de associações na sua construção e gestão objetivando a lembrança e a fidelidade do seu potencial consumidor. Nesse sentido, entendemos que marcas bem gerenciadas, com um posicionamento claro e com constantes investimentos em comunicação desfrutam de maior reconhecimento nos segmentos onde atuam. Os maiores índices top of mind indicam que as marcas consagradas, tais como, Omo, Coca-Cola e Nestlé desfrutam de maior prestígio no mercado.

2.4 AS DIMENSÕES DA MARCA

Nos sentidos manifestos da marca e nas palavras de Perez (2004, p. 47) as marcas se expressam, se dão a ver, se mostram de diversas maneiras, com o objetivo de potencializar seus efeitos de sentido. Esses elementos de expressão marcária são levados às mídias com a intenção de penetrar em nossos sentidos e causar sensações agradáveis e até afetivas que nos levam a uma aproximação. O objetivo é estabelecer uma conexão – e se esta for emocional, tanto melhor: As marcas se expressam por meio do nome que representam, do logotipo, da forma e do design dos produtos que encarnam, da embalagem e do rótulo, da cor, do slogan, do jingle, da personalidade, do personagem que representa, de um[a] mascote, além de outros recursos e do contexto organizacional, envolvendo os funcionários e os parceiros e suas relações com o meio social.

Questões relacionadas a sabor, aroma, textura etc. também formam impressões em nossa memória, porque são responsáveis por associações mentais que colaboram para a construção de sentido. E, dessa perspectiva, são elementos de identidade e expressividade marcária.

71

Em termos de comunicação, notamos no transcorrer de nosso trabalho que há várias dimensões aonde a marca atua (da sua criação, produção, difusão... e recepção). E em cada uma delas há linguagens contextualizadas de acordo com o repertório de interesse de cada participante da comunicação marcária.

2.4.1 Embalagem/rótulo, logotipo/símbolo, cor e slogan.

“O consumidor é humano, deseja o melhor, o mais bonito e o mais atraente. Ele só não compra o produto por motivos que vão da falta de poder aquisitivo à preferência afetiva. Ninguém prefere o feio; a embalagem precisa também seduzir e agregar valor ao produto.” (MESTRINER, 2001, p.19).

Retomando aqui as considerações iniciais que norteiam a verificação da marca como símbolo representativo de organização, produtos e serviços, que associa forma e conteúdo, razão e sensibilidade, cremos que a embalagem/rótulo é o suporte que melhor propicia à marca uma representação explícita e implícita de sentido. E ainda, a de que a experiência de contato e relação com a embalagem e o produto possibilita a integração do destinador e do destinatário da marca, atuando como poderosa interface entre os sujeitos da mensagem.

Encontramos essa mesma perspectiva na comunicação promocional assim descrita na ótica de Perez: A embalagem constitui-se em um limiar semiótico entre o objeto e o sujeito ao qual se destina. [...] é um importante elemento da expressividade marcária... As embalagens são portadoras de informações, e, portanto, veículos de mensagens carregadas de significação [...]. A embalagem deve causar impacto para que possa ser vista e diferenciada, mas também tem de criar uma conexão emocional com as pessoas, a fim de que possa ser apreciada, e desejada. (2005, p. 66).

Como toda embalagem tem um rótulo e este “muitas vezes assume quase a totalidade da transmissão informativa e persuasiva do produto”, uma vez que “o rótulo contribui para a transmissão conceitual que o produto pretende construir na mente dos consumidores: prestígio, sofisticação, diferenciação” (Id. Ib., p.72), consideraremos esse importante elemento de comunicação em nossa análise.

72

A percepção estética dos elementos ilustrativos e criativos que compõem o design de embalagem (personagens, símbolos, elementos gráficos, cores, logotipia etc.), em geral atraentes, desenvolvidos no projeto gráfico, associam informação e comunicação à imagem de marca; colaboram significativamente na persuasão do cliente em favor do produto representado através da embalagem e do seu rótulo, da expressão de uma idéia sintetizada pelo símbolo e o slogan e, principalmente, pela ação narrativa do personagem (Moça) plasticamente representado em imagem.

Quem nos introduz aqui nesse metiê é o especialista Fábio Mestriner para quem o desenvolvimento da indústria, do comércio, da tecnologia e da própria sociedade fez da embalagem um importante componente da vida moderna.

Lembrando que a Revolução Industrial (ocorrida no século XIX) criou a demanda para o desenho de objetos produzidos por máquinas e isso obrigou os desenhistas a pensar o objeto de um novo ponto de vista, incluindo premissas que antes não existiam. A partir de então, e em termos da linguagem empregada na comunicação visual das embalagens, Mestriner39 tece as seguintes considerações: “No caso do design de embalagem, entra também como fator decisivo no projeto a compreensão da linguagem visual da categoria a que o produto pertence. A Linguagem visual da embalagem [...] é o principal diferencial; existe um repertório exclusivo, construído ao longo dos séculos com a evolução da sociedade de consumo, que dotou os produtos de uma roupagem que permite a identificação de seu conteúdo e facilita o processo de compra”. [grifo meu] (2001, p. 10).

A embalagem, portanto, como suporte que acompanha o produto, é um meio; e também per si um produto (industrial). Além de servir como interface da imagem da empresa como avalista da marca, é um componente fundamental dos produtos de consumo e parte integrante e indissociável de seu conteúdo. Constitui-se, 39

O professor (ESPM) e designer Fábio Mestriner menciona a Escola Bauhaus na Alemanha que sintetizou o conceito de design como nós o conhecemos hoje. Em seu conceito “o design compreende a atividade de desenhar para a indústria segundo uma metodologia de projeto que leva em consideração a função que o produto final irá realizar: as características técnicas da matéria-prima e do sistema produtivo utilizado em sua confecção, as características e necessidades do mercado e do destinatário final do produto, ou seja: o consumidor”.

73

todavia, em um notável formador do lixo urbano promovendo questões relacionadas à reciclagem no meio ambiente, podendo comprometer a imagem de marca.

Fábio Mestriner cita a famosa lata de sopa Campbell’s (Fig. 23) transformada pelo célebre artista Andy Warhol (1928-1987) em ícone da Pop Art - movimento

Figura 23 Campbell’s (EM) artístico que compreendeu pela primeira vez o impacto da embalagem e sua influência cultural na sociedade de consumo. Outro exemplo clássico comumente citado pelos designers40, é o da garrafa da Coca-Cola (Fig. 24), que se tornou marca e design consagrados mundialmente:

Figura 24 – Coca-Cola: quando a embalagem é a marca. (EM) 40

Designer [d«Èzajn«Õ] [Ingl.] .Indivíduo que planeja ou concebe um projeto ou modelo.

74

Para

compreendermos

melhor

a

linguagem

visual

da

embalagem,

conhecimento que nos auxiliará nas análises semióticas propostas por esse trabalho mormente no que se refere às imagens ilustrativas previamente selecionadas, vejamos o texto de Mestriner bastante elucidativo: Desde seus primórdios a humanidade necessitou conter, proteger e transportar seus produtos e para fazer isso lançou mão de embalagens. Com o desenvolvimento da sociedade e de sua atividade econômica, a embalagem foi se tornando cada vez mais importante e incorporando novas funções. Assim, os comerciantes antigos precisaram identificar o conteúdo das embalagens para facilitar seus negócios. Com o aparecimento das empresas, os produtos precisaram conter também a identificação dos seus fabricantes, e assim por diante. A evolução do mercado e a maior competição entre os produtos fizeram com que a embalagem se tornasse um fator de influência na decisão de compra dos consumidores e começou a se “vestir” para agradá-los. Nos anos pósSegunda Guerra Mundial surgiram os supermercados, e a venda em sistema de autoserviço estimulou os produtos a conterem a informação necessária para concretizar a venda sem o auxílio de vendedores. Durante esses processo, a embalagem foi construindo uma linguagem visual própria e característica para cada categoria de produto. No início foram as faixas, as bordas rebuscadas e ornamentais, os logotipos em letras elaboradas. Os selos, chancelas, brasões e medalhas conquistadas nas exposições comerciais da época constituíram os elementos básicos das embalagens do século passado. Nesse período, a embalagem lançava mão dos recursos gráficos disponíveis; a tipografia e a litografia eram os tipos de impressão utilizados. Com a evolução da indústria gráfica e da indústria em geral, as embalagens foram incorporando cada vez mais recursos e efeitos visuais. A impressão em cores e a introdução da fotografia permitiram a utilização de imagens cada vez mais elaboradas. Os elementos visuais básicos que constituíram as embalagens do século passado continuam presentes ainda que de forma modificada nas embalagens atuais.

Faixas, bordas, filetes, selos, logotipos desenhados, splashes e imagens sugestivas do uso do produto continuam compondo o visual das embalagens que encontramos no mercado. A grande modificação ocorrida com o avanço da fotografia foi a utilização de imagens produzidas de forma elaborada para despertar o apetite appetite appeal e o desejo de compra do consumidor. As embalagens de alimentos exploram cada vez mais e de forma mais sofisticada a imagem do produto servido, pronto para ser degustado. No mais, os elementos antigos podem ainda ser reconhecidos em releituras modernas nas embalagens de hoje em dia, pois constituem os fundamentos da linguagem visual da embalagem. (op. cit., p. 13).

Nos países ocidentais fica evidente que com o advento do marketing, as empresas começaram a perceber todo o potencial das embalagens e sua importância nos negócios e na comunicação. “A grande força da embalagem está no fato de o marketing ser uma batalha de percepção, e não de produtos. Nesse sentido, a embalagem tem o poder de fazer com que o produto seja percebido de uma maneira, agregando a ele novos valores e significados.” (Id. Ib.) (Fig. 26).

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Outra função de comunicação da embalagem é a de servir como mídia gratuita a ser explorada ou como apoio promocional e mesmo como propaganda da marca. O slogan da campanha, p. ex., pode ser explorado na própria embalagem como apelo. A partir da embalagem o consumidor forma imagem da empresa, “conversa” com ela (Fig. 26) além de ser convidado a se comunicar com os serviços de atendimento que dão apoio ou sugerem novas receitas ou aplicações: (Detalhe da figura 26 – Fale com a Nestlé).

A embalagem, portanto, vai além do produto como veículo de informação possibilitando a criação de vínculos e percepções favoráveis em relação à marca.

Figura 26 – Embalagem: apelo emotivo da marca. (“Especialidades”, desde 1988).

Ao tratar o tema EMBALAGEM como mídia expressiva da marca, prioritariamente em linguagem de comunicação mercadológica que a explora em todas as suas possibilidades como interface, não poderíamos deixar de citar as questões relacionadas a ambiente e reciclagem de empresas, tais como a Nestlé, com atuação responsável frente ao meio ambiente. Uma vez que o marketing

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contemporâneo além de atender às necessidades e desejos do cliente busca retribuir a preferência pelos produtos e serviços, colocando a ação social como um dos fundamentos do marketing verde de valor41. Assim, em termos de imagem de marca “o tema hoje oferece um retrato diferente do passado. Investimentos em desenvolvimento sustentável ocorreram em todas as cadeias de valor ligadas a embalagens. Cresceu também a preocupação com a promoção da ecoeficiência, conjunto de políticas em prol das reduções no uso de recursos e na geração de poluentes a níveis razoáveis nos negócios.” E mais: “A preocupação com gestão ambiental não atinge apenas os fabricantes de recipientes e invólucros, mas se espalha também entre os produtores de rótulos.”42 (EM, 2005).

Sobre percepção [da embalagem], conforme nos explica Gaudêncio Torquato: O território da percepção abrange os espaços do consciente e do inconsciente. A psicologia da Gestalt demonstra o conceito de figura e fundo como o mais primitivo processo da percepção. Por esse processo, um órgão sensorial focaliza e destaca um padrão de estímulos como figura, deixando o restante como fundo. As pessoas recebem, ao mesmo tempo, múltiplas mensagens, mas a atenção seletiva estabelece a filtragem e focaliza um único canal sensorial, enviando o resto para o campo subliminar. O nível do inconsciente pessoal abriga as informações que extravasam os focos centrais e se depositam no subconsciente. De acordo com Jung, as rápidas instituições que geram as decisões das pessoas são frutos de conteúdos subliminares. Para C. Jung, há duas camadas no inconsciente: a individual, formada de lembranças apagadas ou recalcadas e de percepções estranhas à atenção (subliminares) e a superindividual ou coletiva, contendo as mais naturais, como o ciclo solar ou lunar, as idéias religiosas. (2002, p.

105).

Embalagem: resistência ao tempo. Associando embalagem conservadora a exemplos de marcas de confiança e que fazem sucesso junto ao público a M&M destaca que o Catupiry é um clássico da história da embalagem no Brasil. De uma embalagem típica que sofre modificações tão sutis ao longo do tempo que passam despercebidas do consumidor, uma mágica que somente marcas muito consolidadas 41

Valor para o cliente é a diferença entre as percepções quanto aos benefícios da compra e uso dos produtos e serviços e os custos em que eles incorrem para obtê-los. Benefícios funcionais, sociais, pessoais e experimentais. De acordo com Christian Grönroos in: Marketing gerenciamento e serviços: a competição por serviços na hora da verdade. Rio de Janeiro: Campus, 1995.

42 O Brasil é tetracampeão mundial na reciclagem de latinhas de alumínio – 95,7% da produção dessas embalagens são recicladas no país (o Brasil recicla por dia 25 milhões de unidades) EmbalagemMarca Especial (agosto 2005).

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(Fig.27) para escapar da armadilha das imagens fugazes, aceleradas e passageiras. É como a Maizena (termo derivado de maiz, palavra indígena que significa milho), que se tornou tão forte a ponto de passar a ser sinônimo da categoria do produto.

Outro exemplo tipicamente brasileiro são os bombons Sonho de Valsa, lançados no Brasil em 1938 pela [paulista] Lacta, [atualmente marca de propriedade] da Kraft Foods. Com poucas alterações na embalagem ao longo dos anos, o produto é líder em seu segmento. (M&M nº 1163, 20 de junho de 2005).

Figura 27 – Catupiry: Marca de confiança.

Na busca por uma abordagem conceitual adequada sobre Logotipo/ Símbolo em vista da identidade visual e de posicionamento do nosso tema Marca, pesquisamos um dos autores consagrados em programação visual, ou design gráfico, Gilberto Strunck. Para Strunck “quando um nome ou idéia é sempre representado visualmente sob determinada forma, podemos dizer que ele tem uma identidade visual; que significa nome, idéia, produto ou serviço.” (2003, p. 57).

Para um maior rigor com o termo logotipo/símbolo - em nosso estudo a palavra da marca Nestlé -, esclarecemos que “o logotipo é um símbolo constituído por palavra ou grupo de letras, apresentadas em desenho característico, destinado a funcionar como elemento de identidade visual de uma empresa, de uma instituição, de um produto etc. [...] Entretanto, nem sempre a grafia, por mais criativa que seja,

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basta. Muitas vezes é necessário associá-la a uma imagem, símbolo, sinal ou desenho gráfico. A essa associação, dá-se o nome de logomarca: o conjunto responsável pela identidade existente entre empresa, produto e consumidor. [vide Fig. 28]. Alguns crêem que tudo [logotipo, logomarca e marca] é uma coisa só: marca.” (BARBOSA, 2001, p. 441-442-456).

Figura 28- Logomarca Nestlé (AHN) >

Sob outra ótica “quando os produtos e serviços são de difícil diferenciação [...] o papel do símbolo é criar o conhecimento, as associações, e uma apreciação, ou sentimentos, que, por sua vez, pode afetar a lealdade e a qualidade percebida”.

(AAKER, 1998, p. 208).

Figura 29 - Novas Havaianas. (AM)

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Acerca de cores da marca, citamos inicialmente uma passagem das Santas Escrituras: “Disse Deus: Haja luz; e houve luz. E viu Deus que a luz era boa...” (A BÍBLIA, Gn 1:3-1:4).

Entraremos, brevemente, nesse tópico, que por si só já reflete um universo de sentido, na busca tão-somente de um referencial que suporte as nossas análises do elemento “cor” enquanto atributo de sentido no composto rótulo/embalagem de produtos/marca.

Elemento constituinte do mundo em que vivemos e dos mais importantes da sintaxe da linguagem visual, a cor é fundamental na criação publicitária e na identidade visual e marcária. Para Newton César, a beleza incomparável da natureza que vemos só existe por causa da luz: E sem luz a cor não existe. Como podemos afirmar que luz é vida, a cor é parte integrante dela. É necessidade de o homem diferenciar e apreciar as coisas que o cercam não só pelas formas, mas pelas cores. E não há como negar que, psicologicamente, o homem é atraído pela infinidade de tons. É fato inegável que reagimos de maneira mais emotiva do que racional diante das cores. Por isso mesmo, a propaganda e os meios de comunicação abusam das cores, extraem o máximo para despertar sensações, atrair e influenciar o consumo. in Direção de arte em propaganda (2001, p. 185).

Ainda segundo César, na busca por provocar diferentes reações, as cores são usadas para estimular, acalmar, afirmar, negar, decidir, curar e, no caso da propaganda [ou do produto], vender. Ele ainda relaciona a influência das cores [do rótulo de leite Moça e da marca Nestlé] e suas associações: Branco: paz, pureza, batismo, casamento, hospital, neve, frio, dignidade, divindade, harmonia, inocência etc. Azul: céu, feminilidade, tranqüilidade, espaço, fantasia, infinito, afeto, serenidade (...) sobriedade, serenidade, credibilidade. Amarelo: ouro, sol, calor, luz, verão, conforto, idealismo, espontaneidade, alegria.

Vermelho: sangue, vida, fogo, sol, mulher, força, energia, movimento, excitação, emoção. Marrom: chocolate, café, terra, sensualidade...

