6B Biografias e Identidades 2011 e 2012

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“Quando, por exemplo, me apercebo do vento que sopra através dos ramos da faia, sou incapaz, de início, de distinguir a visão dessas folhas trementes do seu delicado murmúrio. Também os meus músculos sentem a torção desses ramos quando se dobram tão levemente ao vento e isto impregna o encontro de uma certa tensão táctil. O encontro é influenciado, também, pelo cheiro fresco do vento outonal, e até pelo sabor de uma maçã que ainda se demora na minha língua. (…) a percepção envolve também o tacto, a audição, o olfacto e o gosto. Com o termo “percepção” queremos significar a actividade concertada de todos os sentidos do corpo tal como funcionam e se desenvolvem conjuntamente. Na verdade, se eu atentar de perto na minha experiência não verbal da mutável paisagem que me cerca, tenho de reconhecer que os assim chamados sentidos separados estão inteiramente misturados uns com os outros, e é somente depois do facto que sou capaz de voltar atrás e isolar as contribuições específicas dos meus olhos, dos meus ouvidos e da minha pele. Assim que tento distinguir a parte que cabe a um sentido qualquer da parte que cabe aos outros, inevitavelmente corto a total participação do meu corpo senciente no terreno do sensível.” David Abram, (2007). A magia do sensível. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Serviço Educação e Bolsas, p. 61.

“O mundo no qual eu nasço, morro, existo, não é o mundo dos “outros” uma vez que é igualmente o “meu”. É o mundo dos corpos. O mundo do fora. O mundo dos fora. O mundo onde dentro e fora, cima e baixo se baralham. O mundo da contrariedade. O mundo do contra. Um encontro imenso, interminável: cada corpo, cada massa retirada de um corpo é imensa, desmedida, infinita a percorrer, a tocar, a sopesar, olhar, a deixar-se pousar, difundir, infundir, a deixar pesar, a suster, a resistir, a suster como um peso e como um olhar, como o olhar de um peso. Porque é que existe isto, a vista, e não antes qualquer coisa que misturasse o ver e o ouvir? Mas de uma tal mistura, haverá sequer sentido falar? E em que sentido? Porque é existe esta vista que não vê os infra vermelhos? Estes ouvidos que não ouvem os ultra-sons? Porque é que em cada sentido há limites, e entre todos os sentidos um muro? Mais ainda: não serão os sentidos universos separados? Ou melhor: a deslocação de todo e qualquer universo possível? O que é a separação dos sentidos? E porquê cinco dedos? Porquê este sinal do rosto? Porquê este vinco no canto dos lábios? Porquê este sulco aqui? Porquê este ar, esta medida, esta desmedida? Porque este corpo, porque este mundo, porquê absolutamente e exclusivamente ele?”. Jean Luc Nancy,(2000) Corpus. Lisboa: Veja. p. 28-30

SCHUITEN & PEETERS (2002). As cidades ObscurasA Fronteira

Invisível. Lisboa: Witloof, p.28

BIOS – Biografias e Identidades. Projeto Anual 2011|2012

Ao longo do ano letivo 2011/2012, o Serviço Educativo, em parceria com professores, crianças, jovens e adultos bem como outros agentes educativos e culturais, implementa o Projeto BIOS – Biografias e Identidades. Projeto Anual 2011|2012.

Acriaçãodebiografiaséaquientendidacomoummododecriare refletirsobrearealidadedehojepensandoeagindosobreobinómio indivíduo-paisagem.

Oatodecontaravidade uma pessoa,de um objeto,de uma planta ou animal permiteperspetivar singularidades enecessariamenteinterrogaroseutempoeo tempohistórico. Da fauna à flora, às tipologias das paisagens, o projeto permitirá a construção de uma coleção de BIOS que falam sobre tensão entre novo e antigo, entre memória e futuro e como a construção de património imaterial (como produção de conhecimento) é um foco incontornável de discussão entre instrumentalização e emancipação.

O projeto permitirá ao professor e educador, agente cultural ou social, desenvolver o projeto com o seu grupo de trabalho, adequando-o às suas especificidades e interpretações.

O projeto conclui-se com a apresentação pública de uma coleção de BIOS de pessoas, objetos, coisas, elementos naturais ou culturais que caracterizam e tecem as dinâmicas do indivíduo com a paisagem tendo como base de trabalho as paisagens, as pessoas, os lugares, a Região Demarcada do Douro.

Programa Base do Projeto:

Setembro a dezembro|2011

Lançamento do projeto.

Sessões preparatórias com professores para desenvolvimento do projeto (tempestade de ideias; apresentação dos suportes e materiais do produto final).

Visitas às escolas para atividades do projeto.

Janeiro a abril|2012

Oficinas do projeto – para professores e outros agentes educativos e oficinas para grupos participantes.

O projeto BIOS recebe no edifício sede do Museu do Douro, alunos e professores e outros educadores para a realização de oficinas experimentais.

Desenvolvimento do projeto de cada grupo Criação do BIOS síntese de cada grupo de trabalho em suporte escrito, fotográfico ou 3D.

Visitas às escolas para atividades do projeto.

Maio a junho|2012

Síntese do projeto.

21 de maio | Entrega do Bios do projeto.

5 de junho | Apresentação pública do projeto no Museu do Douro.

Público-alvo:

Professores e alunos de todos os graus de ensino:

Educação Pré-Escolar.

Ensino Básico – 1º, 2º e 3º Ciclos.

Ensino Profissional.

Ensino Secundário.

Objetivos do Projeto

Motivar e explorar a diversidade de relações entre o indivíduo e os lugares em que vive a partir de uma Vida/BIO.

Descobrir pontos de vista diferenciados sobre a mesma realidade.

Desenvolver a criatividade na resolução de problemas. Expressar ideias e modos de as concretizar.

Saber trocar, partilhar, gerir recursos materiais e humanos.

Eixos do Projeto

Numa lógica sequencial o projeto tem como etapas principais:

O trabalho de preparação do projeto, em sessões de trabalho específicas para professores e outros educadores.

A implementação e desenvolvimento do projeto pelo professor com os seus alunos.

A realização de oficinas do projeto específicas para professores.

A vinda ao museu das crianças e jovens para a realização de oficinas do projeto. A apresentação pública dos diferentes resultados dos processos de trabalho do projeto.

O correio do projeto. O correio do projeto permite o acompanhamento de todas as etapas do projeto. Este correio propõe a troca das descobertas, pesquisas, ideias, imagens, notícias e atividades realizadas pelos participantes e os desafios colocados pelo Serviço Educativo.

Todos os professores de todas as disciplinas podem participar já que a temática da identidade é transversal às várias áreas do conhecimento e da expressão.

A implementação e desenvolvimento do projeto têm em atenção a diversidade de narrativas e experiências de acordo com as várias faixas etárias implicadas na sua construção. Podem ser parceiros, crianças, jovens e professores das escolas do ensino público ou privado, associações recreativas e culturais e outras instituições educativas ou sociais.

Inscrições e Lotação

Data limite de inscrição no projeto: 14 de outubro de 2011

As inscrições são aceites por ordem de chegada até ao número limite de 70 (setenta) grupos.

A inscrição é individual por cada responsável/grupo.

OBRA

SER–PESSOA–TEMPO–ESPAÇO–PERCURSO

SER

Único

Obra

Reflexão

Tempo

Pessoa

CAMINHO

PERSONALIDADE

GERAÇÕES TRADIÇÕES

Digital

SÍMBOLO

Ritmo

BIOS

Vida

História

NACIONAL

Percurso

Traço

Pessoa/coisa

Social

EU/TU NÓS/OUTROS

Património

Género

Tempestadedeideias–1ªSessão deTrabalho Professorese Equipa

Vivência
Pedra recolhida no Cais da Junqueira, Peso da Régua.

O corpo e a mente

Amigos e os outros

Quem Somos?

Cartão de Cidadão O EU

Quem somos? As nossas memórias

Quem somos?

O que somos? Por onde andamos?

MEMÓRIA

BIOS

EU e os OUTROS

O que Eu sou na Realidade?

Quem É?

