Barcelona e os direitos culturais: da utopia à concretização
O Inquérito às Práticas Culturais dos Portugueses 2020 trouxe a confirmação de que existem “significativas desigualdades no acesso à cultura”. O estudo mostra que a geração nascida no final dos anos 90 e início dos anos 2000 foi a que mais beneficiou com a formação artística adquirida em contexto escolar, e que a afeição das pessoas inquiridas às práticas artísticas amadoras é “tanto mais significativa quanto mais elevado é o seu grau de ensino”. Mas numa área que se quer tão abrangente quanto a cultura, há mais variáveis a ter em conta para uma identificação interseccional das falhas.
Perceber as desigualdades no acesso à cultura tem sido uma preocupação transversal a vários países e cidades europeias, entre as quais Barcelona se tem destacado. Para uma análise interseccional do perfil dos cidadãos com mais e menos acesso à cultura, a Câmara Municipal de Barcelona desenvolveu o estudo Encuesta de Participación y Necesidades Culturales de Barcelona . Este foi um dos primeiros passos na construção de um Plano de Direitos Culturais, com medidas concretas, para nivelar o acesso e a participação cultural.
Na metodologia optaram por não só questionar as pessoas inquiridas quanto aos seus hábitos culturais e nível de ensino, mas também quanto a aspectos relevantes da vida quotidiana - como o valor da renda da casa, correspondente a cidadãos de uma classe social mais privilegiada. A percentagem de barceloneses com rendas altas que assistem a actividades culturais, 71,9%, contrasta com os 49,7% com rendas baixas. No entanto, no que diz respeito à prática artística, a diferença não é tão significativa: 38,3% das pessoas com rendas altas pratica algum tipo de actividade criativa, assim como 33,8% das pessoas com rendas baixas.
Este Plano de Direitos Culturais, apresentado em 2021, resulta de uma preocupação do executivo de Ada Colau, presidente da Câmara de Barcelona desde 2015, com o lugar da cultura em sociedades democráticas. “Se durante o século XX o direito à saúde e à educação foram as políticas-chave para contribuir para a igualdade e para a democratização social, no século XXI as políticas culturais são também centrais para seguir o aprofundamento desta democratização, reduzindo as desigualdades e ampliando os direitos e as oportunidades da cidadania”, lê-se no plano.
Barcelona and cultural rights: from utopia to realisation
The Portuguese Cultural Practices Survey of 2020 has confirmed "significant inequalities in access to culture". The study shows that the generation born in the late 1990s and early 2000s has benefited the most from artistic education in the school context. It also revealed that, among people surveyed, the interest in amateur artistic practices is "more significant the higher their level of education". But in a sector with such a broad scope as the cultural one, there are more variables to be considered for an intersectional identification of problems.
Understanding inequalities in access to culture has been a concern across various European countries and cities, among which Barcelona stands out. For an intersectional analysis of the profile of Barcelona’s citizens with more and less access to culture, the Barcelona City Council commissioned the study Encuesta de Participación y Necesidades Culturales de Barcelona (“Survey of Cultural Participation and Cultural Needs in Barcelona”). This survey was the beginning stages of a Cultural Rights Plan that includes specific measures to ensure equal access to culture and to cultural participation.
The methodology used surveyed not only the population's cultural habits and education level but also relevant aspects of daily life, such as house rental prices, corresponding to citizens from a more privileged social class. The study found that the percentage of Barcelona residents of higher income families attending cultural activities is of 71.9%, falling to 49.7% in lower-income families. However, the difference is not so significant when speaking of artistic practice, with 38.3% of higher income residents and 33.8% of low-income residents doing some kind of creative activity.
The Cultural Rights Plan of Barcelona (2021) originates from a concern of the executive of Ada Colau, mayor of Barcelona since 2015, about the role of culture in democratic societies. "If during the 20th century policies on the right to health and education played a key role in helping towards social equality and democratisation, in the 21st century cultural policies are key to strengthening democracies, to reduce social inequalities and to further citizenship rights and opportunities”, the document reads.
INÊS CÂM A R A
Assente em nove medidas governamentais, 100 acções concretas, 68 milhões de euros e um calendário entre dois a três anos de execução, o plano tem preocupações transversais, que funcionam como uma espécie de “coluna vertebral”: reconhecer a diversidade étnico-racial e cultural da cidade, garantir a equidade com uma perspectiva feminista, aproveitar as valências do digital e dos dados de acesso aberto para comunidades mais integradas, trabalhar pela sustentabilidade do sector cultural, tanto do ponto de vista ecológico como económico. No desenho deste projecto, não existem diferenças entre a dita cultura erudita e popular. Existe tanto uma preocupação com a valorização da cultura cigana e com a reestruturação do calendário de festividades, como com a revisão da política de preços e serviços dos museus de Barcelona.
Para cada uma das nove medidas governamentais, através das quais o plano se organiza, existem objectivos específicos a cumprir, com linhas de acção para os guiar. Entre eles, estão a definição de políticas culturais que promovam a cultura popular catalã a partir da consolidação das práticas existentes, a criação de grupos de trabalho que possam dar apoio a práticas artísticas comunitárias com valor público e que promovam a coesão entre os diferentes bairros, o desenvolvimento de projectos adaptados a cada território que possam ser postos em prática nos equipamentos culturais locais. As bibliotecas, por exemplo, são encaradas como um potencial espaço de encontro das comunidades, mas também como espaço de aprendizagem fora do horário lectivo das crianças e jovens.
Além dos pontos que se dirigem aos cidadãos, de uma forma geral, há também objectivos de actuação que envolvem profissionais da cultura - como a promoção
The Cultural Rights Plan includes nine government measures and a hundred different actions to be implemented during the next two or three-year period, with a budget of 68 million euros. The plan is organised around a set of transversal concerns, which act as a kind of “backbone”: recognising the ethno-racial and cultural diversity of the city, ensuring equality with a feminist perspective, capitalising on the potential of the digital medium and open access data for more integrated communities, working to ensure the sustainability of the cultural sector from both ecological and economic perspectives. The plan does not differentiate between high culture and low or popular culture. There is both a concern for the valorisation of Roma culture and the redefinition of the calendar of festivities, and for the reevaluation of Barcelona museums’ pricing and service policy.
Each of the nine government measures that guide the programme has specific objectives to be met, with action lines to guide them. These include defining cultural policies that promote Catalan popular culture through the consolidation of existing practices, creating working groups that can support community artistic practices with public value and that promote cohesion between different neighbourhoods, developing projects adapted to each territory that can be implemented in local cultural facilities. Libraries, for example, are understood as a potential meeting place for communities, but also as a place for learning outside school hours for children and young people.
Besides the objectives that are aimed at citizens there are also objectives of action that engage culture professionals - such as promoting the role
do papel dos mediadores, o reforço da comunicação dos diversos intervenientes do sector livreiro, a oferta de espaços e recursos aos criadores para que possam difundir o seu trabalho e partilhá-lo com outros agentes culturais e cidadãos. E porque neste documento é central a noção de horizontalidade e igualdade de oportunidades, existe também uma preocupação em promover iniciativas que permitam que a criação e a difusão vão além do crivo dos gatekeepers dos circuitos culturais tradicionais e com mais visibilidade.
Para Daniel Granados, delegado de Direitos Culturais da Câmara de Barcelona, “as políticas culturais têm de estar ao serviço do que são os direitos da cidadania, da luta contra a desigualdade”. “Temos procurado fazer uma escuta activa para incorporar diferentes reclamações e sensibilidades no desenho deste plano. Começámos a trabalhar com muitos colectivos, entidades e empresas que há anos que estão a participar numa reflexão sobre políticas públicas para a cultura em Barcelona”, explica. É nessas estruturas e colectivos, alguns deles historicamente invisibilizados, explica, que reconhece já um compromisso com a mudança no que diz respeito à diversidade da programação e das equipas.
Tendo a Declaração de Friburgo (2007), marco fundamental na história das políticas culturais, como uma das referências-base do Plano de Direitos Culturais, o desafio era ir mais além. “Reunimos alguns elementos simbólicos que representam algum tipo de inovação nesta reflexão - para que serve a cultura desde a perspectiva da luta contra as desigualdades e da vontade de favorecer a igualdade de oportunidades?”, explica Daniel Granados. A partir daí pensaram em “novos vínculos” entre “políticas culturais e tecnologia, entre tecnologia e ciência, cultura e educação, mas também entre cultura e trabalho”.
Ao contrário da relação entre centro e periferia, que tem estado em foco no debate sobre políticas culturais, este plano propõe que se adopte o conceito de “novas centralidades”. “Historicamente, a descentralização propõe que exista uma centralidade e que se desenhem programas culturais que cheguem a uma chamada periferia”, nota Daniel Granados. “O que estamos a fazer com este plano é reconhecer que nesta chamada periferia existe uma identidade cultural, ou identidades culturais, que vale a pena reconhecer. Há que garantir percursos para poder gerar novas centralidades culturais.”
E se um plano tão ambicioso como este fosse pensado em Portugal, o que devia ser tido em conta?
of mediators, strengthening the communication of the different actors of the book sector, offering spaces and resources to creators so that they can disseminate their work and share it with other cultural agents and citizens. And as the notion of horizontality and equal opportunities is central to this document, there is also a concern with promoting initiatives that allow creation and dissemination to go beyond the scrutiny of traditional cultural circuits gatekeepers and gain more visibility.
For Daniel Granados, Cultural Rights delegate for Barcelona City Council, "cultural policies must pledge to safeguard citizenship rights and to fight inequality. We’ve been trying to actively listen to different claims and stories and include them in this plan. We started working with several collectives, organisations and companies that have been examining cultural public policies in Barcelona for years", he explains, adding that what he realises within these groups, some of them historically invisiblelized, is their commitment to change the lack of diversity in cultural programming and teams.
Launched in 2007, the Fribourg Declaration on Cultural Rights is a fundamental landmark in the history of cultural policies, and it is one of the primary references to the Cultural Rights Plan of Barcelona. But the challenge was to go further: "We have gathered some symbolic elements that bring a degree of innovation to this reflection – what is the role of culture from the perspective of the struggle against inequalities and the will to ensure equal opportunities?”, explains Daniel Granados. From there, they thought about "new connections" between "cultural policies and technology, between technology and science, culture and education, but also between culture and work".
Instead of addressing the relation between centre and periphery, which has been central to the debate on cultural policies, the plan proposes the use of the notion “new centralities”. "Historically, decentralisation presumes the existence of centres and of cultural programmes designed to reach a so-called periphery", notes Daniel Granados. "What we are doing with this plan is acknowledging that in this so-called periphery there is a cultural identity, or cultural identities, that are worth acknowledged. We must make ways to generate new cultural centralities."
And if a plan as ambitious as this were to be designed in Portugal, what should it take into account?
MADAL E NA
VI C TORINO
Portugal: direitos para quê e para quem?
Um dos dados fundamentais para a compreensão da ideia de diversidade étnico-racial e cultural no Plano de Direitos Culturais de Barcelona é a percentagem de pessoas que vivem na cidade e que nasceram fora de Espanha: neste último caso, 27,3%. Esta percentagem, obtida pelo departamento de Estatística e Difusão de Dados da Câmara de Barcelona em 2020, junta-se a outra igualmente relevante: mais de metade dos residentes de Barcelona nasceram fora das fronteiras da cidade. Além disso, segundo o estudo de diversidade linguística da ONG Linguapax, citado no Plano de Direitos Culturais de Barcelona, ouvem-se nas ruas da cidade mais de 300 línguas diferentes. É também por isso que um dos objectivos do plano se dirige ao “reconhecimento da diversidade cultural, potenciando a equidade e pertença, e evitando reducionismos etnosimbólicos”.
Portugal: rights for what and for whom?
One of the key data for understanding the idea of ethno-racial and cultural diversity in the Barcelona's Cultural Rights Plan is the percentage of foreign-born city residents, which amounts to 27.3% (Barcelona City Council's Department of Statistics and Data Dissemination, 2020) and of residents born outside of the city, which is over 50%. In addition, the plan quotes a study on linguistic diversity by the NGO Linguapax to indicate that more than 300 different languages are heard on the city streets. This is also why one of the objectives of the plan is to "promote the recognition of cultural diversity by strengthening equity and the sense of belonging and avoiding ethno-symbolic reductionism”.
Madalena Victorino está habituada a trabalhar esses valores. Foi pioneira na prática de artes na comunidade em Portugal e tem trabalhado sobretudo em territórios de baixa densidade populacional. Nos anos 80, regressada de Londres, mudou-se para Viseu, onde trabalhou com mulheres rurais a partir da obra de Pina Bausch. Nos últimos tempos, tem-se dedicado a projectos que visam também a inclusão de imigrantes no concelho de Odemira, vindos sobretudo do Nepal, Bangladesh, Índia e Paquistão, através de laboratórios performativos. Identifica-se com o conceito de “novas centralidades”.
Na sua perspectiva, pensar em direitos culturais implica desconstruir o conceito de cultura.
“A primeira coisa a dizer é que todas as pessoas pertencem a uma cultura e têm uma cultura. Nós falamos de cultura pensando na arte e no valor que a arte pode ter no diálogo com a cultura que as pessoas já têm, e que muitas vezes nós não pensamos que elas têm”, elabora. “Mas têm: trazem uma herança consigo que é o local onde nasceram, a família de onde vêm, o contexto nacional em que estão, e o momento em que vivem.” E reconhecer isso é um passo importante.
A co-fundadora do projecto Lavrar o Mar não consegue descolar uma análise sobre a cultura em Portugal de uma “herança fascista” que deixou “espartilhada uma ideia de cultura popular que o Estado Novo quis promover e desenvolver de uma determinada maneira, com uma imagem específica do nosso país perante os outros, que uniu toda a população portuguesa, de Este a Oeste, de uma maneira artificial”. Interessa-lhe ressignificar, juntamente com as comunidades, essa ideia de “cultura”. Mas também considera fundamental que se promova uma “prática cultural artística educativa que possa colocar todas as pessoas em pé de igualdade, sejam elas netas e filhas de quem forem”, diz. “Há ainda muito trabalho a ser feito nas pequenas e grandes cidades, no interior e no litoral.”
“Como é que a arte pode contribuir para uma aproximação entre estas culturas que têm abismos entre si, como é o caso do Paquistão em relação ao Alentejo? Acredito que é preciso dar uma atenção enorme a este problema. Ver como é que, de uma forma estrutural, se poderia de facto modificar uma série de procedimentos na presença de artistas dentro das escolas que pudessem contribuir para mudar esse paradigma”, propõe Madalena Victorino.
