coleção
Museu do Douro
O Circuito de Vila Real na coleção Museu do Douro
O circuito urbano de Vila Real iniciou-se a 15 de junho de 1931, aquando das festas da cidade, com um percurso inicial de 7,2 Km. As chamadas "Corridas de Vila Real" constituíram durante muitos anos o mais importante cartaz turístico da cidade.
Após 1938, e com o início da Segunda Guerra Mundial, o circuito sofreu um interregno de 10 anos. A retoma do programa teve novo fôlego a partir dos anos 50 do século XX, quando as corridas passam a ter pilotos estrangeiros em competição, aumentando a curiosidade dos habitantes locais e nacionais.
Na coleção do Museu, além das imagens captadas por Noel Magalhães, podemos encontrar o prospeto do XII Circuito Internacional de Automóveis e III Corrida Internacional de Motas, de 1958. A par do programa detalhado do evento e das indicações para os espectadores, tem no verso um mapa com percurso do circuito.
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Programa do XII Circuito Internacional de Vila Real, 1958. © Col. Museu do Douro, Legado Irene Viana Pinto. PT/MD/ LEG/IAVP
» COLEÇÃO IVDP
Na coleção do Instituto existem artefactos que não resultam da atividade direta do organismo. É o caso de uma chapa de calcografia para impressão de rótulos, doada por Vasco Valente. De acordo com o bilhete em que se encontrava protegida, a peça pertenceu a Francis Archer (1765-1823), trisavô do doador, negociante na cidade do Porto que, durante as invasões francesas, manteve o seu comércio através da barra da Figueira.
A placa de cobre, com 5,1 x 8,5 cm, tem gravado o desenho de um rótulo com
uma cercadura oval, dentro da qual está o nome da casa comercial, Archer & Cº, e o local, Figueira.
Dado o valor deste metal, a chapa de impressão resulta de um reaproveitamento, como se constata pela gravação no verso. Trata-se de parte de uma imagem da Virgem com anjo, certamente de uma pagela ou gravura integrada em edição religiosa, que permite datar a placa do século XVIII.
museu do douro · julho 16 coleção Museu do Douro
Chapa calcográfica, frente e verso. Col. Museu do Douro/ IVDP (MD/M – 4333) ©2023, Carlos Mota/MD
Nota que acompanha o objeto. Col. Museu do Douro/IVDP
» DOAÇÃO
O Museu incorporou na sua coleção de arte quinze obras do pintor Jaime Silva. Nascido em Peso da Régua, formou-se na Escola Superior de Belas-Artes do Porto trilhando um percurso de grande mérito no panorama artístico nacional desde o início da sua carreira. Precursor da discussão da arte enquanto fundador do Grupo Puzzle, a sua obra sobressai pela constante procura de outras leituras e expressões artísticas, através da pesquisa e da interrogação de métodos e leituras.
O acervo doado inclui obras realizadas entre 1975 e 2021, abrangendo diferentes temáticas e técnicas, desde a pintura a óleo e a acrílico, desenho a carvão e a tinta, passando por colagens e outras abordagens de técnica mista, incluindo uma instalação sonora.
O Museu expressa a sua gratidão ao pintor Jaime Silva por esta generosa doação.
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S/ Título. 1984 Óleo s/ tela 200 x 300 cm
S/ Título. 1982 Carvão e pastel s/ papel 190 x 154 cm
» BIBLIOTECA – INCORPORAÇÕES
Foi incorporada na nossa biblioteca uma obra que assinala o 1º centenário da morte do Marquês de Pombal, publicada pela Universidade de Coimbra, com prefácio de António Cândido. Esta aquisição deve-se à cooperação da DGPC com as bibliotecas da Rede Portuguesa de Museus, a quem agradecemos.
museu do douro · julho 18
coleção Museu do Douro
O Centenário do Marquez de Pombal: jornal commemorativo publicado pela Commissão dos Estudantes de Coimbra; Prefácio de António Cândido. N.º único. Coimbra: Imprensa da Universidade,1882.