Noção de espaço…

O que Eu penso ser? Como os OUTROS me veem? A nossa vida

Noção de tempo… Como crescem… Como nascem…

Tempestade de ideias – 1ª Sessão de Trabalho Professores e Equipa

Fotogramas dos filmes enviados em resposta ao desafio: contenos uma história ou episódio singular, insólito, curioso, cómico, marcante da sua vida como habitante do

IDENTIDADEINTEMPORAL/TEMPORAL OLHARESRETROSPETIVARETALHOSDEVIDA ALMADESAFIO

FRISOCRONOLOGIA

MOVIMENTOS

Registosdevida

Imagens

Obelo

Pluralidade

Impressão digital

Vida+Escrita

Desafio

Paisagens Biosfera Cumplicidades

BIOS

Memórias

DES/ENCONTROS

Histórias

Pessoas

Mágoas

retratos

PercursosMarcasdoTempo

Transparências

Terra B.I. (des)equilíbrios

Emoções

Trilhos

Sensações

Opacidade

Retratos

EXCERTOS

Tempestadedeideias–1ªSessão deTrabalho Professorese Equipa

Não cortem as árvores...

estorninhos

Escrita

Pessoas

invasões viagens

MEMÓRIAS

percursos

Sensações dosVoogansos

Subjetividade

Lugares introspeção - Diferenças - Caminhos - Registos

RETRATOS

identificações individualidades - olhares - paixões - coscuvilhice

BIOS

Aidaerataberna sim,tabernanão,àvindaeram todossim!

heranças

TEMPO

VIDA

Escolha as maçãs com buraco

O chá do Museu histórias ideias ilusões

EMOÇÕES Pessoas

SER = pessoaTempoEspaçoPercurso

Diversidade

SENTIMENTOS

Tempestadedeideias–1ªSessão deTrabalho Professorese Equipa

Ser invisível

EU / LUGAR

EU / MUNDO

EU / EU

SOU DE ONDE

Sou de onde

me coloco

EU / PAISAGEM

Não ser

Vida Subterrânea 8

BIOS

REFLEXO ImaginaçãoLivrosExperiênciasVivências

Descoberta

Identificação

EU / OUTROS

Vida

Paisagem

Tempestade de ideias – 1ª Sessão de Trabalho Professores e Equipa

Pinha
recolhida na Barragem do Peneireiro, Vila Flor. Inverno no Museu do Douro
Saída de Campo
27 dez.
2011
Ao escrever a mesa mexe e a pedra faz sons.

A criação de biografias e identidades – BIOS – como um modo de criar e refletir sobre a realidade de hoje pensando e agindo sobre binómio indivíduo– paisagem.

O ato de contar, em diferentes suportes e modos, a vida de uma pessoa, de um objeto, de uma planta ou animal permite perspetivar a singularidade e necessariamente interrogar o seu tempo e o tempo histórico. Das pessoas que habitam, vivem e visitam estes lugares, da fauna e flora, das pedras às coisas perdidas ou guardadas, às paisagens diversas e em mutação, o projeto permitiu o levantamento e construção de uma coleção de BIOS que falam sobre tensão entre novo e antigo, entre memória e futuro. E como a criação e construção do (património) imaterial – como produção de conhecimento – é um foco incontornável de discussão entre instrumentalização e emancipação.)

Esteéotextoquedefiniucomopontodepartida,vontadeeexpectativaofazer destetrabalho.Agoraqueoprojetosefinalizaeseabreparaoutraspossibilidades,abroestahipótesedecolocaremescritaoqueseviveuduranteumano. Assemelha-sequaseàtarefa,condiçãoefiguradoescritorfantasma.Normalmente,o ghost writer éoescritorcontratadoparaescreveraauto(!)biografiadeuma personalidade,maisoumenosfamosa,maisoumenoscor-de-rosa.Éumescritor nasombra.Então,tomemosestadesignaçãotraduzidadoinglês–‘escritor fantasma’–edemos-lheumvalormaisliteral:aquiquemescreveestáimplicado noprocesso,nasescolhasenasdecisões.Nãoéentãoumaescritaobjetivae descritivamasumaescritacomsombra.Noobservaroquesefaz,equandooque sefazassentaetemtravemestranocorpoedestenarelaçãocomolugarque habita,vive,ouvisitaésempresobreumresíduoemretrospetivaquesepode escrever.Nãoserelataaimaterialidadedosacontecimentos–dasvozesdas históriascontadaserecebidas,daquedadedoiscorposligadosporumapartee deolhosfechados,darepetiçãoquefazvoar.Estaperda,queédaordemdo inefável, contém,porespelho,estavontadetãohumanadetransformarresíduo emforma,outravez.

Melhorentãodoquedocumentar,jáquesereiteraqueomovimentodoscorpos, omexernosmateriaishumanos,orgânicosouinorgânicos,osgestosqueos acompanhamnãosãofixáveis.Assim,nestapublicação,decidimos,criarcomimagens,comtentativasgráficasdecriarruídos(sons?)comregistosfotográficos, gráficosetextuaisdosnossosarquivos,comtextosnossosedeoutros(deprofessoresqueacompanhamonossoprocessodetrabalho)eemconfronto,porilustraçãooucontrastecomotrabalhodeautoresdediferentesuniversosebiografias,comoAgustinaBessaLuís,SophiadeMelloBreyner,MarkTwain,Marguerite Yourcenar,JeanLucNancy, DouglasGordonePhilippeParreno(em Zidane),GiuseppeArcimboldo,TiagoC.Bôto,entreoutros.

*responsávelpelaprogramaçãoecoordenaçãodoServiçoEducativodoMuseudoDouro.Núcleode InvestigaçãoemEducaçãoArtísticaNEA- I2ADS.FBAUP-UP.

Retrato de Adão de Giuseppe Arcimboldo, 1578.

Comecemos então.

Usamosasbiosparaenviarpara candidaturasdeemprego(asnotas biográficasouominicv).Ocomputador pede-nosumsegundonome–esse identificadordeumser–umapalavra passeparaaceder,esempre, conjuntamente,comonossonome.Este podemosesquecermasapalavrapasse não.Assim,abrimosestapublicação/ fanzinepartindodoprincípioda ficção,pedindo-lheasi,leitor,umanova pass word paraasuaBIOS.

BIOSé,emlinguagemdecomputação,um Basic Input /Output system (natradução possívelumsistemabásicodeentrada/saída)easuafunçãomaisimportanteéo carregamentodosistemaoperacional.Éfácildeverificarmassepuder,caroleitor/a, repareumpouco,nogestoquejáautomatizouaoligarocomputador,reparecom maistempoeveráBIOSescritonoécran.Éosinaldequeesteestaráafazeruma quantidadedeoperaçõesparaocomputadorficarprontoparaserusado.Edepoissó terádecolocaroseunomeesobretudo,asuapalavrapasse.

NotrabalhodoBIOS,centramosanossaatenção,vigor,obsessãoedisponibilidade nocorpoecomoesteseliga,ousetensiona,comoslugaresqueusa.Interessavae interessa-nosentãoaprocuradapessoa,dasuasingularidade.Mastambémocorpo dacoisa,doobjetoperdidooudeafeição,ousimbólico–dotrabalhooudolazer.E comoradicalpertençaecopresença,aomundo,oscorposdosseresvivos–planta, árvore,animal,micróbio,bactériaedoselementos–apedra,aterra,aágua,ofogo. Tendoestepontodepartidainteressavaprocurarmaisgrafiasparapensaroufazer Bios.Tratou-sedeprocurarmodosdetrabalharosingular.Oumelhore,sendomais rigoroso,procurarmodosquealargassemeprocurassemasvidas,alémdaescrita,da qualabiografiaeautobiografiaestão,porprimeiradefinição,associadas. Eporquêestaprocura?Aprocuraalinhacomumapreocupaçãoqueocupaofazer aquidesenvolvido,desdeháseisanos: Fazer zoom contraria a panorâmica e procurar o pormenor desmonta o estereótipo no ver, no olhar e no fazer. Estasduasfrasesforam sintetizadaspeloArturMatoscomquemtrabalhamos,desde2007,comofazedor cúmplicedeimagens(oArturéoautordosdocumentáriosemfilmedecadaprojeto queregistam,esimultaneamenteficcionam,ié,dãodealgummodoumaBIOSsíntese emcadaprojeto.

Nestesentidoorecolocarofoco(ozoom)sobreapessoa,sobreoseucorpo,sobrea suavozaorelatarumahistóriaqueamarca,oucomoapodetrabalharporoutros meiosalémdapalavra.Aoprimadodaimagemcolocamosoacentonapessoa,nesta suaBIOSquecontemecriaoutrasBIOS.

O que é uma imagem? É o substituto da pessoa. Imagem dos Outros do exterior (colonizadores ou grandes destes mundo) que, é tudo o que se conhece deles. Ora o que podemos perguntarmo-nos agora é se o Ocidente não estará a colonizar-se a si próprio através do jogo da imagem. A imagem do outro hoje, substitui-se cada vez mais à preocupação de o conhecer e de o identificar como pessoa (…) Estas imagens seriam apenas imagens se algumas realidades e algumas palavras de ordem não as aproximassem de nós. (…) circulam, à velocidade da luz, e a sua omnipresença no mundo são expressão do retraimento do espaço e da aceleração do tempo que caracterizam a nossa época. Têm portanto do nosso ponto de vista um valor emblemático. São imagens do nosso tempo, e por isso, implicitamente normativas (…) endereçam-se a nós singularmente e, nessa medida, incitam-nos a meter a barriga para dentro ou a afectar a descontracção que preludia a performance. (Marc Augé, Para que vivemos, Lisboa, 2007, p.77.) (sublinhado meu).

A constatação da singularidade de cada ser.

Esta necessidade de fazer perguntas à norma foi outro dos princípio que nos fez começar a mergulhar nas Bios como procura do maximamente pessoal, do maximamente concreto, no só desta pessoa. Não esqueça caro/a leitor/a, que na região em que operamos, os modos como estas paisagens e as pessoas que nela habitam constroem-se em tensão (não imediatamente evidente) com a redundância, a simplificação, a mitificação de representações formalizadas e vigentes nas práticas de imagem que a vendem ou divulgam. Este foi, outra vez e mais uma, um modo de trabalhar com as identidades, pondo-as entre aspas e, consequentemente, em questão.