Ponderando sobre o papel das cores na embalagem devido à proximidade e influência que esta provoca como estímulo “na gôndola, em frente aos olhos, pronta para fisgar quem está olhando”, César não tem dúvida acerca do indiscutível poder de sugestão e persuasão das cores.

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Sobre reações afetivas, cognitivas e comportamentais à cor, considerando que a cor permeia toda a identidade da marca, Perez cita Luciano Guimarães (in: A cor como informação) para explicar que “no processo de visão, a função sensorial do sistema nervoso é inicialmente desempenhada pela retina e só depois que o cérebro processar a informação visual serão gerados os efeitos de sentido, as emoções, as nossas interpretações a respeito do fenômeno que estamos vendo. Estamos criando significados para a visualidade que está diante de nós.” (2004, p. 79). Perez ainda ressalta que “cada dimensão parece estar relacionada com diferentes reações comportamentais. Por exemplo: quanto mais saturada a cor, maior a sensação de que o objeto está se mexendo. Quanto mais luminosa a cor, maior a impressão de que o objeto está mais próximo do que na verdade se encontra”, ou seja, o escurecimento afasta a cor e o clareamento aproxima. E de que “as cores têm temperatura, não uma temperatura física, mas uma sensação associativa intermediada pelos códigos da linguagem.” (Id. Ib.).

O uso da cor como identidade de marca fez da Benetton um exemplo vivo onde a cor não representa apenas um tema publicitário: trata-se do fundamento imaginário e industrial da marca. A cor nesse exemplo, não se resume a um aspecto físico do produto, embora o produto seja a primeira fonte de identidade da marca, mas invade a outra face da dualidade da marca, a cultural.

Nesse sentido, encontramos nas citações de Kapferer uma compreensão adequada da cor como um conceito: Longe de ser um elemento estrito de posicionamento (a marca da cor), a cor torna-se a parte visível, emergente de uma ideologia, de um sistema de valores, de uma cultura de marca. Ao assinar “United Colors of Benetton”, ao mostrar em seus cartazes um bebê louro e um bebê negro juntos, a marca exprime sua inspiração, sua visão idealista de um mundo unido, onde todas as cores coabitem e vivam em acordo. A cor deixa de ser uma simples diferença de fabricante; ela é uma bandeira, um sinal de fidelidade. O hino à cor é cantado pela juventude que a usa. A fraternidade e a tolerância cultural são os valores da marca. (2003, p. 104).

81

Outro elemento a ser observado em nossa análise de caso é o slogan, pois compõe, eventualmente, com a marca uma expressão breve assimilável e de pronta resposta e memorização. Para Aaker, “o slogan pode propiciar uma associação adicional com a marca. Ou ainda, “Um nome e um símbolo em combinação podem ser uma parte importante do brand equity (valor da marca). Contudo, há um limite ao que uma única palavra e um símbolo possam fazer.” (op. cit., p. 214). Em Barbosa (op. cit., p. 684) podemos precisar que o slogan é uma “Frase concisa, marcante, geralmente incisiva, atraente, de fácil percepção e memorização, que apregoa as qualidades e a superioridade de um produto, serviço ou idéias. Do refrão das marchinhas... e da cultura popular brasileira nascem os slogans que alimentam campanhas publicitárias há três gerações. Slogans de sucesso podem adquirir vida própria e cair na boca do povo, tais como: “Parece mais não é” (Denorex); “51, uma boa idéia” (Caninha 51); “A número um” (Brahma); “Tomou Doril, a dor sumiu”.

Slogans podem associar-se ao nome da marca para construir conhecimento e imagem: “Nestlé faz bem.”; como também para encerrar em si, simultaneamente, significados que se relacionam ao produto e à identidade da marca. É o caso, novamente, do slogan “United Colors of Benetton”, que forma uma base poderosa para ser construída a imagem de toda uma organização e sua imagem pública.

Nesse caso, da Benetton, o slogan parece capturar um posicionamento previamente desejado: os aspectos físicos relacionados ao produto (expressividade da cor de suas roupas), a intencionalidade de cunho social (controversas nas imagens exploradas) e a faceta cultural (das pessoas que portam as roupas). Nesse aspecto, lembramos ainda do slogan corporativo da Nestlé que incorpora a dualidade de sentido: Good Food, Good Life.

82

2.4.2 Personagem: a marca mais perceptiva.

A percepção como fonte primária do conhecimento sensível ou empírico é o sentimento interno ou psíquico pelo qual reagimos a determinados atributos. São fatos

da

percepção

os

estímulos

externos

(imagens,

formas,

distâncias,

luminosidade etc.) e as respostas internas (reações do sistema nervoso central e periférico). Nesse sentido, conforme Newton Cunha sobre a percepção temos que: Para a filosofia empirista, o conhecimento seria derivado dessas associações contínuas, das repetições e dos hábitos que adquirimos pela ação dos objetos sobre nós, configurando-se como atividade passiva e dependente. Atualmente, a psicologia da Gestalt e a fenomenologia entendem que as sensações e as percepções devem ser encaradas como a apreensão de uma totalidade estruturada. Dada uma imagem em que faltem determinados elementos constitutivos, o cérebro é capaz de completá-la imediatamente, a fim de recompor a totalidade e encontrar um sentido. Logo, a percepção configura um conhecimento corpóreo, sensorial ou empírico dotado de sentido, ou seja, integrado em nossa vivência particular e dela dependente. (2003, p.

497)

No caso do produto representado pela marca e a pessoa sujeita à comunicação marcária, tanto a marca como o sujeito fazem parte de um “campo perceptivo do qual surgem valores, reações, intenções, significados e formas de comunicação e convivência. A percepção está envolta pela história subjetiva e concreta do indivíduo, por seus traços de afetividade, desejos, perspectivas de vida, graus de conhecimento e situação social.“ (Id. Ib.).

Celebridade / personagem / personalidade43 da marca. Para Aaker “uma celebridade freqüentemente tem fortes associações. Ligar uma celebridade a uma marca pode transferir para esta suas associações. A pessoa ligada à marca não precisa ser uma celebridade.” (op. cit., p. 130-131). A pessoa não precisa nem 43

Personagem [Do fr. Personnage.] sf e sm 1.Pessoa notável, eminente, importante; personalidade, pessoa. 2.Cada um dos papéis que figuram numa peça teatral ou filme, e que devem ser encarnados por um ator ou uma atriz; figura dramática. 3.P. ext. Cada uma das pessoas que figuram em uma narrativa, romance, poema ou acontecimento. 4.P. ext. Ser humano representado em uma obra de arte.

Personalidade [Do lat. tard. personalitate.] sf 1.Caráter ou qualidade do que é pessoal; pessoalidade. 2.O que determina a individualidade duma pessoa moral. 4.Traços típicos; originalidade 5.V. personagem (1). 7.Psic. Organização constituída por todas as características cognitivas, afetivas, volitivas e físicas de um indivíduo.

83

mesmo ser real. Pode ser um símbolo de história de quadrinhos... Há mais controle sobre associações de um personagem41 fictício: a moça do leite Moça, o desenho brincalhão do Jotalhão (Cica), ou a dupla dos centenários pingüins da Antarctica (Fig. 31); o brasileiríssimo tucano da Varig criado pelo Petit em 1953 (“imagem da companhia durante duas décadas”) e o versátil Frango a jato da Sadia (o novo “S” como marca característica criada por Petit, da DPZ) (Fig. 30); a anônima e simpática Moça que ilustra as caixinhas dos palitos da mineira Gina (desde 1947); os Dois Frades habilidosos artesãos do chocolate em pó Nestlé (originalmente, Chocolate Gardano S.A., adquirida em 1957); e, finalmente, o performer garoto da Bombril (Carlos Moreno).

Figura 30 – Frango a jato da Sadia.

Figura 31 – A dupla de pingüins Antarctica.

Determinados personagens que figuram em uma narrativa para a qual emprestam sua imagem, se tornam ícones de produtos em seus segmentos.

Exemplificando, podemos perceber na figura do saudável e expressivo quacre da embalagem dos cereais de aveia em flocos da marca Quaker44 encimado pelo slogan45 : “A fibra de viver com saúde”.

44

Quaker Marca registrada e de domínio da Pepsico do Brasil Ltda.; também detentora das marcas Elma Chips, Coqueiro, Toddy...

45 Slogan, “palavra inglesa derivada da gálica sluagh-ghairm, que significa chamamento às armas, convocação para o exército, grito de guerra. Em publicidade, costuma-se utilizar um mesmo slogan em todas as peças de uma campanha ou durante longos períodos, repetidamente e sem alteração. (...) a maior parte das mensagens publicitárias faz uso desse recurso, como forma de sintetizar a imagem que se pretende “vender” para o público e de fixar os principais atributos do que é anunciado”. BARBOSA (2001, p. 686).

84

Acessando ao site da Quaker obtivemos o seguinte relato:

Em 1877, em Ravenna, Ohio (Estado do Meio-Oeste americano), a Quaker Mill Company, empresa fundada por Henry D. Seymor e Willian Heston, registra a marca que viria a ser uma das mais conhecidas em todo o mundo: QUAKER®. Posteriormente a empresa se uniu a outras duas companhias que também beneficiavam aveia, uma de Iowa, dirigida por John Stuart, seu filho Robert e George Douglas, e a Mills American Oatmeal Company de Ferdinand Schumacher, e assim, em 1901, em Chicago, Illinois, era criada oficialmente a The Quaker Oats Company. Embora não estivessem diretamente ligados aos “quakers”, escolheram a figura de um “quaker”, em seu traje típico, como símbolo de seu produto, numa alusão aos preceitos de pureza, alimentação natural, saudável e integridade adotada por aquela comunidade de colonizadores. Surgia assim a marca que virou símbolo de qualidade. Esses homens mudaram os hábitos alimentares dos americanos, com um conceito único de alimento saudável e natural.

Desde então, tudo que a Quaker® produz traz a figura do “quaker” nas embalagens, indicando ao consumidor que se trata de um produto alimentício saudável, de qualidade e no qual ele pode confiar.

Outra personalidade comum nas embalagens de produtos de apuro gastronômico é a da Cordobesa (originária de Córdoba, Espanha) – a “cigana espanhola” com suas duas latas de azeite finíssimo (encimado pela expressão “sem colesterol”): o “azeite do seu coração” Carbonell - produto espanhol de Córdoba cuja imagem, à semelhança da moça suíça da Nestlé, chama a atenção no rótulo ilustrado com cores vivas e atraentes, em seu traje típico e sensual.

Semelhantemente, a título de comparar com outro referencial brasileiro, poder-se-ia analisar a moça da La Violetera - marca brasileira congênere desde 1928.

2.4.3 A arma mais poderosa para construir e manter marcas: publicidade.46 “A primeira coisa que a publicidade vende é o seu próprio discurso.” (Prof. G.C. Nascimento – UTP).

46

Entendemos ser desnecessário esclarecer as diferenças entre Publicidade e Propaganda, aqui generalizadas para não tornar o texto polêmico uma vez que os termos dicionarizados são sinônimos.

A exemplo desses termos, também adotaremos livremente ‘marca’ como sinônimo dos termos logotipo e logomarca, pois não alterarão o significado peculiar do termo chave extensamente empregado na narrativa do nosso trabalho; embora sejamos favoráveis à precisão de cada termo empregado.

85

Extraímos das conclusões do publicitário e psicólogo norte-americano Sal Randazzo as considerações que se seguem, para abertura do assunto Publicidade, por entendermos que suas reflexões vêm ao encontro de nossa curiosidade quanto ao uso do inconsciente coletivo na comunicação estratégica publicitária para criar marcas de sucesso: A publicidade cria marcas embrulhando os produtos com os nossos sonhos e fantasias, mitologizando-os. A publicidade cria marcas humanizando e personificando os produtos com identidade, personalidades e sensibilidades que refletem as nossas próprias.

Desta forma, a publicidade faz com que o consumidor crie vínculos emocionais com a marca. Trabalhem cuidadosamente com a força que a mitologia publicitária proporciona aos produtos. (1997, p. 399) [grifos meus]

Randazzo, que baseou seus estudos nos arquétipos sob o enfoque junguiano (ligações entre as estruturas arquetípicas do inconsciente coletivo e as ações consumistas das sociedades globalizadas, estimuladas pela publicidade) afirma que a publicidade utiliza essas estruturas em favor do consumo ao criar suas mensagens que levam o sujeito a buscar na aquisição de bens materiais a satisfação de suas frustrações emocionais e de seus desejos inconscientes.

Considerando essas premissas entre outros aspectos relacionados do consumo como norma de conduta, Marcovitch afirma que “a constituição da subjetividade está diretamente ligada ao meio social e que os desejos inconscientes, o comportamento consumista e a lógica de mercado permeiam, não apenas o indivíduo, mas o todo social, moldando tanto os sonhos e o desejo de cada um como o comportamento em grupo socialmente aceito.” (2005 p. 76-78).

Por trás da construção e manutenção de marcas expressivas está o trabalho de criação e produção das agências de publicidade, que imagina e planeja o conteúdo das mensagens e as executa de acordo com a linguagem mais adequada (gráfica, audiovisual, web)... elabora a estratégia da campanha ou do plano de marketing e define sua veiculação pelos diversos meios.

86

2.4.3.1 Da linguagem publicitária: as características do texto publicitário.

“Publicidade, como toda comunicação, é manipulação” (DISCINI, op. cit., p. 20).

Mormente, no discurso publicitário a marca pode ser entendida como um sistema de significação, de informação e de ideologia. Pois, uma vez que ela é fruto dos constantes avanços tecnológicos (p.ex. as marcas de telefonia móvel) e sociais (novos hábitos de uso criados para consumo dos aparelhos e serviços do mesmo sistema de telefonia móvel, de qualquer marca) esse processo alimenta seu referencial repertorial nessa mesma sociedade, cliente da marca que a cria, a mantém e a estimula.

Pela diversidade de públicos e de suas diferentes percepções, a marca é, portanto, fator primordial nas estratégias de enunciação da comunicação publicitária onde poderemos observar o uso de interfaces na pluralidade de meios e suportes como estratégia de comunicação integrada (objetivando provocar sinestesia, p.ex.): uso de mídias simultâneas (principal e de apoio) para garantir atingimento mínimo de público-alvo nas campanhas publicitárias definidas pelo marketing; consoante peculiaridades do produto ou serviço que se deseja veicular, os objetivos da marca anunciante e o perfil do público a que se destina a mensagem.

Tendo em vista que nosso tema versa sobre razão e sensibilidade da marca, começaremos citando João Anzanello Carrascoza (2004, p. 33) que considera importante mencionar as modalidades virtualizantes que estão na base de toda a ação humana, segundo a lógica e a semiótica modais de Greimas: o querer e o dever. “A partir dessas modalidades, de acordo com Aldo Bizzocchi (apud CARRASCOZZA), as atitudes ou práticas sociais podem ter uma função hedônica (que conduz ao prazer, ou cuja motivação seja o querer) e uma função pragmática (que leve a uma ação utilitária, ou motivada pelo dever)”.

87

Ao estudarmos as funções da linguagem de Roman Jakobson em seus capítulos dedicados à Lingüística (JAKOBSON, 2001, p. 77), o autor afirma que “o instrumento principal de comunicação portadora de informação é a língua”, do falar de todos os dias, notadamente a das figuras de linguagem. No capítulo: Lingüística e Poética, encontramos o modelo comunicacional onde são apresentados os “fatores constitutivos de todo processo lingüístico e, em seguida, as respectivas funções da linguagem, de todo ato de comunicação verbal”. Assim, Jakobson explica-nos que uma mensagem, de qualquer natureza ou fim, sempre enfatizará um dos elementos que compõe esse modelo47:

CONTEXTO Referencial MENSAGEM DESTINADOR

Poética

DESTINATÁRIO

CONTATO Emotiva/Expressiva

Fática

Conativa/Apelativa

CÓDIGO Metalingüística Figura 32 – Adaptação do Esquema de Jakobson.

Resumidamente, podemos expressar cada função da linguagem, segundo Jakobson, centrada num destes pontos da rede de comunicação: Referencial (ou utilitária): objetiva a informação propriamente dita; a mensagem denota coisas reais, focalizando o objeto.

Poética: focada na mensagem, vale-se do ritmo, dos sons, das figuras de linguagem; estruturada de modo ambíguo, pretende atrair a atenção do destinatário.

47

A função desse detalhamento será apenas a de dar respaldo à nossa análise de funções da linguagem nos exemplos do próximo capítulo. Para Carrascozza, das funções da linguagem apontadas por Jakobson, a conativa é a que não pode faltar ao discurso suasório, de formato dissertativo, visto que centrada no destinatário, instaurando uma falsa intimidade com ele para ocultar o caráter coletivo da mensagem. A função conativa tem papel essencial na auratização da mensagem [publicitária] por passar a impressão de que ela foi feita especialmente para aquele que lê (o indivíduo), enquanto o foi para todos (a massa). (op. cit., p. 52-53).

88

Fática: pretende verificar se o canal de comunicação está operando; visa segurar o contato. Vale-se, às vezes, de cacoetes como Certo? Entendeu? Sabe?

Metalingüística: preocupa-se com o código da linguagem; a mensagem elege outra mensagem para seu objeto. Ex.: a explicação de um texto.

Emotiva ou expressiva: subjetiva - o emissor fala de si mesmo (exacerba a presença do sujeito enunciador: pronome na 1ª pessoa e a flexão de pessoas dos verbos).

Conativa ou apelativa: persuasiva, quer influenciar, seduzir o receptor - o enunciado apela fortemente ao receptor; representa uma ordem (modo imperativo do verbo); vocativo. Comentada logo a seguir.