PATRIMÓNIO RDD
» O PÃO DE FAVAIOS
O pão de trigo fabricado em Favaios, vila do concelho de Alijó, reflete uma importante parte da vida, das tradições e das práticas e processos de trabalho da sua população. Conhecido como Trigo de Quatro Cantos, este produto tem por base uma forte tradição familiar, transmitido por várias gerações de padeiras que, em torno do seu fabrico e comércio, desenvolvem uma importante atividade a qual, em tempos, incluía também a moagem do próprio cereal. Apesar da vida árdua, exigente e fatigante a que esta atividade está associada, é com orgulho que as padeiras afirmam tratar-se de uma herança deixada por pais, avós e bisavós.
As padarias de Favaios mantêm ainda o modo de fabrico artesanal do seu trigo de quatro cantos, conservando o uso de matérias-primas selecionadas e, sobretudo, os processos que conferem ao pão o formato característico. Tudo começa com a farinha, que tem de estar cuidadosamente limpa e peneirada, à qual é adicionado o fermento, a água, outrora captada em fontes locais, e o sal. Amassa-se bem com recurso a potentes batedeiras, ainda que haja algum trabalho de braço até obter a consistência ideal. Depois de bem amassada, a massa é achegada: coberta e resguardada com panais e cobertores para levedar.
Percebendo pelo seu toque experiente que a massa está pronta, esta é orçada, isto é, cortada com um rapa ou rapina, espécie de lâmina de ferro ou plástico, em pequenas bolas, mas sem a sua forma definitiva. As bolas de massa são colocadas em tabuleiros do rolador, mesa de madeira com encaixe para os tabuleiros, onde voltam novamente a descansar.
Quando a massa está lêveda tende-se, formando um pão de quatro cantos. A operação, realizada em gestos rápidos e complexos, implica um total de doze voltas, em que a padeira tende a massa espalmando, dobrando, enrolando e vincando ao meio com o cutelo da mão.
Depois de tender é preciso pôr os pães. São novamente colocados nos tabuleiros sobre panais, cujas dobras formam casulos, impedindo o contacto entre os trigos e que estes percam a forma. Estes tabuleiros cobertos voltam novamente ao rolador.
É daqui que o pão é enfornado no forno de lenha, que contribui também para o sabor único deste pão de côdea estaladiça e miolo macio vendido nas padarias locais mas também em vários locais da região.
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museu do douro · julho 20património RDD
D. Rosália, padeira de Favaios a amassar o pão ©2003, Natália Fauvrelle/MD
D. Manuela, padeira de Favaios ©2023, Natália Fauvrelle/MD
serviço educativo
EUSOUPAISAGEM – EDUCAÇÃO E TERRITÓRIO
A base da ação assenta na pesquisa de relações de experiência entre as pessoas e as paisagens.
Aposta-se na criação de contextos de experimentação, com caráter de continuidade, para a presença de crianças, adolescentes, jovens, adultos e seniores em atividades de experiência e conhecimento.
Pesquisa-se com o território e a paisagem, com o corpo e o lugar, em diálogo e tensão com diferentes linguagens e falas.
Interpelam-se as paisagens e as pessoas com o teatro, com a dança, com o vídeo, com a imagem animada, com a escrita, a geografia, a antropologia e a literatura, com a arquitetura paisagista e o cinema, com o desenho, com a fotografia e com o som.
eu sou paisagem é, desde 2006, um convite, uma convicção e uma vontade para atuar e refletir sobre a educação neste território e nestas paisagens.
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ONDE FICA O INTERIOR?