A procura da singularidade do acontecimento no corpo.

Esta singularidade de cada ser na convivência com a paixão, a inteligência e a frustração procurando como o outro vê, projeta, cheira, propõe, recebe, se disponibiliza, como se mexe, o que lhe acontece às mãos, à boca (ao sorriso?) e quando tem de encontrar modos de contar cortes no tempo da vida real, inventada ou imaginária. Instalamos, como tantos atrás de nós e à nossa frente, uma vontade de afirmar, procurando – JE EST UN AUTRE como o poeta Arthur Rimbaud o fez em 1875. A vontade de perseguir este eu que é outro, fugidio, tarefa impossível e por isso tão desejada. Ou como define e propõe Marc Augé, citado aqui novamente, no seu livro ‘PARA QUE VIVEMOS?´:

A necessária relação com os outros, a impossível consciência de si, a legítima aspiração a conhecer o mundo… a sociedade, o indivíduo, o conhecimento são três finalidades que definem a condição humana. (Marc Augé, Para que vivemos, Lisboa, 2007, p.77.)

que fizemos.

Aolongodoprocessodoprojetodefiniram-se3momentossíntese sobreoBIOS:

-Oiníciodeumacoleçãodehistóriasrecolhidaseenviadaspelosparticipantes. Históriasinsólitasoumarcantes,registadasemvídeo,easquaisestarão,paraalém doprojetoBIOS,alojadasnumaplataformadigital.Estarecolhafoipreviamente preparadaesugeridaasuarealizaçãoatravésdeesquemassimplificadosdealavancarhistórias–usando uma fotografia econtandoa história queestaguarda,ou melhor,indicia.

-AconstruçãodeumaBIOStridimensional,inspiradanoscabeçudosdasfestase romariasequetrouxesseconflitoseprazeresresultantedaBIOStrabalhada,inventadaoureal.Emprimeiravozeatítulodeexemplo,reproduzimosumexcertodo textoqueacompanhavaaBIOSdogrupodaEducadoraLúciaGonçalvesdoJardim deInfânciadeSVicentedePaula,VilaReal:

“Umapigmeuafricanofoioferecidapelospaiseduranteaproximadamente seismeses,foitratadacomosendoUmmasquepassouaserUmaapartirda primeiraconsultaaohospitalveterinárioecomboaspossibilidadesdeser mãe.FoiMãeduasvezesedeixou-nos2filhoslindos,quejánãosãonossos. MorreuaoserMãepela3ªvez.Teveumavidafelizefezfelizes3gruposde25 meninosemeninasquecomelaaprenderamarespeitarasdiferenças,apartilharafetos,adescobrircheiros,asaborearaamizadeeareceberbeijosde alguémquetemocorpocheiodepicos.(…)Foiduranteaproximadamente trêsanosumelementoativodestasala,quenosobrigouaorganizar,reorganizaroespaço,estratégiaseprocedimentoseducativos.“

-Acriaçãoeediçãodeumanarrativavisualemimagemanimada,paraque,notempomonitorizadodocinema,dovídeo,seexperimentassedarvidaàscoisas,àsfotografias,aosobjetoseaosdesenhosouregistosgráficos.

Realizaram-secomtodasascrianças,jovenseadultosmomentosemoficinapara procuraroutraspossibilidadesdepensarocorpoelugareolugaratravésdocorpo usandooteatro,aconstrução,aescritaeaimagemanimada(ver,pf,otextoteatro| construção|narrativasvisuais|escrita).

Oindivíduoeapaisagem–assuasBIOSconcretas,reaiseimagináriasouprojetadas,tiveramemcontanasuapreparaçãoumconjuntodepessoas,aInêsVicenteTeatro,aCristinaCamargo-Construção,aTâniaDuarte–NarrativasVisuaisea InêsMendes–Escrita,que,comaequipadoserviço,criaramemconjunto,umcorpodeaçõesparafazercompessoasecomgruposdepessoas,entendendosempre, comopropôsaInêsVicente, um grupo como uma pessoa.

Porquê o 6?

Oserviçoeducativofaz6anosesteano.Eporissoparafestejar,infestamosa publicação,comoseiscomoumlembrete.Lembretedeavisoparademomentos importantespararefletiroudepuroprazerporogostarmosdevernaquelapágina,naquelelugar.AofazeresteexercíciodoprojetoBios,ocorpodetrabalho,aqui criadoaolongodestetempo,tambémsetentabiografar,e,destemodo,revisitarseeolhar-seeperceber-senaleibásicadaexistência–portentativaeerro–e percebertambémparaondequerir.Colecionamostambémcomentáriosdequem trabalhouetrabalhaconnoscoparanosfalarinevitavelmentedenósedonosso contexto,atravésdassuaspalavras,dosseusdiscursos(ver,p.f. Comentários).E realizamosumconviteparaquecriadorespossamintegrarestavontadedegrafar demaismodoseinserir-se,interpelandoestapublicação(ver,p.f., Inserção.)

E o 7?

OdesafiodecentrarotrabalhonaBIOSabriucampoparacontinuarapesquisar porestanovacentralidade,adivinhou-seumnúcleodeaçãoparaarecolhaecriaçãodehistóriasemvídeo,demodonãosistemático,mascomavontadedeum mapeamentodevozes,trejeitos,modosdefalar,modosdecontare,sobretudo,de mexerasmãoseorosto.

Algumasdestashistóriassãomaistristes,maisdramáticas,outrasmaisprosaicas, outrasmaispícaras.Outrassãosórelevantesparaquemascontae,éporisso mesmoqueadquiremessemáximoestatutodesingular,sóporquesedecidiupartilhar.Outrasarrancam-nossorrisos.

Comasrealidadesdoiníciodesteséculo21,profundamenteavassaladorparaos eus e outros,e,demodoconcretocomotodososquevivemosemPortugal,hoje, aquiouali,atristezainvade,contundentemente,algumaspáginasdestaedição. Expõe-seconflito.E,aomesmotempo,osorriso,quesepodeou nãoiniciar,noconfrontocomooutro.

Estefoi(eé,porqueanossacoleçãodeBIOSvaicontinuar)um mododecelebraçãodavidanoconfrontocomamorteoucom absurdosmenosdefinitivos:

-Aestagnação,ocruzarosbraços,oolharparaochão(…herançasdotempoanterioraospoucosanosdebiografiadeliberdadedo nossopaís).

Agora:

(Umdiadisseram-mebaixinho,o sumo desta frase,doJoséSaramago,– o sorriso é uma questão de lábios).

“Amorteconhecetudoanossorespeito,etalvezporissosejatriste.Seécertoque nuncasorriésóporquelhefaltamlábios,eestaliçãoanatómicanosdiz,que,ao contrário,doqueosvivosjulgam,osorrisonãoéumaquestãodedentes.” JoséSaramago(2005) As intermitências da morte,Lisboa.Ed.Caminho.

Aquificaelaparaserlida,emvozaltooubaixa,aosberrosoujásó,eoutravez,em sussurro.

Oudemodosérioousorridente.Comaconvicçãoeirreverência. Com a convicção da irreverência.

Escolhiestafotografianãoporquecontealgumepisódio especialdaminhavida,masporquenaquelaalturaestavalongede imaginarque,comodiznamolduradafotografia“Aprendohoje,Amanhã ensino.”,estariadealgumaformahojeligadaàeducação.Nãorecordoesses temposdeformasaudosista,mascomoumaetapamuitoimportantenaminha formaçãocomopessoaecomoprofissional,mantendoatéhojealgunsdosamigos dessetempoevisitandodevezemquandoaminhaprofessoraEsmeralda.

22

Eradomingo,verãode1978,ecomohabitual eu,osmeusquatroirmãoseosmeus paisfomospassear.NestediafomosatéLamegoaocaféDalila,caféonde íamoscomregularidade.

Paranóseraumaalegriaodomingo,nãosóporqueíamospassear,masporquetínhamosautorizaçãoparabeberum´pinguinho'ecomerumgelado.Nestediaaminhairmã maisvelha,Ana,eaminhamãe,MariadoCéu,nãoestavamconnoscoporqueestavama participarnumencontrodaLigaOperáriaCatólica. Adiferençadeidadesentremimeaminhairmãmaisvelhaédedezanos,comoéevidentenaescadinhaquefazemosnafotografia.Aliásfactoquedespertouatençãodeum casaldealemãesqueestavatambémnocaféqueachandograçapediuaomeupaipara nostirarumafotografia.Omeupaideuautorizaçãoaocasalepoucotempodepois recebemosemcasaumacartadocasalcomarespetivafotografia.Gostamostantodela quehoje,34anosmaistarde,cadaumdenósatem numporta-retratos emsuascasas. Faltadizer-vosquequemficoutristefoiaminhairmãmaisvelhae aminhamãe!

Ah!Aquelameninadovestidosoueu.

MarisaAdegas ServiçoEducativo

OmeunomeéSusanaRosa,tenho30anosea históriaquetenhoparapartilhardestafotografiaretrataumaviagemquefizem1998 comosmeuspaiseminhairmãàTailândia.Os meuspaisganharamestaviagemnumsorteio aqueficaramhabilitadoscomacomprade umas enciclopédias.