Figura 33 – Exemplo de função conativa: O anúncio impresso (Revista Veja, junho de 2005) da Nestlé sob o título exortativo, apela persuasivamente ao receptor da mensagem no sentido de obter a sua adesão: DOE UM NESCAU E GANHE UM CONVITE. PARTICIPE! Confira... garanta... Consulte o site. Ou pelo convencimento, “Torcer pelo time [Nestlé] faz bem.”

2.4.3.2 A Função conativa ou apelativa (e os estereótipos).

89

É na função conativa que a publicidade encontrou seu melhor apelo persuasivo. Samira Chalhub, ao analisar a origem do termo “conativa”, também afirma que o grande objetivo da função apelativa é persuadir. Diz a autora que a palavra “conativa tem sua origem no termo latino canatum, que significa tentar influenciar alguém através do esforço. A função conativa é também chamada de apelativa (Fig. 33) [Fale com a Nestlé, ou Fale com a Moça], numa ação verbal do emissor de se fazer notar pelo destinatário, seja através de uma ordem, exortação, chamamento ou invocação, saudação ou súplica.” (2003, p.22).

A predominância da função conativa ou apelativa é a primeira característica que se pode observar no texto publicitário. Desse modo, se o objetivo da função conativa ou apelativa é exaltar o receptor priorizando-o e a função das peças publicitárias é convencer o público-alvo, fazê-lo crer que o nosso produto (ou serviço) é o melhor para o consumidor; nada mais estratégico e coerente do que se utilizar a função conativa nos processos de comunicação mercadológica.

Enquanto que os estereótipos, em publicidade, são fórmulas já consagradas, tanto nos códigos visuais quanto no lingüístico. Como ‘verdade’ já aceita pelo público, o estereótipo impede o questionamento a respeito do que está sendo comunicado [Família unida, como torcida organizada – idéia do anúncio acima].

Agora, passaremos à segunda característica que diz respeito à divisão do texto publicitário em suas partes principais: O objetivo do discurso publicitário é o benefício do anunciante (enunciador), em nosso caso a Nestlé, embora tente convencer o receptor da mensagem nas várias manifestações aqui estudadas, a de que ele será beneficiado ao consumir o produto (ou serviço).

A publicidade, via mídia, promovendo a demonstração do produto/embalagem exerce um papel dominante no desenvolvimento das personalidades de algumas

90

marcas. No entanto, há muitas outras manifestações a partir das quais os consumidores (o público em geral) extraem suas percepções sobre a personalidade da marca. Alexander Biel (2004)48, ilustra algumas das principais manifestações de contato que interferem na personalidade da marca. A atitude da comunicação com foco na marca, no entanto, mais que a frenética busca share of mind (medida de aferição do conhecimento da marca que um determinado público tem na memória) é preciso estar atento ao share of heart - isto é, até que ponto ela ajuda a criar um vínculo emocional entre o consumidor e a marca - conceito defendido por Roberts (op. cit.) acerca das Lovemarks ao se criar uma campanha de comunicação frente aos desafios do mercado atual. “Diante de tantas marcas, produtos e empresas, a decisão de compra tem se tornado uma tarefa cansativa; conforme observamos no artigo do prof. P. Cunha (ESPM), que explica como desenvolver uma nova atitude da comunicação”49.

Apesar de compartilharmos desse enfoque da Lovemarks, há, no entanto, as “puladas de cerca” a tal ‘infidelidade’ do cliente conforme nos revela o artigo: A praga das quebras: “(...) o consumidor demonstra cada vez menos fidelidade extrema às suas marcas de coração: quando não as encontra no supermercado” (EM, maio de 2005, p.22) [grifo meu]; ao se referir à falta de produtos nas gôndolas por descontrole [ruptura] no abastecimento. Lembrando que “ele [o consumidor] mostra maior disposição para traí-las, colocando produtos de bandeiras concorrentes em seu carrinho, do que para buscá-las noutro estabelecimento”.

48

Citado no capítulo Explorando a magia da marca. In: A publicidade na construção de grandes marcas. São Paulo: Nobel, 2004.

49 O mix de comunicação de marketing aqui representado apenas pela Publicidade, é composto de cinco formas essenciais de comunicação: Propaganda, Promoção de vendas, Relações públicas e publicidade, Vendas pessoais e Marketing direto, conf. Philip Kotler Administração de Marketing: a edição do novo milênio. São Paulo: Prentice Hall, 2000. (p. 570). Segundo esse mesmo autor, os estudos contemporâneos de comunicação e marketing destacam a importância das marcas e das mídias como forças inquestionáveis de transformação social e do mercado consumidor.

91

2.4.3.3 Kidfluence50 o caso de amor das crianças pela marca (e da marca pelas crianças).

Em vista de a nossa investigação incluir as representações da marca em todas as faixas etárias e sem distinguir classificações sociais ou econômicas, e em se tratando de um alimento primordial (leite) presente desde a mais tenra idade na alimentação humana, introduzimos esse tópico que relaciona a marca e seu público infantil (Fig. 34). Nesse tópico, a contribuição nos é dada por Damásio: Na aurora da humanidade, a palavra não existia. A linguagem surgiu quando o homem, e talvez algumas espécies que o precederam, soube conceber e organizar ações, elaborar e classificar as representações mentais de indivíduos, eventos e relações. Da mesma forma os bebês concebem e manifestam conceitos e organizam inúmeras ações bem antes de pronunciar as primeiras palavras e frases. Entretanto, nem sempre a maturação da linguagem depende da dos conceitos: algumas crianças têm deficiência dos sistemas conceituais, mas possuem uma sintaxe correta. Os centros neuronais que asseguram certas operações sintáticas parecem se desenvolver de forma autônoma. (2005, p.22).

Pelas poderosas forças do marketing campanhas publicitárias dispendiosas também encontram um público receptivo na criança, onde as atividades relacionadas à mídia (TV, rádio Internet e jogos de computador) ocupam mais de sete horas diárias. Nasce assim preferência por determinadas marcas constantes nas atividades infantis diárias. “Pesquisa sobre kidfluence mostra que as crianças começam a reconhecer marcas - as boas, as ruins, as que não têm graça - antes de completarem 2 anos. O aluno médio da 1ª série está familiarizado com 100 marcas, e os da 6ª reconhecem cerca de 300 a 400 marcas, desde cereal matinal até CD players, passando por tênis fashion (Nós, adultos, contamos com cerca de 1500 marcas em nosso repertório). 90% dos pedidos das crianças são feitos em termos de nome de marcas”. (THOMPSON, autora da pesquisa Kidfluence).

50

Pesquisa feita pela jornalista Beth Thompson, co-autora de Kidfluence: why kids today mean business (influência infantil: porque hoje crianças significam negócios) (in Seleções de setembro de 2005), descreve kidfluence como “a força da influência das crianças nas próprias compras e nas da família”. Atualmente, em relação ao público infantil a kidfluence significa um grande negócio de marketing nos países ocidentais.

92

Figura 34 – Turma do mingau. Anúncio impresso da década de 1980. (AHN)

Em relação ao assédio da marca comercial/institucional no ambiente educacional, Klein relata “é claro que as empresas que avançam pelos portões das escolas nada têm contra a educação. [...] mas por que não ler sobre nossa empresa, escrever sobre nossa marca, pesquisar suas marcas preferidas ou apresentar projeto para nossa próxima campanha publicitária? Ensinar os estudantes e construir consciência de marca, como essas corporações parecem acreditar, podem ser dois aspectos do mesmo projeto”. (2003, p. 113).

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Pequenos grandes consumidores51: O censo demográfico mostra que a participação das crianças na população tem caído e que existe uma significativa diminuição na taxa de natalidade nos últimos 20 anos. Entretanto, conforme análise do professor da ESPM Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo 52, João Matta, embora tenhamos menos crianças, elas iniciam muito cedo a vida como consumidoras e estão cada vez mais participativas no processo de decisão de compra das famílias. Por isso, é preciso olhar para esses pequenos grandes consumidores... de marcas.

A propósito de estratégias de comunicação para alcançar crianças (somente esse tema já levanta questões da regulamentação da publicidade infantil e a relação dos jovens com as marcas, entre outros), embora não sejam focos do nosso trabalho, há dezenas de marcas Nestlé que cativam o público infantil vinculado a hábitos alimentares desde a mais tenra idade entrelaçados por convivência emocional e afetiva. Entre as mais representativas podemos citar o leite em pó (modificado) o novo Ninho 1+ 3+ 6+ anos (Fig. 35) em cujas campanhas de propaganda se manifesta um forte estímulo à substituição do aleitamento materno e do uso do leite in natura. A ponto de suas peças publicitárias exibirem por exigência legal, o seguinte aviso:

51

Crianças brasileiras são campeãs mundiais de permanência diante da TV. As crianças brasileiras são as que passam mais tempo diante da televisão no mundo = 3 horas e 31 minutos por dia, seguidas das americanas = 3 horas e 16 minutos, de acordo com uma pesquisa da Eurodata TV Worldwide. Segundo este estudo, realizado em nove países (Brasil, Estados Unidos, Indonésia, Itália, África do Sul, Espanha, Reino Unido, França e Alemanha), a televisão continua sendo uma fonte essencial de entretenimento para as crianças. CANNES, França, 17 out 2005 (AFP) – http://televisao.uol.com.br/ultnot/2005/10/17/ult32u12418.jhtm. Dados divulgados no Mercado Internacional de Comercialização de Programas de televisão (Mipcom), o maior evento do setor de audiovisual do mundo.

52 Newsletter ESPM de setembro 2005. Entre as ações de responsabilidade social, em torno do produto Moça, a Nestlé fornece a Merenda Nestlé, doada a escolas públicas, creches e outras entidades sociais. (AN no 177).

94

“O Ministério da Saúde adverte: o aleitamento materno evita infecções e alergias e é recomendado até os dois anos de idade ou mais”.

Figura 35 – Novo Ninho: influência desde a mais tenra idade. (PD) Nesse mesmo exemplo, a composição da comunicação do rótulo – ilustrada por crianças em plena atividade (personagens “reais” do dia-a-dia, saudáveis e sorridentes; esbanjando energia) o público infantil é convocado a preparar Ninho com Nescau (a marca mais reconhecida no segmento de alimentos achocolatados). É interessante lembrar que no Top of Mind, a marca Ninho da suíça Nestlé é a mais lembrada por 22% dos entrevistados (a Parmalat vem em 2º com 15% e Itambé, com 9%). Ainda nesse mesmo segmento, a Nestlé segue na ponta na categoria chocolate (onde a marca Nestlé é sinônimo de produto, independentemente da marca fantasia de produto) com 38%, seguida pela Garoto (adquirida em anos passados pela própria Nestlé) com 26%, num total de 64%. No entanto, liderança não garante isenção de risco na imagem de marca53.

Riscos na imagem de marca corporativa: “Nestlé retira leite do mercado europeu"  A Nestlé SA, a maior empresa mundial de alimentos, disse ter retirado do mercado italiano duas marcas de leite infantil após funcionários da área de saúde da Itália terem descoberto que uma pequena quantidade de um produto químico presente nas embalagens havia contaminado os produtos”. Folha de S.Paulo (p. B 14) de 23 de novembro de 2005. Causa: vestígios de isopropil-tioxantone, produto químico conhecido como ITX e utilizado na tinta das embalagens de leite em pó Nidina 2 e Latte Mio. Em junho passado, a Nestlé recolheu duas variedades do leite em pó Neslac na China, após autoridades locais terem descoberto que elas continham iodo demais. Folha (id.).

53

95

CAPÍTULO 3 – ESTUDO EXPLORATÓRIO DE MARCA CONSAGRADA “A marca em sua complexidade simbólica não somente comunica sentidos como também os produz”.

ZOZZOLI (2005).

A proposta que se estabelece a partir daqui é de uma breve análise das manifestações da marca Nestlé, que funcionam como representação presente no contexto

ambiental

de

contato

ou

de

manuseio

do

composto

produto/

embalagem/rótulo e de comunicação/publicidade com seu usuário; tendo como base de amostra algumas peças selecionadas e representativas de textos sincréticos com prerrogativa para a evocação da imagem como portadora de sentido na representação da marca. Uma vez estabelecido um vínculo comunicacional e afetivo (Fig. 36), a marca passa a funcionar também como uma poderosa interface verbal e não verbal nos diversos estágios de sua manifestação.

.

Figura 36 - Anúncio brasileiro de 1916. (AHN): mensagem de fortes conotações.

96

Complementando o estudo da marca, nos sub-capítulos seguintes, faremos ainda um breve levantamento historiográfico da organização Nestlé para ilustrar o nosso trabalho, fundamentados em pesquisa pessoal no Nestlé Centro de Pesquisa e Documentação - Acervo Histórico em São Paulo-SP. Aspectos variados sobre o uso do leite como alimento humano serão apenas citados como ilustração de sua importância no dia-a-dia das pessoas. (Fig. 36).

3.1 ANÁLISE DAS PEÇAS DE COMUNICAÇÃO NESTLÉ “Fuera del texto, no hay salvación “[texto aqui entendido também, como qualquer manifestação significante: marca/símbolo de um produto/empresa, um comportamento etc.].

A. J. Greimas (apud FLOCH, 1993, p.19).

3.1.1 Imagem: identidade visual. Personagem: do analógico ao digital.

Como vimos anteriormente, considerando que interpretar e analisar uma mensagem consiste em compreender que significações determinada mensagem, em determinadas circunstâncias, provoca aqui e agora, sempre tentando destrinçar o que é pessoal do que é coletivo. Observaremos e examinaremos as figuras apropriadas momentaneamente para melhor compreender o que a imagem suscita em nós.

Comparando com outras imagens, buscaremos uma interpretação razoável e plausível da mensagem, considerando o momento e as circunstâncias de sua utilização, visto que “a imagem de qualquer objeto ou situação documentada pode ser dramatizada ou estetizada, de acordo com a ênfase (intenção) [...]”. Cossoy.

97

Figura 37 – A Moça estetizada: nova linguagem da leiteira da Nestlé. (AHN)

No “campo perceptivo” de cada imagem, em se tratando da protagonista da enunciação, as figuras se distinguem dos temas devido ao maior grau de concretude: a moça leiteira, o avental, os baldes de madeira para ordenha... remetem ao mundo natural (sentido explícito). Acerca das figuras visuais, Discini explica dessa forma: “figuras são unidades semânticas que acionam a percepção tátil, auditiva, olfativa, visual, do sujeito” (2003, p. 270-271).

Partindo da comparação entre imagens do rótulo do leite condensado Moça, onde a primeira imagem (conservadora) da leiteira foi utilizada a partir de 1878 – portanto, há mais de um século - e a última, a partir de 2003, poderemos traçar um paralelo da personagem (cuja identidade foi preservada mesmo com a evolução) que inicialmente ilustrava a embalagem cilíndrica (de aço) e sua congênere.

Em comum, neste caso, as personagens atuam como um tipo de símbolo de marca, assumindo características humanas ou da vida real, desempenhando um papel de protagonista enunciadora das qualidades e benefícios do produto. Como figuras reais, na função de leiteiras, harmonizam o enunciado da narrativa

98

mercadológica: vendem a imagem da marca além de comunicar um importante benefício do produto: a sua qualidade. Ambos os casos, semelhantes na postura, vestuário e contexto, despertam, portanto, a confiança e a simpatia do consumidor e contribuem para transmitir a personalidade da marca. O seu caráter humano, feminino e hospitaleiro, em nosso entendimento, potencializa a capacidade do consumidor de ter um relacionamento maior com a marca Moça/Nestlé.

Em nossa análise, observamos relações internas de sentido dadas no plano do conteúdo e no plano da expressão do texto exemplificado entendendo que a dualidade de sentido, em ambos os casos, esteja fortemente ligada aos conteúdos veiculados por meio da expressão do texto (verbal e visual), do seu significado, e dos vários sentimentos suscitados pelas personagens em cada época e contexto. No texto verbal escrito, as idéias expressas nas frases encimadas pela marca desde 1921: “Tradicional” [antes] e “Fazendo maravilhas... maravilhas...” [depois] (Fig. 38) estão encadeadas com idéias do texto visual, formando um único e novo texto, dito sincrético, unificado em um único elemento: a marca Nestlé, que suporta todo o texto na construção de sentido – o sujeito da enunciação.

Figura 38- Permanência da personagem do “leite da Moça”: ainda com a embalagem

cilíndrica, conservava a tradição da imagem consagrada da leiteira. (AHN)

99

Figura 39 - Rótulos abertos contam a história de 100 anos de Leite Moça. (AHN)

Década de 1960

Década de 1970

Década de 1980

100

DĂŠcada de 1990

Anos 2003/4

Ano 2004 (lata litografada)

101

No texto visual da Moça remoçada (que ganhou maior estatura e expressividade), as cores atrativas dos azuis sobre fundo branco (predominante em todo o rótulo de ambos exemplos), formam uma combinação de cores com o vestuário da personagem em tons vivos de vermelho do vestido e da flor aplicada em amarelo. Em harmonia com o conjunto, o expressivo logotipo “Moça” faz um jogo metonímico: usa-se a marca para designar o produto; farfalha com o avental asseado e a elegante blusa, ambos brancos sombreados com azul celeste; condizentes com o conteúdo do tradicional balde leiteiro de madeira, sustentado pelas delicadas porém vigorosas mãos da esmerada moça leiteira. A própria marca Nestlé que encabeça o enunciado sintetiza as cores em meio a nuvens de um perfeito azul celeste (o mesmo tom de azul forma as sobras do logotipo Moça).