MOSTRA EM CARTAZES
MUSEU DO DOURO MARÇO – ABRIL 2023
oficinas ou encontros? marcamos um ponto de encontro, conversamos sobre fotografia, sobre o lugar e saímos para andar com as câmaras... talvez com a câmara o olhar fique mais atento, vemos o lugar sobre diferentes olhares e perspetivas... questionamos. no regresso ao ponto de encontro, analisamos e voltamos a conversar sobre as imagens... pode ser sobre profundidade de campo,
ou sobre o que nos faz falta no lugar, sobre a textura da madeira, o brilho da pedra, sobre ser mais velho, sobre ser jovem, sobre as políticas governamentais para fixar pessoas, ou a falta delas... voltamos a questionar, tenho de pertencer a algum lugar, alguém perguntou... a fixação é económica, alguém disse... o que não há neste lugar e te faz falta? perguntamos...
museu do douro · julho 22
serviço educativo
onde fica o interior? Mostra em cartazes. Painel 1/6 “o que há neste lugar?”. Museu do Douro, Peso da Régua. ©Paula Preto. 2023
o que há neste lugar? ficar?
ir?
o lugar por onde se anda está parado? ser de um lugar é ser de uma comunidade?
duas pessoas podem ser uma comunidade?
e tu? fazes parte de uma comunidade?
é preciso nascer aqui para ser daqui?
e tu? nasceste aqui?
conheces este lugar?
e as gentes? quem vem lá?
os pés podem ver?
onde fica a saída? depende?...
depende para onde queres ir?
posso ficar sem me fixar?
o que é fixo?
a fotografia fixa-se?
às vezes mexe-se?
a fotografia mexe-se?
e tu? quanto tempo precisas para te fixares?
e tu? estás confortável aqui?
tens raízes aqui?
tenho raízes aqui?
é pela família do meu pai ser daqui que eu sou daqui?
é porque eu nasci aqui?
é porque eu nasci num lugar que não conheço?
é porque a minha família é de um lugar que não conheço?
ter raízes é ter família?
uma árvore tem família? e vizinhos?
e tu? tens vizinhos?
se fosses parte de uma árvore, que parte serias?
o que faz deste lugar, um lugar qual -
quer?
e tu? estás confortável aqui? outra vez? já te disse que não? e tu? onde te sentes confortável? onde me sinto confortável? onde vives? entre lugares? agora estás mais acomodada?
já não te sentes estrangeira neste lugar?...
sinto-me estrangeiro neste lugar? tenho medo do estrangeiro?
e tu? tens medo do estrangeiro?
fixar é uma questão económica?
nem só económica?
vieste pelo amor, foi? foi pelo amor que vieste?
e tu? o que mais amas?
e tu? o que podes fazer por este lugar? investes neste lugar? investes longe daqui?
qual é o teu maior medo? velhice?
da solidão?
não ser lembrada? de não me lembrar?
precisas de pertencer a um lugar para saber quem és?
preciso? porquê?
e tu? o que descobriste aqui?
moscatel? o moscatel é fixe?
não é mau? mas um porto, vinho fino, com 50 anos?
quantos anos tens?
és daqui?
achas que não?
o que é necessário para se ser daqui?
é só amar o aqui?
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para se ser daqui é necessário querer muito ser daqui?
o que há aqui? pessoas? árvores?
aqui há história e muita tradição? podes viver da tradição? e se não te identificares com a tradição? é difícil integrar uma comunidade com rituais em que não acreditas?
e tu? tens costumes?
eu tenho costumes?
e descostumes?
qual é o teu lugar de descostume? como vivem as pessoas deste lugar? porque é que ainda estás aqui?
o que não há neste lugar e que não te faz falta?
e o que é que te faz falta?
o que me faz falta? pessoas?
ei, essa conversa outra vez? aqui há gente?
aqui há gente?
então, falta-te liberdade? democracia? partidos?
não? identificas-te com os partidos?
aqui há uma pseudo-aristocracia? quem são os que são de gema?
mas, quem quem quem?
é preciso nascer aqui para se ser de gema?
mas que gema? que tipo? que ovo?
e tu? és de gema?
tens liberdade neste lugar?
eu tenho liberdade neste lugar?
nem sempre? dizer o que se pensa? a que custo?
a liberdade não se tem? procura-se?
é um exercício de muita resiliência mantê-la?
e a ti? o que te faz falta neste lugar?
trabalho especializado? concertos? música alternativa? ah, diversidade? serviços de saúde?
o lugar é um espaço físico? podes ser de lugar nenhum?