Aviagemfoirepletadeperipéciasetudo começoulogonoavião.Eueomeupaiestávamosrelativamentecalmos,emborafosseuma viagemdeaproximadamente20horas.Já tínhamosandadodeavião,masaminhamãe estavamuitonervosaetudopiorouquando passados5minutosdetermoslevantadovooo comandantedoaviãofoiaomicrofoneinformarquedevidoaproblemascomotremde aterragemtínhamosderegressaraLisboa, masantesteríamosdeiraoMediterrâneolargarcombustível.Jánoaeroportotivemosa informaçãoqueíamospassar2ou3noitesnos barcosdaExpo98.

Osbarcosestavamparadíssimosmasaminha mãe,mesmoassim,sentiaobarcoamexere andavaenjoadíssima.

Chegoufinalmenteodiadoembarque.ChegámosàTailândia,oarerairrespirável,asruas muitoabafadaseocheiroacomidafeitaà beiradaestradaentranhava-senocorpo.Passámosalgumafome,principalmenteaminha

22 nov|2011

mãequeandavadoenteesó queriaregressaracasa. Numdosdiasfomos jantaraumrestaurantecomespetáculoao vivoondetivemosdenosdescalçar,coisaa quejáestávamoshabituados.Dentrodorestaurantetinhammesasparaosautóctonese paraaspessoasquenãoseimportavamde ficarajantardepernascruzadasnumaalmofada.Omeupai disselogo‘équenempensar!’ efomosparaamesados‘turistas’;estas tinhamporbaixoumaabertura;ficávamos sentadosemalmofadasmascomapernas direitinhas.Acomidavinhaemtacinhastapadaseacadaumaquelevantávamoserauma surpresa,massempredesagradável.Acomida eraintragável,pelomenosparanós.Omeu paidizia‘atésecome’masacaradenunciavao.Oespetáculodedançastradicionaistailandesasfoifabuloso,mulheresjovenscom unhasartificiaisenormesdançavamcom movimentossuaveselentos. Nofimdojantar edoespetáculotiraram-nosestafoto,quevos trouxe.ParaterminarfomosparaMacauonde amaioriadosdiasqueláestivemoscomemos numbelorestauranteportuguêsfranguinho dechurrascoque eraumadelícia!

SusanaRosa ServiçoEducativo

Afotografiamostraumaluvaqueseperdeu.Aluvaqueperdieraparecidacom estaemborafossemaisescura,decourocastanhoetinhaumamolaparaapertar nopulso.Estaéahistóriadeumobjetoperdido.Perdialuvacastanha,a damola nopulso,numpasseioànoite,juntoaomar,numdiadetempestade.Écurioso comoumobjetoparasempreperdidomarcaasuapresençanamemória...Penso queéacondiçãodedupla,deumpardeluvasjáqueo fantasma do objeto perdido voltasemprequevejoaoutraluvaquenãoperdi.

SamuelGuimarães ServiçoEducativo

ANIMADA - ESCRITA

OpoetaArturRimbaud,em1871,numacartaaPaulDemenyescrevea frase je est un autre. NesteprocessodepesquisaretrabalharBIOS,levantou-se,desdelogo,aquestãoda consciênciadenós–danossaidentidade–sercompósita,instáveleeminconstância pordefinição. Je est un autre trazconsigoumindefinido,umestrangeiro,umoutro, quenãoconhecemosmasquesomostambémnós.Esteparadoxoquedefiniumuitada modernidadedepensamentoquenosconstrói,estápresentequandoconvocamoso teatro,aconstrução,asnarrativasvisuaisemimagemanimadaeaescritaparaagir sobreaspossibilidadesdetransformação,porinstantes,denósedoquenosrodeia. Comacolaboraçãopreciosadeumgrupodeautores,InêsVicente–Teatro|Cristina Camargo–Construção|TâniaDuarte–NarrativasVisuais|InêsMendes–Escritaprocuraram-semodosparaconstruirBIOS.Todasasaçõesforam experimentadascomaequipa,comogrupodeprofessoreseeducadoresecomcrianças,jovensesénioresparticipantes. Deseguidae,demodosumário,apontamososprincipaismomentosdecadafazer queresultaramdaapropriação,adaptaçãoemultiplicaçãodaspropostas dosautoresreferidos.Emtodosencontrarãoumapreocupaçãoconstante,criar condiçõesparacriarhistóriassingularessemrecorreraoretratofrontale ilustrativoouàpalavradescritivaetendo,comopontodepartida,ocorpocomo construtordeação.

TEATRO – Inês Vicente

eu_sou paisagem…apósoaquecimentoepreparaçãodocorpo,comtrabalhode níveisederelaçãocomoutro– o corpo do outro como extensão do teu corpo,os participantespartiamdepois,atravésdemoldurasretangularesvazadasparaa observaçãoeregistoemesquissorápidoeesquemáticodaspaisagensenvolventes,maisurbanasoumais‘’ruralizantes”.Nestaeatravésdautilizaçãodasnoções de studium e punctum deRolandBartheseraescolhidoumpontoondeteriade aconteceraaçãoprincipalparaseconstruirumacenateatral,jádentrodasalade trabalho.Oexteriorinvadiaassimointerior.

OficinadeTeatro|14.02.2012
OficinadeTeatro|20.03.2012
Folha anterior: Foto de Gonçalo Morais. Oficina dos NOMES. A primavera no Museu do Douro. 27 mar. | 2012

Oobservadotornou-secenárioecontextodacenaacriar.Definidaaaçãoeoespaço decena–estaeraexperimentadaeconcretizada,nomomento,recorrendoamateriaiseequipamentosbanais:mesas,cadeiras,colchõesdeginástica,tecidos,plásticos degarrafão,funis,regadores,canosecomosatoreseramdistribuídosefixadosno espaçoderecriaçãodapaisagem.Acenaera,semprequeotempoopermitia,como noTeatro,repetida,‘ensaiada’,paramelhorar.

Omesmoerarealizado,demodomaisadequadoàprimeirainfância,recorrendoa umacoleçãode pedras,seguindoapropostaincisivaepoéticadaInêsVicente, pedras que no exterior ouviam o que se passava etraziamparadentrodasalaesse conjuntodesegredos,observadoseinventados,comoqualseconstruía,fazendo umacenacoletivacomaparticipaçãodogrupocomoumsócorpo.

CONSTRUÇÃO

eu_tenho uma montanha na cabeça ou um rio como corpo…apropostadeconstruçãofoiadacriaçãodeobjetosportáteis,parausarnacabeçaounocorpocomo hipótesesdecriaçãodasfigurastridimensionaisdeumBIOS.

Paraaprimeirainfância,otrabalhodemovimentoassentavanaexploraçãodefigurasdecorposdafaunaefloraquehabitamaságuasdeumriotrabalhandoaexperiênciadasualocomoçãona‘água’.Avisualizaçãodefotografiassobrerioerepresentaçõespictóricas(OféliadeJohnEverettMillais,porexemplo)levavaaodesenho dehabitantedorio,realouinventado.Depois,emplacasquadradasdeesponjarígida,osparticipantesgravavampartesdodesenho.Seguidamente,realizavam,com estenovo‘carimbo’impressõesemtecidoqueestavapreviamentegolpeadopara permitirqueseusasse‘orio’comocorpo,comasmãosoucomacabeça.

Noutrahipótesedetrabalhoparaoutrasidadesecomapreparaçãodocorpotrabalhandoeinduzindorelaçõesdepesopartia-se,seguidamente,paraaobservaçãode pedrasrecolhidasnoleitodoriodouro.Apóscheirar,tocar,procurarosabordestas pedras,realizava-seumexercíciodesimplificação–encontrarasprincipaislinhas dasformasdaspedrasetransportarestasformasparaaconstrução,compaus(de plásticoparabalões)amarradoscomfita-cola,oquepermitiaaflexibilidadepara queasestruturasparaacabeçapudessemserusadascomocabeçudos.Cabeçudos translúcidos,invertendoamáscaracaricaturaltradicional,usandocomomateriais derevestimentodaestrutura,meiasdemoussedesenhoraoutuleelástico.

NARRATIVAS VISUAIS – Tânia Duarte

eu_ desapareço… Apósumtrabalhodecorpoassenteemtrabalhosobreasarticulaçõeseisolamentodepartesdeummovimento,eramvisualizados pequenosfilmesdeanimaçãoportuguesaedofilme Animando (deMarcosMagalhães,1983).Seguidamente,cada participanteescreviaoseunomeconstruindoumbrinquedo ótico–oTaumatrópio.Depoiseintegrandootrabalhode Corpoprévioeramexperimentadas,atravésdatécnicada Pixiliação,situaçõessimples–entraresairdeumacaixa, deslizar,andardepernasparaoar–sequênciascujomaior desejoé dar vida aosobjetosecolocar,emficção,empequeno filme,ocorpoqueconseguevoaroudesaparecerdentrodeumcestovindimo.

ESCRITA – Inês Mendes

Eu_ é outro/a. Consoanteasidades,decriançasde6anosaadultosde80estaação definiu-seemtornodafiguradeAracne.