Figura 40 - Moça remoçada em 2003/4 (AHN)

No plano da expressão, o ilumina

implicitamente

“Sol” explícito

os

elementos sob

a marca. A sensorialidade na

forma sinuosa

e no tamanho exaltado das letras

do

Moça, suscita o sentido criado no

plano

conteúdo. Ainda no plano de

expressão, as

próprias figuras são sincréticas

no sentido de

logotipo do

incorporar elementos culturais diferentes: fusão da conservadora moça Laitière suíça (Fig. 39) à da pós-moderna Moça remoçada do século XXI (Fig. 40). A relação de ambas opera em aparente sintonia de afirmação no pólo “natureza” e com os hábitos e costumes de época europeus; porém, distantes da imagem que temos de nossa mestiça cabocla – em relação de contrariedade com o pólo “cultura”.

102

O texto exemplificado, no nível narrativo apoia-se na manipulação exercida sobre o leitor não somente para convencê-lo a favor dos produtos Moça (da nova embalagem), mas, em sentido implícito (objeto de desejo), elevar ao prazer das “maravilhas” que podem ser feitas como prêmio por escolher a marca Nestlé.

Detalhe da figura 26.

Apesar da preservação de valores mantidos pela marca Nestlé, tais como, “Qualidade e Confiança” presentes no texto (anverso da lata) do selo instituído pela marca desde 1921, com o passar do tempo houve a necessidade de uma versão mais recente da personagem para que sua imagem evolui-se e fosse atualizada para corresponder aos anseios de seu público-alvo: mulheres, principalmente. A nova imagem da Moça, abrasileirada, mais jovial, realista e atualizada parece condizer com as aspirações de seu próprio público. Valores de semelhança que buscam definir o sujeito da comunicação.

PERSONAGEM: do analógico ao digital, da progênie La Laitière (1ª geração), passando pela geração remoçada pós-moderna, criou-se a dinâmica personagem digital “Mocinha” para atender aos anseios da nova geração: o público infantil – alvo de nosso estudo em Kidfluence.

103

Figura 41 – Mocinha do Bob’s

Há sentido na afirmação de Roberts (op. cit.) de que o caso de amor pela marca estabelece conexões emocionais (duradouras)54 e parece ser o responsável pela “Grande Família” gerada nos domínios da marca Nestlé. A “marca-mãe” se expandiu ao longo do tempo de conquista de seu público visado gerando novos “filhotes” projetados nos vários seguimentos em que atua.

“O começo de um relacionamento foi por volta de 1890. O Brasil tinha acabado de abolir a escravatura e a monarquia. Éramos finalmente uma república. Imigrantes começaram a chegar em nossos portos, trazendo novas idéias e novos hábitos. Num dos primeiros navios, veio um carregamento de leite condensado com a garantia do doutor Henri Nestlé e o desenho de uma simpática moça estampado no rótulo. O nome: “Milkmade”. Em pouco tempo, os brasileiros caíram de amores pela latinha. Mas aprenderam a chamá-la de modo muito mais carinhoso: o Leite da Moça.

Desde então, essa Moça se tornou uma das nossas maiores tradições, acompanhando a mulher brasileira em todas as suas conquistas.” Texto comemorativo impresso na embalagem especialmente produzida pela Cia. Siderúrgica Nacional (CSN). [grifo meu].

54

104

3.1.2 Campanha publicitária do Moça: retrospectiva refletida.

Quando destacamos que a publicidade cria marcas embrulhando os produtos com os nossos sonhos e fantasias, mitologizando-os. E que a publicidade também tem o poder de humanizar e personificar os produtos com identidade, personalidades e sensibilidades – conceitos baseados em Randazzo (Cap. 2.4.3) -, indo do sentido explícito para o implícito, tínhamos em vista uma campanha de publicidade de revitalização do produto Moça. Essa campanha veiculada na mídia impressa, lançada pela Nestlé no limiar do século XXI, ficou conhecida por refletir a pessoa notável que representa o Moça para as brasileiras. Assim como um espelho, tão caro aos cuidados femininos, a personagem se transveste evolutivamente para representar as transformações sócio-culturais na personalidade feminina entre os anos modernos, os da revolução cultural e o contemporâneo pós-moderno. (Fig. 42).

Através das gerações ali manifestas, o plano de expressão dessa criação publicitária de semelhança da personagem da marca revela apelos imbricados na trama da história com o seu público visado. E, na “essência da marca”, ao mesmo tempo em que proclama o renascimento do Moça como marca evolutiva, projeta a Nestlé como agente de significados acerca do mundo em que vivemos ou mesmo de um mundo possível, em vez de fabricante de produtos. Pode-se depreender daí que Moça não é um produto, mas uma atitude, um conjunto de valores, um conceito.

Da narratividade da enunciação - o texto das peças publicitárias em análise -, depreende-se um enunciador que, como destinador de valores, manipula o enunciatário-consumidor, o destinatário da mensagem, para que este queira e deva entrar em conjunção

com um objeto dado

como desejável: a

imagem

rejuvenescedora da moça refletida. Estamos falando de manipulação e isotopia.

(DISCINI, op. cit., p. 274-275).

105

Simulando um personagem em reflexão: “toda mulher tem seu lado moça”, com os tons sépia da nostalgia, os anúncios são como voltar no tempo e observar onde o conceito de marca teve início; ou ainda, um exame psicológico/ antropológico do que significa a marca Moça para a cultura e a vida das pessoas.

Figura 42 – Imagem da personagem em reflexão: analógica, digital e virtual.

Anos 20 “Milkmaid”.

O nome era Milkmaid. Mas começaram a chamar “Leite da moça” e o resto da história você já sabe.

Anos 30 Em 1934 foi eleita a primeira mulher no Brasil. Isso para deputada federal, porque na despensa já havia uma outra moça muito bem votada desde 1890.

106

Anos 50 “Surge o Rock’n’Roll”.

Surge o Rock’n’Roll, o liquidificador, o pudim de Leite Moça. E as mulheres passam a suar menos na cozinha e mais nos bailes.

Anos 70 “A década das revoluções”.

A década das revoluções: hippies, festivais de música, movimento feminista e doce de leite na panela de pressão.

107

Anos 90 “Chefs”.

Anos 90: mulheres chefes no trabalho, homens chefs na cozinha.

Ano 2001 “Prazer Virtual”.

Prazer virtual? Tomara que não estejam falando de doces.

108

3.1.3 Embalagem/rótulo, slogan.

Depois de 83 anos, a Moça ganha um insinuante e exclusivo contour na nova embalagem ‘com cintura’, criando a percepção que “se mexe”, se expande, vibra e é dinâmica, acentuando a feminilidade dos seus traços na sinuosidade das curvas.

Figura 43 – A sinuosidade das curvas acentuadas na nova embalagem (litografada).

A jovem com trajes típicos que aparece no rótulo da embalagem do leite Moça remete à tradicional camponesa suíça do século XIX. Naquela época, o leite condensado mais popular na Suíça tinha a marca La Laitière, que significa vendedora de leite. Personagem que ultimamente sofreu uma operação de rejuvenescimento e ganhou ares de pós-modernidade em seus trajes e perfil, evocando uma cumplicidade afetiva com seu público. (Fig. 43).

Foi exatamente o contato afetivo estimulado pela figura feminina (sentido implícito de maternidade, feminilidade, doçura) com os consumidores que possibilitou a “latinha” (de leite condensado) ser apreciada, desejada. Nesse caso, “a amplitude de ação da embalagem é estendida passando a ser também responsável pela conexão afetiva com o consumidor”. (PEREZ, 2004, p. 67).

109

À medida que as pessoas mudam seus hábitos culinários, os fabricantes necessitam acompanhar essas mudanças e inovar os seus produtos. No caso da Nestlé, a embalagem derivada do tradicional leite Moça gerou a bisnaga “Serve Fácil” para uso casual e para a moçadinha (público infantil), o sachê da Mocinha.

Figura 44 - Moça de apertar (AHN): Slogan: “Um prazer que você leva onde quiser”.

Figura 45 – Embalagens criadas para atender a novos hábitos.

Slogan: “O leite Moça da moçadinha”. (PD)

110

No breve estudo acerca da imagem visual - expressiva ou comunicativa (2.2.4), consideramos que a imagem é sempre uma mensagem para o outro; para quem foi produzida. Considerando o “back” (anverso da nova embalagem) como texto dialógico a ser examinado, uma vez que “todos os textos têm, pressupostos, um sujeito destinador e um sujeito destinatário, entre os quais se firmam valores e crenças a ser partilhados [...] e supõem na enunciação sujeitos alterados por quereres, deveres, poderes, saberes; sujeitos dados pela falta de um objeto de desejo a ser buscado; sujeitos complexos, sujeitos em contínua construção, como o próprio texto.” (DISCINI, 2005, p. 33), passemos à observação dos seus elementos.

Figura 46 - Back Nova versão (2006). (PD). Em 1955, o rótulo passou a indicar o produto para uso culinário ou doméstico na preparação de diversos pratos.

Para melhor elucidação recorremos a Geraldo C. Nascimento: “na semiótica greimasiana, as modalidades - /querer/, /dever/, /saber/, /poder/ -são determinantes que estão na raiz da teoria do sujeito, do objeto e da sintaxe narrativa” (2201, p. 16).

111

Partindo do plano da expressão, na sensorialidade dada pela fotografia da moça “modelo”, que, neste caso, substitui ou evoca a imagem “real” da verdadeira Moça, estabelece-se uma relação de proximidade entre os sujeitos da enunciação. A própria fotografia contribui no texto sincrético para uma relação de cumplicidade entre sujeitos da mensagem, dada por um acordo de veridicidade entre as partes envolvidas na comunicação. A credibilidade da imagem fotográfica torna-a assimilável pois “seus conteúdos são aceitos como expressão da verdade” (COSSOY, 2001). Porém, como o próprio autor nos explica: A realidade da fotografia não corresponde (necessariamente) à verdade histórica, apenas ao registro expressivo da aparência. Seu potencial informativo poderá ser alcançado na medida em que esses fragmentos forem contextualizados na trama histórica em seus múltiplos desdobramentos sociais, políticos, culturais, que circunscreveram no tempo e no espaço o ato da tomada do registro.

Apesar de que “o sentido dos textos pode ser buscado para além da aparência” (DISCINI, op. cit, p. 200), no texto exemplificado o plano da expressão na materialidade da cor saturada e do formato e tamanho das letras no expressivo slogan de que “Na dúvida? Fale com a Moça”, recria em si mesmo o sentido dado no plano do conteúdo: “Mais uma forma de amar você”.

O novo back (expressão dada pelos designers) já não traz as tradicionais receitas que tanto estimulavam o uso do produto na culinária brasileira, porém, remete, numa dinâmica contemporânea de relação de proximidade, as clientes a buscarem As mais deliciosas receitas, dicas e soluções culinárias 24 horas por dia.

Ligue [...] e confira também no site: www.nestle.com.br/falecomamoca.

A idéia de sedução aqui desenvolvida, segundo a visão baudrillardiana citada anteriormente, exerce o papel de um simulacro: “essas simulações existiriam para levar as pessoas a pensarem que uma realidade identificável realmente existe... onde o signo é mais importante daquilo que representa” (BAUDRILLARD, op. cit.).

112

Ainda, conforme Jacques Aumont, o simulacro não provoca, em princípio, ilusão total, mas ilusão parcial; forte o suficiente para ser funcional. (2004, p. 102).

Do conteúdo do texto analisado, é possível abstrair uma “narratividade de sujeitos que se manipulam e se transformam na busca de um objeto de desejo: o prazer gustativo”. Pode-se presumir daí uma manipulação de um “destinador que propõe a um destinatário valores a ser partilhados, para que se estabeleça um contrato de confiança mútua.” (DISCINI, op. cit., p. 31).

Nas extensões da marca Moça, em diferentes formatos e tipos de embalagem, preserva-se o nível fundamental dos elementos essenciais veiculados (verbal e não verbal): coerência na relação de sentido estabelecida entre as partes.

Na embalagem cartonada da Figura 46 percebe-se o mesmo gênero de formas relativamente estáveis do conteúdo temático-figurativo de enunciados anteriores.

Figura 47 - Percepção estética dos elementos ilustrativos do Moça Flakes.

113

O design em evidência das novas embalagens da Nestlé (Fig. 47) sugere um tratamento diferenciado dado à forma. Por essa evidência, analisaremos o tópico design iniciando pelas palavras de Perez: Forma e design são questões fundamentais que permeiam as decisões quanto à estética, à funcionalidade e à percepção que se deseja para um produto ou embalagem.

As formas possuem uma linguagem própria capaz de causar efeitos e sensações nos consumidores aos quais se destinam. A semiótica das formas traz algumas considerações importantes para a construção da expressividade e da sensorialidade marcárias por meio da análise das formas e do design. Assim, temos que linhas retas e ângulos estão associados à rigidez, à firmeza e à masculinidade. Curvas e ondulações expressam dinamicidade, sensualidade e feminilidade. (...) As paralelas verticais representam apoio e sustentação, e assim por diante. (2004, p. 59)

A contemporaneidade da moça remoçada no design sensorial sugestivo da nova embalagem nos leva acrescentar as seguintes observações ainda de Perez: No fim do século XX e início do XXI, muito se tem ouvido falar do design sensorial como a grande força no estabelecimento da identidade marcária, especialmente de produto. A idéia subjacente é de que o design é capaz de criar emoções, experiências sensoriais e, finalmente, gerar vendas. Nestes anos de grande efervescência tecnológica que traz consigo a frieza deste mundo, surge a necessidade de um toque humanista nos objetos que facilite as conexões afetivas com os consumidores. [sem grifos no original] (Ib. id., p. 65)

Fica evidente no design sensorial dado aos produtos Nestlé a preferência pelas “formas mais orgânicas”55. Mas, onde os designers buscaram inspiração para criar o exterior do novo Moça?

“A inspiração principal foi trazer a linguagem mundial da Nestlé associada a um design exclusivo da forma da nova lata... a reestampa resgatando alguns detalhes de conceito mantidos nos rótulos anteriores... somados à modernidade da personagem (re)estilizada.

O novo estilo da personagem resgata alguns detalhes da La Laitière... o detalhe mais evidente se acentua nas curvas femininas da silhueta que acompanha a da embalagem produzindo, assim, um design mais limpo e contornos ‘sexy’. Imaginamos esse contorno como se fosse a cintura da moça, sem perder de vista a funcionalidade no manuseio da lata. Outro item levado em consideração com o intuito de dar a sensação de mais espaço foi o tratamento da forma como escultura orgânica, permitindo assim a presença da luz solar advinda da marca-mãe Nestlé no rótulo. No projeto de produto a autoridade máxima é o ser humano. Qual a parte mais difícil? Transformar sonhos em realidade... além de quebrar modismos e abrir novos horizontes para outros conceitos técnicos que permitirão o uso da personagem em outras manifestações de extensões de linha: adaptabilidade à expansão de novos negócios envolvendo Moça.” 56 55

Com referência ao poder das formas tratadas pelo design em uma estratégia estética, Perez acrescenta que uma forma pode ganhar vários significados, dependendo do contexto em que apareça. É o que nos referimos à cintura da lata e da moça remoçada. Design aqui entendido como uma idéia, um projeto ou um plano para a solução de um problema determinado. Assim, “o conceito de design compreende a solução de um problema em forma de projetos ou de modelos”. (op. cit.).

56 Transcrição adaptada e resumida da entrevista concedida em outubro de 2005 (por e-mail) pelo diretor de criação da Pande Design, responsável pelo desenvolvimento da nova personagem/embalagem Moça.

114

3.1.4 Iconografia da Moça: entre o óbvio e o obtuso.

Elaboramos uma breve iconografia da Moça, evolutiva da imagem estética do analógico ao digital -, como uma síntese da plástica transformadora da personagem que protagoniza os produtos da marca Moça. Adicionamos a nossa análise interpretativa livre das imagens, sem a pretensão de qualquer determinismo, uma vez que “as possibilidades de leitura de uma mesma lexia (uma imagem, no caso) é variável segundo os indivíduos”; pois como o mesmo Barthes disse “nunca se encontra uma imagem literal em estado puro [...] mesmo que conseguíssemos elaborar uma imagem inteiramente “ingênua”, a ela se incorporaria uma terceira mensagem, simbólica [intencional].” (1990, p. 34-38).

Consideraremos as três primeiras imagens originais como manifestadas denotativamente, em sua função utilitária, permitindo-nos atravessar o plano da expressão e ir direto ao conteúdo [sentido óbvio]. Já a partir da Moça remoçada, figura representativa da mulher emancipada, até a Mocinha virtual antropomorfizada, a função estética diz respeito ao signo conotado que, por isso, tem acrescentado um segundo conteúdo [sentido obtuso], onde o plano da expressão passa a ter relevância: ele recria em si o conteúdo. (DISCINI, 2005, p. 340).

Parodiando a análise que Barthes faz da ‘velha mulher que chora’, na obra de Eisentein, quando cita o terceiro sentido “obtuso”, que é velado (implícito), perguntaríamos: “o quê, [nessa Moça emancipada] suscita o problema do significante?” Sentindo o seu olhar “penetrante, inquietante como um convidado que se obstina em permanecer calado onde sua presença não é necessária” numa relação sutil com o tradicional balde de ordenha... “formam um dialogismo tão tênue, que não se pode ter certeza da intencionalidade”. (1990, p. 49-50).

115

QUADRO VI - ICONOGRAFIA DA MOÇA (Fonte: AHN) (Entre o óbvio e o obtuso) Personagem

Imagem

A proto-moça ilustra a criação do primeiro produto de Henri Nestlé, a Farinha Láctea, em 1866.

A donzela, possivelmente, reflete os costumes de época europeus de sua geração – meados do século XIX. Indica beleza e virgindade.

La Laitière, Portadora da qualidade e da confiança que dava autenticidade ao produto in natura: o leite, alimento primordial.

Antecedentes que validam o slogan “Qualidade e Confiança”

?

