Histórias restauradas de um tempo perdido (Versão digital) rev. 2022

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29 Sessão de cinema encerrada com pizza e pedrada Dona Conceição já sabia que ao terminar a sessão de cinema Miguel reclamaria de barriga vazia. Como não havia banana, em pleno domingo algo melhor proveria: uma deliciosa pizza de mozzarella ou marguerita1. Com muita farinha de trigo espargida na mesa da cozinha, a massa esticada, queijo e tomate em fatias bem finas cortadas. Agora Conceição aguardava o forno esquentar. Bel ao seu lado apenas acompanhava, inexperiente, em nada podia ajudar, exceto o serviço de entrega em mão. O aroma invadira toda a cozinha, deleitante prazer antecipado pelo esmero culinário. Mesmo sem poder beliscar, às 16h² da tarde o primeiro pedaço de pizza Bel foi entregar embrulhado em papel manteiga com materno cuidado. Carregando na mão um bonito pedaço, quentinho, escorrendo o azeite por entre os dedos, olhando para frente Bel seguiu o caminho: na primeira quadra à direita ficava o Cine Caiçara, e a porta de emergência já fora liberada por onde se precipitava o tropel da molecada. Prestativo, com a pizza na mão Bel dirigiu-se sorrindo ao irmão. Miguel que nada falava com cara emburrada, desviou-se de inesperada pedrada, surgida do nada! Mas, havia um motivo para o trágico fato: lá no cinema Miguel havia com alguém brigado, mas na saída foi o Bel quem pagou o pato. Atingido na fronte esquerda a cabeça tonta a girar, o sangue jorrou sem esperar. Caído no chão em momento fatal, inconsciente, foi levado às pressas para o pronto socorro do hospital. Quando Bel acordou a noite avançava, a família ao redor e já em casa, de nada lembrava. Exceto o choque e o som da pancada e da luz de um redemoinho que o fizera apagar. Quem poderia imaginar que naquela sessão vespertina do Cine Caiçara uma pizza seria trocada por uma rude pedrada, em momento vespertino, quase sela o destino no crepúsculo fatal de um inocente menino. A partir de então Miguel tornar-se-ia seu anjo-amigo, amparando-o e defendendo-o de todo perigo; estava sempre ao seu lado cuidando do caçulo que por engano fora machucado. Superada a dor, retirados os pontos e cicatrizada a ferida, Bel aquela cena trágica guardaria por toda a sua vida e jamais esqueceria como num filme na mente rodado a cena congelaria. Talvez devesse apelar para a psicologia³ e tentar explicar o porquê mesmo agora ao saborear um pedaço de pizza lhe fazem ressuscitar as imagens de um rosto fraterno e de uma luz sublime em remoinho em perfeita harmonia. E do salmo 23 gravado em sua mente, que prometia: “do vale da sobra da morte ele não temeria”. Certamente, o Nosso Senhor não queria o Bel de volta, não naquele momento! E concedeu-lhe do sopro de vida certo prolongamento a fim de que Bel soubesse quão precioso é o cordeiro perdido para o pastor que não quer vê-lo ferido. Piedoso e misericordioso, Ele também por ter atendido a premente oração, de joelhos implorada por sua fiel serva: D. Conceição. Amém! Curiosidades: ¹A pizza margherita em 2015 completou 126 anos, documentado em uma carta do chefe de serviço de mesa da Real Casa Camillo Galli, que em junho de 1889, convocava o chef Raffaele Esposito da Pizzaria Brandi al Palazzo a preparar a sua famosa pizza para homenagear a rainha Margherita di Savoia durante sua visita à cidade de Nápoles - rainha consorte do Reino de Itália, esposa do rei Humberto I da Itália, o segundo soberano da Itália unificada. ²A invenção das horas como medida de duração do dia é obra dos antigos egípcios - que transmitiram o sistema aos gregos e romanos. O astrônomo Hiparco (190-120 a.C.) foi o primeiro a propor a divisão do dia em 24 horas idênticas, independentemente da estação do ano. ³Psicologia: ciência que trata dos estados e processos mentais, do comportamento do ser humano e de suas interações com um ambiente físico e social.

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Histórias restauradas de um tempo perdido (Versão digital) rev. 2022

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pages 2-5, 8-15

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Histórias restauradas de um tempo perdido (Versão digital) rev. 2022 by N. Gilber - Issuu