Madalena Victorino works on these values. She was a pioneer in the field of community arts in Portugal and has mainly worked in areas of low population density. In the 80s, after returning from London where she studied contemporary arts, she moved to Viseu, where she developed a community-oriented project to introduce the work of Pina Bausch to rural women. In recent years, she has been dedicated to projects that promote the inclusion of immigrants in the municipality of Odemira, mainly from Nepal, Bangladesh, India and Pakistan, through the creation of performative laboratories. She identifies with the concept of “new centralities”
From her perspective, to think about cultural rights, we need to deconstruct the concept of culture. "The first thing is that every person belongs to a culture and has its unique culture. When we speak of culture, we think of art and the value that art can have in the dialogue with each person's culture, which we rarely think exists", she explains. “But exists: each person carries a legacy that includes the place where they were born, the family they come from, the national context they are in, and the moment they are living now.” And acknowledging that is an important step.
The co-founder of the project Lavrar o Mar cannot analyse culture in Portugal without considering the "fascist legacy", which left "rooted an idea of popular culture that the Estado Novo wanted to promote and develop in a certain way, with a specific image of our country in relation to others, and that united the entire Portuguese population, from east to west, in an artificial way". She is interested in re-signifying this idea of "culture", together with the communities.
But she also considers it fundamental to promote an "artistic and educational cultural practice that puts all people on an equal footing, whoever their grandchildren and daughters may be", she says.
"There is still a lot of work to be done in small and big cities, in the interior and on the coast."
"How can art contribute towards a rapprochement between these cultures that have chasms between them, as is the case of Pakistan in relation to Alentejo? I believe we need to pay enormous attention to this problem, and understand how, in a structural way, we could in fact change a series of procedures with the presence of artists in schools who could contribute to changing this paradigm," proposes Madalena Victorino.
“Quando as pessoas chegam a adultas pensam que a arte é entretenimento ou é demasiado intelectual e não lhes interessa. Não conseguem conectar-se.”
Seguindo esta perspectiva, a actriz e encenadora Isabél Zuaa gostava de criar um centro cultural na periferia de Lisboa. Foi lá que cresceu, no Zambujal de Loures, e que começou a exprimir-se artisticamente. Nos grupos de dança de que fazia parte, recriava coreografias de músicas tradicionais de Angola e do Senegal - lembra-se até hoje de actuar nas cidades vizinhas e da sensação de estar em palco. Acabou por perceber que era essa a sensação que queria reproduzir. Decidiu ir estudar teatro. Depois, seguiu para o Brasil à procura de outras oportunidades, e para fugir à precariedade. Hoje trabalha entre lá e cá, e uma das questões que mais a preocupa é o acesso das novas gerações a referências que estejam além das que chegam à periferia. “Vejo muito talento e criatividade que às vezes só precisa de uma inspiração. A cultura serve para nos inspirarmos, não só para fazer mais cultura, mas também para nos inspirar enquanto humanos.”
Para que existisse uma mudança efectiva nos direitos culturais em Portugal, Isabél Zuaa acredita que seria necessária “uma reorganização sócio-política" porque “não partimos do mesmo lugar”. Lembra que se as pessoas não têm a possibilidade de suprir as suas necessidades básicas, é “pouco provável que tenham vontade e a possibilidade de ter acesso à cultura”. “Se tens um trabalho extremamente complexo, com uma carga horária excessiva, estás preocupada em alimentar-te e alimentar os teus. Não tens a possibilidade e a predisposição para ir a um espetáculo”, nota a actriz.
Em Setembro de 2020, Isabél Zuaa, juntamente com Cleo Diára e Nádia Yracema, apresentava Aurora Ne g ra no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa. Na peça falavam sobre a condição de ser uma mulher negra artista e a invisibilidade a que os seus corpos sempre foram relegados. O espectáculo acabou por se tornar precisamente no oposto: num dos momentos de maior celebração da representatividade em palcos portugueses. O mesmo aconteceu com Cosmos , a sequela de Aurora Ne g ra , que levou ao D. Maria II espectadores que nunca lá tinham entrado.
“When people become adults, they think art is entertainment or is too intellectual and doesn't interest them. They can't connect."
Following this perspective, the actress and director Isabél Zuaa would like to create a cultural centre on the outskirts of Lisbon. It was there that she grew up, in Zambujal de Loures, and that she began to express herself through the arts. In the dance groups she was part of, she recreated choreographies of traditional songs from Angola and Senegal - she still remembers performing in neighbouring towns and the feeling of being on stage. Eventually, she realised this was the feeling she wanted to reiterate. She decided to study theatre. Then she went to Brazil in search of other opportunities, and to escape precarious work conditions. Today she works between Brazil and Portugal, and one issue that concerns her most is the access of new generations to references beyond those that reach the peripheries. "I see a lot of talent and creativity that sometimes just needs an inspiration. Culture serves to inspire us, not only to create more culture but also to inspire us as humans."
For there to be an actual change in cultural rights in Portugal, Isabél Zuaa believes it would require "a socio-political reorganisation", because "we don't start from the same place". She recalls if people can’t to meet their basic needs, it is "unlikely that they will have the will and the possibility to access culture". "If you have an extremely complex job, with an excessive workload, you’re worried about feeding yourself and your family. You don't have the possibility or the willingness to go to a show", notes the actress.
In September 2020, Isabél Zuaa, together with Cleo Diára and Nádia Yracema, presented Aurora Ne g ra at the Teatro Nacional D. Maria II, in Lisbon. In the play, they talked about the condition of being a black woman artist and the invisibility to which their bodies have always been relegated. The show turned out to be exactly the opposite: one moment of greatest celebration of representativity on Portuguese stages. The same happened with the play Cosmos , the sequel to Aurora Ne g ra , which attracted spectators to the theatre that had never been there before.
“Não é sobre quem está, mas quem falta”, diz Isabél Zuaa. “É importante as pessoas sentirem-se representadas nos espaços culturais e sentirem que são convidadas (e bem-vindas) a pertencer àquele teatro e àquele grupo. Como público, mas também em postos de poder, decisão e programação. O espectro só se pode ampliar com a multiplicidade de corpos e vivências nesses espaços.” E para que as pessoas se sintam convidadas, a comunicação é fundamental.
"It's not about who is in, but who is missing", says Isabél Zuaa. "It's important for people to feel represented in cultural spaces and to feel that they’re invited (and welcomed) to belong to that theatre and that group. As an audience, but also in positions of power, decision-making and programming. The spectrum can only widen with the multiplicity of bodies and experiences in those spaces." And for people to feel invited, communication is key.
IS A B ÉL ZU AA
O mesmo diz Tiago Fortuna, do Access Lab. “A falta de informação é logo o primeiro passo para a exclusão ” No caso da acessibilidade aos espaços culturais por pessoas com deficiência, as possibilidades são ainda mais baixas. As visitas a museus com audiodescrição e Língua Gestual Portuguesa são feitas, na maior parte das instituições portuguesas, mediante marcação ou em dias especiais. Há muito poucos recursos informativos em braille. O acompanhante tem, grande parte das vezes, de pagar um bilhete de valor igual ao da pessoa com deficiência que for assistir a um concerto. Nem sempre os transportes públicos estão adaptados a pessoas com mobilidade reduzida, mesmo em grandes cidades como Lisboa e Porto.
Condições para criar
Tiago sabe algumas das propostas que faria caso se assumisse o compromisso de desenhar um plano de direitos culturais em Portugal: promover a literacia para a deficiência e formar profissionais do sector cultural; rever a acessibilidade das infraestruturas, que muitas vezes não têm casas de banho adaptadas nem as plataformas necessárias; repensar a forma como se comunica a programação para que a mensagem chegue a todas as pessoas; e a isenção de IVA para os bilhetes da pessoa com deficiência e do seu assistente pessoal/acompanhante como “um benefício dado a todos os promotores que seguissem essa política de boas práticas”.
Porque um plano de direitos culturais teria de passar também por rever as condições dos profissionais da cultura, Isabél Zuaa gostava que se reavaliassem os processos de candidatura a apoios que, muitas vezes, resultam em objectos artísticos criados em tempo recorde. Com pouco tempo e pouco dinheiro, tem sempre a sensação de que está “a começar do zero”. “Ser artista é muito complexo, ser artista mulher mais ainda, ser artista mulher e negra é três vezes mais”. Olhando para trás, está certa de que a ida para o Brasil lhe trouxe outra visibilidade. Não quer que seja assim para as novas gerações de artistas mulheres negras.
Daniel Granados chama-lhe “direito à participação”. No Plano de Direitos Culturais de Barcelona, a participação divide-se em dois eixos.
“Por um lado, a participação tem a ver com a capacidade de exerceres a tua identidade cultural, seja ela qual for, com uma perspectiva absolutamente diversa e transversal”, diz. “Por outro, a participação dos próprios sectores culturais, dos que se dedicam à economia produtiva da cultura e que não tem muitas vezes as condições mínimas para poder participar em condições dignas.”
The same says Tiago Fortuna from Access Lab. "Lack of information is the very first step towards exclusion." With accessibility to cultural spaces by people with disabilities, the possibilities are even lower. In most Portuguese institutions, museum visits with audio description and Portuguese Sign Language are by appointment or on specific days. There are very few information resources in Braille. Most of the times, the person accompanying the person with disability who is attending a concert must equally pay for the ticket. Public transport is not always adapted to people with reduced mobility, even in big cities like Lisbon and Porto.
Conditions to create
Tiago knows what measures he would propose if there was a project to design a Portuguese cultural rights plan: promote disability literacy and train professionals in the cultural sector; examine infrastructure’s accessibility, which often are not equipped with adapted toilets or the necessary platforms; rethink how organisations communicate their programming so that the message reaches everyone; and VAT exemption for tickets for people with disabilities and their personal assistant/accompanying person as "a benefit to all promoters who adopted this policy of good practice".
Because a cultural rights plan would also have to include a review of the conditions for cultural professionals, Isabél Zuaa would like to see a re-evaluation of funding application processes, which often result in artistic objects created in record time. With little time and little money, she always feels that she is "starting from scratch". "Being an artist is very complex, being a woman artist even more so, being a black woman artist is three times more so." Looking back, she knows that going to Brazil gave her another visibility. She doesn't want it to be like that for the new generations of black women artists.
Daniel Granados calls it the "right to participation". In the Barcelona Cultural Rights Plan, participation is articulated around two axes.
"On the one hand, participation has to do with the ability to explore your own cultural identity, whatever it may be, with a fully diverse and transversal perspective", he says. "On the other, the participation of the cultural sectors themselves, of those involved in the productive economy of culture, who rarely have the minimum conditions to participate in decent conditions.”
Quando as condições para criar não são convidativas, muitas vezes pensa-se num plano B. Para que ser artista também possa ser um plano A, Inês Câmara acredita que em Portugal é preciso garantir a protecção dos trabalhadores das artes, e relembra que no novo Estatuto dos Profissionais da Cultura também está considerado o direito das pessoas como produtoras de cultura. Na hipotética construção de um plano de direitos culturais em território nacional, aponta para as responsabilidades das autarquias. “Faria sentido isto partir dos municípios, que podem convidar os cidadãos a entrar e a discutir o que querem para a sua cidade, para o seu território”.
Mas esta ligação com os municípios não tem de ser óbvia, como mostra a iniciativa catalã. Uma das formas de garantir a sua realização é a utilização de plataformas digitais, bem como a criação de projectos em paralelo, que respondam aos desafios previamente encontrados. Daniel Granados conta que, neste momento, se está a estudar a possibilidade de utilizar a plataforma participativa Decidim para abrir a programação à comunidade. Com Arxius Oberts , um projecto que trabalha na reflexão e construção de arquivos culturais digitais de forma comunitária, têm conseguido promover o património e a literacia digital. No Outono, vão implementar um projecto piloto pensado para mulheres que são mães, já que um dos dados que recolheram indicava que muitas mulheres deixam de ir a espaços culturais nos primeiros anos dos filhos.
“A única forma de garantir que respondemos às necessidades é criando estruturas dentro da administração pública, cuja função principal é fazer um seguimento exaustivo do cumprimento do plano”, explica o delegado de direitos culturais.
Num artigo de opinião para o jornal espanhol El Periodico, Daniel Granados falava de como o sucesso da catalã Rosalía podia criar uma sensação de que “se quiseres, consegues”. Mas a verdade é que, nas suas palavras, sem a oportunidade de aceder à formação extra-curricular e superior, e a capacidade de participar activamente no ecossistema cultural da cidade, Malamente [o single que catapultou Rosalía para o circuito internacional] seria apenas um advérbio. Em Portugal, Tiago Fortuna espera que também mais pessoas possam “imaginar e criar um futuro diferente”, que só é possível, entre outras coisas, garantindo um acesso à cultura realmente transversal. Sonha com o dia em que todas as pessoas possam ser tocadas por objectos ou manifestações artísticas, como aconteceu com ele naquela noite em Londres, no concerto de Madonna. E que tenham condições para ir mais além. Não só sonhar, mas ir. /
When the conditions to create are not inviting, it is often necessary to think of a plan B. So that being an artist can also be a plan A, Inês Câmara believes that in Portugal it is necessary to guarantee protection for arts workers and recalls that the new Statute of Professionals in the Area of Culture also considers the rights of cultural producers. Looking at the hypothetical construction of a cultural rights plan on national territory, she points to the responsibilities of municipalities. "It would make sense for this to start from the municipalities, which can invite citizens to come in and discuss what they want for their city, for their territory."
But the link with municipalities does not need to be obvious, as the Catalan initiative shows. One way to ensure its realisation is to use digital platforms, as well as to create projects in parallel, which respond to the challenges previously encountered. Daniel Granados tells us that, at the moment, the possibility of using the participative platform Decidim to open up programming to the community is being studied. With the Arxius Oberts project, a project that works collectively on the reflection and construction of open and accessible digital cultural archives, they have promoted cultural heritage literacy and digital literacy. In the autumn, they will implement a pilot project for mothers, since one data they collected showed that many women stop going to cultural venues in the early years of their children.
“The only way to ensure that we meet the needs is to create structures within the public administration, whose primary function is to carry out a thorough monitoring of compliance with the plan”, explains the cultural rights delegate.