és uma pessoa mal situada?
a noite é o teu lugar? ou o teu não-lugar?
e tu? porque é que escolheste viver neste lugar?
e tu? tens relação com o lugar ou com as pessoas?
há gente aqui?
aqui há gente?
há bandos?
e tu? a que bando pertences? pertenço a algum bando?
e tu? és interior ou vives no interior? onde fica o interior?
e onde fica o teu interior?
o meu interior? mas, o interior é meu?
e tu? que futuro queres para o teu interior?
companhia?
gostas de andar acompanhado?
e tu, costumas andar?
os pés podem ver? conheces o rio?
conheces o douro?
qual? o dos postais?
qual é a imagem que tens do lugar onde vives?
é uma imagem antiga?
é uma imagem que guardas num álbum de memórias?
é um álbum de família?
é teu?
museu do douro · julho 24 serviço educativo
é meu?
e a família é tua?
e o lugar é teu? sim? não?
depende do ponto de vista?
e tu? tens o mesmo ponto de vista desde que nasceste?
e se mudares de lugar, mudas de ponto de vista?
sim? mudas? mas para um lugar muito afastado? fica no interior?
e tu? vives no interior? onde fica o interior?
o que aconteceu?
costumam acontecer-te coisas? acontecem-me coisas?
acontecem muitas coisas neste lugar?
o tempo deste lugar é lento? quanto tempo é necessário para congelar um movimento?
1/500 avos de segundo?
o lugar onde vives está parado? parado ou estagnado?
não se passa nada?
posso viver num lugar de passagem? com que futuro?
o futuro de ontem que ficou amanhã? ui, estamos a filosofar?
o peixe está a desaparecer? sim? no rio? no douro? repovoar? voar?
já foste feliz a comer peixe de rio?
o teu lugar é do lado de lá do rio?
e o teu, é do lado de cá do rio?
universal é o meu lugar sem paredes?
não se passa nada aqui?
és tu que não sabes o que se passa?
e ler o jornal?
os lugares precisam das pessoas?
vais? ficas?
vamos indo?
e a paisagem fica?
e a paisagem fixa?
as aldeias ficam e as pessoas vão?
temos de inventar um nome novo para as aldeias? que nome?
e as pessoas são como os peixes?
e as pessoas são como os pássaros?
e os pássaros são de que lugar?
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Transcrição do texto “o que há neste lugar?”. Painel 1/6.
PÚBLICO COMUM
Visita ao Museu do Douro. Centro Escolar de Lamego nº 1, Lamego, Agrupamento de Escolas Latino Coelho. Lamego.
Programa em articulação com instituições pares: museus, teatros ou centros culturais da região para percorrer e conhecer diferentes espaços no território local e regional.
museu do douro · julho 26 serviço educativo
Público Comum. Museu do Douro, Cais da Junqueira - Peso da Régua. SE 2023
CAFÉ CENTRAL. CARRAZEDA DE ANSIÃES
Este é um programa para estar presente em diferentes lugares deste extenso território, com as pessoas que nele estão. Para conhecer as pessoas que cá vivem, os cafés são lugares que marcam as paisagens entre a casa e a rua, entre o público e o privado.
Os cafés são lugares de fronteira e de encontro. Que centralidades, que periferias?
Nesta mostra apresentamos uma seleção das passagens pelos vários cafés realizadas ao longo de 2023 com a fotógrafa Paula Preto. Este é um convite a permanecer a estar nos espaços tão centrais que são os cafés nas vidas destes lugares. Procura-se questionar o que é centro e o que são as periferias, desmontar as lógicas de representação que são sempre redutoras das vidas do dia-a-dia que importa cuidar.
Café central é uma das frentes de ação do eu sou paisagem – programa de educação - Museu do Douro.
Mostra em postais.