Apósainvençãodeumpseudónimoporparticipanteecomaprocuradediferentes modosdesedisporeocuparoespaçoatravésdadeslocaçãoempé,sentadooudeitadoedeexercíciosemdupla,eralidaahistória A aranha Paulina (dolivrodaescritora,dramaturgaerealizadoraReginaGuimarães, 9 histórias a 7 pés e 4 mãos.Porto, FCD:2002)Ouparamaisvelhosopoema Aracne dopoetaematemáticoAntónio FrancoAlexandre…Apósestetempodeleituraemvozaltaeramrealizadosexercíciosdeescrita,medianteaspessoas,osgruposeasidades. Foramutilizados,entreoutros:o inventário,atravésdaelaboraçãodelistagens, segundoumaestruturapré-definida–ex.usarumartigoindefinido+substantivo+ adjetivo–explorandotemasdiversos.A supressão -suprimindocomtintanegraou ummarcadorpartesdeumtextodeautoroujornalístico,deformaafazervirà superfícieumoutro).A inclusão,aousarumtextoeincluirneleexcertosredigidos pornós,emváriosmomentos,dandocontinuidadeoualterandoassuasformase sentidos.).A permuta (recortandoumtextoempedaços(frases,expressões, palavras,espaçosembranco…)erecombinandotodos osfragmentos.A colagem (justapondo,semmodificar, e,apenasrecortando,pedaçosdetextosdeorigens diversas–umacolagemresultantedeumpoema,por exemplo,comumanotíciadejornal.O texto fendido, cortandoumtextonaverticalereescrevendoametade quefalta(tendoocuidadodenãoterlidoooriginal.). Apósaexperimentaçãodeumaaduasdestasações sobreaescritaelidososresultadosdosexercíciosde criaçãocompalavraspassava-seàetapafinalde instalar a escrita no espaço.Os textosoufraseseraminstaladosnoespaço,recorrendoàfita-coladepapel,ondese escreviainventandonovasgrafiasdeescrita,verdadeiraouinventada,inspiradana observaçãodereproduçõesdedocumentospaleográficosdoséculoXVIeXVII.

OficinadeEscrita|13.03.2012
“Vi países de pedras e de rios

Onde nuvens escuras como aranhas

Roem o perfil roxo das montanhas

Entre poentes cor-de-rosa e frios.

Excessivas das terras e dos céus Transbordante passei entre as imagens

Mergulhando no corpo desse deus

Que se oferece, como um

Beijo, nas paisagens.”

SophiadeMelloBreyner

Pareceu-nos importante confrontar com outras grafias e discursos, e usar o projeto BIOS como CHAPÉU para publicar três textos de diferentes datas redigidos por pessoas que trabalham connosco e que conhecem, desde 2007, o nosso trabalho. Assim, agradecemos desde já, ao Artur Matos, pelo comentário ao projeto anual do ano 2009/2010 ‘Meu Douro’ que problematiza as questões do esvaziamento de criação em confronto com os excessos identitários; à Maria do Céu Ramos pelo texto de reflexão sobre o envolvimento de um grupo de alunos numa participação sequenciada desde 2010 e à Olga Andrade pelos textos sobre o trabalho que realizou no BIOS.

Reflexão sobre o projeto “Meu Douro” 2010

José Artur Matos 11-05-2010

(...)O Douro necessita de novas visões e novos enquadramentos, que não se esgotem no estereótipo anacrónico de um país que na mentalidade mais intrincada dos seus habitantes continue amarrada ao mofo imagético e sensorial do Estado Novo.

O Douro projeta-se em contemporaneidade, o Douro projeta-se em descoberta, o Douro não é só paisagem, o Douro não é só passado. Desde que sou professor não existe ano letivo em que o “Nosso Douro” não esteja presente. Sempre foi minha vontade e componente intrínseca do meu trabalho incutir nos jovens o respeito pelo espaço que habitamos. Sempre foi meu desejo levar para as quatro paredes da sala de aula e para o ar livre esta vontade grande de nos apaixonarmos pelo todo em que nos movemos.

No quadro do projeto proposto, à semelhança de outros momentos, a parte difícil é afastar os alunos do estereótipo, é afastar os alunos desta ideia gasta “pronto, lá vamos nós fazer mais um trabalho sobre o Douro”. Neste contexto importa “tocar” o tema com a subtileza necessária, importa que os alunos entendam que o “Meu Douro” não são só vinhas, que o “Meu Douro” não é só paisagem. Importa dizer aos alunos que o Douro é o lugar que cada um habita, importa dizer que o Douro somos nós em relação com os elementos naturais e humanos. Importa dizer que a beleza da paisagem não é tudo, importa dizer que o Douro é só uma entre tantas outras regiões onde se vive, nasce e morre. Importa dizer que o Douro não é só turismo, que o Douro não é só o lugar de onde queremos sair, importa dizer que o Douro e as suas gentes têm uma rudeza de carácter muito particular, importa dizer que o Douro não é só beleza.

Sobretudo importa pensarmo-nos em relação com o todo, importa colocarmonos em perspetiva, importa sairmos, importa colocarmo-nos em catarse com o espaço que habitamos.

No quadro do trabalho desenvolvido com os alunos no atual projeto, surgiram as habituais dificuldades quando o tema é “Meu Douro” (excesso de identidade): Vencer a visão estereotipada; Perspetivar o tema; Dizer aos alunos que o garrafão não é o limite, mas o princípio para tudo.

Maria do Céu Ramos

Centro Escolar da Alameda, Peso da Régua

23.05.2012

OServiçoEducativodoMuseudoDouro,desdeasuaformação,mesmoantes deobeloedifíciodaRealCompanhia Velhaserrequalificadoparaassimse tornarasededoMuseu,temsidoparceironodesenvolvimentodeatividadescomosmeusalunos.Inicialmente noarmazémdaCasadoDouro,ondeas criançasobservavamesentiam,explorandoarepresentaçãodabiodiversidadedanossaregião,intervindona exposiçãopermanentechamada“JardinsSuspensos”,adquirindotambém, conhecimentosdanossaHistóriaLocal. Desdeaí,têmsidomuitososprojetos emquetemosparticipadonomeadamentenoProjetoÁgua2007/2008,O Espaço2008/2009,MeuDouro 2009/2010,2xEspelhoseIdentidades 2010/2011.Todoselestiveramdenominadorescomunscomoodeserem projetoscomsentidoemqueascriançasparticiparamefetivamenteem todasasatividadesproporcionandolhesodesenvolvimentodecompetênciasdescritasnonossocurrículonacionaltendocomoquadro referencialoconstrutivismo. Tendorecebidoumaturmado1ºano, noanoletivotransatocomhipótesede acompanharestesmeninosaolongo dosquatroanosdeescolaridade,considereiserimportanteenquadraroque oserviçoeducativooferecia,nomeu ProjetoCurriculardeTurmaumavez que,oficialmente,esteserviçoeraparceirodasEscolasJoãodeAraújoCorreia.Aolongodestesdoisanosletivos forammuitasasoficinasemqueparticipamosalunoseprofessora). Estas,easatividadesdesenvolvidas

nosdiferentesprojetosforam transdisciplinares,ativas,proporcionandoexperiênciascomdiferentes materiais,diferentesespaços,diferenteseducadores.Alimentaramacuriosidadedas crianças,promoveramcapacidadesdepensamentocriativo,crítico,metacognitivotãoúteisemdiferentesáreasdedesenvolvimento. Emmomentosdeavaliação,numa questãocolocadaàscriançaspedindo queescrevessemnumafrasesobreo quesentiamquandoparticipavam numaOficinanoMuseudoDouro” muitasresponderam,entreoutras afirmações:“édivertido” “aprendemosmuito”“éfixe”“mexemosemmuitascoisas”.

Consideramo-nos ainda uns privilegiados por nos podemos deslocar a pé possibilitando-nos observar o meio local: os sinais de trânsito, as regras e os cuidados a ter quando se anda na rua, os meios de transporte, os diferentes edifícios e serviços...e o Rio Douro...o seu leito, as suas pontes e os seus barcos. Participarematividadespropostas poresteserviçoéparticiparem atividadescomverdadeirosentido, devidamenteplanificadase estruturadas,divertidas,permitindo umamelhorconcretizaçãodocurrículoformalpropostopeloMinistério. Nãopodereideixardesalientartambém,asformaçõesaosprofessores promovendoainteraçãoentreeles,de diferentesníveis(desdeopré-escolar aosecundário),aaprendizagemde novossaberesouorelembrardesaberesesquecidosquecomopassardo temposetornaraminativos.

TeroServiçoEducativodoMuseudo Dourocomoparceironaeducaçãodos meusalunostemsidoumprivilégio.

Olga Andrade

Escola EB 2,3 RESENDE 16.05.2012

Participar,partilharBIOS-BIOGRAFIASEIDENTIDADES,foientraremterrenosmeus,dealguémedeninguém,enquantoumtodocoletivo.Asdinâmicas geradasegeradorasdamultiplicidadedeimagensquepovoamoinconscientee oconscientequeassumeapartilha,faz-seespelhoquerefleteaprendizagem, crescimento,transformação,reflexosdegestoseafetosdequemnuncasecansa deviveresteDouro.

