Jornal da ABI - Balanço da Comunicação

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Politica divide os jomalistas Carla Siqueira Na passagem do seculo XIX para

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xx. os jomais de grande circulayio estayam apenas com~do. Observa-Ios, hoje,

e revelador das dificuldades enfrentadas pelos jomalistas na lenta passagem de um jorna1ismo empreendido como sacerd6cio, como missio, para aquele" profissionalizado, em que a a~ do rep6rter est! atrelada a rela~io patrio-empregado. Olhar para 0 passado do jomalismo revelador das maneiras como os jornalistas de entio perceberam estas mudan~ e, neste \>rocesso, construiram um discurso legitimador da atividade. Tomemos como exemplo urn artigo safdo no Ditfrio de Nolieias de 19 de novembro de 1890, poucos dias ap6s 0 primeiro aniversario da republica brasileira. Ali, 0 jomalista Emanuel Camero usaria a demissio dos redatores de 0 Pai:. - que acabava de acontecer - como "gancho", para falar do estado da imprensa na epoca:

e

" ( ... ) Empregado sem contrato, 0 redator do Jornal brasileiro esta sempre exposto a ser posto na rua, de um momenta para 0 outro, como caixeiro da venda da esquina. E esses fatos se reproduzem sernpre com maior freqilincia quando se labora em uma imprensa sem ideal nem aspira~Oes bem definidas, obedecendo a um capital estranho, que .Ie vem empregar na intiUstriajornalfstica, para ap/orar-Ihe niIo somente os lucros diretos de dinheiro, mas dirigir, embora erradamente, a opiniao publica emfavor de interesses estranhos. Para 0 Jornalismo a prime ira necessidade e que 0 capital perten~a ao Jorna/ista militante, educado na tempera eleVada dessa febre de dignidade que atua sobre nOs, de sorte que, num momento grave, numa questiio de alto brio e nobre patriotismo, a pena que trafa 0 artigo niJo tenha que torcer-se para salvor de prejuizos 0 capital de um terceiro (. ..J. Mas 0 Jornalismo encadeado a estes ou aqueles receios de perigos, ha de ser sempre essa coisa ridicula que se chama imprensa neutra, sem atitude definida, (...) e fazendo de um sacerd6cio uma especulafiio vulgar. Porque, sinceramente, a imprensa pock ser uma indUstria para todos, menos para 0 Jorna/ista verdadeiro, que sabe vazar no papel, nas horas dijiceis, um pedafo de sua alma e a /agrima de sew sacrificios.

nada nao a urn posicionamento "neutro", mas justamente a uma tomada de partido, no sentido de uma atitude "patri6tica", "civica". Uma unanimidade e patente entre os jomalistas de entio: a imporWtcia da imprensa na .vida naciona!. "A imprensa a vista da na9iio", diz Rui Barbosa. Lendo os jomais e revistas, percebemos 0 esfor~ cotidiano em afirmar a si mesmos como lugar de independencia, espfrito cientrfico e eleva~ao de ideias - "a verdadeira forma de republica do pensamento", como ja havia escrito Machado de Assis. A imprensa, em s~ pr6prias palavras, e interprete dos sentimentos populares, formadora da opiniao coletiva, anaIista dos neg6cios publicos. Seguindo a formulayao de Roque Spencer Maciel de 2 Barros , diriamos que ela e urn bra~o da "ilustra9io brasileira", ou seja, 0 movimento que em fins do seculo XIX formouse no Brasil, guardando, do i1urninismo euro\leu do seculo XVIU, uma crencta radical no poder da razio e da ciencia, e, portanto, no papel dos intelectuais. 0 autoretrato construido pela imprensa e a de urn instrumento direto e imediato de a~io educativa. a virada do seculo, a fun~ao i1uminadora da imprensa vern respaldada pela cren9a na ciencia, a e cientificidade jornalistica, por sua vez, confunde-se com civismo. Transparece, no discurso dos jornalistas da epoca, a divisao entre boa e rna imprensa, sendo boa aquela que fosse cfvica. Compreendendo 0 jomalismo como urn sacerd6cio, Emanuel Camero ressente-se da perda de autonomia dos profissionais, uma vez que 0 capital passa as mios dos empresanos da imprensa. Como explica Antonio Costella,"o novo jornal, entio nascido, nilo mais vivera em funyao de urn ou alguns nomes; sera urna organiza~ao cada vez mais complexa, onde divisao do trabalho se incumbira de apagar as estrelas, os colunistas-vedetes de antanho. Havera tambem uma sensfvel transforma~io de conteudo, de tal modo que os grandes jomais se afastario da Iinha de doutrina9ao ideol6gica para dedicar-se-mais a noticia',3. o artigo de Camero, assim como 0 incidente que 0 motivou, sao resultantes da condiyao ambigua da imprensa naquele momento, entre ser tribuna poJitica ou empresa. Em meio as comemorayaes do primeiro 15 de novembro, parte da reda~o de 0 Pair. e demitida, responsabilizada pel a publica9ilo no jomal de urn protesto anonimo contra uma manifesta~io de apoio ao ministro da Fazenda, Rui Barbosa, organizada pelas industrias cariocas. A autoria do protesto e atribufda ao tenente Jose Augusto Vinhaes, lider operario e membro do corpo de reda~o de 0 Pak. o incidente determina a demissio de redatores e a troca da di~io do jomal, de propriedade do conselheiro Francisco