A conexão simbólica da mulher com o mito.

Imagem arquetípica feminina: mãe natureza, protetora.

Grande mãe (RANDAZZO) Calor, alimentação, abrigo, segurança.

Ciclo de Vida

Representam as genitoras ou antes, a pré-nascença do ciclo de vida da marca Nestlé.

Nascida Milkmade, nos ‘Tempos Modernos’, como garantia de marca de procedência e trazida pelos imigrantes europeus ao Brasil, adquiri confiança e batiza o produto, agora de fabricação brasileira, em 1921.

Conservadora nos traços, a tradicional imagem da Moça remete às qualidades femininas da “virgem/ donzela”: pureza sem sexualidade manifesta.

Centenária na idade, preserva a jovialidade e resiste ao tempo.

Primeira geração de fato, reproduz o período do nascimento/lançamento, crescimento e amadurecimento do produto Milk Made. Estabelece o modelo/fenotípico

A filha brasileira mais nova (primogênita) da Moça original, ganha ares de pós-modernidade. Condizente com as aspirações femininas da mulher contemporânea; trabalha por sua independência, sem perder os atrativos.

Criada no limiar do século XXI, a imagem da Moça remoçada já nasce no “espírito do tempo” com atributos de sexy apple.

Reflete a figura da sereia, na sinuosidade de suas curvas atrativas e do novo design da embalagem.

Fruto do rejuvenescimento, em 2003, a nova Moça reintroduz a marca em novo estágio do ciclo de vida, estendendo a geração a novas possibilidades.

Representando a nova geração, a personagem recém-criada traduz a dinâmica vida préadolescente, porém conserva os traços de identidade de suas predecessoras.

A “nova” imagem interativa produzida por computação gráfica, representa em três dimensões um modelo de alta definição.

Como imagem virtual, propõe mundos imaginários, ilusórios.

A partir daqui, supomos, personagens poderão ser criados ou recriados virtualmente de forma ilimitada. Metamorfose.

As futuras imagens, virtuais, seguirão como sínteses da expressão humana na busca por identidade com o público.

Um novo ciclo, de extensões de marca. Clones de si mesmas.

Rejuvenescimentos estéticos atemporais.

Às “extensões do homem”, já não se impõem limites.

(McLuhan).

116

3.1.5 Evolução de um arquétipo (ninho).

Em nossa análise das conexões simbólicas entre a mulher (moça) e os mitos ligados a ela – já apresentados anteriormente – ficaram evidentes as qualidades relacionadas à feminilidade/maternidade. Na relação que aqui propomos entre moça/canária também é possível estabelecer uma relação com o símbolo mais comum (presente em todas as linhas de produto, avalizando cada “marca filhote”): o “ninho”, logotipo corporativo da Nestlé utilizado desde 1866.

No sentido explícito, essa figura representa elementos do mundo natural (sem intervenção do homem), porém procriada e reproduzida nos textos como componente discursivo da marca, adquirem sentidos implícitos comunicando associações abstratas de um abrigo acolhedor, protetor, dotado de calor humano que remete à família encabeçada pela figura da mãe (canária provedora). “Transmitidos de geração a geração, determinados concretizam,

temas,

articulados

constituem

um

às

campo

figuras de

que

os

manipulação

inconsciente.” (DISCINI, 2005, p. 284). Conclui que as assimilações lentas, graduais e inconscientes de simulacros subsidiados pelo imaginário social, passam a ser absorvidas como naturais e atemporais.

Nestlé, originalmente, em alemão, quer dizer “pequeno ninho”; mas como em todos os símbolos há uma certa dualidade, tornou-se sinônimo de alimento, família e qualidade.

Figura 48 - Evolução do desenho/símbolo da marca Nestlé. (AHN)

117

3.1.6 Pioneira em auscultar o cliente.

A Nestlé, ao longo de sua história, evidencia a construção de imagem de sua marca respaldada em uma estratégia de comunicação planejada pelo que se conhece por “confidence building”, isto é, através da construção da confiança junto à opinião pública. Utiliza-se de vários programas de relações públicas para construir ou reforçar relacionamentos com o consumidor, além de agregar valor à marca, buscam a lealdade à marca pelo público-alvo de suas comunicações através de associações positivas.

A Nestlé passa a editar, a partir dos anos 40, as “Brochuras para as mães” (conselhos sobre higiene e alimentação), o “ABC de João e Maria” (criancinhas se identificam desde cedo com a Nestlé) e o famoso “Livro de Receitas Nestlé” recomendando o uso de seus produtos na peculiar culinária brasileira:

Figura 49 – “ABC: Pedagogicamente preparado para as criancinhas se identificarem desde cedo”, com a Nestlé. (AHN)

Figura 50 – Cartilha (capa) da década de 1940, ilustrando utilização do Leite Moça como substituto do leite natural. (AHN).

118

Figura 51 – Culinária brasileira da Moça, pioneirismo na cozinha experimental (AHN)

Analisando antigos cadernos de receitas, é fácil perceber a mensagem cifrada de muitas gerações de mulheres que tinham na culinária, principalmente, na criação e elaboração dos doces, o seu meio de expressão. A alegria, a esperança e outros sentimentos davam nomes aos doces; recorda Débora Fontanelli diretora do Centro Nestlé de Pesquisa Doméstica, por 30 anos (ANE, dez., 1996) de nomes criados com base nesses sentimentos: “suspiro”, “saudade”, “olho de sogra”, “espera marido”, entre outros.

119

Pioneira, no Brasil, nas comunicações de relacionamento junto à comunidade, a empresa lança em 1951 o folheto Serviço de Colaboração Familiar denominado “Folheto para as mães” sobre gravidez e parto, higiene, desenvolvimento e alimentação do bebê. (Fonte: site Nestlé). Em 1960 cria os Serviços de Atendimento ao Consumidor e o Centro Nestlé de Economia Doméstica:

Figura 52 Cartilha da década de 1960, ilustrando a praticidade do Leite Moça e os serviços pioneiros da Cozinha Experimental do Centro Nestlé de Economia Doméstica. (AHN); atualmente, atendidos pelo Serviço Nestlé ao Consumidor.

As peças de comunicação social aqui apropriadas como exemplo, desde o gênero cartilha à publicidade em mídia impressa, até as páginas com atrativas imagens virtuais em textos sincréticos veiculadas no site da Nestlé, são uma pequena amostra que nos permite analisar o nível narrativo e o discurso ali empregados. Nos dois primeiros exemplos (Fig. 50 e 52), o gênero cartilha já indica um tipo de discurso elementar: textos dirigidos prioritariamente para a transferência de determinada competência ao leitor, um saber. A capa da cartilha Livro de receitas integra o verbal e o visual de forma explícita: os produtos Nestlé ali expostos

120

ratificam o título. Nesse mesmo sentido, evidencia-se o didatismo na narratividade dos itens verbais do texto onde a competência do sujeito da enunciação se constitui de um saber. Ali se confirma, no plano da expressão, o mote extensamente manipulado em todos os produtos Nestlé: Qualidade e Confiança.

A moça emancipada contemporânea, atenta à evolução das novas linguagens de comunicação junto ao seu público-alvo e preocupada com o seu bem-estar, abre novas possibilidades de diálogo: “Mais uma forma de amar você”.

Figura 53 - Fale com a Moça (anúncio impresso – Revista Veja, out. 2005).

121

3.1.7 Intertextualidade: uma nova leitura da marca.

Nas relações externas ou internas ao texto, é possível atingir vários níveis de leitura quando se acessa uma rede de interconexões. Seguindo em nossa análise, vejamos um exemplo contemporâneo, na linguagem da Internet: Fig. 54.

Figura 54 - Página de apresentação no site Nestlé.

A interatividade advinda com as novas mídias (hipermídia), explora o sincretismo entre o visual e o verbal. A inserção do leitor (usuário) nos diversos níveis de leitura leva-o a um labirinto57: o hipertexto58, que viabiliza uma leitura nãolinear. Observando a página de exemplo (Fig. 54), percebe-se que o elevado repertório visual (imagem midiática), entre os recursos de textualização dos enunciados que apelam fortemente ao receptor (linguagem conotativa), desempenha uma função mágica de “human interest” (concernente ao [bem-estar] humano).

57

Termo extensamente trabalhado pela autora de O labirinto da hipermídia, Lúcia Leão (2001).

Hipertexto é o termo criado por Ted Nelson, na década de 1960, a partir das idéias de Vannevar Bush nos anos 40. A teoria de rizoma de Gilles Deleuze explica que é possível ler o hipertexto como uma rede de interconexões. (Id., ib.).

58

122

Esses poucos exemplos nos permitem lembrar da opinião de Zozzoli, para quem a marca é uma conexão simbólica e afetiva estabelecida entre a organização (sua oferta material, intangível e aspiracional) e as pessoas para as quais se destina (in: Barbosa, et al., 2005, p. X). Em tons celestiais, presente nas interconexões da hipermídia, a marca promete aos nossos sentidos:

Figura 55 – Logomarca corporativa mundial da Nestlé. Selo que remete à Internet.

E uma vez que “um discurso se faz com temas e figuras”, visto que o “tema é a idéia que sustenta figuras” (DISCINI, op. cit., p. 187), caso do slogan acima ou ainda do Nestlé faz bem, a figura da Moça – tradicional leiteira da iconografia da marca -, se revela em tempos atuais como que para evocar o vínculo afetivo e a confiança guardada na lembrança do inconsciente coletivo há quatro gerações.

Figura 56 - Há quatro gerações suscitando afeto e confiança.

123

No mesmo nível narrativo, a expressividade da figura da Moça se renova para concretizar os temas da estratégia comunicativa. A cena enunciativa em meio às tramas do hipertexto59 apela à sensibilidade do sujeito interativo com um coração pulsante (visível e audível), tal como uma recompensa:

Figura 57 - Site Nestlé, 28.4.5: Som de pulsar de coração intermitente...

Figura 58 - A mulher, sempre lembrada: Nestlé aposta no digital: “mais uma novidade promete revolucionar a publicidade no cinema: as novas salas digitais, que já estão funcionando em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. E a Nestlé junto com sua agência, a McCann-Erickson, foi a primeira a apostar no novo formato de comercialização [veiculando anúncios do Nescafé, Moça Flakes e Ninho] na primeira sala a estrear o sistema no Morumbi Shopping”. M&M jul 2004.

59

124

3.2 NESTLÉ: A CONSTRUÇÃO DE UMA MARCA DE SUCESSO.

A história da Nestlé se funde, aqui e no mundo, com a cultura dos povos que abrigam as suas unidades fabris; com os ideais do seu fundador Henri Nestlé (Fig. 59)  um alemão de Frankfurt que encontrou em Vevey, Suíça, condições de pôr em prática o sonho de criar um produto que ajudasse na alimentação infantil, facilitando a vida das mães impossibilitadas de amamentar os filhos. No Brasil, estes ideais são realidade desde 1921. (AN, p.3) Figura 59 – Henri Nestlé (AHN)

3.2.1 Marca pessoal: assinatura do fundador, garantia de qualidade.

Com relação a nome da marca, Dominique Maingueneau (2004) propõe as seguintes classificações: as siglas, os nomes humanos e os nomes evocadores. No caso da Nestlé, se privilegiou o nome de seu fundador ou patronímico (nome de família); como também o evocador “Ninho” (em português) seu derivado e “Moça” que propagam as características dos produtos ou da empresa dentro do discurso publicitário.

125

Qualidade e Confiança. A Nestlé60 tem tradição leiteira mundial que iniciou “Em 186661, Henri Nestlé desenvolveu a primeira fórmula da Farinha Láctea Nestlé para contribuir na alimentação saudável das crianças.” (Fig. 60). Ainda nos dias de hoje o selo dos produtos Nestlé figura nas embalagens da empresa enaltecendo o slogan “Qualidade e Confiança”. Com apelos tais como: ”Fale com a Nestlé”

Figura 60 – A primeira personagem da marca. (AHN) Afirmando a tradição e conservadorismo positivo: “Desde 1866”. E convidando a consumidora da marca a visitar “Serviço Nestlé ao Consumidor”, via carta ou e-mail.

Antigamente as embalagens da Farinha Láctea Nestlé vinham com a assinatura do fundador Henri Nestlé. Essa era a garantia da qualidade e da autenticidade do produto. A partir dai o cuidado com a manifestação da marca-mãe em praticamente todos os seus produtos do segmento alimentício é um constante padrão.

60

Ao pesquisar as 500 MELHORES e MAIORES empresas do Brasil na lista da publicação mais conceituada no país –EXAME – Melhores e Maiores de 2005 (Julho de 2005), encontrarmos na página 52 a Nestlé Brasil Ltda., São Paulo-SP, em privilegiado 28º lugar (21º em 2003). Atuante no setor de Alimentos e Bebidas, com vendas anuais em cerca de US$ 3,3 Bilhões, a Nestlé é citada como a principal empresa suíça no país.

61 Na mesma época, tratando-se de derivados de leite a margarina foi inventada em 1869, pelo físico francês Hippolyte Mège Mouriès, vencedor de um prêmio instituído pelo imperador Napoleão III (1808-1873) a quem conseguisse encontrar um produto substituto para a manteiga a um custo mais baixo. EmbalagemMarca (maio 2005, p. 66).

126

3.2.2 Origem da personagem moça leiteira: la laitière.

La Laitière: A moça leiteira que ilustra o rótulo do leite condensado Nestlé foi ao princípio de uma época o símbolo da indústria leiteira: símbolo de saúde. Em terras alpinas suíças e holandesas pode se encontrar nos caminhos turísticos, uma jovem asseada e limpa que oferece aos andarilhos cansados leite refrigerado num regato, como penhor de boas-vindas  promoção de ativa propaganda turística que remetem às originais moças leiteiras. E que para melhor compreensão, podemos observar as figuras representadas em anexo. (Fig. 61)

Figura 61 - La laitière (AHN) Origem da Moça.

127

Em tempos passados, na distante Europa dos séculos XVII e XVIII era o leite levado pela moça leiteira do pasto, ou da ordenhadeira no estábulo62, diretamente à aldeia ou à cidade pela laitière. Remontando ao início da indústria leiteira, o leite e os lacticínios sempre foram essenciais componentes da alimentação humana. Sabese que as mais antigas tribos de nômades já fabricavam queijos. A indústria leiteira, no sentido atual, começou com o progresso da civilização, da cultura e da técnica.

Os primeiros princípios racionais de aproveitamento e industrialização do leite apareceram na Ásia entre os sumérios na antiga região da baixa Mesopotâmia  onde a história principia  além de hindus e egípcios.

Curiosamente no Brasil  o maior mercado consumidor atual de leite condensado  a história da agropecuária (leiteira)  conforme nos relata Dias, o abastecimento de leite na cidade na travessia do século 19 para o século 20, quando não havia nenhum laticínio em São Paulo, vinha de fazenda na própria área urbana. Eram comuns cenas do abastecimento de leite cru para a população ordenhado na hora da venda. “Os vaqueiros percorriam as ruas com suas vacas (e cabras), tocando corneta, buzina etc. para anunciar-se. A freguesia vinha até ele, o vaqueiro pegava o recipiente medidor com o volume desejado, ordenhava a vaca e lá ia ela [a freguesia] embora satisfeita da vida porque tinha certeza de que o leite que havia adquirido não era ”batizado” com água. (op. cit.).

62

Dalva B. Valdetaro nos lembra que existem muitos animais que produzem leite além da vaca: cabra, girafa, leoa, ursa, coelha, baleia, elefanta, porca, além de outros. Alguns povos, como os africanos, criam búfalos e alimentam-se de seu leite. Os indígenas que vivem nos Andes tomam leite de lhama, mamífero que habita a região. Na Finlândia e na Noruega, toma-se leite de rena [da qual se aproveita também a pele e a carne]. Nem todo leite para consumo humano, porém, é de origem animal. Existe o leite de soja, p. ex., bastante consumido no Brasil. O Brasil, maior exportador de carne do mundo, possui o quarto rebanho bovino. Apesar disso, o consumo de carne e de leite pela população é muito baixo, principalmente nas camadas mais carentes. Freqüentemente o Brasil precisa importar leite de outros países, particularmente de leite em pó. (in: Leite: nosso primeiro alimento. São Paulo: Ática, 1994).

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Figura 62 – Calendário da Moça, de 1916. (AHN)

Figura 63 – Cartilha de recomendação de uso do leite, de 1927. (AHN)

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3.2.3 O maior consumidor mundial de leite condensado.

“A cada segundo, a Nestlé vende sete latas de leite Moça no Brasil” Valor Econômico (20.9.5, p. B5).

Quem poderia imaginar, há mais 100 anos, que aquela mocinha que estampava a lata de leite condensado  importada da Europa pela Nestlé  iria virar sinônimo do produto no Brasil? Assim como os dois simpáticos frades de caixa do chocolate em pó: são inúmeros os consumidores fiéis ao Chocolate do Padre, como já era popularmente chamado o produto ainda na primeira metade do século XX. Por todas essas décadas, esses personagens assumiram tamanha força na imagem das marcas que se tornaram verdadeiros “donos” de seus produtos.

A escolha do personagem que irá representar uma marca é resultado de um cuidadoso estudo de marketing, que leva em consideração a imagem do produto, o perfil dos consumidores e uma série de outros pontos determinantes. Talvez o que faça um personagem cair nas graças do grande público seja sua perfeita identificação com o produto, ou ainda com os próprios consumidores. (AN, nº 178). É curioso observar que a personagem La Laitière (profissional de venda do leite in natura nas comunidades Européias) imagem extraída da camponesa suíça (em geral, percebida como holandesa) que ilustra as embalagens do leite Moça (mostrada no Quadro IV), remete a um status de destaque na cultura daqueles povos em suas devidas épocas. Mas, ao que consta não há imagem correlata no Brasil colônia ou republicano que remeta à moça leiteira da lata de leite condensado Moça à cultura brasileira. A interface de tal associação talvez se deva ao fato do hábito da cabocla na ordenha de vacas no Brasil interiorano. Mesmo assim, a influência estrangeira exercida pela personagem Moça inspirou confiança nas donas de casa brasileira até os dias de hoje.

