Histórias restauradas de um tempo perdido (Versão digital) rev. 2022

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32 Parque Shangai¹, o Playcenter dos anos 1950 "A porta do Shangai era inebriante na opinião de qualquer menino, independentemente da sua origem. A música, os palhaços convidando todos a entrar, os balões, o algodão-doce, tudo fazia a cabeça girar como a tartaruga, um brinquedo que corria loucamente sobre um trilho em forma de montanha-russa", escreveu o jornalista Heródoto Barbeiro em seu livro "Meu Velho Centro" (ed. Boitempo), sobre memórias do local.

Na primeira vez que andou de trem-fantasma, Bel ficou aterrorizado. O medo pela Múmia no Cine Dom Bosco parecia pouco quando à noite em um carrinho barulhento chacoalhando pelo trilho avançava caverna adentro em curvas malucas; a completa escuridão tomava conta da alma daquele menino penado. Como se não bastasse o negrume inusitado, esqueletos humanos saltimbancos raspavam no corpo arrepiado da criança desesperada e terrivelmente assustada. Quando no passeio lúgubre a viagem fúnebre acabava, o alívio de retornar à atmosfera saudável bastava. Depois que o calafrio havia passado intrigante era olhar a montanha-russa à distância na sua majestosa figura de uma centopeia esquisita, construída em madeira. Levado pela euforia e entusiasmo da hora, lá Bel ia a mais uma aventura escabrosa. Arrastado até o píncaro do monumental engenho, o carrinho na íngreme descida solto descambava. E nas curvas horripilantes, quem lá embaixo chegasse tentava se conter fluindo na montanha tremulante. E no final da linha, a promessa que ali não mais iria. O assombro só era mais surpreendente no ‘brinquedo-Rotor’. Ligado quando fortemente girava, e na parede em círculo de tábuas o corpo colado arrepiado ficava suspenso grudado no ar. O chão descia, deixando os arrependidos brincantes como no espaço loucamente a girar. Depois da súbita parada, desnorteado o menino se precipitava na fila de outro brinquedo a fim de provar outra excitante aventura. O Parque Ibirapuera² Ao contrário do Shangai onde os aparelhos esdrúxulos eram terríveis brincar, Bel se sentia realmente feliz quando no Parque Ibirapuera ia passear em dia ensolarado nas tardes de domingo, no gramado aparado e no cintilante lago espiando a marrecacaneleira e o quiriquiri; petiscando algodão-doce ou saborosa pipoca doce ou salgada o ar aspirado era leve e puro. De lá se avistava o imponente Monumento às Bandeiras. Ali, Bel se sentia seguro! Surpreendente é perceber como os sentidos se apuram quando estamos ao ar livre onde os pássaros se põem a cantar, as pessoas caminhando sorriem à toa. O caminhante gentil cumprimenta, as crianças correm sem receio e sem limites. E os idosos contemplativos, auscultando os sons da natureza em um banco recostados, pareciam levitar. O tempo nesse mágico momento aparentava não findar!

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¹No cruzamento da rua da Mooca com a av. do Estado, na adjacência do parque D. Pedro 2º, funcionou, do início da década de 1940 a 1968, o Parque Shangai. Semelhante ao Playcenter para quem foi criança e adolescente de 1973 a 2012, o local era um celebrado ponto de encontro cujo auge se deu nos anos de 1950. Em 1968, o parque foi desativado. "Três arrojados viadutos em formato de cruz vão surgir na região do Glicério", noticiava a Folha no dia 13 de novembro daquele ano. A legenda da foto definia: "O velho parque Shangai está sendo removido: é o progresso". Folha, em 12.10.2014. ²No quadricentenário da cidade de São Paulo, em 21 de agosto de 1954 foi inaugurado o Parque Ibirapuera, com atrações emprestadas pelo Shangai, que era um parque paulistano que fazia a sensação das crianças da época. Em 1965 foi inaugurado o Planetário, a Bienal de Artes.

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