In an opinion piece for the Spanish newspaper El Periodico, Daniel Granados spoke of how the success of Catalan Rosalía could create a sense that "if you want it, you can do it". In his words, the truth is without the opportunity to access extra-curricular and higher education, and the ability to actively participate in the city's cultural ecosystem, Malamente [the single that pushed Rosalía to the international stage] would be just an adverb. In Portugal, Tiago Fortuna hopes that more people can also "imagine and create a different future", which is only possible by ensuring actual transversal access to culture, among other things. He dreams of the day when all people can be touched by objects or artistic manifestations, like he was that night in London at the Madonna concert. And that they have the conditions to go further. Not only to dream, but to go. /
CAROLINA FRANCO ESCREVE SOBRE CULTURA, JUVENTUDE E DIREITOS HUMANOS. CADA VEZ MAIS ACREDITA QUE ESTÁ TUDO LIGADO. É JORNALISTA COLABORADORA NO PROJECTO DE LITERACIA MEDIÁTICA PÚBLICO NA ESCOLA E CO-EDITORA NA REVISTA SHIFTER . ESTUDOU CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NO PORTO, DE ONDE É NATURAL, TEM UMA PÓS-GRADUAÇÃO EM CURADORIA DE ARTE E ESTÁ A COMPLETAR O MESTRADO EM ANTROPOLOGIA - CULTURAS VISUAIS. CAROLINA FRANCO WRITES ABOUT CULTURE, YOUTH AND HUMAN RIGHTS. FOR HER, EVERYTHING IS CONNECTED. SHE IS A JOURNALIST WORKING ON THE MEDIA LITERACY PROJECT PÚBLICO NA ESCOLA AND CO-EDITOR OF THE MAGAZINE SHIFTER CAROLINA STUDIED COMMUNICATION SCIENCES IN PORTO, WHERE SHE IS FROM, HAS A POST-GRADUATE DEGREE IN ART CURATORSHIP AND IS COMPLETING HER MASTER'S IN ANTHROPOLOGY - VISUAL CULTURES.
ES T AO A S E R
INVE ST I D O S
M I L H O ES N A M Ú SI C A
D O P A S SA D O .
ON DE É QU E I S SO
D EI XA O S ARTI S T A S
E ME R G E N TE S ?
MILLIONS ARE BEING INVESTED IN THE MUSIC OF THE PAST. WHERE DOES THAT LEAVE EMERGING ARTISTS? ~ ~
POR / BY DANIEL DIAS
Foram recentemente adquiridos, em negócios milionários, os catálogos musicais de diversos artistas emblemáticos, de Bob Dylan a Bruce Springsteen. Isto é ilustrativo de um desinvestimento em música nova? Ou uma coisa não invalida a outra?
The music catalogues of several iconic artists, from Bob Dylan to Bruce Springsteen, have recently been acquired in multi-million dollar deals. Is this a sign of disinvestment in new music? Or one does not exclude the other?
PT Julho de 2021. Por cerca de 200 milhões de dólares, Bob Dylan vende à Sony Music Entertainment os direitos de reprodução e distribuição de todas as suas canções. O trabalho de uma vida, construído ao longo de seis décadas. Dezembro de 2021. Desta feita, o conglomerado norte-americano adquire, por perto de 500 milhões de dólares, as gravações originais das músicas de Bruce Springsteen. Janeiro de 2022. A Warner Chappell Music investe 250 milhões de dólares na compra do catálogo de David Bowie.
Poderíamos continuar.
Estamos perante uma tendência na indústria da música. Grandes conglomerados - detentores de várias editoras discográficas -, empresas de capital privado e fundos de investimento desembolsaram quantias assinaláveis para comprar os repertórios de artistas com carreiras longas e de sucesso (sobretudo, mas não só). Quem diz Dylan, Springsteen e Bowie também pode dizer, por exemplo, Neil Young, Paul Simon, Tina Turner, Whitney Houston, Stevie Nicks ou a banda Blondie. Artistas e bandas que não têm a mesma longevidade que os nomes referidos e cujos catálogos também foram adquiridos recentemente incluem Shakira, David Guetta e os Imagine Dragons.
Para os compradores dos catálogos, os benefícios são evidentes. É interessante ter os direitos da obra de alguém como Bob Dylan, pois é gerado lucro sempre que a sua música é usada em filmes, séries ou anúncios. As motivações dos artistas também serão óbvias: estão a abdicar da sua propriedade intelectual, mas estão a receber quantias milionárias. Para muitos destes músicos, as suas carreiras já vão longas, pelo que estes podem ser os últimos grandes cheques das suas vidas - sobretudo após a pandemia ter fragilizado o sector da música ao vivo; sobretudo numa era em que os discos vendem pouco e o streamin g não paga muito.
EN July 2021. For about 200 million dollars, Bob Dylan sells his entire catalog of recorded music along with the rights to several new releases to Sony Music Entertainment. The work of a lifetime spanning over six decades. December 2021. This time, the American conglomerate buys the entire music catalog of Bruce Springsteen's songs for about 500 million dollars. January 2022. Warner Chappell Music invests 250 million dollars in the acquisition of David Bowie's song catalog.
We could go on.
This is a new trend in the music industry. Huge conglomerates – which own several record labels –, private-equity firms and investment funds spent considerable sums of money to acquire the entire music catalogues of artists with long and successful careers (mainly, but not only). Dylan, Springsteen and Bowie are just three, among others, such as Neil Young, Paul Simon, Tina Turner, Whitney Houston, Stevie Nicks, or the band Blondie. Artists and bands that are not as long-established, and whose catalogues have also been acquired recently, include Shakira, David Guetta and the Imagine Dragons.
For the acquirer, the benefits are obvious. It is interesting to own the rights to the catalog of someone like Bob Dylan, because every time one of his songs appears in films, television shows or commercials, it generates royalty income. The artists' motivations seem obvious as well: they hand over the intellectual property rights to their songs, while cashing in millions of dollars. Many of these artists are musicians with lengthy careers, so these could be the last big cheque payments of their lives – mainly after the pandemic has weakened the live music sector; and overall, in an era when records sell poorly and streaming doesn't pay much.
MILLIONS ARE BEING INVESTED IN THE MUSIC OF THE PAST. WHERE DOES THAT LEAVE EMERGING ARTISTS?
É certo que a compra de catálogos não constitui uma novidade. Uma das aquisições mais célebres data de 1985, quando Michael Jackson seguiu o conselho do até então amigo Paul McCartney, que havia recomendado ao autor de Thriller investir na aquisição de catálogos, e comprou o catálogo dos Beatles por 47 milhões de dólares. Uma década depois, as canções dos Fab Four seriam vendidas pelo dobro dessa quantia.
A aquisição de catálogos não começou ontem, dizíamos. Mas está a haver um boom sem precedentes, cujo pico foi em 2021. De onde veio esse boom ? E de que modo afecta artistas que ainda estão a tentar encontrar o seu lugar num mercado saturado?
Of course, catalog acquisition is nothing new. One of the most famous acquisitions dates to 1985, when Michael Jackson following the advice of his then-friend Paul McCartney –who had encouraged the author of Thriller to invest in music publishing rights – bought the Beatles' catalogue for 47 million dollars. A decade later, the Fab Four's songs would sell for twice that amount.
Catalogue acquisition did not start yesterday, we'd say. But there is now an unprecedented boom in the catalogue market, which reached its peak in 2021. Where did that boom come from? And how does it affect artists who are still trying to find their place in a saturated market?
As editoras buscarão sempre talento emergente, mas algumas estradas estão mais congestionadas
Labels
will always look for new talent, but some roads are rockier than others
O jornalista americano David Turner, que escreve regularmente sobre a indústria musical na mui valiosa newsletter Penny Fractions , explica-nos que, nos Estados Unidos, o boom foi possibilitado pela Grande Recessão, o colapso económico do final dos anos 2000. Devido à crise, o banco central dos Estados Unidos baixou as taxas de juro, o que beneficiou investidores (quando as taxas de juro baixam, pedir um empréstimo a um banco torna-se mais barato).
Segundo o jornalista, a compra, em 2009, dos catálogos de Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II - dupla americana que criou vários musicais importantes nos anos 1940 e 1950 - terá sido marcante, ajudando a activar a curiosidade em catálogos musicais. Esse interesse intensificou-se na década de 2010 e culminou num 2021 insano. Mas é possível que, agora, a febre esteja a abrandar. Com o aumento da inflação nos Estados Unidos, houve nova subida das taxas de juro, o que tem afectado vários mercados, o dos catálogos incluído.
De acordo com as contas de David Turner, que está atento a este tema há alguns anos, 2021 foi, de longe, o ano em que mais se gastou na compra de catálogos musicais: ao todo, as aquisições terão ultrapassado os sete mil milhões de dólares. Até meio de Julho deste ano, a venda de catálogos ainda “só” gerara 1,5 mil milhões de dólares.
Será que, havendo uma descida da inflação, os catálogos voltarão a estar na base de negócios exorbitantes? É difícil dizer. Mais fácil é falar do possível impacto das aquisições nas carreiras de artistas que ainda não têm o mesmo nível de conforto financeiro e estão à procura de um lugar na indústria.
David Turner considera que a questão dos catálogos não é relevante para músicos ainda numa fase embrionária do seu percurso. “As editoras não estão interessadas em tornar-se meras servidoras de catálogos. Estarão sempre à procura de talento emergente”, diz, referindo que os reais lesados poderão vir a ser aqueles que, tendo já alguma reputação, ainda não são imensamente populares.
The American journalist David Turner, who writes about the music industry in the noteworthy newsletter Penny Fractions , explains that, in the United States, the Great Recession – the economic collapse of the late 2000s – opened for this boom. The crisis has led the Federal Reserve System – the central bank of the US –to lower interest rates, which has benefited investors (when interest rates fall, borrowing becomes cheaper).
According to the journalist, the purchase in 2009 of both Richard Rodgers and Oscar Hammerstein II catalogues – the American duo who created a series of influential musicals in the 1940s and 1950s – was remarkable enough to help spark the curiosity in music catalogues. An interest that has intensified during the 2010s to finally boom in the insane year of 2021. But it's possible that now the fever pitch is cooling down. The inflation on the rise in the United States has prompted another increase in interest rates, which has affected several markets, including the music catalogue market.
David Turner has been paying attention to this topic for some years now, and according to his calculations, 2021 was by far the record year in terms of the total amount spent on music catalogues: acquisitions amounted to over seven billion dollars. By mid-July this year, catalogue sales generated a total return of just $1.5 billion.
If inflation starts declining, will the catalogue market return to exorbitant deals? It’s hard to say. It is much more straightforward to talk about the impact of acquisitions on the careers of artists who haven’t reached the same level of financial comfort, and are still looking for a place in the industry.
David Turner feels that the issue of catalogues is not relevant to musicians in the early stages of their careers. "Labels are not interested in becoming mere catalogue servers. They will always look for new talent", he says, noting that those who got some recognition but are still not very popular as artists might be the most damaged.
MILLIONS ARE BEING INVESTED IN THE MUSIC OF THE PAST. WHERE DOES THAT LEAVE EMERGING ARTISTS?
“Há artistas que já dão concertos para 1000 pessoas e talvez progrediriam se uma das suas músicas fosse usada numa série ou num anúncio”, nota. “Mas as marcas estão a ser sondadas por representantes do catálogo do Bob Dylan (por exemplo), que dizem: ‘Olhem, acho que seria fixe se gastassem dinheiro nesta música do Dylan. Sim, é capaz de ser mais cara, mas o que preferem? Ter no vosso anúncio uma canção do Dylan ou uma música de um tipo aleatório que ninguém conhece?’”
Em 1999, a Volkswagen usou numa publicidade a canção Pink Moon , de Nick Drake. Até então, o músico britânico, que viveu uma vida de anonimato e morreu em 1974, aos 26 anos, era relativamente desconhecido. Mas o anúncio multiplicaria o interesse nesse que hoje é um dos grandes nomes da música folk.
No fundo, David Turner diz que é improvável ocorrer hoje o que ocorreu em 1999. No entanto, Chi Chi Nwakodo, que trabalha na Sony Music Publishingé responsável por negociar com clientes licenças de sincronização para a obra dos artistas ligados à Sony Music ser usada em anúncios, séries, trailers e videojogos -, sustenta que há algumas oportunidades para quem ainda está a iniciar o seu percurso. “Provavelmente trailers de blockbusters ou grandes campanhas publicitárias estejam fora do seu alcance, mas há marcas, como a Nike e a Adidas, que estão sempre à procura de música nova”, diz, referindo que essas duas empresas têm pouco interesse em usar canções antigas. “Querem pessoas que sejam cool e cuja música corresponda à imagem a que desejam associar os seus produtos.”
Chi Chi afirma que também há possibilidades para músicos emergentes no “mercado da PlayStation”. “O FIFA e o GTA, que são dois jogos em que a música assume um papel importante, não são spots publicitários. Não precisam de apenas 60 segundos de uma única canção. Precisam de centenas de horas de música.”
Diversos estúdios de cinema têm, ultimamente, usado covers de músicas conhecidas em trailers Quem viu, por exemplo, o trailer de Viúva Ne g ra , longa-metragem estreada em 2021, ouviu a artista Malia J a cantar uma versão lenta, dramática e orquestral de Smells Like Teen Spirit . O clássico dos Nirvana não foi o único tema de Kurt Cobain a ser retrabalhado recentemente. O trailer de Batman (2022), outro filme de super-heróis, teve como banda sonora uma versão épica de Somethin g in the Way
“Para alguém em início de carreira, gravar uma versão de uma música conhecida pode abrir portas”, assinala Chi Chi Nwakodo, que dá o exemplo de Grace Carter, cantora de 25 anos que, em 2019, lançou uma versão de Wicked Game , clássico de 1989. A canção de Chris Isaak foi alvo de uma ligeira modernização pela britânica, cuja versão tocaria num episódio de Love Island, reality show popular no Reino Unido. “Isso mudou a trajectória dela.”
"There are artists who already give concerts to 1,000 people and most likely they would advance if one of their songs appeared in a television show or commercial”, he notes. "But Bob Dylan catalogue reps, for example, are approaching brands, saying, 'Look, I think it would be cool if you spent money on this Dylan song. Yes, it might be more expensive, but what would you prefer? Having a Dylan song in your commercial or a song by some random guy that nobody knows?'"
In 1999, Volkswagen used Nick Drake’s Pink Moon in a commercial. Until then, the British musician, who lived a life of anonymity and died in 1974 at 26, was relatively unknown. But the Volkswagen ad ended up magnifying the interest in one of today’s indisputable great folk music artists.