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Há casos de amor pela marca (ROBERTS, op. cit.), mas por esse princípio há também casos em que as grandes marcas precisam criar nos consumidores uma “fidelidade além da razão”. Vejamos o artigo de capa do jornal Valor Econômico (20.09.2005) sob o título Nestlé corre atrás do cliente de baixa renda: “Meses atrás, a Nestlé descobriu que, na periferia de São Paulo, leite condensado é dado como presente de aniversário”. Desde então, depois de cerca de 85 anos no Brasil, e dona de mais de 40% de participação de mercado a Nestlé passou a pesquisar produtos que caibam no orçamento dos consumidores das classes C, D e E63. Atenta ao que o senso comum dita, “Já que o Leite Moça virou presente de aniversário, alguém na Nestlé teve uma idéia que já vai chegar às prateleiras: uma embalagem dourada, com laço vermelho impresso na própria lata”.

Nestlé internacional – marca corporativa. A partir da Farinha Láctea e do Leite Condensado, diversos produtos de qualidade foram lançados e passaram a desfrutar do mesmo prestígio perante o público consumidor, assegurando a imagem de excelência da Nestlé em todo o Mundo. São quase quinhentas fábricas espalhadas em oitenta e cinco países dos cinco continentes, e um faturamento de US$ 50,5 bilhões. Ao pensar, portanto, a amamentação e o desmame no contexto da sociedade capitalista, é importante observar que a industrialização das chamadas fórmulas infantis tem início na segunda metade do século XIX, com a produção de leite condensado, um produto passível de conservação numa época onde não havia o refrigerador. Henri Nestlé (Fig. 59), utilizando o leite condensado, produz uma mistura denominada Farine Lacteé. Ainda no século XIX, aparecem a mamadeira de vidro e o bico de borracha. Nesta mesma época, o leite condensado passa a ter 63

Conforme revela o presidente da empresa, Ivan Zurita, [na busca por aumentar o consumo per capita] a Nestlé está atrás de um público que ganha entre um e dois salários mínimos e gasta 25% do orçamento com alimentação. No Brasil, as classes D e E têm potencial de consumo estimado em US$11 bilhões, para ser gasto anualmente com comida e bebida, segundo a empresa de pesquisa Target (SP) e Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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Figura 64 – Novos hábitos (AHN) papel importante na alimentação infantil, na cultura ocidental. A alimentação infantil, neste contexto, passa a figurar como mercadoria. A amamentação natural passa gradualmente a ser substituída pelas chamadas fórmulas infantis, tão logo estas passam à produção industrial.

Por outro lado, a descoberta de Gail Borden, em 1856, do método de produzir leite condensado, cria finalmente uma alternativa de um leite estéril e passível de conservação. Em um mundo sem refrigerador, este constituiu um avanço inegável da ciência. A partir disso, Henri Nestlé, em 1866, descobre a possibilidade de usar “latas” para o leite e, em 1878, a Nestlé inicia a produção de leite condensado enlatado – leite que já vinha sendo fabricado na Suíça por Charles A. Page.

Na segunda metade do século XIX há indícios de que o leite condensado formulado a partir de leite desnatado, passou a ter um papel importante na alimentação infantil na Grã-Bretanha, particularmente quando as mães tinham que trabalhar fora de casa. Page, um americano que formara na Suíça a Anglo-Swiss Condensed Milk Co., supôs corretamente que o leite condensado produzido podia ser estocado e utilizado pela população em crescimento da Inglaterra no período da industrialização.

A chegada ao brasil. A origem da marca Moça, do leite condensado, de certa forma nos remete à história da Nestlé no Brasil. Isso porque, até a inauguração da sua primeira fábrica no país, o produto até então denominado Milkmaid (Fig. 38),era

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importado da Suíça. Na época, a empresa chamava-se Nestlé & Anglo-Swiss Condensed Milk Company64, resultado de uma fusão ocorrida em 1905.

A primeira notícia que se tem da Nestlé no Brasil é de 28 de outubro de 1876 e foi publicada no jornal A Província de S. Paulo em forma de anúncio publicitário (AN 70 anos, p.5) informando que havia farinha láctea Nestlé à venda já há algum tempo no mercado. O clima brasileiro, subtropical, não era considerado propício à indústria leiteira; a produção do leite era reduzida e, pior ainda, não havia meios de transporte para o escoamento do produto. Instalar-se industrialmente no Brasil era um desafio a vencer pelos suíços. Assim, em 23 de dezembro de 1920, decreto presidencial sob nº 14.567 concedeu autorização à Nestlé and Anglo Swiss Condensed Milk Company (Vevey, Suíça) para instalar-se no Brasil. No entanto, a expansão da Nestlé no Brasil ocorreu principalmente através do domínio da cobertura e garantia de mercado fornecedor através de pequenos criadores de gado leiteiro localizados notadamente no norte do Estado de São Paulo e sul de Minas Gerais. Com o passar dos anos a indústria foi também diversificando seus produtos, neste e em outros países do mundo.

Em 1921, no entanto, sentindo a força de um mercado em potencial, a Nestlé decidiu montar uma fábrica no Brasil. Ao tomar conhecimento de que, desde 1913, uma indústria paulista - a Companhia Ararense de Leiteria - já produzia leite 64

O Grupo Nestlé atua em quatro grandes áreas industriais: alimentícia, bebidas, pecuária e produção animal, farmacêutica e de produtos de higiene. No Brasil, a Nestlé Brasil atua através das seguintes empresas: Nestlé Brasil Ltda.: Indústrias Alimentícias Itacolomy S.A.; Perrier Vittel do Brasil Ltda.; Empresa de Águas São Lourenço Ltda.; Alcon Laboratórios do Brasil Ltda.; Galderma Brasil Ltda.; CPW Brasil Ltda.; FIS Brasil Ltda.; Sociedade Comercial de Corretagem de Seguros e Participações Ltda.(SOXOPAL); Cia. Produtora de Alimentos Ltda.; Nestec Biscuit Development Group Ltda. Em 1947 a Nestlé se funde com a Alimentana S.A., produtora da marca de condimentos Maggi, em 1974 se torna a acionária majoritária de L’Oreal, companhia de cosméticos. Depois de comprar a Carnation (uma das pioneiras da história da fórmula infantil) em 1987, tornou-se a primeira produtora de alimentos do mundo.Em 1991 a Nestlé se junta à Coca-Cola para comercializar concentrados de suas bebidas (café e chá gelados): as duas empresas criam a Coca-Cola Nestlé Refreshment Company.

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condensado, acabou adquirindo a unidade iniciando a fabricação de Milkmaid. E como o produto já fizesse sucesso mas tinha um nome de marca difícil de ser pronunciado, optou por adotar Moça como marca devido à identificação popularmente conhecida: o “leite da moça” (personagem “La Laitière” objeto de nossa análise semiótica): o primeiro produto da Nestlé a ser fabricado no Brasil. Em 1924, inicia a fabricação na mesma fábrica da farinha láctea: produto criado em 1866 por Henri Nestlé fundador da empresa e pioneiro dos alimentos infantis.

O café solúvel – A década de 1930 se aproximava e com ela as conseqüências da quebra da Bolsa de Nova York, em 1929. O café, principal produto de exportação brasileiro, teve o preço reduzido de 800 mil réis por saca de 60 quilos para menos de um décimo deste valor. O país mergulhou em gigantesca crise econômico-financeira e a Nestlé foi chamada pelo governo para pesquisar um produto capaz de resolver o problema dos estoques de café. Chegou-se assim ao café solúvel. O Nescafé, marca mundial consagrada da Nestlé, foi produzido pela primeira vez em 1937 e se constituiu num dos maiores êxitos da Nestlé, largamente utilizado durante a Segunda Guerra Mundial. O portifólio de produtos Nestlé dessa época era composta por leite condensado, Farinha Láctea, leite Ninho ), Nestogeno, Nescau e Eledon; o Creme de Leite e o leite Ideal.

A vez dos chocolates – Na década de 1950, a Nestlé entrou também na fabricação de chocolates. A primeira marca de chocolate com a marca Nestlé produzido no Brasil foi lançada em 1959. (pesquisas de Marcas de Confiança e de Top of Mind confirmam a marca Nestlé como sinônimo de chocolate)65. O grupo ”O primeiro chocolate dietético do mercado brasileiro”. Liderando o mercado de chocolates no Brasil, a Nestlé, em setembro de 2005, em anúncio impresso na quarta capa da revista SAÚDE afirma que “tem como principal compromisso melhorar a qualidade de vida das pessoas” 65

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Nestlé, que no Brasil iniciou com a tradicional marca Leite Moça67, prosseguiu seu plano de diversificação e aquisições nas áreas de alimentos, bebidas e outras, sendo considerada atualmente o maior fabricante mundial de alimentos; atua nos mais variados ramos não revelando a abrangência dos segmentos e marcas que compõe o seu portifólio mundial.

Figura 65 – Chocolate diet da Nestlé. Apelo à saúde via prazer de viver.

”Brasil: o maior mercado consumidor de leite condensado”. O Leite Moça, enfim, tornou-se indispensável para as donas de casa, uma vez que facilitou a execução de receitas tradicionais e ainda permitiu a criação de inúmeras outras, muitas das quais homenageavam datas e personagens. É o caso do brigadeiro, criado pelas senhoras engajadas na campanha para presidente do Brigadeiro Eduardo Gomes, no ano de 1945, cujo mote era “Vote no brigadeiro que além de bom é solteiro”. AN nº 177. O leite condensado Moça faz parte do portifólio de produtos “premium” da Nestlé; fazem parte dessas marcas consagradas: Nescafé, Nescau...

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3.3 NO PRINCÍPIO ERA O LEITE, QUE SE TORNOU MARCA. 3.3.1 “Terra que mana leite e mel”.

As Santas Escrituras registram em algumas passagens a presença do leite e de alimentos da época: mana, de acordo com o léxico tem origem em Manar: (lat manare). Deitar de si abundantemente (algum líquido), verter permanentemente; mas no Houaiss encontramos “alimento, iguaria, manjar” e também “deleite: delícia, gozo, prazer”. Enquanto o leite como fonte e manancial de energia é prometido a Moisés e ao povo hebreu numa “...terra que mana leite e mel” (Êxodo 13:5 trad. de J. F. de Almeida). Outras referências em inúmeras passagens também enaltecem o leite legítimo e seus derivados na cultura milenar: “O bater do leite produz manteiga” Provérbios (Pv 30:33). Há referências ainda mais profundas de significado figurado místico: “O genuíno leite espiritual...” (1 Pe 2:2) ou de sentido imaterial, além do aleitamento materno: “...necessitados de leite, e não de alimento...” (Hb 5:12).

3.3.2 Leite: aspectos da história do alimento “Alimento primordial68, o leite tem sido alvo de vários estudos e investigações ao longo da História. O célebre pesquisador britânico Alan Davidson, por exemplo, aponta no “Oxford Companion to Food” (Oxford, 1999) que os primeiros registros de uso [do leite] como sustento aparecem entre os Sumérios, por volta de 3500 a.C. Os egípcios também se beneficiavam dessa importante fonte nutritiva, assim como faziam os povos da região da Mesopotâmia”. (Gazeta Mercantil, Lorençato, 2004).

CAFÉ-COM-LEITE & PÃO-COM-MANTEIGA “Depois da indispensável água, o café é o líquido mais consumido em todo o planeta, com 400 bilhões de xícaras por ano. Originário da Abissínia, o cafeeiro foi cultivado em mosteiros islâmicos no atual Iêmen, disseminou-se pelo mundo árabe e seu fruto chegou à Europa no começo do século XVI, trazido por mercadores. (...) introduzida no Brasil em 1727, a cultura começou a se expandir e está na raiz de importantes transformações verificadas na vida política, social e econômica do Brasil até o início do século.” História Viva Temas Brasileiros nº 1 (set de 2005, p.4). Associando o nosso tema (leite condensado) do qual o Brasil é maior consumidor ao fato de o nosso país ser o maior produtor mundial do grau de café, percebe-se a importância do leite e de seus derivados, tal como a manteiga, na alimentação diária da nossa gente.

Poder-se-ia, se houvesse espaço nessa pesquisa, tomar emprestadas marcas consagradas de cafés brasileiros para uma análise de percepção de sentido concomitante às marcas de leite.

68

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A nossa inevitável curiosidade e espírito investigativo levaram-nos ao aprofundamento no tema “Leite” (cru e condensado) associado à figura da mulher (brasileira); por essa razão fomos resgatar na “Paulicéia desvairada”68.através do jornalista especializado na comunicação rural João Castanho Dias, um levantamento histórico dos primórdios da utilização do leite como fonte alimentar na principal cidade brasileira, São Paulo, no Estado de São Paulo (maior mercado sulamericano, a região metropolitana de São Paulo consome por ano em produtos lácteos o equivalente a 2 bilhões de litros de leite, ou 10% da produção brasileira).

Propositadamente, na cidade próxima onde a Nestlé instalou a sua primeira fábrica na América Latina, em 1921. Encontramos em “O leite na Paulicéia” (livro editado por ocasião do aniversário de São Paulo em seus 450 anos) aspectos pitorescos da sociedade da época além de preciosas revelações como estada e convivência do uspiano de primeira hora Claude Lévi-Strauss quando curiosamente fotografou em 1937 vacas leiteiras (Fig. 64) e os vaqueiros que as conduziam livremente pelas ruas da cidade para servirem leite nas casas paulistanas na época; em meio a bondes elétricos na central Rua da Liberdade: a venda de leite ordenhado na hora – os vaqueiros percorriam as ruas com suas vacas (e cabras) tocando corneta ou buzina para anunciar o seu produto e serviço (ainda sem nome de marca). Em outra forma de distribuição mais evoluída, o leite era vendido a granel em tanques adaptados em carroças puxadas por muares. No início da década de 1930, São Paulo consumia por dia cerca de 180 mil litros de leite cru69. Lembrando aqui que muito antes, em 68

Como paulistano da gema utilizo essa expressão para identificar minha cidade natal. O termo advém de Paulicéia desvairada, livro publicado em 1922 de poemas de Mário de Andrade (um dos responsáveis pela grande repercussão da Semana de 22, evento que marcou época nos diversos segmentos culturais brasileiros). [Pela primeira vez, um movimento artístico de vanguarda contava com a presença de mulheres: Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Patrícia Galvão, entre outras]. Uma das primeiras obras modernistas, tem como tema a cidade de São Paulo. (Larousse Cultural).

69 Acerca de Lévi-Strauss: etnólogo francês, nascido na Bélgica, que veio ao Brasil em 1935 para ser professor de Sociologia da Universidade de São Paulo – USP.

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1876, foi introduzido em São Paulo e no Brasil o primeiro produto da Nestlé - a Farinha Láctea -, inventada por Henri Nestlé na década de 1860.

Finalmente, São Paulo, a lírica e inocente terra da garoa dos anos 1950, tinha entrado na era da sociedade de consumo, ansiosa por produtos supérfluos e carente de alimentos essenciais. Um desses era o leite” (DIAS, 2004, p. 15)

Figura 66 – Fotografia tirada por Claude Lévi-Strauss70 em S. Paulo (1937).

Fonte: Vacas urbanas em São Paulo (SP). (DIAS, 2004).

De vaqueiros a padeiros urbanos: Curiosamente nessa importante cidade “Na travessia do século 19 para o 20, quando ainda não havia nenhum laticínio em São Paulo, de onde vinha o leite que bebiam seus habitantes? Vinha da Fazenda São

70

Apesar da tradição leiteira de produção, o brasileiro atualmente bebe menos leite do que o consumo de outras bebidas: cerveja (68L), café (61L) e refrigerante (55L) O consumo per capita por ano de leite é de 40 L. (EXAME, ago. 2005).

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Paulo, isto é, da própria cidade!”71 (id.). Foram os portugueses, há 100 anos atrás, que montaram o primeiro sistema de produção e comércio de leite na Capital, informal e precário, mas sem dúvida indispensável para cobrir as necessidades da população. Conclui Dias: “Moral da história: dos vaqueiros portugueses de outrora, vieram os padeiros portugueses de hoje”. A já evidente tradição brasileira do consumo do cafezinho na época como maior exportador de café mundial, aliada aos novos métodos de sanitários72 do leite, intensifica o conhecido café-com-leite & pãocom-manteiga (derivada do leite, antecedente das margarinas de soja).

Hábitos alimentares brasileiros incorporaram tardiamente o uso do leite.

Apesar da importação de matrizes que deu início à pecuária com a produção de leite para consumo nas principais cidades o transporte do leite in natura foi o maior obstáculo para fazer chegar à casa das famílias citadinas. Para se ter uma idéia dessa dificuldade, os tropeiros que sucederam aos “mitológicos” bandeirantes que desbravaram o interior do país, fundaram a primeira empresa de transporte regular no Brasil em 1827 (DIAS , 2004, p.13).

Antes mesmo dessa época, os derivados de leite (iogurtes e queijos) já conquistavam o paladar brasileiro, num país rico de culturas e tradições. Em 1911,

Mas também na Suíça contemporânea vê-se (fotografia) “Embaladas pelo badalar dos sinos que carregam no pescoço e guiadas por pastores, vacas descem das partes altas das montanhas, para onde foram no início do verão, atrás de pasto mais vistoso; o trânsito na região de Meiringen é interrompido para que a caravana passe pela estrada”. Folha Turismo (pp. F1-F6, 29.9.5).