Alfândega da Fé | Carrazeda de Ansiães | Santa Marta de Penaguião | Tabuaço
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Café Central. Coleja, Carrazeda de Ansiães. ©Paula Preto. 2023
COM_VIVER
Programa em articulação com os 4ºs anos do Centro Escolar da Alameda. Agrupamento de Escolas João de Araújo Correia. Peso da Régua.
Queremos interrogar a vida deste território e das pessoas que vivem neste território.
Que relações existem entre as pessoas e a paisagem?
Em que lugares gostamos de estar?
E quais são os que nos colocam mais desconforto?
Que características têm estes diferentes lugares?
Onde é que gostamos de correr, de caminhar, de sentar, de parar, de ver e olhar, de contemplar?
museu do douro · julho 28 serviço educativo
Com_Viver. Mapa registo das ações do projeto. Ilustração Sónia Borges.
JOGO CONCHA VINHATEIRA DE DANIEL CARVALHO
Apresentação do jogo Concha Vinhateira de Daniel Carvalho. Museu do Douro, Peso da Régua.
Concha Vinhateira é um jogo de tabuleiro centrado no processo complexo e multidisciplinar associado ao tratamento da vinha e à produção de vinho. Neste jogo os jogadores assumem o papel de Feitores. Irão trabalhar em conjunto, adquirindo uma quinta, ao mesmo tempo que usam as competências únicas de cada um para otimizar resultados e minimizar complicações para, no fim, conseguir produzir a maior quantidade, qualidade e variedade de vinho.
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Apresentação do jogo Concha Vinhateira de Daniel Carvalho. Museu do Douro, Peso da Régua. SE 2023
Dizer ALTO
[Uma Tarde No Inferno]
Muito antes de chegar esta onde de calor, pensaram os médicos do Hospital de D. Luís I, com um entusiasmo que logo contagiou os mais directos colaboradores, em conhecer a linha do Douro, da Régua à Barca d’Alva. Curiosidade que nunca atingiu a grande maioria da população da Régua, sempre voltada para o Porto. Quando muito, meia dúzia de pessoas desta maioria estática foi a Bagaúste…
O entusiamo cresceu e com ele a angústia de não se encontrar uma data que servisse a todos. Até que a viagem se acertou para o dia 16 de junho, mal se adivinhado que este ano, este mês, andaria pelo calendário do inferno.
Nas vésperas, já com as merendas alinhadas, alguém mais timorato, ainda arriscou:
- Com este calor, não será tolice ir à Barca d’Alva?
Resposta pronta:
- Ora… ora… ora…! A índia é muito mais quente, muito mais longe e o Vasco da Gama chegou lá!
Esta veemente tirada acabou com todas as cobardias…
Partimos já com o Sol a morder a pele e as moscas a desconfiar dos nossos merendeiros.
A viagem é deslumbrante, enquanto o
espírito consegue estar atento. A paisagem é como um tríptico gigantesco em que há séculos o homem tem andado a trabalhar, sofrendo as agruras de uma tela difícil – a natureza. O primeiro retábulo de tríptico vai da Régua ao Pinhão. O homem ainda teve gosto e paciência para pintar casas e vinhedos de horizonte a horizonte. Do Pinhão ao Pocinho temos o segundo retábulo. Aqui já o homem teve de escolher os melhores pedaços de tela e enveredar pelo impressionismo. Não consegue segurar as tintas dentro do desenho rigoroso. No terceiro retábulo, do Pocinho à Barca d’Alva, as áridas montanhas, de sobrolho carregado, e riso amargo do rio desanimaram o pintor. Apenas de longe em longe o salpico de uma vinha alegra o chão pobre das heroicas amendoeiras. Seriam duas da tarde quando descemos do comboio escaldante na estação da Barca d’Alva. Os poucos funcionários dispersos pela gare pareciam esculpidos em suor e tédio. Olharam-nos como se vissem um grupo de loucos acabados de ter alta. Olhámos em redor, tentando descobrir onde comer e fazer horas para o regresso. Nada. Para lá do material ferroviário calcinado pelo Sol cruel, apenas uma linha de eucaliptos espectrais prometia uma sombra esfarrapada. A estátua mais comunicativa da gare acabou por dizer:
- Os senhores têm lá em baixo, depois da ponte, um bocadinho de arvoredo… O arvoredo, duas carrasqueiras, ficava num plaino sobranceiro ao rio. Numa
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das sombras encontrámos uma pata com oito patinhos estupefactos, como nós, com tanto calor.