Basically, David Turner says what happened in 1999 is unlikely to happen today. However, Chi Chi Nwakodo, a Senior Sync Executive at Sony Music Publishing, disagreed. Working with clients to negotiate sync licenses for music placements on tv commercials and series, film trailers and video games, she argues that there are some opportunities for those still starting out. "Probably blockbuster’s trailers or big ad campaigns are out of their reach, but there are brands, like Nike and Adidas, that are always looking for new music”, she says, noting that both companies have little interest in using old songs. "They want cool people whose music matches the image they want to associate with their products."
Chi Chi says there are also opportunities for emerging musicians in the "PlayStation market”. "Music plays an important role in both FIFA and GTA games. These are not advertising spots. They don't need just 60 seconds of a song. They need hundreds of hours of music."
Lately, several movie studios have been using cover versions of popular songs in trailers. Those who saw, for example, the trailer for Black Widow , a feature film premiered in 2021, remember the slow, dramatic and orchestral version of Nirvana’s classic Smells Like Teen Spirit , delivered by artist Malia J. This wasn't the only interpretation of Kurt Cobain’s songs recently. An epic version of Somethin g in the Way soundtracked the trailer for Batman , another superhero movie, released in 2022.
"For someone starting their career, recording a version of a popular song can open doors", points out Chi Chi Nwakodo, who gives the example of Grace Carter, a 25-year-old singer who, in 2019, released a cover of Chris Isaak’s classic Wicked Game , originally released in 1989. The British singer delivered a modern version of the song, which appeared on an episode of Love Island , a popular reality show in the UK. "That was a turning point in her career."
O
TikTok pode abrir portas, mas não é para todos
Explorar o TikTok também pode ser uma opção para artistas emergentes. Lil Nas X, cuja música vai do hip-hop à country, passou de desconhecido a estrela porque conseguiu fazer de Old Town Road um fenómeno viral nessa aplicação. A canção fez tanto sucesso que o jovem americano deixou a indústria a salivar. Juntar-se-ia à Columbia Records, que lançou Montero (2021), o primeiro álbum do músico.
Também pode ser dado o exemplo de PinkPantheress, que faz músicas curtas e nostálgicas em que o drum and bass e a hyperpop se cruzam. A jovem britânica começou por colocar as suas canções no SoundCloud, mas passaria para o TikTok no fim de 2020 e, em poucos meses, ganharia uma base de fãs considerável. A Parlophone estava atenta e “pescou” a inglesa, que através dessa editora já lançou a mixtape To Hell With It (2021).
O que é que sucede? Nem todos estão interessados em fazer covers dos Nirvana. E o TikTok não é bondoso para toda a gente. Estas “estratégias” para ganhar visibilidade só interessarão a artistas emergentes que desejem estar no corredor mais mainstream da produção musical (o que é legítimo, diga-se). “O TikTok não é o melhor sítio para alguém promover a sua composição electroacústica de dez minutos”, aponta Cat Zhang, editora na Pitch � ork
TikTok can open doors, but it's not for everyone
Exploring TikTok can also be an option for emerging artists. Lil Nas X, whose music ranges from hip-hop to country, went from unknown to a star because he turned Old Town Road into a viral phenomenon on the app. The song was such a success that the young American left the industry drooling. He would join Columbia Records, which released Montero (2021), the musician's first album.
Another example of the power of the platform is PinkPantheress, who combines drum and bass and hyperpop to create short, nostalgic songs. The young Brit started by posting her songs on SoundCloud, and after moving on to TikTok at the end of 2020, she gained a considerable fan base within a few months. Parlophone took notice and "fished" the British singer, who has already released the mixtape To Hell With It (2021).
What happens? Not everyone is interested in doing Nirvana covers . And TikTok is not kind to everyone. These "strategies" to gain visibility will only interest emerging artists who want to be in the more mainstream corridor of music production (which is legitimate, by the way). "TikTok is not the best place for someone to promote their ten-minute electroacoustic composition”, points out Cat Zhang, editor at Pitch � ork
A jornalista diz que há um tipo de música, com um conjunto próprio de características, que se dá muito melhor no TikTok do que os restantes. Por causa disto, opina, há quem esteja a contribuir para “uma ‘TikTokificação’ da música”. “As pessoas já sabem o que é que funciona. Já sabem que, se samplarem uma melodia icónica, a probabilidade de a sua música singrar será maior. Já sabem também que fazer beat drops ou escrever letras juvenis - imagine-se, uma música em que a protagonista é totally cool e uma bad bitch - são pontos a favor.” Outro truque que o algoritmo aprecia é soletrar (ouvir: abcdefu , de Gayle).
The journalist says that there is a type of music, with its own set of characteristics, that does much better in TikTok than the rest. In her opinion, this is leading to "a 'TikTokification' of music”. "People already know what works. They already know that if they use a sample of an iconic tune, their chances of succeeding are higher. They also know that beat drops or writing juvenile lyrics – imagine a song where the protagonist is totally cool and a bad bitch – are points in their favour." Another trick the algorithm appreciates is spelling (listen to abcdefu , by Gayle).
MILLIONS ARE BEING INVESTED IN THE MUSIC OF THE PAST. WHERE DOES THAT LEAVE EMERGING ARTISTS?
Esta “TikTokificação” da música, além de não apelar a músicos que, nas palavras de Cat Zhang, não querem “comprometer a [sua] integridade artística”, está a ter outros efeitos negativos. “Viralizar no TikTok tornou-se uma coisa tão comum que o sucesso que isso produz já não é tão grande.”
This "TikTokification" of music, apart from not appealing to musicians who, in Cat Zhang's words, don't want to "compromise [their] artistic integrity". is having other negative effects. "Viralising on TikTok has become such a common thing that the success it produces is no longer that great."
“Ajudar” bandas pequenas deve ser uma preocupação para os grandes festivais?
Cat Zhang fala de homogeneidade no TikTok e Aïda Camprubí, conhecedora da cena under g round espanhola e co-directora do BAM, festival em Barcelona com financiamento público, fala de homogeneidade na maioria dos festivais europeus de grande escala, que “vão todos atrás” dos mesmos nomes de topo. Estes festivais poderiam ser boas montras para artistas que ainda estão a começar, mas, muitas vezes, têm um impacto meramente residual nas suas carreiras, defende a também programadora do Primavera Pro - que está inserido no Primavera Sound de Barcelona e é descrito como sendo uma “reunião internacional” que junta vários profissionais da indústria da música.
Should "helping" small bands be a concern for big festivals?
Cat Zhang speaks of homogeneity at TikTok and Aïda Camprubí, an expert on the Spanish underground scene and co-director of BAM, a publicly funded festival in Barcelona, speaks of homogeneity in most large-scale European festivals, which "all go after" the same superstar acts. These festivals could be good showcases for up-and-coming artists, but often have a residual impact on their careers, argues the cultural programmer of Primavera Pro – which is an "international gathering" that brings together various music industry professionals and is a part of Barcelona’s Primavera Sound.
“Irrita-me que alguns festivais tenham palcos dedicados exclusivamente a bandas locais. É como se elas estivessem a ser segregadas”, diz Aïda Camprubí, argumentando que, quando as bandas locais são “separadas do resto”, torna-se improvável elas tocarem para uma plateia numerosa, independentemente do facto de estarem num festival grande. As atenções estarão sobretudo centradas nos palcos principais.
"It
annoys me that some festivals have stages for local bands only. It's like they are being segregated", says
Aïda
Camprubí, arguing that when local bands are "separated from the rest" they are unlikely to play to a large audience, regardless of whether they are at a big festival. All attentions will focus on the main stages.
“Alguns festivais não têm cabeças-de-cartaz. É dado igual destaque a cada um dos artistas. Acho isso muito interessante”, refere Aïda, dizendo que o BAM segue esse modelo. Este festival também gosta de promover encontros entre bandas com filosofias similares. No ano passado, foi programado um concerto que colocou no mesmo palco duas bandas de synth-punk com diferentes níveis de visibilidade: os La Élite, duo catalão que com os anos começa a ganhar algum protagonismo, e os mais lo- � i e menos escutados Sin Bragas.
“Eles não se conheciam antes de os termos desafiado a fazer um espectáculo em conjunto. Não só os músicos tiveram a possibilidade de ficar amigos, como os Sin Bragas puderam, no dia do concerto, ser expostos a um público maior”, reflecte a co-directora do BAM, lamentando que, na sua óptica, os grandes festivais façam pouco para “ajudar” bandas pequenas.
Pau Cristòful, programador do Primavera Sound de Barcelona, concorda com Aïda quando esta diz que, por irem atrás dos mesmos nomes de alto calibre, todos os grandes festivais europeus acabam por ser algo homogéneos. Mas acredita que, no caso do Primavera, há um equilíbrio entre o mainstream e apostas mais obscuras. “Temos um público cuja curiosidade musical é grande. Tanto recebemos pessoas que só vão ao festival para ver os cabeças-de-cartaz como pessoas que evitam totalmente os palcos principais.”
“Tem tudo a ver com uma questão de equilíbrio: o Primavera não seria possível se só tivéssemos os artistas hyped, assim como não seria possível se só tivéssemos bandas obscuras”, comenta Pau Cristòful, referindo que, embore ache interessante a ideia de um festival não ter cabeças-de-cartaz, é “completamente impossível” um festival como o Primavera, que “lida com os artistas com quem lida”, implementar esse modelo.
O programador acrescenta: “A Aïda, de quem sou muito amigo, trabalha para um festival público. Faz sentido que um festival público tenha certas obrigações [no que diz respeito a programar bandas locais]. O Primavera é privado. Pode, em teoria, fazer aquilo que lhe apetecer. Agora... É óbvio que não gostaria de trabalhar para um festival que pensa só no lucro e despreza por completo música que, comercialmente, possa não ser tão rentável. Há festivais que parecem meramente negócios. O Primavera ainda é um festival cujas pessoas querem saber da música.”
"Some festivals don't have headliners. Each artist has equal weight on the billing. I find that very interesting", says Aïda, saying that BAM follows that model. This festival also likes to promote meetings between bands with similar philosophies. Last year, one of the festival’s concerts brought to the same stage two synth-punk bands with different levels of visibility: La Élite, a Catalan duo that over the years has gained some relevance, and the lo-fi and less-known Sin Bragas.
“They didn't know each other before we challenged them to do a show together. Not only did the musicians have the chance to become friends, but Sin Bragas had the opportunity to be exposed to a larger public on the day of the concert”, reflects the co-director of BAM, regretting that, in her view, the big festivals do little to “support” small bands.
Pau Cristòful, a booking agent for Primavera Sound in Barcelona, agrees with Aïda when she says that, because they go after the same high-calibre names, all the big European festivals end up being somewhat homogenous. But he believes that with Primavera, there is a balance between mainstream and underground artists. "Our audience’s musical curiosity is great. There are both people who go to the festival only to see the headliners and people who avoid the main stages altogether."
“It's all about balance: Primavera wouldn't be possible if we only had the hyped artists, just as it wouldn't be possible if we only had obscure bands”, comments Pau Cristòful, stating that, although he finds the idea of a festival not having headliners interesting, it is “impossible” for a festival like Primavera to implement this model, giving “the artists it deals with”.
The booking agent adds: "Aïda, who I am good friends with, works for a public festival. It makes sense that a public festival has certain obligations [to book local bands]. Primavera is private. It can, in theory, do whatever it feels like. Now... Clearly, I wouldn't want to work for a festival that thinks only about profit and completely despises music that, commercially, might not be so profitable. There are festivals that seem merely business-like. Primavera is still a festival where people care about music."
Portugal:
entre o espírito colaborativo e a falta de agenciamento
Por cá, o espírito de entreajuda continua a ser vital para singrar na indústria. Julinho KSD, que deu nas vistas como artista independente e agora está ligado à Sony Music - que lançou o seu primeiro disco, Sabi na Sabura (2021) -, tem trabalhado, tanto em nome próprio como com o seu colectivo chamado Dirty Doc, com nomes como Bispo, Chyna, Landim, Slow J e Valas. “Sinto que eu e mais alguns da nova geração estamos a criar um movimento de mais união entre artistas. Não é que não consigamos progredir na carreira [sozinhos], mas unidos somos sempre mais fortes”, diz.
Os frutos do trabalho em equipa também são visíveis no sector da música ao vivo. Ricardo Pimentel, da associação Grémio Caldense, que faz programação cultural em alguns espaços não-comerciais das Caldas da Rainha, observa que, no universo do jazz exploratório português, os músicos não só saltitam entre projectos, esboçando colaborações variadas, como “contactam de forma independente as salas de concertos”, propondo que estas os programem. Cria-se, entre salas, “uma rede informal que acaba por existir mais por causa dos artistas do que por causa das estruturas em si”, aponta.
A artista indie Marinho também diz que o facto de manter uma boa relação com diferentes artistas com quem partilha a mesma visão criativa e os mesmos valores é vital. Mas diagnostica alguns problemas que travam a progressão de muitos artistas emergentes em Portugal. Um dos principais tem a ver com a falta de agenciamento. “O mana g ement ainda não dá muito dinheiro em Portugal, pelo que esse sector está subdesenvolvido. Imagine-se que um agente fica com 10 a 20% do lucro de um artista. Se um artista tem de fazer outras coisas para pagar a renda, como é que um mana g er vai viver disso?”, explica.
Marinho diz que, em Portugal, alguém que queira viver da música e ser independente tem de ter “um mindset de empreendedorismo”, pensando em estratégias, digitais e não só, para promover o seu trabalho eficazmente. “Há pessoas que não têm jeito para isso. E há pessoas que não querem viver a sua vida dessa maneira, o que respeito e entendo. O cérebro humano não foi feito para pensar ‘mas quantos Reels é que tenho de fazer por semana para a minha música chegar a mais gente?’”
A artista, que tem um disco, ~ (lê-se “til”), lançado em 2019 pela editora independente Street Mission, é da opinião de que muitas editoras pequenas em Portugal não têm esse mindset de empreendedorismo, e, portanto, “não conseguem fazer tanto para catapultar um artista”.
Marinho refere que teve de pensar na promoção do seu álbum praticamente sozinha. “O que vale é que até gosto deste lado do marketin g .”
Portugal: between collaborative spirit and lack of agency
Here, the spirit of mutual help continues to be vital to succeed in the industry. Julinho KSD, who was noticed as an independent artist and is now linked to Sony Music – which has released his first album, Sabi na Sabura (2021) – has been working both under his own name and with his collective Dirty Doc, with names like Bispo, Chyna, Landim, Slow J and Valas. "I feel like myself and a few others of the new generation are creating a movement of more unity between artists. It's not that we can't advance our careers [alone], but united we're always stronger", he says.