72 pasteurização [De pasteurizar + -ção; fr. Pasteurisation.] sf.1.Ato ou efeito de pasteurizar.

Hig. Processo pelo qual um determinado material (o leite, p. ex.) é aquecido a temperatura não elevada (entre 50-70°C), por tempo relativamente prolongado, e, em seguida, submetido a resfriamento súbito, obtendo-se assim a morte, apenas, dos germes patogênicos.

Visando a melhoria da qualidade e higiene do leite desde de sua produção até a distribuição e consumo, é baixado o Decreto 6.603 em 6 de agosto de 1934, instituindo o Regulamento da Fiscalização Sanitária do Leite. Esse decreto inspirado na lei americana, criava no Brasil os leites de tipos A, B e C, obrigando os vaqueiros a fazerem a pasteurização do leite.

Anteriormente, “em 1915 já era grande o volume de leite remetido de Araras [por via férrea], congelado em formas de gelo que, para distribuição ao consumo, era quebrado a machado, em mesas de madeira!” José Assis Ribeiro, in Indústria leiteira do Estado de São Paulo, 1943 (id., p. 32).

71

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surgia o requeijão Catupiry (até hoje o requeijão mais vendido do Brasil). A manteiga Aviação  marca registrada da Gonçalves Salles S.A.  fundada em 1920 no Centro de São Paulo (R. XV de Novembro); até hoje mantém o mesmo padrão de embalagem na cor laranja, de lata e com o tradicional “aviãozinho” compondo a marca.

Figura 67 – Primeiras marcas paulistas de leite (DIAS)

As primeiras marcas de leite pasteurizado vendidas em São Paulo surgiram na década de 1930. Leite Paulista cujo slogan era “O alimento mais saudável”, Vigor “Não há alimento mais completo e barato que o leite”, Leco (com figuras de crianças saudáveis), Leite União e leite Domínio “Alimento completo e salutar”, somente estas já mereceriam a nossa atenção em análise semiótica das imagens de personagens e da narrativa que ilustram os rótulos: são meninas e meninos sadios, vacas sorridentes das garrafas leiteira de vidros transparentes evidenciando um branco leitoso e sugerindo um leite sadio e apetitoso. (Fig. 67). É curioso notar que naquela época “na Inglaterra as garrafas [para embalar o leite] não tinham estampas de laticínios e por isso [as embalagem de vidro de leite] eram usadas para promover

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produtos de uso matinal de outras empresas [de marcas diferentes]”. Poderíamos comprar, p. ex., o leite “Nescafé”:

Figura 68 – Garrafa de leite “Nescafé”: merchandising de marcas (DIAS)

Entre os expositores da 1ª Exposição de Laticínios, em 3 de outubro de 1925, estava a Nestlé expondo em seu estande os principais produtos nacionalizados à época: Farinha Láctea, creme de leite Nestlé e o seu milkmaid brasileiro o leite condensado Moça. Portanto, as primeiras marcas a figurar nas “melhores casas do ramo” (id., 51)

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CAPÍTULO 4 – PERSONAGENS QUE REPRESENTAM MARCAS Na pesquisa por elementos estéticos que representam marcas consagradas através de personalidades caracterizadas - exemplos de personagens longevos atuantes na comunicação mercadológica brasileira -, ou seja, de imagem de marca, propomos apresentar alguns exemplos de reconhecimento público a titulo de ilustração e que possam trazer alguma contribuição referencial de sentido na representação da marca.

Em tempo, recorremos a Newton Cunha para conceituar esses elementos que atuam como “personagens genéricos ou tradicionais” calcados em outras figuras mais antigas e consagradas da história tais como La Laitière do Moça, Jeca Tatu do Biotônico Fontoura, O homem (quacre) da aveia Quaker e a cigana cordobesa da Carbonell; e os “indivíduos ou novos”, que apresentam as marcas exclusivas de seu tempo, ou seja, em que “o personagem deriva também da psicologia social ou da mentalidade cultural da época retratada”. (2003, p. 499); caso do Garoto Bombril.

4.1 A CAMPONESA SUÍÇA E O CABOCLO JECA TATU BRASILEIRO Fazemos referência à nossa análise anterior da camponesa suíça (La Laitière) com a do camponês brasileiro Jeca Tatu associado ao Biotônico Fontoura (Almanaque) em termos de imagem de marca pela identificação cultural, uma vez que os personagens em questão representam produtos lançados na mesma época, O Almanaque Fontoura produzido por Monteiro Lobato e lançado em 1924, continha

orientações

(representações

explícitas)

sobre

saúde,

higiene

e

recomendações médicas dos produtos Fontoura, Biotônico e outros. Baseava-se, entretanto, em representações implícitas em histórias e exemplos para divulgar os preceitos sanitários e os medicamentos. Os folhetos eram bem impressos e

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distribuídos gratuitamente para o grande público a quem levavam as mensagens em linguagem simples e agradável e de fácil compreensão. Em termos de mídia, talvez pudessem ser comparados à popular e famosa cartilha “Caminho suave” 73 de Branca Alves de Lima; a capa citava: Alfabetização pela imagem. A 1ª edição da cartilha foi em 1948, que vendeu cerca de 40 milhões de exemplares desde então.

Mais de um terço dos brasileiros adultos de hoje foram alfabetizados por ela.

Figura 69 – Jeca Tatuzinho. Almanaque Fontoura 35ª ed. 1973: 84 milhões de exemplares. (ap. CARRASCOZZA, op. Cit.).

73

Consulta feita ao site http://www.arcadovelho.com.br/ Cartilha/Suave.htm, em 20.10.2005.

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Ao que consta, Monteiro Lobato74 criou a personagem Jeca Tatu para denunciar, em tom irreverente e caricaturesco, a situação crítica em que vivia o nosso homem do interior. Em 1918, a figura do Jeca foi utilizada nos folhetos de propaganda do laboratório Fontoura, atingindo imensa popularidade e contribuindo para criar uma imagem deformada do nosso sertanejo. Já La Laitière (Fig. 68), imagem extraída da camponesa suíça (inglesa e holandesa), remete a um status de destaque na cultura daqueles povos onde se pode notar a importância do camponês na economia local.

Figura 70 – La Laitière (AHN)

74

MONTEIRO LOBATO, ou melhor, José Bento Monteiro Lobato nasceu em São Paulo em 1882 e faleceu em 1948. Participou ativamente da vida cultural Brasileira e, ao morrer, deixou uma extensa obra, composta de contos, crônicas, ensaios, artigos e uma série de livros infantis que o tornaram popular. De acordo com Jorge S. Martins in Redação publicitária (1997, p. 32-33), na História da Propaganda Brasileira encontramos o personagem Jeca Tatu como o portador e marco de uma linguagem publicitária inovadora, dinâmica e informal, assimilando o registro coloquial corrente nos grandes centros. In: “Brasileiro a ser superado”, Francisco Alambert ressalta outra figura do nosso imaginário: “O Saci é uma entidade sacramentada pelo gênero nacional-desenvolvimentista de Monteiro Lobato: o negro sem-terra, decepado de uma perna; sofrido, mas muito irônico e atrevido”.

Folha de S.Paulo. Caderno “Mais!” p.3, 11.12.2005.

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4.2 QUAKER: PRECEITO DE PUREZA E INTEGRIDADE. MAIZENA: SINÔNIMO DE CATEGORIA DE PRODUTO; LONGEVIDADE e TRADIÇÃO. A FORÇA DA MARCA QUAKER. A Quaker é a marca mais tradicional no mercado de aveias em todo o mundo. No Brasil, a Quaker sempre esteve associada a produtos naturais e de alta qualidade (representações explícitas no rótulo do produto), através de sua atuação com produtos como Aveias Quaker, Oat Bran, Milharina e Polentina.

A embalagem dos produtos Quaker, sob a égide de um quacre75 personagem sorridente e saudável (representações explícitas)  imagem extraída de camponês de origem inglesa , busca transferir preceitos de pureza (representações implícitas de sentido), alimentação natural, saudável e integridades adotados por aquela comunidade de colonizadores do interior dos E.U.A. (Fig. 710).

Extensão de marca: recentemente, em 2005, com o mercado crescente de barras de cereais no Brasil e no mundo ocorreu o lançamento das Barras de Cereais Quaker. Em uma forma de entropia de marca as barras de cereais passaram a contribuir para solidificar ainda mais a marca Quaker. Ainda no Brasil, assistimos também ao fortalecimento deste mercado por meio do surgimento de novas marcas e sabores e de uma valorização crescente de produtos de apelo mais saudável.

Incluem-se nesse caso novos produtos em barra lançados pela Nestlé à mesma época, como extensões de marca, tais como: cereais matinais Moça, Nescau, condensado Moça, chocolate Alpino...

75

Quacre [Do ingl. quaker.] sm. [Var. quáquer e quáquero]. 1.Membro de uma seita protestante (Sociedade de Amigos) fundada na Inglaterra, no séc. XVII, e difundida principalmente nos E.U.A. Os quacres não admitem sacramento algum, não prestam juramento perante a justiça, não pegam em armas, nem aceitam hierarquia eclesiástica.

145

Figura 71 – O homem da Quaker.

Figura 72 – Os 130 anos de Maizena. (site Maizena)

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A longevidade da maizena veio pela tradição, “há mais de 130 anos está presente nos lares brasileiros, atravessando gerações...”. No capítulo sobre embalagem já evidenciamos a importância do elemento expressividade de determinadas marcas; talvez o caso clássico mais evidente e apreciado dessa expressividade e de permanência ao longo do tempo seja efetivamente o da Maizena. As referências à marca e ao produto Maizena citadas como case de sucesso mercadológico são inúmeras bem como às sutis e raras vezes em que a embalagem (caixinha amarela) e a marca sofreram atualizações. (Fig. 72).

Maizena76 é, portanto, um exemplo de marca consagrada que constrói relações de fidelidade com seus consumidores primando pela qualidade e tradição.

E como marca notória, vai além, nas observações de Anna Accioly 77: A maizena faz parte de nosso inconsciente coletivo - afinal, quem não comeu o célebre mingau? Sua embalagem é redundante –mesmo que de maneira sutil, se considerarmos o grande público consumidor - a começar pela cor amarela, que está associada ao milho e pela marca Maizena, que é uma palavra derivada de maíz ou maís, variedade de milho graúdo. A fonte tipográfica adotada é ornamentada e foi muito utilizada nos anos 50 nos Estados Unidos, em logotipos e publicidade. Na embalagem atual, a marca é encimada pela frase “amido de milho” e seguida de breve texto que enumera alguns de seus usos.

Ademais, o terço superior frontal é ocupado pela ilustração que mostra uma tribo indígena [...]. (2003, p.89).

Além da ilustração dos indígenas (norte-americanos), representação explícita de origem de qualidade (ecologicamente correta)  que funcionam como personagens mais destacados no novo rótulo , cabe lembrar que na última alteração sofrida na identidade visual da embalagem, em 2005, as sutis mudanças que funcionam como representações implícitas referentes à cor amarela que ficou

76

A marca-objeto Maizena, atualmente (na data desta dissertação), faz parte do portifólio da britânica Unilever, detentora de importantes marcas de destaque na pesquisada Datafolha: Omo, Kibon, Doriana, Hellmann’s, Rexona.

77 Conforme consta na página 88 do livro de ACCIOLY [et al.]. Marcas de valor no mercado brasileiro. Rio de Janeiro: Senac Rio, 2003: - no século XVIII, os índios Soux formavam uma grande população no norte dos Estados Unidos e sul do Canadá, que cultivava o milho, ao qual chamavam maíz. Espanhóis e franceses do continente, adotaram o termo. O milho foi descoberto na América do Sul, mas foi na América do Norte que os irmãos Duryea conheceram esse cereal, rico em proteína e óleo, e criaram uma nova forma de usar o milho, moendo os grãos até que se tornassem uma farinha. Em 1840, os ingleses William Brown e John Polson criaram uma empresa para produzir o amido de milho de forma industrial.

147

mais viva (atrativa); a fonte tipográfica está mais enxuta e ganhou um brilho que, a exemplo da marca Nestlé (padrão) agora também vem encimada por traços que remetem a um coração intensamente explorado no site. (figura 54, ant.).

4.3 A CIGANA ESPANHOLA CORDOBESA E A LUSITANA “MARIA, SAI DA LATA!”

Quem

não

provou

do

azeite

de

oliva

espanhol

Carbonell,

marca

mundialmente conhecida por sua qualidade (representação explicitada pelos selos de garantia) existente no mercado desde 1866, não deve saber que a personagem central que embeleza a lata é na verdade uma peculiar cigana. A imagem da Carbonell, representação marcária implícita da mulher que segura suavemente com as mãos um ramo de oliveira tem sua origem como ilustração da marca por volta de 1904 e tem levado a imagem do azeite de oliva Andaluz para todos os mercados. O desenho em estilo art-nouveau daqueles anos, mantém até hoje toda a frescura e beleza dos artistas espanhóis do início do século, pioneiros da melhor publicidade que se fazia àquela época. Em 1924 e em 1934 o grande artista espanhol Penagos, seguindo o seu predecessor francês do século XIX, Toulouse-Lautrec (responsável pela criação de peças publicitárias como anúncios e pôsteres), desenhou cartazes publicitários para a promoção do azeite de oliva espanhol e a gastronomia.

Na imagem indicada da Cordobesa (Fig. 73), aparecem duas latas de azeite no primeiro plano [remetem aos baldes da Moça, enquanto portadores das primícias da marca]. Acredita-se que esta imagem da Cordobesa fosse um desenho de um cartaz para uma exposição que posteriormente se utilizou para a lata. O êxito alcançado do azeite de oliva reconhecido pelo nome Carbonell de Córdoba, que já aparecia na lata antiga, consolidou uma imagem até aos dias hoje caracterizando a marca e a lata de azeite de oliva como a mais conhecida no mundo.

148

Figura 73 – A cigana Cordobesa.

149

QUADRO VII – ICONOGRAFIA DA PERSONAGEM CARBONELL78

78

Fonte: Departamento de Comunicação da Carbonell do Brasil Ltda. São Paulo, SP. Carbonell é marca registrada da Sos Cuétara, Madrid, Espanha.

150

A LUSITANA “Maria, sai da lata!”

“Yes, nós temos Maria (banana)”. O nome Maria79 é tão popular no Brasil – lembrada em canções e em diversas expressões populares - que a percepção quando usada como marca comercial manifesta (arquétipos) ou causa reações e associações as mais diversas. Para aquele destinatário da mensagem publicitária já citado que se recorda de Lata d`água na cabeça Lá vai Maria Lá vai Maria ... ou mesmo da outra Maria que Lampião corteja e faz sua mulher: a Maria Bonita. Em nossa perspectiva Maria é griffe explorada por vários fabricantes para seus produtos.

Recordamos de um jingle do óleo Maria para salada utilizando-se do slogan há muito conhecido: "Oh Maria, sai da lata e vem prá mesa!"; esse nome, Maria, também pode representar implicitamente, entre outras tantas conotações, sua originalidade e singeleza muito freqüentemente associadas às personagens que ilustram do profano ao sacro no imaginário popular (arquétipos).

Na célebre frase "Maria, sai da lata!", "Maria" é vocativo. "Maria" recebe um apelo. Sem a vírgula, "Maria" passa a sujeito e efetivamente sai da lata...como nos ensina o Prof. Pasquale Cipro Neto (autor de Inculta e Bela). Assim, em 2004, “Maria” saiu da lata e voltou das pranchetas eletrônica re-estilizada em nova embalagem (lata oval desenvolvida pela da Cia. Siderúrgica Nacional (CSN)). Nesse novo conceito de representação implícita visando criar uma relação emocional com as consumidoras no que se refere ao rejuvenescimento da marca Maria, através do ‘Acorda Maria Bonita, levanta vai fazer café...” Mais um ícone de Maria; esta uma valente que com seus dotes encanta o líder rebelde, sem lei, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, capitão de cangaço: “foi o último e orgulhoso representante de uma linhagem mestiça, a dos cangaceiros, que tem cinco séculos de história.“ [na cultura brasileira]. Mello, Frederico Pernambucano de. Quem foi Lampião. Recife-Zurique: Stähli Edition, 1993. A primeira mulher a participar de um grupo de cangaceiros Maria Gomes de Oliveira, conhecida como Maria Bonita, nasceu em 8 de março de 1911 (não por acaso o Dia Internacional da Mulher). No dia 28 de julho de 1938, durante um ataque ao bando um dos casais mais famosos do País foi brutalmente assassinado. (Site http://www.experta.com.br). Em termos de identidade visual, na mesma linha de rejuvenescimento de marca/embalagem, já destacada no estudo da Moça e Mocinha, vide a nova “Maria” no site ‘100% design’. Fig. 72.

79

151

Figura 74 – A lusitana “Maria, sai da lata!”

Breafing80 dado pelos próprios designers responsáveis por criar uma nova identidade visual : “o objetivo foi manter a fidelidade das consumidoras atuais e, ao mesmo tempo,

conquistar

consumidoras

mais

jovens,

transmitindo

os

valores

[representações explícitas] de tradição, qualidade, sabor, confiança e rendimento já reconhecidos e mostrar evolução e modernidade da marca. A estratégia era modernizar o logotipo, mantendo o lettering (ícone de forte reconhecimento) e agregando movimento ao box que o envolve. Manter a massa de cores (Gestalt da marca), com grande presença de vermelho dourado para o reconhecimento.”

No tocante à personagem da marca que a identifica há mais de sessenta anos junto aos brasileiros, “outro ponto importante foi humanizar a personagem MARIA, refletindo uma mulher, confiante e segura, próxima da consumidora atual.