Pouco depois de abrirmos os merendeiros apareceram a dar-nos as boas-vindas dois cães magríssimos carregados de moscas. Não deram ao rabo por não terem forças, mas notava-se-lhes nos olhos tristes a satisfação de verem alguém. As moscas levantavam e logo pousavam. Os cães deviam estar mais frescos que o ar.
Depois de pouco comermos e muitos galhofarmos, vimos as horas. Em todos os relógios faltava uma eternidade para regressar à Régua…
O mais corajoso do grupo saiu da sombra e acabou por descobrir um café na linha de casas pasmadas ao Sol. Era um café-mercearia de uma senhora simpática ajudada por uma rapariga de vestido às riscas, olhos às pintinhas e sorriso marcado pelas saudades do que nunca viu. Um verdadeiro oásis de bebidas frescas e moscas com alguma educação. Jogou-se o dominó e a sueca com pedras e cartas coçadas por muitas gerações de contrabandistas. O riso voltou a todas as bocas e as piadas foram apimentado o ar.
- Menina, quanto custa um quarto de hora no frigorífico?
- Oh!... o frigorífico é só para garrafas!
Nem o calor da Barca d’Alva destruiu ainda a ingenuidade da menina de olhos
às pintinhas…
No regresso, o tríptico da paisagem corria nas janelas como um filme em reprise sem interesse para ninguém. A carruagem foi palco de todas as brincadeiras e as piadas acendiam-se umas nas outras como fogo preso. Dir-se-ia que, em cada um, havia a secreta satisfação de não ter morrido no inferno da Barca d’Alva.
Camilo de Araújo Correia, Livro de Andanças.
– [5ª ed. corrigida e aumentada] Régua : Graça Editores, 2003
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A Rede de Museus do Douro, ao unir diferentes tipos de espaços museológicos, pretende também contribuir para a sua divulgação junto das comunidades de visitantes. Seja aproximando a comunidade local dos seus espaços, seja divulgando estas estruturas a quem nos visita, esta publicação é também um incentivo para partir à descoberta do território duriense. Através de diferentes coleções, os espaços aderentes permitem conhecer outras facetas do Douro, um território cuja paisagem é património Mundial!
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rede de Museus do Douro
rede de museus do douro
MUSEU DO IMAGINÁRIO DURIENSE (MIDU)
MUSEU DO CÔA E PARQUE ARQUEOLÓGICO DO VALE DO CÔA
Exposição de Fotografia COADOURO Patente no Museu do Imaginário Duriense (MIDU).
» Até 30 de julho de 2023.
//INFORMAÇÕES ÚTEIS:
Horário de funcionamento:
» segunda a sexta:
9:00 às 12:30 | 14:00 às 17:30
» sábados:
10:00 às 12:30 | 14:00 às 17:00
» domingos e feriados: mediante marcação prévia
Bilhete: gratuito.
Email: museum@cm-tabuaco.pt
Tel.: 254 787 019
Morada: Rua Macedo Pinto, 5120 Tabuaço
Exposição Dark Safari, uma iniciativa conjunta entre a Direção Geral do Património Cultural, Fundação Côa Parque e o Município de Vila Nova de Foz Côa, patente no Museu do Côa e no Centro Cultural de Vila Nova de Foz Côa até dia 30 de Julho.
//INFORMAÇÕES ÚTEIS:
Horário de funcionamento:
Todos os dias das 09:00 às 17:30
Bilhete: 7€
Passaport Mud: 20% desconto.
Email: museugeral@arte-coa.pt
Tel.: 279 768 260
Morada: Morada: Rua do Museu | 5150 – 620
Vila Nova de Foz Côa
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