The benefits of teamwork are also clear in the live music sector. Ricardo Pimentel, from the organisation Grémio Caldense, which carries out cultural programming in some non-commercial spaces in Caldas da Rainha, observes that, in the universe of Portuguese exploratory jazz, musicians not only jump between projects, drafting several collaborations but also “have the initiative to contact concert halls” to get booked for gigs. So, there is “an informal network [between venues], which ends up existing more because of the artists than because of the structures themselves”, he points out.
Indie artist Marinho also says that having a good relationship with other artists with whom she shares the same creative vision and values is vital. But she identifies some problems that hinder the breakthrough of many emerging artists in Portugal. One major obstacle is the lack of artist management. "Management still doesn't make much money in Portugal – so this sector is underdeveloped. Imagine that an artist manager gets 10 to 20% of the artist's profit. If the artist needs to do other jobs to pay the rent, how is the manager going to live off that?", she explains.
Marinho says that in Portugal, someone who wants to make a living from music and be independent must have "an entrepreneurial mindset", thinking of strategies, digital and otherwise, to promote their work effectively. "There are people who are not good at it. And there are people who don't want to live their life that way, which I respect and understand. The human brain is not built to think 'but how many Reels do I have to do every week for my music to reach more people?'"
The artist, who has released the album ~ (read "til") in 2019 through the independent label Street Mission, believes that many small labels in Portugal don't have that entrepreneurial mindset, and therefore "can't do much to promote an artist". Marinho adds she had to think about how to promote her album on her own. "The good thing is that I actually like the marketing side of it."
MILLIONS ARE BEING INVESTED IN THE MUSIC OF THE PAST. WHERE DOES THAT LEAVE EMERGING ARTISTS?
Como � reelancer , Marinho é “consultora para artistas que não têm editoras”, ajudando-os a fazer “as suas estratégias de marketing ou streaming ”. A lisboeta trabalhou, por exemplo, com a banda Minta & the Brook Trout. “Uma das nossas vitórias foi termos conseguido ser capa da Indie Lusitano , que em Portugal é uma das playlists mais conhecidas do Spotify. Esse tipo de lugares costuma estar reservado para pessoas ligadas a majors .”
Marinho refere que a digitalização da indústria veio facilitar o acesso a ferramentas de promoção, mas diz também que, dada a saturação do mercado, é mais difícil alguém “fazer-se ouvir ”. Além de ser artista e consultora �reelancer, a jovem compositora trabalha a part-time num restaurante em Lisboa. Pensa em desistir da música, que muitas vezes exige sacrifícios que depois não são compensados financeiramente? “Penso, claro. Mas não muito frequentemente. Imaginar uma vida em que a música não está presente, esteja eu em palco ou não, é difícil. Vou estar sempre desgastada emocionalmente, porque vou sempre gostar demasiado disto.”
É o dilema de muitos artistas, em Portugal e no estrangeiro. Marinho não tem de estar preocupada com o boom das aquisições de catálogos musicais (para a compositora, os desafios são outros), mas há artistas que, tendo já subido alguns degraus na escadaria da indústria, permanecem com esse dilema nas mãos, já que a sua situação financeira permanece instável. Uma última incursão pelas palavras de David Turner: “Para bandas ou artistas que já são ligeiramente maiores, este boom pode roubar potenciais fontes de rendimento, transformando o que poderia ser uma curva ascendente numa linha que, a dada altura, estagna”, considera o jornalista. “Isso pode levar a que, com o tempo, algumas bandas deixem de investir na sua música e desapareçam um pouco do radar. Não têm como fazer aquela transição de ‘música enquanto hobby exigente’ para ‘música enquanto emprego’.” /
As a freelancer, Marinho is a "consultant for artists that don't have labels", helping them to design "their marketing or streaming strategies". The artist from Lisbon has worked, for example, with the band Minta & the Brook Trout. "One of our accomplishments was to be on the cover of Indie Lusitano , which in Portugal is one of the most popular playlists on Spotify. Those kinds of spots are usually for people associated with majors."
Marinho says that the digitalisation of the industry has provided access to promotional tools, but she also says that, given the saturation of the market, it is more difficult for someone to "make themselves heard". Besides being a solo artist and freelance consultant, the young songwriter works part time in a restaurant in Lisbon. Does she consider giving up music, which often demands sacrifices that are not financially rewarded? "I do, of course. But not very often. Imagining a life where music is not present, whether or not I'm on stage, is difficult. I'm always going to be emotionally worn out because I will always love this too much."
This is the dilemma of many artists, in Portugal and abroad. Marinho doesn't have to worry about the music catalogue acquisition boom (for the songwriter, the challenges are different), but for artists who have already moved a few rungs up the industry ladder, this dilemma remains, as their financial situation remains unstable. A final foray into David Turner's words: "For bands or artists who are already slightly bigger, this boom can rob potential sources of income, turning what could be an upward curve into a line that at some point stagnates", the journalist reckons. "Over time, that can lead some bands to stop investing in their music and disappear a bit off the radar. They can’t make that transition from 'music as a demanding hobby' to 'music as a job'." /
DANIEL DIAS É JORNALISTA. NASCEU EM DEZEMBRO DE 1998, EM VILA NOVA DE GAIA. ESTUDOU NO PORTO, ONDE SE FORMOU EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, E ESCREVE PARA O JORNAL PÚBLICO DESDE 2020. É CO-AUTOR DO VOLUME 09 DO LIVRO CADERNOS DO RIVOLI , LANÇADO POR OCASIÃO DOS 90 ANOS DO TEATRO RIVOLI, NO PORTO. NÃO É PAGO PARA OUVIR DISCOS, MAS VIVE COMO SE FOSSE. É PELA MÚSICA QUE COMEÇA PORQUE A MÚSICA AMPLIA A VISÃO E COLOCA AS QUESTÕES QUE IMPORTAM.
DANIEL DIAS IS A JOURNALIST. HE WAS BORN IN DECEMBER 1998 IN VILA NOVA DE GAIA. HE STUDIED IN PORTO, WHERE HE GRADUATED IN COMMUNICATION SCIENCES, WRITING FOR PÚBLICO SINCE 2020. HE’S CO-AUTHOR OF CADERNOS DO RIVOLI, VOLUME 09, RELEASED FOR THE OCCASION OF THE 90 YEARS OF TEATRO RIVOLI IN PORTO. HE ISN’T PAID TO LISTEN TO ALBUMS BUT LIVES LIKE HE WAS. HE STARTS WITH MUSIC BECAUSE MUSIC AMPLIFIES THE VISION AND ASKS THE QUESTIONS THAT MATTER.
HIP E RLOC A L :
CE N A S D E PE QU E N A
E S C A L A E C U LT U R A
DE DA N Ç A SU S T E N TÁ V E L
HYPERLOCAL: SMALLER-SCALE SCENES AND SUSTAINABLE DANCE
MUSIC
CULTURE
À medida que o mundo tenta reabrir de forma tímida e desigual, como estão a mudar as cenas locais? Perante excessivas notícias de um panorama deprimente, como é que a música de dança se pode sustentar? Fazendo um balanço desta paisagem tumultuosa e incerta, Chal Raven s faz um levantamento de exemplos de destaque no Reino Unido para considerar o valor das comunidades musicais mais pequenas, e como estas poderiam evoluir de forma mais equitativa e sustentável.
As the world tentatively and unevenly attempts reopening, how are local scenes changing? In the face of all-too-frequent grim climate news, how can dance music sustain itself?
Taking stock of this tumultuous and uncertain landscape, Chal Ravens surveys the UK’s localised bright spots to consider the value of smaller music communities, and how they could evolve more equitably and sustainably.
PT Techno em Tbilisi, singeli em Dar Es Salaam, footwork em Chicago: o fascínio de uma cena autónoma e viva com a sua própria linguagem musical e gramática cultural assegura que os movimentos locais raramente permanecem locais por muito tempo. Na música under g round , a ideia do local é altamente valorizada, mas sempre rejeitada. Depois de se descobrir algo novo e exótico, o primeiro impulso é o de exigir um escrutínio mais atento, dando início a um processo familiar de absorção e apropriação.
Mas o que é que a ideia de uma cena local fértil tem de tão apelativo? Há a novidade, claro, e a nossa curiosidade sobre que tipo de arte está a ser feita noutros lugares. Uma cena local implica também uma comunidade da vida real, uma história em evolução em co-autoria com muitos outros – uma teia de ligações afectivas e de relações significativas, tudo isto desencadeado em espaços reais onde os corpos se misturam, dançam e suam juntos. A percepção da autenticidade destas relações também contribui para o seu apelo. Muita gente quer fazer parte de cenas locais como esta. À medida que emergimos, gradual e desigualmente, do confinamento, temos uma oportunidade inesperada para pensar em como construí-las, não só porque são inovadoras ou exploráveis, ou mais divertidas, mas também porque precisamos de uma vida à prova de futuro.
EN Techno in Tbilisi, singeli in Dar Es Salaam, footwork in Chicago: the allure of a self-contained scene, alive with its own musical language and cultural grammar, ensures that local movements rarely stay local for long. In underground music the idea of the local is highly valued – but always overruled. After discovering something new and exotic, the first impulse is to demand a closer inspection, kickstarting a familiar process of absorption and appropriation.
So what’s so appealing about the idea of a fertile local scene? There’s the novelty, for sure, and our curiosity about what kind of art is being made elsewhere. A local scene also implies a real-life community, an evolving history co-authored by many – a web of affective connections and meaningful relationships, all sparked in IRL spaces where bodies mingle and dance and sweat together. The perceived authenticity of these relationships also adds to their appeal. Lots of people want to be part of a scene like this. As we emerge, gradually and unevenly, from lockdown we have an unexpected opportunity to think about how to build them – not just because they’re novel or exploitable or better fun, but also because we need to start future-proofing.
Quando a pandemia surgiu, no meio do pânico inicial, houve uma nota de alívio entre alguns trabalhadores da indústria da música. Muitos viajantes cansados ficaram gratos pela pausa forçada dos palcos e do custo mental do trabalho numa indústria precária – talvez também cada vez mais atentos aos danos ecológicos associados às digressões. Um cálculo há muito esperado com o racismo endémico da indústria foi catalisado (embora ainda mal tenha começado) pelo movimento a favor das vidas negras. Dezoito meses mais tarde, ao tornar-se claro que a Covid-19 não vai ser erradicada, surge a possibilidade de novos bloqueios e encerramentos de fronteiras, comprometendo a frágil recuperação da indústria. Isto soma-se ao Brexit, que colocou novos e dispendiosos entraves aos artistas do Reino Unido em digressão. Tudo isto enquanto assistimos a um clima extremo em todo o mundo, obviamente alimentado pela ruptura climática. Este é o pano de fundo para uma nova era. Estamos a viver o século XXI que temíamos: ardente, caótico, e politicamente polarizado.
No início deste ano, o colectivo de acção climática Clean Scene, com base em Berlim, defendeu uma recuperação pós-Covid que tomaria a emergência ecológica como ponto de partida e não como nota lateral. Um relatório do grupo mostrou que a pegada média de carbono de um DJ em digressão é 17 vezes superior ao que a nossa pegada individual teria de ser para evitar que as temperaturas globais subissem acima dos 1,5 graus. Apelando a uma maior responsabilização de uma indústria que lucra com sistemas “directamente relacionados com os efeitos das alterações climáticas”, o relatório da Clean Scene vai além das soluções individuais ou tecnológicas para apelar ao desmantelamento completo de “sistemas que dão prioridade ao dinheiro, poder e ganância à custa do clima, das questões de raça e género e da desigualdade económica”. Tais propostas parecem muito distantes do regresso desarticulado às normas de procedimento dos clubes que temos visto até agora. Voltar à pista de dança e restabelecer a ligação com a nossa comunidade tem tido prioridade sobre uma avaliação honesta do nosso impacto sobre o ambiente. Mas talvez isso seja tão justo como inevitável, pelo menos por agora, numa altura em que voltámos a poder estar novamente juntos.
Contudo, é neste contexto alterado que a ideia de uma cena local energética e autosustentável se torna não só desejável, mas urgentemente necessária. Assumir um compromisso local com a música pode parecer uma camisa-de-forças que nos priva de um certo glamour. Mas uma das lições da pandemia é certamente sobre o poder da interacção de proximidade: o contacto físico é essencial para o nosso
When the pandemic hit, amid the initial panic there was a note of relief among some working in the music industry. Many tired travellers were grateful for the enforced pause from performing and the mental toll of working in a precarious industry – also perhaps increasingly wary of the ecological damage associated with touring. A long overdue reckoning with the industry’s endemic racism was catalysed (though still barely begun) by the movement for Black lives. Eighteen months later, as it becomes clear that Covid-19 is not going to be eradicated, the possibility of further lockdowns and border closures looms ahead, jeopardising the industry’s fragile recovery. That’s on top of Brexit, which has put up expensive new barriers for the UK’s touring artists, while the extreme weather we’re witnessing around the world, obviously fuelled by climate breakdown, is the backdrop to a new era. We are living through the 21st century we feared: fiery, chaotic, and politically polarised.
Earlier this year the Berlin-based climate action collective Clean Scene made the case for a post-Covid recovery that would take the ecological emergency as a starting point rather than a sidenote. A report from the group showed that the average carbon footprint of a touring DJ is 17 times larger than our individual carbon footprints would have to be in order to keep global temperatures from rising above 1.5 degrees. Calling for greater accountability from an industry that profits from systems which “directly correlate to the effects of climate change”, Clean Scene’s report goes beyond individual or technological solutions to call for the complete dismantling of “systems which prioritize money, power, and greed at the expense of the climate, race, gender, and economic inequality”. Such proposals seem a far cry from the disjointed return to club protocol we’ve seen so far; getting back on the dancefloor and reconnecting with our community has taken priority over an honest evaluation of our impact on the environment. Perhaps that is right as well as inevitable, at least for now, as we solder ourselves together again.
But it’s in this altered context that the idea of an energetic and self-sustaining local scene becomes not just desirable but urgently necessary. Making a commitment to the music on our doorstep might sound like a hair-shirt solution that deprives us of some element of glamour. But one of the lessons of the pandemic is surely about the power of up-close interaction:
bem-estar. O motivo oculto para qualquer cena musical, para além da criação de música, é certamente a oportunidade para tal interacção: a criação de uma comunidade, o desencadear de novas relações, fazer amigos para toda a vida com alguém que só se vê no calor e no suor de uma sala cheia de gente. O compromisso com o local também nos poderia aproximar mais dos bairros em que vivemos e onde criamos, e mais perto da política do quotidiano que afecta as nossas cidades, as nossas ruas e os nossos vizinhos.