Foram introduzidos na embalagem aspectos da natureza, ambientando a personagem em um campo de oliveiras, transmitindo mais sabor, leveza e naturalidade”. (Fig. 74).

80

Depoimento obtido no site da Cemporcento Design: www.http://100porcento.net/principal.htm.

152

4.4 A EXEMPLO DE DOM QUIXOTE: O MAIS LONGEVO GAROTO BOMBRIL. Dentro da TV brasileira, à semelhança do ‘cavaleiro da triste figura’ Dom Quixote81 de La Mancha que acreditava viver dentro de um livro (a mídia da época), o personagem mais longevo e mais bem-sucedido da história da propaganda brasileira (1978 a 2004) saiu do ar, definitivamente, em meados de agosto de 2004.

Imortalizado pelo ator Carlos Moreno, o personagem Garoto Bombril (Fig. 76) representando implicitamente alguns comerciais quixotescos. (Em 1994, a campanha do “Garoto Bombril” entra para o Guinness Book). Este também é um bom exemplo de visibilidade de marca: entrava em cena sobreviveu por 26 anos dentro dos lares brasileiros – cerca de 200 comerciais sempre encimados pela onipresente marca Bombril (representação explícita) para indiscutível fixação de imagem junto ao público. Invadia os lares brasileiros pela televisão82 (considerado um dos cinco comerciais mais lembrados em pesquisa de marca) levando a mensagem da empresa líder de esponjas de aço (atualmente ameaçada pela marca Assolan). Sempre com bom humor na sua maneira tímida e desajeitada, ele83 tranqüilizava as donas-de-casa para que comprassem somente os produtos da marca ali representada; geralmente, caracterizado por um personagem de culto popular do momento.

81

Personagem cervantesco relativo ao escritor espanhol Miguel de Cervantes Saavedra (1547-1616).

Depois da Bíblia Sagrada, Dom Quixote é o livro mais editado de todos os tempos.

82 Garoto Bombril. Personagem criado em 1978 pelos publicitários Francesc Petit e Washington Olivetto, cuja figura incorporava, inicialmente, um tímido químico para defender, à frente das câmeras, os produtos da Bombril e que até hoje povoa o imaginário do público.

Por uma espontânea associação de personagens, ligamos a imagem do cavaleiro da triste figura Dom Quixote criado por Miguel de Cervantes –mestre na exposição de como se desenvolve uma personalidade que procura impressionar (persuadir) sua tão-sonhada Dulcinéia (del Toboso); representada nos comerciais da TV brasileira, supomos, pela consumidora idealizada dos produtos Bombril. Fig. 77 Xilogravura interessante de Jô Oliveira na adaptação pelo cordelista J. Borges “Dom Quixote em cordel” (LGE, 2005), onde o personagem de Cervantes enfrenta Lampião em pleno sertão nordestino e corteja Maria Bonita pensando que fosse sua doce Dulcinéia.

83 Nos anos 50 a Bombril já patrocinava o programa de variedade Circo BombrilI, da extinta TV Tupi carioca. Artigo de Silvana Mautone, na revista EXAME (ed. 854, nº 21, pp. 83-84) de 26 de outubro de 2005.

153

Figura 75 – Monalisa, de Da Vinci.

Figura 76 – Moreno, da Bombril84 .

Figura 77 – Cavaleiro da triste figura, de Cervantes.

Marca Bombril batiza cinema: “Uma pequena retribuição a todo carinho dispensado à nossa marca, e um novo espaço que dará preferência para o cinema nacional e latino-americano...” Com esse texto, encimado pela expressão de apelo de sentido implícito e explícito: “um novo espaço nos corações e mentes dos apaixonados por cinema” foi inaugurado o Cine Bombril, dia 22 de outubro de 2005, Conjunto Nacional em São Paulo-SP. Anúncio impresso de página dupla no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo na mesma data (p. E8 e E9). A assinatura da marca fica por conta do nome do cinema: “Bombril”.

84

154

CAPITULO 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS “Todo parecer é imperfeito: oculta o ser” Algirdas Julien Greimas. In: Da imperfeição. Pref. e trad. Ana Claudia de Oliveira; São Paulo: Hacker, 2002. Algo como “ao analisar destrói-se a imagem...” Martine Joly. (2002).

“As palavras e mesmo as imagens esgotam-se ao testemunhar”. Michel Déguy em sua palestra no seminário “O silêncio dos Intelectuais” – FSP 16.09.2005.

Chegado o momento de cessar temporariamente nossa pesquisa, convém refletirmos sobre os resultados até aqui alcançados. Buscamos, ao longo da apresentação do nosso trabalho, antecipar diversas considerações no sentido de revelar os resultados obtidos à medida que evoluíamos no tema ‘marca’. O que faremos agora será pontuar esses resultados de forma sintética para dar respostas ao problema e aos objetivos iniciais.

Partindo da proposição inicial de que a marca é uma representação explícita e implícita de sentido concluímos, apoiados em diversos autores e pela gama de exemplos apresentados, que a marca é, de fato, “um ser discursivo” (Kapferer, 2003) que apela tanto à razão como a sensibilidade: ela enuncia as qualidades objetivas e subjetivas do produto e prossegue, nos casos das marcas notoriamente consagradas, indo além das suas funções convencionais como símbolo; projeta a imagem de uma organização ou de produtos/serviços criando uma identidade própria nos contextos onde atua – ambiente onde estão expostas ou se desenvolve a comunicação de massa -; antes revestida de graus de intencionalidade, possibilita a integração do destinatário ao destinador da mensagem marcária.

Essa identidade construída “através da movimentação do signo marcário entre as diversas facetas das relações sociais” (ZOZZOLI, 1997), apesar de o produto ser a primeira fonte de identidade, revela um discurso que busca convencer (pela razão, por meio de raciocínios e provas), ou busca atingir a vontade e o

155

sentimento do interlocutor ao persuadir (pela sensibilidade, de caráter ideológico) por onde aflora a dualidade constituinte da marca. Revelada, essa dualidade pode ser mais bem observada nos planos de conteúdo e de expressão. O QUADRO III (p. 17) é exemplo de uma incontestável gama de termos dos aspectos dominantes do discurso da marca. Os exemplos já foram explorados, mas fiquemos apenas com o da própria marca Nestlé: a conotação de “saúde” associada ao logotipo “ninho” remete ao sentido de “prazer”, tem aí a sua fonte de arquétipo construído ao longo de séculos de identidade no imaginário popular.

Aprendemos, no entanto, que “os valores da marca não têm sentido a não ser que se encontrem na essência do produto” (KAPFERER, 2003): o imaginário e o real devem estar ligados – o primeiro inspirando o segundo e o segundo, o primeiro.

Exemplo dessa afirmativa é o nosso corpus de estudo: o leite Moça. A identidade da marca se fez ao longo da existência do produto, desde a sua origem estrangeira (sob o nosso ponto de vista) e sabor peculiar identificado através de uma personagem: L’ Laitière, caracterizada na origem em conformidade com os hábitos e costumes de época europeus; imigrante acolhida e eleita pelas consumidoras brasileiras como a “Moça” do imaginário popular, imagem esta advinda do arquétipo da Grande Mãe Terra.

Entretanto, longe de ser um elemento estrito de assinatura e identidade de um produto, a marca é um fenômeno próprio de nossa sociedade. Produzida pelo homem, vai além das dimensões de sua plasticidade. Nos vértices de sua identidade, além do seu aspecto “físico” (sentido explícito, objetivo), podemos observar a marca como portadora de várias personalidades. A marca é também, um “universo cultural”: todo produto é, de fato, o resultado de uma cultura. A marca é a concretização física desse produto e seu suporte comunicacional. Porém, a marca

156

não se contenta em enunciar produtos, ela os reconhece como legítimos e autênticos (legais), “em nome de um novo sistema comportamental, de uma nova cultura que ela encarna [...] A marca, por seus investimentos publicitários, por sua notoriedade, desempenhou seu papel de força social e autorizou com seu peso novos comportamentos”. (KAPFERER, 2003). Vejamos, novamente, o exemplo do nosso objeto de estudo, o leite condensado Moça: a marca desde os primórdios de sua existência se alinhou com a cultura brasileira, inicialmente no sentido gastronômico, culinário; depois, na contemporaneidade, com a cultura de libertação da mulher. Identificada com seu público-alvo, rejuvenesce da plástica tradicional para ganhar ares de pós-modernidade. (Quadro VI – Iconografia da Moça, p. 115).

Como representação de sentido implícito ou explícito, a marca é um conteúdo concreto apreendida pelos sentidos, pela imaginação, pela memória ou pensamento (PEREZ, 2004). No sentido implícito, apela aos elementos emocionais (arquétipos): o logotipo da Nestlé – o ninho e as aves do símbolo figurativo, que exprimem feminilidade e fertilidade entre outras associações. E “para entrar em contato com os arquétipos, é necessário uma postura intuitiva e sensível” (MARTINS, 1999), daí o sentido dado à Nestlé, cujo ninho também representa cuidado, aconchego, proteção, alimentação e carinho. Igualmente vinculada ao sentido explícito, a razão da marca é uma atitude frente à realidade, às atitudes de necessidades humanas. Os objetivos da marca anunciante reproduzem sua imagem, em função do público a que se destina, na intencionalidade de suas mensagens, por indução direta: do slogan ‘Good Food, Good Life’ a promessa de qualidade e confiança nos produtos Nestlé para se obter o bem-estar tão desejado. Em nossa análise semiótica das manifestações da marca Nestlé nos referenciamos em Floch, nas categorias de valorização prática/utópica, crítica/lúdica. (Quadro IV, p. 32).

157

Da marca como imagem, concluímos, respaldados em Joly (1999), que há um paradoxo na utilização dos personagens da marca: por um lado lemos as imagens de um modo que nos parece perfeitamente natural (Ex.: La Laitière, do leite Moça), ou seja, que aparentemente não exige qualquer aprendizagem e, por outro, temos a sensação de ser influenciados, de modo mais inconsciente do que consciente, pela perícia de profissionais da imagem (designers) secretamente codificada e aproveitando-se da nossa ingenuidade (Ex.: Na nova fase do ciclo de vida, a Moça remoçada pelo “espírito do tempo” (e seu novo back), com atributos de sexy apple).

Ou mesmo na imagem midiática da nova geração, da recém-criada personagem préadolescente: a “Mocinha”, da “era do visionamento” (DEBRAY, apud JOLY), sinônimo de televisão e de publicidade. (Quadro VI – Iconografia da Moça, p. 115).

Ainda em Joly, pressupomos que a imagem da Moça que representa o produto desde 1878 (no Brasil, desde 1890), passou de uma imagem manifesta: registros, vestígios, indícios que assemelham-se àquilo que representam (Ex.: a vendedora de leite, européia da primeira geração do Moça), à imagem fabricada: imitam mais ou menos corretamente o modelo, propõem-no. Porém, com tanta perfeição que ela se pode tornar virtual e dar a ilusão da própria realidade. Imagem análoga, perfeita do real. (Ex.: A nova Moça virtual, ilusão de estética da contemporaneidade libertadora).

Enquanto simulacro, a marca construída sobre a representação de representações produz uma cópia sem que haja um original (BAUDRILLARD, 2002): “para se tornar objeto de consumo é preciso que o objeto se torne signo”. Essa simulação da marca existiria para levar as pessoas a pensarem que uma realidade identificável realmente existe, quando, na verdade, ela seria formada por imagens.

Os exemplos que entendemos melhor refletir esse simulacro, com o objetivo de mobilizar as conotações afetivas (sentido implícito), são as poderosas imagens

158

trabalhadas pelo site Nestlé através da Internet, bem como as peças da campanha publicitária Moça retrospectiva, e que podem ser apreciadas nas figuras que ilustram o capítulo 3.

Retornando em parte ao objetivo geral de nossa pesquisa, quando argumentamos que as representações da marca se dão, inicialmente, pelos aspectos objetivos dos elementos lógicos, suporte constituinte da razão de ser do produto/serviço (sua concretude, suas características etc.), dedicamos o subcapítulo: “As relações lógicas da marca” para demonstrar nossa proposição inicial.

Lembrando que desde o princípio entendemos que os elementos racionais da marca-produto podem satisfazer necessidades utilitárias, enquanto que os elementos emocionais, as necessidades psicológicas. Quando Rand (apud BARBOSA, 2001, p. 456) afirma que a marca é uma figura, uma imagem... a imagem de uma organização; organização esta inserida na “sociedade terceirizada” (BAUDRILLARD, 2002) onde mercadoria e discurso coincidem (o significante e o significado), observamos que a marca é uma referência fundamental tanto para consumidores quanto para seu proprietário/produtor. O necessário registro da marca para torná-la legal, seus direitos de uso exclusivo pelo proprietário além de seus necessários aspectos de distintividade e de sua reprodutibilidade nos processos industrializados e de artes gráficas etc. foram demonstrados com as marcas corporativa e comercial da Nestlé, atuantes em seus vários segmentos de mercado.

Exemplificamos as marcas legalmente brasileiras, tais como, Moça e Ninho; as nominativas (Nestlé) e figurativas (Ninho) e lançamos mão de outras marcas genéricas e notórias para melhor compreensão dos aspectos lógicos da marca.

Abordamos e exemplificamos os casos de marca notória, objeto de nossa apreciação e estudo quando focamos nossas atenções na qualificação Top of Mind:

159

memórias de marcas consagradas pelo público brasileiro, revelando a publicidade como meio de acesso à mente do consumidor, momento em que a marca acaba construindo uma relação e vínculo com seu público-alvo. Lembrando que a publicidade cria marcas humanizando e personificando os produtos com identidade, personalidades e sensibilidades que refletem as nossas próprias (RANDAZZO, 1997). Em “marcas que dão filhotes” e a “grande família”, apoiados em Aaker e Troiano, ampliamos conceituações que comprovam nosso posicionamento de que a marca veicula a síntese das políticas e ações mercadológicas envolvendo os diversos atores do mercado; estendendo os significados da marca na mente de potenciais consumidores, agregando valor, prontas para o consumo sígnico.

(ZOZZOLI, 1994).

Ainda que a função primeira da marca seja indicar o produto, concluímos, finalmente, que toda marca forte explora uma dualidade (apela tanto à sensibilidade quanto à razão) na busca por um posicionamento preferencial na mente das pessoas; a sua identidade é sempre dual. Exemplificando, a marca Nestlé: saúde e prazer. Apoiada em seus slogans evolutivos com a coerência dos novos tempos, atualmente em seu discurso nacional, promove a coagulação do seu sentido composto: “Nestlé faz bem”. Em linguagem e sentido globalizados, a marca corporativa mundial é promessa implícita de “Good Life”; como símbolo representativo

revela

uma organização

suportada

na

lógica

material das

necessidades humanas de seus produtos, o “Good Food”. Entretanto, a Nestlé, além do que podemos conjeturar, parece pertencer a um seleto grupo de corporações que se liberta do mundo corpóreo do produto para se concentrar em seu verdadeiro negócio – criar uma mitologia de marca corporativa poderosa o bastante para infundir significados aos bens que levam o seu nome (KLEIN, 2003).

160

Pondo termo à nossa participação, motivados pela riqueza do tema e despertados pelo espírito investigativo, embora reconhecendo nossas muitas limitações e necessidade de maior aprofundamento, oferecemos esse simbólico trabalho como um estímulo aos interessados em novas reflexões sobre as dimensões da marca.

161

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MEIO &MENSAGEM (M&M), nº 1163. 20.7.2005.

SUPLEMENTO MAIS! São Paulo: Folha de São Paulo. 1º de maio de 2005.

SITES: http://www.arcadovelho.com.br/ Cartilha/Suave.htm http://www.aveiaquaker.com.br http://www.brazilsul.com.br/ http://www.bombril.com.br/empresa/historico/tehistorico1.shtml http://www.carbonell.com.br/ http://www.100porcento.net/principal.htm. http://www.datafolha.com.br http://www.leitebrasil.org.br/maiores2004.htm http://www.nestle.com.br e de suas congêneres espalhadas pelo mundo: www. nestle.fr/; www.nestle.es/; www.nestle.co.jp/; www.nestle.ch/; www.nestle ag/ etc. http://www.nestle.com.br/falecomamoca http://www.pepsico.com.br/home.html http://www.troiano.com.br http://www.unilever.com.br

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APÊNDICE E ANEXO

VISITA AO CENTRO DE PESQUISA NESTLÉ (Julho de 2005) Nestlé Centro de Pesquisa e Documentação - Acervo Histórico Av. Eng. Luis Carlos Berrini, 1376 – Brooklyn, São Paulo, SP. Resp.: Solange Peirão (solange.peirão@br.nestle.com) Fone: 11 5508-9563 / 9564 Fax 11 5505-2154

Documentos primários de pesquisa de acesso muito restrito e sob autorização formal; consultados diretamente do acervo original da Nestlé Ltda. Visita marcada com antecedência sujeita a confirmação um dia antes. Não cedem peças publicitárias (sob alegação de que estão vedadas para preservar direito autoral). As cópias, quando autorizadas, devem ser feitas fora da empresa sob responsabilidade do pesquisador. Apesar de todas essas restrições, após seis meses de contatos freqüentes iniciados com a direção de Comunicação e Marketing até Divisão de Assuntos Corporativos, obtive os documentos em “cortesia” que possibilitaram a fundamentação da marca Nestlé neste trabalho.

ANEXO

A publicação FOLHA TOP OF MIND 2005: Memória Nacional, editada pela Folha de S.Paulo e publicada em 18 de outubro de 2005, faz parte da origem desse trabalho. A revista traz o resultado da pesquisa que “identifica as marcas mais lembradas pelos brasileiros”. A pesquisa é elaborada anualmente pelo Datafolha Instituto de Pesquisa e está em sua 15ª edição.