Vivê-loesentir-lheaproximidadeeadistância,aprofundidadeeatransparência,fruirassuastexturas,osseusaromas,assuasgentes, assuashistórias…

Históriasquesãoasnossashistóriasquesecruzameentrecruzamnumestonteanteziguezagueadodapaisagem,emqueeumefaçopresente…emquetute fazespresente,emqueelessefazempresentes…

EmqueVós“MuseudoDouro“vosfazeispresentesemtrabalhodeAracne, semroçarocomparar-se,paraqueapartilhaaconteçaenenhuma

Deusaoimpeça.

"As

biografias são apenas as

roupas e os botões da pessoa.

A vida da própria pessoa não pode ser escrita."

. Fotografias dos trabalhos apresentados pelas escolas participantes

BIOS
Narrativas Visuais. Escola Dr. Ramiro Salgado, 8º C
Torre de Moncorvo

INSERÇÃO

Énossaintençãoedesejocontarcomapresençadeoutraspessoas,cujosinteressesou afinidadessecruzamcomostemasouprocessosquepropomos.Assimnestaprimeira inserçãoparaoBIOScontamoscomagenerosidadedoTiagoC.Botoquenoscedeuo seutexto‘OHomemnoAbismo’.

O homem no abismo

OHomemquenestemomentoestáaoalcancedanossavistaencontra-sepertodoabismodeumprecipício.Vemososeucorpofortecomospéscoladosàrocha.Acabeçainclinadaparabaixopermiteaoolharvisionara imensidãoescuraeventosadaqueleestreito (declive?).

Estáticodiznumsussurro:

Que arrogante perfeição da construção da natureza, que permite ao Homem os mais obscuros dilemas, os mais perturbantes pensamentos e fantasias.

Queiniciativatomar?

Amaisduraesolitáriadasmortesouoretornoàquiloqueéasuavida?

Umdilemaqueparecesimples,masquedescortinandoosseusentremeios,ondepesam osprósecontras,epensadasassubtilezas queocozem,nosdeparamoscomaequação maisagudaedefinitiva,ondeoXnosescapa nospormenoresquepensamosmaisinsignificantes.

Eentãoqueiniciativatomar?

Otempourge,nãopára.Imperanolimitee longevidadedavida.

Oquefazer?

Olhemosàvolta:

Oventomostra-se,uivanointeriordoabismo,gelaafigurahumananapontado precipício.Conseguem-severalgumasárvores desoladas.Nãoconstatamosvermuitavida, ouaquiloaquepoderíamoschamardeuma vidadeslumbrante.Rodeiaafiguraumapaisagematerradora.Poucascoisassobrevivem muitotemponestecontexto.Terra.Terrapor todoolado.

Subitamenteumnevoeiroinesperadoadensa -se.Aluzescurece.Oslimitesdocaminhojá nãosãopercetíveis.Oabismonegrouiva, comosechamassepelafigurahumana.Como numestadodehipnoseafigurasente-se atraídapeloabismo.

Afiguraencontra-senomesmosítioondea deixámosquandodesviámosoolhar,na mesmaposição.

Voltemosaela:Umcorpoimóvelà esperadeação.

Amesmafrase:

Que arrogante perfeição da construção da natureza, que permite ao Homem os mais obscuros dilemas, os mais perturbantes pensamentos e fantasias.

Oventouivamaisalto,comoqueacordando ohomem.Osolhossobemoolhareacabeça acompanhaomovimento.Apercebe-sedo nevoeiro.Olhaparaohorizonte.Nãovênada.

Surge-lheoutrafrase:

Émuitoténuealinhaquememantémvivoe osúbitopercalçodepoderestarmorto.

Oventoabana-lheocorpo.

Outrafrase:

Estareivivo?Pensoquesim.Sintoquesim. Nadaédemasiadoetudomeparecedemais.

Dizerqueseestávivoéumaforteafirmação. Umaafirmaçãoconclusivanopresente.Ese foresseocasoporquêescolhermorrer, quandoamorteseapresentacomouma hipótese?

Aparentementeafiguramostra-secalma.Ou assimnosapresentaumadassuasfaces,pois podehavermaisdoqueumaperspetivano queserefereàsfiguras.Equeinfinitasteias poderíamosteceràvoltadoenquadramento destamesmafigura.Écomplexo.Poderíamos fazermileumainterpretaçõessobreamesma:

.Oqueamotivaparaestarali?

.Deondeveio?

.Porquêestafiguraenãooutra?

.Quaisosprósecontrasemtomara suadecisão?

.Quaisassuascrenças?

.Emquecontextoeconómico,políticoesocial está?

.Seéumafigurasolitáriaousocial?

.Ousemesmosendosocialsesentesolitária?

.Quaisospensamentosemrelaçãoàsuavida?

.Seexistealgumacontecimentodoqualnãose consigadesligar,pesando-lhenaconsciênciae nocorpo?

.Sedormemuitooupouco?

Tudodescriçõesqueacessíveisànossainterpretação,tornariam,talvez,demasiadoóbvia asuatomadadedecisão.Masaverdadeé quenãosabemos,sóafiguraosabe.Eno finaltalveznemamesmasaibaacempor centocomonoscontartodasestasdescrições.

Aquiloquevemosnestemomentoéoque sabemos.

Afiguradeumhomemnabeiradeumprecipício,rodeadodeumnevoeiroquenãolhe permiteverohorizonte.Dasuaboca,num sussurro,apenassaíramtrêsfrases,uma delasrepetidaduasvezes,contandootempo emquesubitamenteolhámosparaeleeo vimos.

Eéoquesabemos,queoestamosaverna beiradeumprecipício.

Oquefazer?

Seháalgumacoisaaserfeita!

Ejánoscolocamos,comcerteza,nasuaposiçãoparatentarmosperceberoquefaríamos seestivéssemosperante tal dilema.

Masafastemo-nos.

Vejamosdefora.Delonge.

Poisestafiguraéapenasestafigura,apesar deconteremsimuitasoutrasfigurasque fazempartedamesma.Estafiguranãopretendesermaisninguémdoqueelamesma, nãopretendesernenhumdenós,pormuitas semelhançasquepossamosencontrar.

Masvoltemosaoquenosmotivaaqui:Afigura?Odilema?

Afiguranãosemostroumuitoainda.

Enóspensamos:

“Porfavormostra-te.Fazqualquercoisapara quepossamostecermilteiasacercadetie doteudilema.Estamosaficarimpacientes.

Ageparaquetetornesreal.”

Masafiguraparecenãonosouvir.Écomose tivessevontadeprópria.

E não nos esqueçamos nunca que a figura, pormuitoestáticaqueseapresente, encontra-sedentrodeumaacçãodesde queaolhamos.

Seguiráosseusinstintossozinha?

Anósresta-nostalvezesperaroudesistir, abandoná-la,atirá-laaoesquecimento,sem esperarnenhumretornodamesma. Masesperem!

Afigurasussurra,quaseinaudível,umanova frase: …deslumbro-metãofacilmente!

Penaquesóalcançamososeufinalenãoa conseguimosenquadraremnenhumcontextodepensamento.

Seráqueavoltaadizer?

Resta-nosespeculareaguardarouinterpretá -lalivremente,nuncaesquecendoquea interpretaçãolivre,assenteemtãoabrangenteespeculação,sósetornailusãorealpara aquelequeaformula,nãosedevendotornar regraimperativaparanenhumqualquer coletivo.

Afiguraignora-nosenóscomeçamosater vontadedeaignorar.

Denovo,subitamente,poisnadaaquiparece seguirumritmológico,porentreonevoeiro penetraumraiodesol,quesedissipaao entrarpeloabismo,queparecenãoterfim.

Afiguranumsussurro:

Belo!Queêxtase!

Oraiodesolérapidamenteengolidopelo nevoeiro.Oambienteadensa-se.Anatureza estáescura.Oarpesado.Ohorizontefechado.Nadasobrevivemuitotemponestecontexto.Afiguradobraumpoucoojoelho,os dedosdasmãosmexemcomoque,vistode fora,pareceseralgumnervosismoouimpaciência,ouapenasocorpoatrabalharpara algumamemória.Tudoétãodesertoaqui quesólherestaamemóriaparapreenchero quefalta. Osdedoscontinuamamexermasa figuraparecenãoperceber.Umventomuito frioaproxima-se,impiedoso.Tocaafigura. Senteofrio.Roçaasmãosumanaoutra,

naquilo que parece ser uma tentativa de as aquecer.

O frio instala-se. A figura adapta-se. O olhar noabismo.

Quefazer?

A tentativa aqui é única, só pode acontecer uma vez. Uma vez tomada a decisão é quase impossívelvoltaratrás.

Quefazer?

Afiguranumsussurro: Tenhosaudades…

Silêncio.

Afigurasentefaltadealgo.

Figura:

Édissoquesintofalta….Jantaresemcasada minhaavó…aminhaansiedade…

Afigurapertodeumabismoemsilêncio.

Figura:

Eramquentes.Sentia-meemcasa…. Pertencia…pertenciaaalgumacoisa.

Silêncio.

Omundoexterioremvácuo.

Uma pausa pois parece que as palavras custamasairdaboca. Silêncio.