O ano passado foi de uma enorme tensão para músicos e para trabalhadores da música que tiveram de lutar para se manter à tona, mas também nos deu tempo para considerar respostas mais sérias, estruturais e de longo prazo aos desafios que as cenas musicais já enfrentam – desde o aumento das rendas a questões de licenciamentos, de segurança, de inclusões e de equidade, ao desafio de simplesmente fazer com que os fins se cumpram.
Um requisito para uma cultura musical revitalizada e localizada é a ênfase em programar e dar prioridade a artistas locais e residentes em detrimento de artistas em digressão. Como jornalista de música a viver no Reino Unido – que não sai do Reino Unido há 18 meses – o lógico será enquadrar esta discussão através de uma lente local e mencionar apenas as cenas que conheço em primeira mão. Em Manchester, o clube Soup Kitchen está a passar por uma revisão da marca com ênfase na inclusividade e equitabilidade. Agora simplesmente chamado Soup, o espaço com capacidade para 200 pessoas “está a ser um pouco mais selectivo sobre com quem trabalhamos”, diz o DJ e produtor Henzo, programador do Soup desde 2019. “Queremos trabalhar com pessoas que partilham os nossos ideais, quer em termos das pessoas que utilizam o espaço quer em termos das pessoas que actuam nele.” O clube está também a colocar um limite no preço da porta e a reter bilhetes para aqueles que não conseguem pagar a entrada – intervenções ousadas que também tornarão mais difícil aos promotores obter lucros face aos elevados custos de bookin g
Manchester é uma cidade grande, mas a sua comunidade de clubbin g é relativamente pequena. Comparada com Berlim, uma cidade que atrai constantemente novos artistas com a promessa de espaços baratos e tempo livre, Manchester não é necessariamente um ponto de atracção para os mais ambiciosos – mas provavelmente isso tem dado origem a uma mentalidade diferente, onde o talento local é apreciado e protegido, e DJs de classe mundial como Tom Boogizm conseguem passar despercebidos.
physical contact is essential to our wellbeing. The ulterior motive for any music scene, beyond the making of music, is surely the opportunity for such interaction: the creation of a community, the sparking of new relationships, making lifelong friends with someone you only ever see in the heat and sweat of a crowded room. Committing to the local could also bring us closer to the environs in which we live and create, and closer to the everyday politics that impact our towns, streets, and neighbours.
The past year has placed extreme stress on musicians and music workers as they fight to stay afloat, but has also given us time to consider more serious, structural and long-term responses to the challenges that music scenes are already facing – from rising rents and licensing challenges to safety, inclusions, equity, and simply making ends meet.
One requirement for a revitalised, localised music culture is an emphasis on booking local artists and prioritising residents over touring acts. As a music writer based in the UK – and who hasn’t left the UK for 18 months – it seems logical to frame this discussion through a local lens and mention only those scenes that I know firsthand. Up in Manchester, the basement venue Soup Kitchen is undergoing a brand overhaul with an emphasis on inclusivity and equitability. Now just called Soup, the 200-capacity club is “being a bit more selective about who we work with”, according to DJ and producer Henzo, a booker at Soup since 2019. “We want to work with people that share our ideals”, he continues, “in terms of the people who use the space and who you would see performing there”. The club is also putting a limit on the door price and holding back tickets for those who can’t afford to pay – bold interventions that will also make it harder for promoters to make a profit from an expensive outside booking interventions that will also make it harder for promoters to make a profit from an expensive outside booking.
Manchester is a big city but its clubbing community is relatively small. Compared to Berlin, a city that constantly attracts new artists with its promise of cheap space and spare time, Manchester is not necessarily a hotspot for careerists – but that has arguably given rise to a different mentality, where local talent is both appreciated and guarded, and world-class DJs like Tom Boogizm manage to stay under the radar.

Na música de dança, a economia do circuito turístico internacional e os custos de realização de um evento em cidades de rendas altas fizeram com que a figura do DJ residente se transformasse numa ave rara. Ainda assim, os clubes celebrados pela sua atmosfera especial e sentimento de comunidade são os clubes com DJs residentes estabelecidos, como o Berghain ou o Bassiani. No seu ensaio Build Your Own Ber g hain , Chris SSG, DJ de techno e eletrónica ambiental, reflecte sobre a razão por que o clube de Berlim se tornou o estandarte da excelência techno, afirmando que “é difícil rivalizar quer com o talento à disposição do Berghain quer com a constelação única de factores que permitiram a sua criação e existência”. Chris SSG reconhece que o Berghain não forjou o seu sucesso apenas com a sua política de programação. O seu domínio é também o resultado de factores estruturais que não podem ser replicados, como o facto de o edifício, uma enorme antiga central eléctrica, ser propriedade da editora Ostgut Ton desde 2011. Se o Berghain fornece um modelo de sucesso, é um modelo de propriedade e autodeterminação.
Cultivar uma cena local implica (re)colocar as mãos na massa e lidar com leis de licenciamento e de planeamento, com o governo local e com as instituições. Estão em causa condições materiais e dinheiro. Nos últimos anos, e particularmente durante a pandemia, quando as comunidades musicais se dispersaram e isolaram, o discurso político na indústria centrou-se nos problemas da diversidade, da representação e da inclusão. Mas esta atenção a quem é visto, a quem é reconhecido, pode acabar por desviar a atenção de um trabalho mais profundo e mais urgente que lida com as injustiças materiais, deixando-nos com a sensação de termos "feito política" e, ao mesmo tempo, de mal termos analisado os diferentes ângulos da situação.
Cultivar uma cena local também significa levar a sério a desconfortável relação entre "nós" e "os vizinhos". É melhor confrontar as suas preocupações com o ruído, as drogas e o crime do que ignorá-las. Por vezes, isto pode envolver lutas contra o (re)desenvolvimento e a gentrificação, incluindo lutas em nome dos nossos vizinhos. Cenas artísticas sustentáveis devem ter um interesse no território, nas comunidades e nas instituições que as rodeiam.
In dance music, the economics of the international touring circuit and the costs of putting on an event in an high-rent city have meant that the resident DJ has become a rare bird – even though it’s the clubs with established residents, like Berghain or Bassiani, that are celebrated for their special atmosphere and community feeling. In his essay Build Your Own Ber g hain , techno and ambient DJ Chris SSG thinks about why the Berlin club became shorthand for techno excellence, and makes the claim that “it is hard to rival either the talent at Berghain’s disposal or the unique constellation of factors that have allowed for its creation and existence”. As he acknowledges, Berghain didn’t forge its success from its booking policy alone. Its dominance is also the result of structural factors that can’t be replicated – like the fact that the building, an enormous former power plant, has been owned by Ostgut Ton since 2011. If Berghain provides a model for success, it’s one of ownership and self-determination.
Cultivating a local scene means (re)engaging with bricks and mortar, licensing and planning laws, local government and institutions. It’s about material conditions and money. In recent years, and particularly during the pandemic when music communities have been dispersed and isolated, the sharp end of political discourse in the industry has focused on the problems of diversity, representation and inclusion. But this attention to who is seen, who is recognised, can end up displacing the deeper and more urgent work of addressing material injustices, leaving us with a sense of having “done politics” while having barely scraped the optics of the situation.
Cultivating a local scene also means taking seriously the uneasy relationship between “us” and “the neighbours”, whose concerns about noise, drugs, and crime are better confronted than ignored. Sometimes this may involve fights against redevelopment and gentrification, including fighting on behalf of our neighbours. Sustainable artistic scenes must have a stake in the land, communities, and institutions that surround them.
No sul de Londres, um grupo de artistas e músicos está actualmente a tentar comprar o antigo edifício de um pub que, desde há cinco anos, alugam como residência privada. Como inquilinos, o colectivo Rising Sun construiu um estúdio de baixo orçamento e um espaço informal na sua cave que abrem à sua própria comunidade criativa para acolher ensaios e sessões de gravação. Chegaram mesmo a arrendar o espaço para grandes editoras. Em vez de deixarem o edifício cair nas mãos dos promotores, os inquilinos constituíram-se como uma cooperativa de habitação, garantindo uma hipoteca sobre a maior parte do valor do edifício.
In south London, a group of artists and musicians are currently attempting to buy the former pub building that has been their privately rented home for five years. As tenants, the Rising Sun collective have built a low-budget studio and informal venue in their basement, which they use to host rehearsals and recording sessions for their own creative community; they’ve even hired the space out to major labels. Rather than let the building slip into the hands of developers, the tenants have set themselves up as a housing co-op and secured a mortgage on most of the building’s value.
“Nos últimos anos, os espaços de programação têm sido encerrados a um ritmo bastante acelerado”, explica Scott Bowley, um dos “músicos inquilinos” do Rising Sun, “e isto terá sido acelerado pela pandemia. É mais importante do que nunca que tenhamos espaços alternativos para que a comunidade criativa se una. Não somos um clube, mas somos um espaço comunitário criativo e uma alternativa viável aos clubes nocturnos tradicionais.”
Para completar o negócio, estão a angariar o resto do dinheiro oferecendo empréstimos aos investidores interessados, que podem esperar um retorno de até 3% se estiverem dispostos a contribuir com pelo menos £1000. Os futuros residentes beneficiarão de um aluguer barato, bem como de acesso ao estúdio – uma combinação de sonho numa cidade com preços tão proibitivos como Londres. Uma onda de interesse dos meios de comunicação social na campanha do colectivo Rising Sun demonstra o quão invulgar é a situação. Mas porque é que não podemos ter, nas grandes cidades, mais empreendimentos cooperativos como este, que asseguram espaço barato tão necessário e segurança financeira para os artistas? Tudo o que é necessário são os edifícios certos — e o Rising Sun não é nada de especial, apenas um bar velho e decadente que precisa de vidros duplos. “O maior obstáculo era encontrar um espaço. Se conseguires encontrar um espaço, a parte mais complicada está ultrapassada”, diz Scott.
Com empresas a reduzir os seus escritórios e mais pessoas a trabalhar remotamente, pode haver oportunidades para ocupar locais privilegiados. Para que serão usados os centros das cidades no futuro, se estivermos a fazer compras online e a trabalhar a partir de casa? Os recintos abandonados do capitalismo tardio estão prontos para o resgate, sendo provável que as autoridades locais estejam desesperadas por inquilinos de qualquer tipo para ajudarem a cobrir os seus orçamentos. No seu recente livro The Case �or Community Wealth Buildin g , Joe Guinan e Martin O'Neill defendem uma regeneração de base, usando exemplos de Cleveland, Ohio, e Preston, em Lancashire, argumentando que “o local pode ser simultaneamente um local de resistência e um laboratório para o futuro”. O trabalho do colectivo Rising Sun, juntamente com cooperativas de habitação e outras parcerias locais que dão
“Venues have been shutting down at quite a rate in the last few years”, explains Scott Bowley, one of the tenant-musicians at the Rising Sun, “and this will have been accelerated by the pandemic. It’s more important than ever that we have alternative spaces for the creative community to come together. We’re not a venue, but we are a creative community space and a viable alternative to traditional nightclubs.”
To complete the deal, they are raising the rest of the money by offering loanstock to interested investors, who can expect a return of up to 3% if they’re willing to chip in at least £1000. Future residents will benefit from cheap rent as well as studio access – a dream combination in a city as prohibitively expensive as London. A flurry of media interest in the Rising Sun campaign demonstrates just how unusual their situation is. But why can’t we have more co-operative ventures like this, securing much needed cheap space and financial security for artists in big cities? All that’s needed is the right buildings – and the Rising Sun is nothing special, just a shabby old pub that needs double glazing. “The biggest hurdle was finding a space. If you can find a space that’s the trickiest part over”, says Scott.
With companies downsizing their offices and more people working remotely, there may be opportunities to take over prime locations. What will city centres be used for in the future if we’re shopping online and working from home? The abandoned precincts of late capitalism are ripe for rescue, with local authorities likely to be desperate for tenants of any kind to help plug their budgets. In their recent book The Case � or Community Wealth Buildin g , Joe Guinan and Martin O’Neill make the case for grassroots regeneration using examples from Cleveland, Ohio, and Preston, Lancashire, arguing that “the local can be both a site of resistance and a laboratory for the future”. The work of the Rising Sun collective, along with housing co-operatives and other local partnerships that prioritise joint ownership and governance, could be understood as an extension of “community wealth










prioridade à propriedade e à governação colectivas, poderia ser entendido como uma extensão da “construção de riqueza comunitária”. Na visão dos autores, as comunidades ganham primeiro o controlo democrático sobre as suas economias locais, usando depois esse controlo para tornar essas economias mais equitativas. Guinan e O'Neill mostram como as autoridades locais em Cleveland e Preston mudaram as economias das cidades ao apostarem em serviços internos em vez de contratarem serviços públicos ao proponente com a proposta mais baixa. Talvez seja possível imaginar uma extensão hiperlocal desta filosofia, em que os espaços artísticos são propriedade conjunta e não alugados a título privado, em que os patronos de um clube se tornam membros, com uma participação no projecto e uma votação sobre como as coisas são feitas.
Mudar o foco para o nível local pode ser extremamente difícil. Os meios de comunicação social são globais, a Internet é omnipresente, e estamos sempre envolvidos em eventos mundiais para além dos nossos próprios códigos postais. Mas, num futuro destinado a ser marcado pela destruição caótica dos sistemas existentes, mais vale pensarmos em grande nas ferramentas que temos ao nosso dispor. /
building”. In their vision, communities first gain democratic control over their local economies, and then use that control to make those economies more equitable. Guinan and O’Neill show how local authorities in Cleveland and Preston have changed the cities’ economies by bringing services in-house rather than contracting out public services to the lowest bidder. Perhaps it is possible to imagine a hyperlocal extension of this philosophy, in which arts venues are jointly owned rather than privately leased, where patrons of a club become members, with a stake in the project and a vote on how things are done.