e

(. ..) Ninguem suponha que se ilude a sagacidade perscrutadora de uma popuI~iio inteira; ninguem suponha que um Jomal possa ser feito com um amontoado de artigos e anuncios: um Jornal hd de ser sempre 0 homem ou os homens que 0 dirigem, impondo-se aconsiderafiio publica pela severidade dos sew prineipios, pe/a honradez do seu pass ado, pelas reve/~Oes do seu patriotismo, pelo valor moral da .leu talenlo ". A cita~io e longa, mas as palavras de Camero, figura importante daquele que e um dos principais jomais do tempo, revetam a percep<tio - e no caso, a indigna~o - quanta as transformayaes sofridas pela imprensa, na lenta passagem do jornalismo estritamente politico para aquele de fei~o empresarial. Em Iinhas gerais, podemos dizer que, ate a primeira metade do seculo XIX, a motiv~o primeira da imprensa havia sido a de influir no ambiente politico. Confor1 me descreve Ciro Marcondes Filho , 0 jomalismo que se fazia era de pequeno porte, com centenas de titulos diferentes e funcionava como uma especie de produto informativo num grande mercado de opinioes, constitufdo nas cidades. Esta circulayao de inform~oes interferia no jogo politico, na fermenta~o dos boatos, na formayio de opiniOes. Servia para que as pessoas consubstanciassem suas posiyaes politicas, se informassem sobre eventos desconhecidos e os utilizassem nas praticas ideol6gicas, revolucionanas, eleitorais,

a

etc. Ainda no seculo XIX, a imprensa inicia 0 lento processo de sua institucionaliza~io, estabelecendo uma imagem que passa a ser cada vez menos a de agente no mundo politico e mais a de meio, lugar de observ~o que se pretende imparcial. Podemos dizer que empreende urna transformayao semelhante a passagem de uma hist6ria concebida como "mestra da vida" para aquela que se pretende "cientifica", pois tam bern na atividade jornalfstica a autoridade desioca-se do narrador, que produzia urn ajuizamento particular, para 0 metodo, que visa estabelecer os fatos "objetivos". A questio da objetividade, que veio a tomar-se urn dos pilares sobre os quais a legitimidade da atividade jomallstica foi afirmada, e tangenciada pel a critica aimprensa "neutra" empreendida por Camero. No entendimento do jomalista, a imprensa teria a patri6tica missao de guiar a opiniio publica. Assim, a capacidade de apontar a "verdade dos fatos" estaria relacio-

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de Paula Mayrink, presidente do Bane<> dos Estados Unidos do Brasil. A extensao da crise causada pelo protesta do dia 13 fica patente na safda dos diretores do jomal. Em 15 de novembro, Antonio Pereira Leitio e Belarmino Carneiro escrevem seu editorial de despedida, em que dizem que 0 Paiz, sob a sua administra~ao, nunca havia abandonado

"a sua parte de responsabilidade na forma~iio da Republicd'. Sao substitufdos por Eduardo Salamonde e Leo de Affonseca, ex-redatores do MercantiJ, de Sao Paulo. o Diar;o de Notfcias informa que Constancio Alves, ex-redator do Diario do Bahia, passava entao a ser 0 responsavel pel a nova "dire~iio polWed' de 0 Pai:., a qual 0 jomal monarquista 0 Brazil qualifica como "ultra govemista". Vinhaes nilo e apenas urn dos redatores do jomal 0 Paiz, tendo mesmo participado de sua cria980. Not6rio personagem da implanta980 da Republica, teve 0 apoio do ministro Quintino Bocaiuva e do jomal 0 Paiz em sua elei9ao para a Assembleia Constituinte naquele ano de 1890. 0 jornal ac1amou-o como importante lider operario e publicava sua coluna sobre a "questio social", na qual Vinhaes reiterava suas promessas de lealdade e ajuda aos trabaIhadores. a Republica iniciante, 0 Governo Provisorio aceita as manifesta~oes iniciais em prol da participa980 politica do povo, vistas como urn dado fortalecedor da Republica. 0 jomal A Voz do Povo, que circulou entre janeiro e mar90 de 1890 e do qual Vinhaes foi urn dos fundadores, foi saudado com simpatias pelo 6rgio oftcioso do governo, 0 Paiz. A imporWtcia politica da imprensa e evidenciada, por exemplo, pel a presen9a de Quintino Bocaiuva e Rui Barbosa - exredatores-chefes de 0 Paiz e do Diario de Nolieias - no primeiro ministerio republi-

87 ANOS DA ADI

Gustavo de Lacerda, reporter de 0 Paiz, fundou a Associa~iio de Imprensa, primeira denomina~iio da Associafiio BrasileiTa de I mprellsa, em 7 de abriJ de 1908.


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