Figura:

Aspessoaseramacolhedoras…. Quente.

Parecianãohavertempo…

Abundavaqualquercoisaqueeraboa.

Eodiadeamanhãexistia…Eramaisfácil…

Fluíadeoutramaneira.Maisleve.

Sentiamais…

Nãomelembrodequandoéqueentreinesta espiraldepensamento?

E é isto que o homem nos oferece. Uma necessidade. Uma memória que lhe traz ao ser uma necessidade. Há algo que lhe falta. Umvazioaserpreenchido.

Poderemos talvez neste momento, subtilmente, avaliar que durante toda a sua vida estehomemcaminhouatéchegaraqui,quea sua vidafoiumasériedeacontecimentos,de causaseconsequências,queolevaram

atéestemomento.

Masestaédeverasumaavaliaçãodemasiado vagasobreaquiloqueé, equepoderátersido avidadestehomem.Muitosdenós,queo vemosnestemomento,poderãoterfeitomil outrasavaliações,outrosacharãoqueesta necessidadeoferecidapelohomemfoide algumamaneirainsignificantedetãodiluída.

Afigurapermanecenomesmolugar.

Atéestemomentoexecutouapenasalgumas ações:

Permanecerondeestá.

Sussurraralgumasfrases.

Olharoabismo.

Dobrarojoelho.

Mexerosdedosdasmãos.

Roçarasmãosumanaoutra.

Masháalgodemaisprofundonestehomem, maisdensoenóssabemo-loe,talvezporisso nãoolargamosaténosserdesvendadoofinal.

Começamosaternecessidadededissecare interpretarosdadosquenosforamfornecidos.Sentimososúbitodesejodesercomo SherlockHolmes.Masparaissoteríamosque conseguirpensarcomoo Sir ArthurConan Doyleepensoquenãonosqueremospôrnessaaventura,emborasejamoslivresdeofazer.

Afigura:

Podereiasfixiar-menasminhaspróprias ambições?

Ah!Começaaserangustiantedetãoaborrecido.–“Mexe-tehomem,fazalgumacoisa!”

Oquefazer?

Evoltamosapensar:

“Masquaissãoastuasambições?Podiasao menostorna-lasmaisclaras.Sim,secalhar poderásasfixiar,secalharnão.Seaomenoste pudéssemosdarumaajuda.Masnãopodemos fazernada.Estásforadoalcancedonossotato equalqueraçãonossasairiafrustrada,qualquersominaudível!Estásportuaconta,nós sópodemosobservar!Seaomenosteconseguíssemosalcançar!”

Recapitulemos?

Voltemosaobásico?

OHomemquenestemomentoestáaoalcance danossavistaencontra-sepertodoabismode umprecipício.Vemososeucorpofortecomos péscoladosàrocha.

Acabeçainclinadaparabaixopermiteao olharvisionaraimensidãoescuraeventosa daqueleestreito(declive?).

Oqueéqueestehomemquer?Outalvez:o quequeremosnósdestehomem?Quesejao espelhodealgo?Quepenseemvozalta?Que noscomuniquecoisasimplacáveis?Quereflitasobreasociedade,omundoemquevivemos,deumaperspetivacontemporânea?

Quesejaumapersonagemintemporal?Que nosespelheparanoselucidar?Quesejadidático?Quenosconteasuavida?Nãosabemos emquemomentoestáasuaação,qualasua duração.Talvezdecidainterrompê-la parasaciarafome. Talveznãosepassenadadeinteressante poraqui.

Olhemosàvolta?

Anaturezaduraeimplacável,quepouco quersaberdoscontratoshumanos,queage porsisó,mesmoquandotentaserimpedida. Setemqueaconteceracontece.Eelaimpera. Enóssomosapenasumfragmentodotodo. Asárvoresestãodespidas.Osraiosdesol forçamasuaentradanegadapelonevoeiro.

Ouve-seosomdaáguaabaternasrochas. Umsomfortequenosdizacadamovimento: -“Entremeeuembrulho-vosparasempre!”. Fragmentosderochacaídosnochão,ervas quepicamentrelaçadasumasnasoutras.Se omundofosseumquadrado,estepoderia serumdosseuslimites,eaqueleprecipício, queretémafiguraqueavistamoshápouco, conduziriaasuaquedaparaosconfinsdo universo.

Afiguranãosemexe. Osramosdasárvoresagitam-secomovento. Oventoeomarenvolvem-seumcomooutro intensificando-secomonumadançadeacasalamento.Omarbateviolentamentenas rochascorroendo-as.Umembatedomar, aindamaisviolento,fazcomqueváriasgotas deáguasubamebatamnacaradohomem.A figuraestremeceetremedefrio.Piscaos olhosdecadavezqueumagotalhepercorre orosto.

Afiguranumsussurro: Quefriaeviolentamorteseriacairdaquia baixo.

Afiguramexeacabeçaeotroncoparaolhar paratrás,nãosevoltaporcompleto.Observa comfirmeza.Osolhosestãoaguados.Vê.Conseguedistinguirsemgrandeclarezaumpouco dohorizonte,deumoutrohorizonte.Vêterra, montanhas,nuvens,algunsraiosdesol.

Afiguranumsussurro:

Poderáhavermaiorbelezadoqueaquiloque merodeia?

Questãoadiscutirclaro,masnãoaabracemos agora.Vejamosohomememação. Oolharaindafixo.Oventocadavezmaisforte, tãoforte,quesubitamenteaumentaasuadançaenãoconvidandoohomemadançaroatira contraochão,fazendocomqueosseuspés tombemparaládoprecipício.Oolharnohorizontequenãovênovamente.Ocorpoparalisado.Ocoraçãoabombearsangueaumritmo alucinante.Umshotdeadrenalina.Anoçãode quefoimuitoténuealinhaqueoseparaentre estarvivoemorto.Arespiraçãopresa.As mãosaagarrararocha.Ospésdormentes.A figuranãosemexe.

Pausalonganomundodohomem.

Afiguranumsussurro:

Sóqueriaterumacançãonacabeçaneste momento.

Lentamenteasmãosvãolargandoarocha. Estãovermelhasdaforçaqueexerceram.O homemesfrega-asnaspernasparaaslimpar. Mexe-secomtodoocuidadoqueencontrano seuser.Tentaserlevecomoumapena,não quercometernenhumatodemasiadorepentino.Oseuobjetivoéapenastirarospésdo abismo.

Oventoacalmou.

Seráquesevaiembora?

Teremosqueesperarquetermineasuatarefa. Primeiropôrospésasalvo.

Denovoempé.Oolharnoabismo.

Afiguranumsussurro:

Lembro-medeterumsonhorecorrenteem quenãoparavadecorrer.

Ochãoeraliso.Corriaporumcorredor retangularnegroqueseiaafunilando,as paredeserambrancas.Corria comtodasas minhasforças.Nãofugiadenada.Nadame perseguia.Nãoestavacommedo,sócom vontadedecorrer.Nãosentiaoesforço,a respiraçãonãosealteravanemcomeçavaa suar.Eraleve.Invencível.Nuncachegueiao finaldocorredor.

Arespiraçãoaindaincerta. Oolharperdidonoabismo.

Afigura:

Navarandadomeuapartamento,demadrugada,tambémmelembrodeimaginaroque fariasetodaagentedomundodeum momentoparaooutrodesaparecesse.E deleitava-meapensaremaçõesquenão tinhamfim.Pensavaatésetornaraborrecido.Atéseraborrecidopensar-mesempre sozinho.Depoisparava,iadormir… Seitantascançõeseparecequenenhumame servenestemomento.

Aintensidadedoseuolharalcançacom maiorfirmezaaescuridãodoabismo.

Afigura:

Quearroganteperfeiçãodaconstruçãoda natureza….

Osomdissipa-se.

Ohomemencontra-senomesmosítioonde primeiraeunicamenteoencontrámos.A respiraçãoestáaindaumpoucoofegante.O ambientemudou.Ohomemassustou-se.

Olhaoabismo.Oventomantém-se,masmais calmo.Agitaalgumapoeira.Ohomemnão repara.Oolharestáfixonoabismocomoda primeiravezqueoavistámos.

Nãoháhorizonteàvistadohomem.

Sóescuro.

Quantotempoaguentará?

Háquantotempoestáaqui?Seráqueestáhá muito?Seráquejáfezumahora?

Seráumahoramuitotemponotempodo homem?

Paremosaimagemporuminstante. Tentemosanalisar? Interpretar?

Tarefaingrata.

Masvejamos;tentemosoquenosparececoncreto:

.Umhomem;

.umabismo; .anaturezaqueorodeia; .algumasmemórias; .asuavidaagora;

Eleéaquilo.

Istoqueestamosaver.Agora.Nestepreciso momento.Quejáfoialgoantes,queviráaser algumacoisadepois,queéjáalgumacoisa nestemomento.

Éagora.

É.

Eleé.