Shifting focus to the local level can be extremely difficult. Mass media is global, the internet is ubiquitous, and we’re always caught up in world events beyond our own postcodes. But in a future fated to be marked by the chaotic wrecking of existing systems, we might as well think big about the tools we have to hand. /
Este texto foi originalmente publicado na revista CTM Ma g azine 2021 – Trans �ormation e republicado com a gentil permissão do Festival CTM e da autora. www.ctm-festival.de/magazine
This text was originally published in the CTM Ma g azine 2021 –Trans �ormation , and republished with kind permission of CTM Festival and the author. www.ctm-festival.de/magazine
CHAL RAVENS É UMA JORNALISTA DE MÚSICA DE LONDRES QUE ESCREVE SOBRE MÚSICA ELECTRÓNICA E CULTURAS GLOBAIS DE CLUBBING PARA PUBLICAÇÕES COMO THE WIRE , PITCHFORK , DAZED E THE FACE . TAMBÉM PRODUZ PODCASTS PARA A NOVARA MEDIA , UMA ORGANIZAÇÃO DE MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DE ESQUERDA NO REINO UNIDO.
CHAL RAVENS IS A MUSIC JOURNALIST FROM LONDON WHO WRITES ABOUT ELECTRONIC MUSIC AND GLOBAL CLUB CULTURES FOR PUBLICATIONS INCLUDING THE WIRE , PITCHFORK , DAZED , AND THE FACE SHE ALSO PRODUCES PODCASTS FOR NOVARA MEDIA , A LEFT-WING MEDIA ORGANISATION IN THE UK.
POR / BY Eamonn Forde
O êxito nas tabelas, primeiro de Kate Bush e agora dos Metallica, graças às sincronizações na série Stran g er Thin g s , mostra como as séries televisivas e o TikTok são cada vez mais cruciais para temas clássicos.
The chart success of first Kate Bush and now Metallica thanks to “syncs” in Stran g er Thin g s shows how TV shows and TikTok are increasingly crucial for heritage acts.
PT O impacto da utilização de Runnin g Up That Hill na série Stran g er Thin g s foi tão grande e tão sem precedentes que até Kate Bush ficou surpreendida, referindo-se a ele como “bastante chocante”, numa entrevista inédita ao programa Women’s Hour , transmitido pela BBC Radio 4. A inclusão do sin g le no gigantesco fenómeno da Netflix deu a Bush o seu primeiro êxito no Reino Unido em 44 anos, e colocou Runnin g Up That Hill no top 10 de vendas dos EUA, 37 anos depois do seu primeiro lançamento.
“Pelo menos, nos próximos 10 anos, vamos continuar a ouvir falar disto nas reuniões de marketin g como um ponto de referência”, diz Jonathan Palmer da editora BMG, sobre o que inevitavelmente será denominado como o efeito Stran g er Thin g s
Palmer é o vice-presidente sénior de sincronização criativa da BMG, terminologia da indústria da música para alguém que trabalha com "syncs ", processo em que uma canção – muitas vezes um clássico que é preparado para ser redescoberto por uma geração mais jovem – é colocada numa série de televisão, num filme, num anúncio, num jogo de vídeo ou num trailer de um filme. Recorde-se como o tema Somethin g In the Way , dos Nirvana, se tornou um marco no filme The Batman no início deste ano, ou como o rock suave dos anos 70 dominou os filmes da saga Guardians o � the Galaxy . Agora, graças a Stranger Things , estas sincronizações estão a tornar-se, mais do que nunca, uma parte maior da indústria da música.
EN The impact of Runnin g Up That Hill being used in Stran g er Thin g s was so great and so unprecedented that even Kate Bush was taken aback, calling it “quite shocking really” in a rare interview with BBC Radio 4’s Women’s Hour
The song’s placement in the gigantically popular Netflix show gave Bush her first UK No 1 in 44 years and first ever US Top 10 hit, 37 years after Running Up That Hill was first released.
“We’ll be hearing about it for the next 10 years at least, in terms of a reference point in marketing meetings”, says Jonathan Palmer of record label and music publisher BMG, about what will inevitably be called the Stran g er Thin g s effect.
Palmer is BMG’s senior vice president of creative synchronisation, music industry terminology for someone who looks after “syncs”, where a song – often a classic that is primed for rediscovery by a younger generation – is placed into a TV show, film, advert, video game or movie trailer. Think of how Nirvana’s Something In the Way was a cornerstone of The Batman earlier this year, or corny 70s soft rock dominated the Guardians o � the Galaxy movies, and thanks to Stran g er Thin g s these syncs are becoming a bigger part of the music industry than ever.
Palmer adverte que Runnin g Up That Hill é “um pouco unicórnio – a maioria dos meus colegas diria que é algo que acontece uma vez numa década”. Mas Bush não é uma excepção. Algo semelhante está a acontecer a Master o � Puppets dos Metallica, tema lançado em 1986: desde que foi incluído na final de Stran g er Thin g s no início de Julho, entrou no top 40 do Reino Unido.
“É difícil prever quão poderosa será uma sincronização”, diz Tim Miles, vice-presidente sénior de sincronização para o Reino Unido e Europa da Warner Music Group (WMG), editora que distribui a música de Bush (a cantora detém os seus próprios direitos de gravação e de edição). Mas “como sabíamos que o tema ia ser muito utilizado [em Stran g er Thin g s ], contávamos que este fosse um grande momento”, acrescenta.
A proliferação de plataformas de streaming , como a Netflix, a Disney+ e a Amazon Prime Video, está a abrir novas oportunidades extraordinárias para a sincronização musical, especialmente para títulos de catálogos, como Ru nning Up That Hill Actualmente, equipas de sincronização e supervisores musicais consideram-nas plataformas prioritárias por duas razões: extraordinário alcance e verbas gigantescas.
Connie Farr é fundadora da empresa de supervisão musical ThinkSync e trabalhou em filmes e séries televisivas como Rocks, A�ter Love, Creation Stories e The Essex Serpent. Segundo ela, se uma plataforma de streamin g está envolvida, editoras e gravadoras vão pedir honorários significativamente superiores pela utilização de canções dos seus catálogos.
“Plataformas como a Amazon e a Netflix ganharam muito dinheiro durante a pandemia, e eu sinto que a dinâmica mudou um pouco, com os detentores dos direitos a dizerem: ‘Certo, tu podes pagar um valor decente por isto’”, diz Farr. “Mesmo que a Netflix ainda não tenha avançado com o projeto, os titulares dos direitos continuam a orçamentar com isso em mente.”
O poder das “syncs” é duplo: por um lado, geram uma taxa pela utilização de uma música, por outro oferecem um trampolim promocional para temas que, de outra forma, podiam ser ignorados. São usadas há décadas – basta lembrar o filme Say Anythin g e a cena em que John Cusack levanta um rádio boombox a tocar In Your Eyes de Peter Gabriel –, mas hoje em dia, a diferença é que, devido ao streamin g , os programas de televisão são instantaneamente globais em vez de regionais. “Isto não tem precedentes”, diz Miles, “e é por isso que estamos a ter este incrível efeito com a música, quando ela é bem usada”.
A actividade de marketing das companhias discográficas pode ser planeada e coordenada em torno de uma importante sincronização, já que os serviços de streamin g como o Spotify e a Apple Music são pressionados para irem atrás de um tema. O novo factor imprevisível é o TikTok: partes de produções audiovisuais podem ser
Palmer cautions that Runnin g Up That Hill is “a bit of a unicorn – most of my colleagues would admit that’s a once-in-a-decade thing”, but Bush is not a total outlier. Something similar is happening to Metallica’s Master o � Puppets from 1986: since being used in Stran g er Thin g s ’ finale earlier this month, it is currently climbing the Top 40 in the UK.
“It’s hard to predict how powerful a sync will be”, says Tim Miles, SVP of sync for UK and Europe at Warner Music Group, who distribute Bush’s music (she owns her own recorded and publishing rights). But, he says, “we did know it was going to be used a lot [in Stranger Things] and you could tell this was going to be a big moment”.
The proliferation of streaming platforms such as Netflix, Disney+ and Amazon Prime Video is unlocking enormous new opportunities for music sync, especially for catalogue titles such as Runnin g Up That Hill . They are today’s priority platforms for sync teams and music supervisors for two reasons: enormous reach, and enormous budgets.
Connie Farr is founder of music supervision company ThinkSync and has worked on films and shows such as Rocks, A � ter Love, Creation Stories and The Essex Serpent . She says that if a streaming platform is involved, music publishers and record labels will ask for exponentially greater fees to use songs in their catalogues.
“The likes of Amazon and Netflix made a lot of money during the pandemic and I feel like the dynamic has changed a little bit, with the rights holders going, ‘Right, you can afford to pay a proper fee for this’”, she says. “Even if the show has not been picked up by Netflix yet, the rights holders are still quoting with that in mind.”
Syncs’ power is twofold: they generate a fee for the music use and they also provide a promotional springboard for music that might have otherwise been overlooked. They have been used for decades – remember John Cusack holding up a boombox playing Peter Gabriel’s In Your Eyes in Say Anything ? – but the difference today is that due to streaming, TV shows are immediately global instead of regional. “That’s unprecedented”, says Miles, “and that’s why we’re having this incredible effect with music when it’s used well”.
Record company marketing activity can be planned and coordinated around a major sync, as streaming services such as Spotify and Apple Music are lobbied to get behind a track. The new wildcard is TikTok: clips from shows can be decontextualised and chopped up into a variety of memes that may go viral, providing a powerful accelerant. This is something record companies cannot anticipate or manipulate.
“TV and film syncs are still pushing culture, but
descontextualizadas e esquartejadas numa variedade de memes que podem tornar-se virais, colocando à disposição um poderoso acelerador. Isto é algo que as empresas discográficas não conseguem antecipar ou manipular.
“As sincronizações de TV e cinema continuam a ter influência sobre a cultura, mas agora as pessoas têm a capacidade de pegar nesta e levá-la para outro lado", explica Tom Gallacher, director sénior de marketing e digital da Rhino UK, parte da WMG. “Se olharmos para o TikTok, o hashta g #runningupthathill tem quase um bilião de visualizações e mais de dois milhões de criações usando a música.”
Actualmente, há determinados períodos musicais que são tendência em programas de televisão, e Stran g er Thin g s , ambientado nos anos 80, é tanto uma causa como um sintoma. “Muitos dos guiões que recebo agora procuram música dos anos 80, reflectindo a idade dos realizadores”, diz Farr, observando que conforme a música está na moda, as taxas de sincronização aumentam. “Eu sei que vai ser muito caro licenciar.”
Em parte, esta tendência também se reflecte nos catálogos de canções que estão a ser comprados por empresas como a Hipgnosis, a BMG, a Universal Music Group, a Sony Music Entertainment, a WMG e a Primary Wave. Artistas como Bob Dylan, Bruce Springsteen e vários elementos dos Fleetwood Mac venderam, nos últimos anos, os direitos das suas canções a estas empresas por montantes únicos, permitindo a estes grupos obterem receitas futuras a partir dos reportórios adquiridos – e as sincronizações são uma das principais fontes dessas receitas. Estas empresas irão lançar agressivamente a música que adquiriram, inclinando-se fortemente para os anos 60 a 80, para obterem o maior retorno do seu investimento possível, o mais rapidamente possível.
Ao adquirirem um catálogo, estas empresas destacam o sucesso dos seus departamentos de sincronização como prova de que podem proactivamente conseguir sincronizações (designadas sincronizações adquiridas), em vez de simplesmente aprovarem um pedido de sincronização (uma sincronização não programada).
Também têm de ter cuidado para que o catálogo de uma obra não se reduza a uma ou duas faixas.
now people have got the ability to take that culture and go elsewhere with it”, explains Tom Gallacher, senior director of digital and marketing at Rhino UK, part of WMG. “If you look on TikTok, the #runningupthathill hashtag has got almost a billion views and there have been over two million creations using the sound.”
Particular musical eras are currently hot in TV shows, and Stran g er Thin g s , set in the 1980s, is both cause and symptom. “A lot of the scripts I get now are looking for music from the 1980s, reflecting the age of the directors”, says Farr, noting that when music is in vogue, the sync fees rise accordingly. “I know it’s going to be so expensive to clear.”
This trend is also partly reflected in the song catalogues being bought up by companies such as Hipgnosis, BMG, Universal Music Group, Sony Music Entertainment, WMG and Primary Wave. Artists such as Bob Dylan, Bruce Springsteen and various members of Fleetwood Mac have sold the rights to their songs to these companies for a cash lump sum in recent years, allowing the companies to accrue future revenue from them – and syncs are a major source of that revenue. These companies will be aggressively pitching the music they have acquired, heavily leaning towards the 1960s to the 1980s, to get the biggest and swiftest return on their investment.
These companies highlight the success of their sync departments when buying a catalogue, as proof that they can proactively land syncs (what are called procured syncs) rather than merely approving a sync request when it falls in their lap (a non-procured sync).
They also have to be careful that the catalogue of one act does not get reduced to one or two tracks. Sync teams are therefore actively working less obvious music one level down, what Palmer calls the “second-tier copyrights” in a catalogue. Farr says she sometimes gets a request for a specific track but then may offer an alternative that the show’s creators never thought of: for example, suggesting Little Simz’ Picture Per �ect for Sarah Gavron drama Rocks instead of the much pricier and more obvious God’s Plan by Drake. “They’ll often go with the hidden gem because it’s unique”, she says. “I’m always trying to look for those catalogues, the ones that aren’t going to be astronomical.”
As equipas de sincronização estão, portanto, a trabalhar activamente com música menos óbvia a um nível inferior, aquilo a que, num catálogo, Palmer chama de “direitos de autor de segundo nível”. Farr diz que, por vezes, recebe um pedido para um tema específico, mas depois pode oferecer uma alternativa sobre a qual os criadores do projecto nunca tinham pensado: por exemplo, sugerindo o tema Picture Per �ect , de Little Simz, para o drama Rocks de Sarah Gavron, em vez do muito mais caro e mais óbvio God’s Plan , de Drake. “Optam muitas vezes pela jóia escondida porque é única”, acrescenta. “Ando sempre à procura destes catálogos, dos que não vão ser astronómicos.”
Ocasionalmente, as agências licenciam estas músicas menos conhecidas de forma voluntária, possivelmente por um valor reduzido, pois percebem que as vastas oportunidades promocionais ultrapassam de longe as taxas únicas de sincronização. “Sem dúvida, vejo isso a acontecer com as grandes companhias discográficas”, diz Farr. “Se mostrarmos interesse em algo menos conhecido, vão de facto cooperar para chegar lá, porque na realidade é útil para elas.”
O streamin g de televisão permite que faixas de catálogos cheguem a telespectadores mais jovens de uma forma que, até há uma década, era inconcebível. “Os verões costumavam ser sobre ir ao cinema e falar sobre os grandes filmes que estreavam, mas o streamin g veio mudar essa dinâmica”, argumenta Miles. “Agora, estamos a falar sobre as grandes séries de televisão. Acho que para as audiências mais jovens é muito mais natural ouvirem uma canção numa série porque, para elas, faz sentido culturalmente.”
