Pedrinho e “seu-Lima”, Calunga e Virsola (Wilson) Filhos da mesma mãe, de pais diferentes, baianos (nordestinos): Pedrinho, magrinho, negro apoucado, de sorriso fácil e voz ofegante, porém irritava-se constante com a injustiça alheia... Apesar de esquálido partia para o enfrentamento e aí se rompia seu doce temperamento. Mas nas horas de perigo revelava-se um bom amigo e não se afugentava quando o pau comia e o sangue esquentava. Seu-Lima o irmão maior, um Maguila dos anos 1980, era espalhafatoso, de vozeirão desbocado arredio a conselhos e de enfrentamento açodado. Não media as estridentes palavras que praguejava. Mas, parecia portar um senso de dignidade quando acuado e sem saída. Nesse momento de coragem perdida, era um camaleão na adaptação ao temeroso contexto do entorno. Calunga, menino aloprado, era um caso de edeia à parte. Vizinho de cortiço do danado Lima - o bufão e Pedrinho; seu comportamento fluía conforme o procedimento e veleidade a estímulos da idade e aos sentimentos íntimos e necessidades de grupo: a turma a que pertencia. O sentido de entrega era o que mais caracterizava o afamado Calunga. Coisas de menino, que fazem parte do troca-troca nada ingênuo. Virsola (Wilson), coraggioso, rebento de segunda geração de imigrantes italianos tutti oriundi, tinha como consigliere o Nonno (que intentava endireitar a Torre pendente di Pisa). Porém, não se firmou no exemplo do avô. Virsola era um destemido e fora uma pessoa extraordinária e amigável, que fazia justiça nas pequenas coisas que dividia sem egoísmo e com tal companheirismo. Era l’amico de Bel, verdadeiro no trato, companheiro fiel. Porém, como tutto il giorno aulas cabulava e muitos mais aquilo que tragava e as lagoas que frequentava em hora de aula, Virsola perdeu a amizade do Bel por gazetear demais. E a conselho dos pais! Recém-chegados do Japão¹: Anata = wá burajiru-jin des ká? (Você é brasileiro?) Uma família tradicional de O Império do Japão (Kyujitai:大日本帝國) havia chegado e desembarcado ali mesmo na casa em frente à do Bel. Em meio às trochas de roupa e tralhas coloridas, um grupo taciturno de gente amarela se enfiou logo para dentro da pequena casa do cortiço, sem nada falar. As portas foram trancadas, sem cumprimentar. Mas com o tempo passado, os meninos japoneses Isau e Kioei algumas coisas falavam em nossa língua. Eram péssimos no jogo de futebol, mas sorriam bastante e juntos sempre ficavam. Amizade ali brotou e eles ao Bel convidaram para o almoço, que prontamente aceitou. Bel experimentou o shoyu e o macarrão caseiro. - Bel gostou! - Arigatôo gozai-más! (Muito agradecido!). Daí por diante: - Ohayô, Bel-san! (Bom dia, Bel!) - Oguénki des ká? (Como vai?) - Sayoonará! (Até logo!) E a verdadeira amizade entre eles perdurou. Muito tempo depois, os irmãos já aculturados montaram lojas de autopeças aonde Bel o seu fusquinha equipou. ¹O dia 18 de junho de 1908 marca a chegada no porto de Santos do navio Kasato Maru. A embarcação, vinda do porto de Kobe, em uma viagem de mais de 50 dias, trouxe os primeiros 781 imigrantes vinculados ao acordo imigratório estabelecido entre Brasil e Japão. A data marca o Dia da Imigração Japonesa no País e nos faz refletir sobre as influências presentes na identidade cultural brasileira. As influências da cultura nipônica no Brasil EDITORA UNESP
Segregação ou apartheid por opção Havia também aqueles que não se enturmavam, embora não fosse difícil conciliar, devido à sua criação os pais resolviam apartar dos demais. Em geral, essas crianças segregadas viviam isoladas e de nada participavam. Essa opção de separação de algumas famílias os vizinhos até respeitavam, embora vendo nos olhos dos pequenos calados e desolados que eles disso não gostavam. 41
Histórias restauradas de um tempo perdido