Ohomemcomoolharnoabismomurmura umamelodia,umamelodiadenenhumacanção.Ohomeméagoraanecessidadedemurmurarumamelodiadenenhumacanção.O homemtentaverohorizonteecontinuaamurmurarasuamelodiadenenhumacanção.O homeméagoratambémanecessidadede olharohorizonteemurmurarasuamelodiade nenhumacanção.Ohomemrespirafundosem horizontesemmelodia.Ohomeméagoraa necessidadedeapenasrespirarfundosem melodia,semhorizonte.Ohomemétudooque vemosetudooquenosescapaaoolhar,que estálá,nofluxoqueéohomem.Umfluxode linhastortas,derespiraçõesofegantesede respiraçõesprofundas.Ohomeméestecorpo, estacarnequeestáparadajuntoaoabismo, agora.

Ohomemé.

Ésó.

Ohomeméporqueestáali.

C. Bôto Nasceuem1986,emCascais.Iniciouosestudosemteatrona EscolaProfissionaldeTeatrodeCascaiseprossegui-osna EscolaSuperiordeMúsicaeArtesdoEspetáculo,noPorto, ondeconcluiuaLicenciaturaemTeatro/Interpretação. Comoator/performer,trabalhoucomOskarGómezMata, LeeBeagley,JuliannaSnapper,InêsVicente,JoãoCardoso (ASSÉDIO),entreoutros.Écofundadorevice-presidenteda AssociaçãoCulturalSemPalco,ondetemdesenvolvido,em conjuntocomoutrososmembros,projetosquevisamuma abordagemperformativa.Paralelamenteaoseutrabalho comoator,desenvolvetrabalhoaoníveldaescrita.Em2012 frutodeumaoficinadeescritacomJeanPierreSarrazac,no TeatroNacionalSãoJoão,organizada peloprogramaOdisseia,foipublicadooseutextopara teatro:“Nãoéoqueparece.”,nolivro–Oficinadeescrita TextosEscolhidos-ediçãodoTeatroNacionalSãoJoão.

Tiago

As ruas das cidades ou as ruas das aldeias escondem NOMES. São vidas/BIOS que estão nos anúncios e nas portas das casas. Leva nta mento fotográficos dos NOMES da rua dos Camilos e da rua da Ferreirinha, Peso da Régua | 27 mar. | 2012.

SophiadeMelloBreyner

+ [213]

A mim ensinou-me tudo. | Ensinou-me a olhar para as coisas, | Aponta-me todas as coisas que há nas flores. | Mostra-me como as pedras são engraçadas | Quando a gente as tem na mão | E olha devagar para elas. | (…) | Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas | No degrau da porta de casa, | Graves como convém a um deus e a um poeta, |E como se cada pedra | Fosse todo o universo | E fosse por isso um grande perigo para ela | Deixá-la cair no chão.

FernandoPessoacomoAlbertoCaeiro em‘Oguardadorderebanhos’–VIII,213

LISTA DE PARTICIPANTES

Professores, Educadores, Auxiliares, Estagiários, Famílias

PESO DA RÉGUA

JI Fontelas -AdelaideMesquita,FátimaBatista, JI Loureiro -ManuelaLopes,MartaPereira

Centro Escolar das Alagoas -AnaPereira,Catarina

Miguel,IsabelAlbuquerque,LígiaRamos,LuísaFélix,MargaridaSilva,Mª SocorroSaraiva,PalmiraGregório,SandraVaz

Centro Escolar da Alameda -AntonietaAbade;BrancaGonçalves, CarlaCosta;CéuMarques,CéuRamos,ManuelaPatuleia,Leopoldina Almeida,LúciaOliveira,LurdesAlves,ManuelaCoelho, MarianaGuergosso,SusanaCardoso,TeresaMendes. Colégio Salesiano de Poiares -CarlaFernandes EB2,3 Peso da Régua -HelenaVentura, LídiaCoutinho,MªCarmoAmaral,MªJoãoXavier. ES/3 Dr. João de Araújo Correia -ArturMatos,ConceiçãoPires, FernandoCameira,HelenaNunes,IsabelBabo,IsildaMegre,RosaGomes.

RESENDE

EB2 Resende -FátimaSoledade,MªJoão Moreira,MarinhoAlmeida,MartaPinto, OlgaAndrade,PauloLoureiroe ZéliaLopes.

TORRE DE MONCORVO

Escola Dr. Ramiro SalgadoMafaldaRocha

VILA REAL

MargaridaTeixeira

JI Pomarelhos -AdosindaFreitas,RosaBarreira.

JI S. Vicente Paula 1 -EugéniaNecho,Gabriela Pinto,LídiaJorge,SílviaOliveira.

JI S. Vicente Paula 2 -CidáliaMacieirinha,Daniel Gonçalves,FranciscoFerreira,LúciaGonçalves, MarcoTeixeira,TelmaAlves.

JI Timpeira -EduardaValente,IsabelBarros.

LEGENDA

ProjetoBIOS-BiografiaseIdentidades

ARMAMAR

JI Aldeias -MªEditeRibeiro,AnaLopes

JI Armamar -RosáliaBotelho,FloraSilva, LeonildeCardoso

EB Armamar -AdelinaPereira,MªdeFátima Martinho,SusanaFonseca,AliceSousa

OutrasAtividadesdoSE–APrimeiraSemanadoMês|Percursos|Itinerâncias|Trabalhocomagentes locais|Programa‘AsEstaçõesnoMuseudoDouro’

BIOS – Ficha técnica e artística: equipaserviçoeducativoMuseudoDouro–MarisaAdegas,Samuel Guimarães(programaecoordenação),SaraMonteiro,SusanaRosa.Convidados–Teatro–InêsVicente| Construção–CristinaCamargo|NarrativasVisuais–TâniaDuarte| Escrita–InêsMendes|Vídeo–ArturMatos. Orientação Oficinas | Alunos: ServiçoEducativodoMuseudoDouro Registo de Vídeo: ArturMatoseServiçoEducativo Fanzine do projeto | Edição: SamuelGuimarãeseMarisaAdegas| Maquetagem: MarisaAdegas

Filmes do projeto: SaraMonteiroeSusanaRosa

Documentário: ArturMatos | Plataforma Digital | ArturMatos eServiçoEducativo.

Agradecimentos

ÀsCâmarasMunicipaisdeArmamar,PesodaRéguaeTorredeMoncorvopeloapoionasdeslocaçõesetransportes.AoFilipeBarros,IvoneAlmeida,MarcoAurélio,RuteSantos,FamíliaRosaeturma11ºAdocursoprofissionaldeTécnicodeMultimédiadaES/3Dr.JoãodeAraújoCorreia.Eatodososqueconstruíramestetrabalho,em especialàscrianças,aosadolescentes,aosjovens,aosadultoseaosprofessoreseeducadoresqueconnoscose cruzam.

«Ser criança é não ter passado. A criança não se lembra, desmente o passado criando a sua própria história. Quando envelhecemos ilumina-se-nos a memória com os factos mais distantes da nossa vida. Julgamos vivê-los mas é engano. Estamos simplesmente a conhecer a morte.

(...)-Nadadisso–disse,oupensoualto,umrapazdecabeloloirocomumaT shirtcordelaranja.Usavaoscabeloscompridosatadoscomumafita.Isto,na aldeianãoerarecomendação.Estudaraqualquercoisamalafamadacomopsicologia,edavamporincertaasuasorte.Maeleperseguiaumahistóriaquecomeçarahámaisdevinteanos,umahistóriadeliberdadeedesilêncio.(…)

Aliberdade,eracomoaverdade,algumacoisaquenãotinharesposta.Comoa bondadequetambémnãotinharesposta. Numraromomento,elequesechamavaJoão,teveumrápidoclarãoquelhedescobriuosentido,aforma,oinevitáveldabondade.Nãoeranadaqueainteligênciapudessedescrever.Talvezfosse,comoEros,umgrandedemónio,como Sócratespercebeuqueera.

Porquetinhaemigrado,eleeosoutros?Avós,pais,primos,muitagente.Asombraverdeescuradalaranjeirafazia-lheorostodumacorfantástica.Osolhos eramclaros.

(...)Eraadorqueofaziapartir?Nascemoscomessador,difusa,escura,quenos fazpassardumlugaraooutro.Nósvivemoscontinuadamentesobreumachama quenospodeconsumir.Asforçascolectivasdependemdessachamae,derepente,transbordamlentamenteederramam-seatémuitolonge,comoacontececom opovoqueemigra.(...)Masohomemalimentaadordasuasuspeita.Paraque serveumhomem?Sóabondadepoderesponderaisso,masabondadeéosilênciomaisfundoquehá.

(...)João,comcincoanosdesceuamontanha,numdiadeVerão,edurantedois diasandouperdido,oudistraído,contenteporestarlivredacasaedosirmãos quechamavameinterrompiamosseuspensamentos.Pensamentos,seriampensamentos?Ocabeloloiro,queeraentãoquasebrancoestavacoladopelosuore eleestendeuamãoparapousarnelaumajoaninhapreta.Eramraras,asjoaninhaspretas;emgeraleramvermelhas.Teveodesejodeaesmagar,masabondadeimpediu-o.Abondadecriavaumcírculomágicoemvoltadodesejo.Joãosentou-senumapedraeencheuopeitodear.»Excertosdetextoinéditode Agustina Bessa Luís publicadoem“Ler-LivroseLeitores”.Março2012,p47.

numa pedra e encheu o peito de ar

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Tel.:254310190|Fax:254310199

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