Um bónus adicional, hoje em dia, é o facto de uma sincronização inesperadamente bem-sucedida poder ser monetizada de forma instantânea, através de serviços de streamin g de música, evitando o atraso histórico no envio do produto para as lojas de discos. Isto significa que, apesar de agora o streamin g de televisão ser um importante catalisador para o êxito de um catálogo, não é o único. As músicas serão constantemente adicionadas às próprias playlists das plataformas de streamin g de música, organizadas por época e género musical, enquanto as tendências no TikTok são monitorizadas de perto, de forma que quando uma música antiga de repente ganha sucesso possa ser capitalizada. O exemplo mais óbvio é Dreams por Fleetwood Mac, que se tornou viral em 2020.
A tripla sorte de conseguir uma sincronização televisiva disseminada em serviços de streamin g de música e no TikTok é algo que, no entanto, não pode ser orquestrado, apenas capitalizado. Para todos os melhores planos de departamentos de sincronização, trata-se muitas vezes menos de estratégia e mais de acaso. “Já faço isto há tanto tempo que me resignei a não compreender totalmente onde está a alquimia, como funciona e como realmente se interliga a um nível maior”, diz Palmer. /
Occasionally music companies willingly license these lesser-known songs, perhaps for a reduced rate, because they see the wider promotional opportunities far outweighing one-off sync fees. “I definitely find that with the major labels”, says Farr. “If you show interest in something lesser known, they really will be cooperative in order to get it into something because it’s really helpful to them.”
Streamed TV allows catalogue tracks to find their way to younger viewers in ways that were inconceivable even a decade ago. “Summers used to be about going to the cinema and talking about the big movies that have come out, but streaming has changed that dynamic”, argues Miles. “Now we’re talking about the big TV shows. I feel it’s a lot more natural for a younger audience to hear a song on a TV show because it’s culturally relevant to them.”
An added bonus today is that an unexpectedly successful sync can be monetised instantly through streaming music services, sidestepping the historical lag in shipping product to record shops. This means that while streaming TV is now a huge catalyst for catalogue success, it is not the only one. Tracks will be constantly pitched to music streaming services’ own era- and genre-focused playlists while trends on TikTok are closely monitored so that when an old track suddenly takes off it can be capitalised on – the most obvious example being Dreams by Fleetwood Mac, which went viral in 2020.
The triple bonanza of a TV sync spiralling into music streaming services and TikTok is something that cannot be orchestrated though, only capitalised upon. For all the best laid plans of sync departments, it is often less about strategy and more about serendipity.
“I’ve been doing this long enough”, says Palmer, “that I have resigned myself to not completely understanding where the alchemy is, how it works and how it really connects on a bigger level.”
EAMONN FORDE É UM JORNALISTA ESPECIALIZADO NA INDÚSTRIA DA MÚSICA QUE, NAS DUAS ÚLTIMAS DÉCADAS, TEM ESCRITO SOBRE TODAS AS ÁREAS DO SECTOR. ANTES DISSO, TRABALHOU NO MEIO ACADÉMICO, TENDO CONCLUÍDO O SEU DOUTORAMENTO EM 2001. É COLABORADOR REGULAR DA MUSIC ALLY, MUSIC BUSINESS WORLDWIDE, SYNCHTANK, THE GUARDIAN , ENTRE OUTROS. FOI DUAS VEZES NOMEADO "MUSIC BUSINESS WRITER OF THE YEAR" NO RECORD OF THE DAY AWARDS. PUBLICOU DOIS LIVROS: THE FINAL DAYS OF EMI: SELLING THE PIG, EM 2019 E LEAVING THE BUILDING: THE LUCRATIVE AFTERLIFE OF MUSIC ESTATES, EM 2021. ACTUALMENTE, ESTÁ A TRABALHAR NO SEU TERCEIRO LIVRO.
EAMONN FORDE IS A MUSIC BUSINESS JOURNALIST WHO HAS BEEN WRITING ABOUT ALL AREAS OF THE MUSIC INDUSTRY FOR THE PAST TWO DECADES. PRIOR TO THIS, HE WORKED IN ACADEMIA, COMPLETING HIS PHD IN 2001. HE IS A REGULAR CONTRIBUTOR TO MUSIC ALLY, MUSIC BUSINESS WORLDWIDE, SYNCHTANK, THE GUARDIAN AND MORE.. HE WAS TWICE NAMED “MUSIC BUSINESS WRITER OF THE YEAR” AT THE RECORD OF THE DAY AWARDS HE HAS PUBLISHED TWO INDUSTRY BOOKS – THE FINAL DAYS OF EMI : SELLING THE PIG IN 2019 AND LEAVING THE BUILDING: THE LUCRATIVE AFTERLIFE OF MUSIC ESTATES IN 2021. HE IS CURRENTLY WORKING ON HIS THIRD BOOK.
O Q U E S I G N I F I C A R I A
PA R A OS AR T IS TA S
U M A “ S A Í D A PA R A
A CO M U N I D A D E ” ?
POR / BY Bas Grasmayer
WHAT WOULD “EXIT TO COMMUNITY” LOOK LIKE FOR ARTISTS?
Tradicionalmente, no mundo das startups , fundadores e investidores tinham dois modelos principais de “saída”: através da aquisição ou da oferta pública inicial (OPI).
Nos últimos anos, começou a emergir um novo modelo de saída, conhecido por “saída para a comunidade”.
Startups have traditionally had two main ways for founders and investors to “exit”: an acquisition or an IPO. Over the past years, a new model has started to emerge which is referred to as “exit to community”.
PT A saída para a comunidade pode assumir muitas formas, mas implica colocar o futuro de uma empresa nas mãos da sua “comunidade”. Definiria aqui comunidade de uma forma ampla: não inclui apenas os utilizadores de um produto, por exemplo, mas também outro tipo de interessados, tais como colaboradores, parceiros, simpatizantes, etc.
EN Exiting to community can take many forms, but it involves putting the future of a company into the hands of its “community”. I’d define community broadly here: not just the users of a product, for example, but also other types of stakeholders such as team, partners, supporters, etc.
Vamos descrever um cenário simples. Uma empresa que tem vindo a construir um produto de economia criadora sempre ofereceu aos seus utilizadores uma forma de participarem no seu trajecto através de activos digitais (tokens ) obtidos com base na sua utilização, participação, e por cada mês de subscrição. Os seus utilizadores são entusiastas e a sua equipa está profundamente enraizada na comunidade de utilizadores. Os fundadores querem entregar as chaves à comunidade para, assim, renunciarem para uma nova geração de liderança e tornarem-se participantes mais iguais no ecossistema do seu produto. A comunidade encontra pessoas que acreditam no valor a longo prazo deste produto e cria uma Organização Autónoma Descentralizada (DAO) para reunir fundos e criar um plano para comprar a maioria dos tokens do tesouro da empresa. Uma vez bem-sucedidos, podem distribuir os activos digitais pela comunidade e iniciar uma nova fase da governação comunitária.
Este tipo de modelo funciona especialmente bem para empresas em início de actividade, oferecendo às equipas e aos fundadores uma forma de construir produtos diferente do capital de risco, modalidade tradicional de investimento em startups . Pode também proporcionar uma opção para organizações que, embora tenham um produto que as pessoas adoram, não conseguem angariar fundos (ou vender).
Let’s describe a simple scenario. A company that’s been building a creator economy product has always given its users a way to participate in its roadmap through tokens earned based on their usage, participation, and for each month they’re subscribed. Its users are passionate and its team is deeply embedded in the user community. The founders want to hand the keys over to the community, so they can step down for a new generation of leadership and become more equal participants in the ecosystem of their product. The community finds people who believe in the long-term value of this product and put together a Decentralized Autonomous Organization (DAO) to gather funds and create a plan to buy the majority of tokens from the company’s treasury. Once successful, they can distribute the tokens to the community and start a new phase in the journey of community governance.
This type of model works especially well for earlier-stage organisations and gives teams & founders a different way to build products than the traditional venture-funded startup model. It can also provide an option for organisations that have a product people love, but fail to raise funds (or sell).
Pode o modelo “saída para a comunidade” oferecer também alternativas para os músicos?
Em primeiro lugar, o que significa para um músico fazer a “saída” ? Penso que é claro que é através da venda dos direitos do seu próprio catálogo. Nos últimos anos, assistimos a uma série de aquisições de catálogos de alto nível por empresas como a Hipgnosis (que adquiriu os direitos musicais dos catálogos de Justin Timberlake, L.A. Reid, Rick James, entre outros). Para os artistas, estas transacções significam a troca regular de receitas por uma grande soma de dinheiro de uma só vez. Por conseguinte, penso que é uma das melhores analogias para a saída de uma startup
Então, como é que isso se aproxima de uma saída para a comunidade? Há alguns requisitos:
Can the “exit to community”-model also provide alternatives for musicians?
First, what does it mean for a musician to “exit” ? I think the clearest form of this is by selling the rights to one’s catalogue. We’ve seen a number of high profile catalogue purchases by organisations such as Hipgnosis in recent years (e.g. Justin Timberlake, L.A. Reid, Rick James, more). For the artists, these transactions mean swapping recurring revenue for a large sum of money at once. Therefore I think it’s one of the best analogies for a startup’s exit.
So what does that look like as an exit to community? There are a few required components:
Uma massa crítica de pessoas que se interessam por música. Isto oferece duas formas de valor: o valor especulativo que trará investidores para a comunidade, e o valor patronal que é o que irá estimular a comunidade a agarrar a gestão do catálogo.
Uma estrutura para a tomada de decisões (i.e., governação) e distribuição de valor.
Um conjunto de ferramentas para representar essa estrutura (por exemplo, tokens e uma organização do tipo DAO).
Não acredito que actualmente os fãs de música estejam todos interessados em participar em bases de fãs que exijam conhecimentos profundos sobre a indústria da música, sobre economia e sobre finanças. Neste contexto, as DAO precisam de ter uma camada de experiência que vá além da ótica do negócio. Essa camada deve esforçar-se por tornar a experiência dos fãs autónoma, de modo que contribuir para a narrativa em torno da música de um artista seja como participar em memes . Para exemplos anteriores a toda esta terminologia da web3, podemos ver o que as bases de fãs dos Grateful Dead, dos Phish e dos Insane Clown Posse fizeram.
A critical mass of people that care about the music. This gives it two forms of value: speculative value that will bring investors into the community, and patron value which is what will energize the community to take stewardship of the catalogue.
A framework for decision-making (ie. governance) and value distribution.
Tooling to represent that framework (e.g. tokens and a DAO-like organisation).
I don’t believe, at present, music fans are all that interested in participating in fanbases which require a thorough understanding of the music business, economics, and finance to participate fully. This means that the DAO needs to have an experience-layer that is about more than just the business. That layer should strive to make the fan experience “headless”, so that contributing to the narrative around an artist’s music is like participating in memes. For examples that predate all this web3-terminology, you can look at what the fanbases of the Grateful Dead, Phish, and Insane Clown Posse have created.
The only good example of an artist exiting to community through web3-tools that I know of is Jonathan Mann. Mann has been making one song a day for nearly five thousand consecutive days. 01 02 03 01 02 03
O único bom exemplo que conheço de um artista que utilizou as ferramentas da web3 para fazer a saída para a comunidade é Jonathan Mann. Mann tem vindo a fazer uma canção por dia durante quase cinco mil dias consecutivos. Ele decidiu cunhar todas as suas canções como NFT e transferir os direitos das canções para uma DAO, a qual é controlada pelos compradores da canção NFT, ou nas suas palavras: "SongADAO é uma cooperativa legal que detém os direitos de autor de todas as canções da colecção Son g A Day Isso significa que quem é membro tem os direitos de cada canção.”
O modelo de Mann é interessante, porque desde que vendeu todo o seu catálogo como NFT e transferiu os direitos para a DAO, todos os dias, ao lançar uma nova canção, sai para a comunidade. Esta é leiloada e um novo membro da DAO pode ser admitido a bordo. Para reduzir as barreiras económicas à participação, a comunidade também experimentou integrar pessoas na DAO que fizessem algo criativo todos os dias, durante um mês.
Neste momento, este modelo ainda representa uma fasquia elevada para a maioria dos artistas e fãs. Contudo, ela é significativamente mais baixa do que foi para Mann, que teve de descobrir o modelo a partir do zero. O que também está a baixar a fasquia é o facto de novas ferramentas que ajudam os artistas a criar comunidades tokenizadas estarem constantemente a ser lançadas (neste momento, parece haver uma nova todas as semanas).
Isto dá aos artistas — e fãs — a opção de irem além das relações via streamin g , via redes sociais, ou via assinaturas mensais, através de ferramentas como a Patreon, em direcção a modelos que podem envolver uma grande variedade de fãs: de especialistas da indústria a ouvintes ocasionais de música, de pessoas que estão verdadeiramente empenhadas a pessoas que apenas querem passar o tempo. Conto que, por agora, a saída para a comunidade continue a ser um modelo raro para os artistas. No entanto, penso que à medida que aparecerem mais exemplos ao longo dos próximos anos, mais artistas se aventurarão e criarão modelos inteiramente inovadores em conjunto com os seus fãs e seguidores. /
He decided to mint all his songs as NFTs and move the rights of the songs into a DAO that is governed by the buyers of the song NFTs, or in his words: “SongADAO is a legal co-op that owns the copyright to every Song A Day song. That means that i� you're a member, you CO-OWN the rights to every single song.”
Mann’s model is interesting, because since selling his whole catalogue as NFTs and moving the rights into the DAO, he’s been exiting to community every day when he releases a new song. It gets auctioned and a new DAO member can be onboarded. To lower the economic barriers to participate, the community also experimented with onboarding people to the DAO who make one creative thing every day for a month.
At the moment, the barrier to use the above as a template is still high for most artists & fans. However, that barrier is significantly lower than it was for Mann who had to figure it out from scratch. What’s also lowering the barrier is that new tools to help artists build tokenized communities are launching all the time (feels like there’s a new one every week, at the moment).
This gives artists, and fans, the option to move beyond the streaming relation, the social media relation, or the monthly subscriber relation through tools like Patreon, towards models that can engage a large variety of fans: from industry experts to casual music listeners, from people who want to lean in heavily to people who just want to hang out. I expect exiting to community to remain rare for artists for now, but as more examples emerge over the next years, more artists will take the plunge and innovate entirely models with their fans and stakeholders.