Revista Ciências em Saúde (RCS) Medicina Itajubá

V 7 N 1 2017

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V 6 N4 2016

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A Revista Ciências em Saúde (RCS), da Faculdade de Medicina de Itajubá (FMIt), tem como missão contribuir para a disseminação de conteúdo de qualidade relacionado à área da saúde.

Para tal, publica trimestralmente pesquisas científicas nacionais e internacionais, nos idiomas Português, Inglês e Espanhol.

O público alvo da RCS é constituído por profissionais e estudantes acadêmicos, bem como pelo público em geral.

Esta revista utiliza o sistema LOCKSS para criar um sistema de arquivo distribuído entre as bibliotecas participantes e permite às mesmas criar arquivos permanentes da revista para a preservação e restauração.

Equipe Editorial

Editor Executivo Rodolfo Souza Cardoso, FMIt, Brasil Editores Eméritos Kleber Lincoln Gomes, FMIt, Brasil Maria Christina Anna Grieger, FMIt, Brasil Marco Túlio Barcellos de Assis Figueiredo, FMIt, Brasil Editora Científica Clarissa Maria Ferreira Trzesniak, FMIt, Brasil Editores Assistentes Melissa Andreia de Moraes Silva, Faculdade de Medicina de Itajubá - MG Rodolfo Souza de Faria, FMIt, Brasil Corpo Editorial Científico Ana Cristina Cezar Sawaya Almeida, FMIt, Brasil José Marcos dos Reis, FMIt, Brasil Clarissa Santos de Carvalho Ribeiro, FMIt, Brasil Gerson Hiroshi Yoshinari Júnior, FMIt, Brasil Maria Vilela Pinto Nakasu, FMIt, Brasil Mariléia Chaves Andrade, FMIt, Brasil Nilo César do Vale Baracho, FMIt, Brasil Paulo José Oliveira Cortez, FMIt, Brasil Seleno Glauber Jesus-Silva, FMIt, Brasil Secretária Executiva-Editorial Maria do Carmo Chiaradia, FMIt, Brasil Bibliotecária Valéria Coelho, FMIt, Brasil Assessora de Comunicação / Revisão de Texto - Português Rizziani Santos Colucci, FMIt, Brasil Revisão de Texto - Inglês Walquiria Costa de Oliveira, FMIt, Brasil Colaboradores de Editoração Jackelline Camargo Preto, FMIt, Brasil Rodrigo Liberato Goncalves Vianna, FMIt, Brasil ISSN: 2236-3785

v. 7, n. 1 (2017) DOI: http://dx.doi.org/10.21876/rcsfmit.v7i1

Sumário EDITORIAL Reflexões sobre o treinamento em trauma vascular

PDF

Adenauer Marinho de Oliveira Góes Junior

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ARTIGO ORIGINAL Análise da resistência às quinolonas e sulfametoxazoltrimetoprim em uroculturas positivas para Escherichia coli em infecções do trato urinário comunitárias no período de 2010 a 2014 em Itajubá – MG / Analysis of quinolones and trimethoprim-sulfamethoxazole resistance in positive Escherichia coli urucultures in urinary tract infections in a community environment from 2010 to 2014 in Itajubá – MG

PDF 2-8

Flávia Coura da Silva, Gabriela Soares Costa, José Hilário Ribeiro Grilo, Bruno Michel e Silva

ARTIGO DE REVISÃO Dor articular: inflamatória ou neuropática? / Joint pain: inflammatory or neuropathic pain?

Juliana Barcellos de Souza

ISSN: 2236-3785

PDF 9-14

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___________________________________________ EDITORIAL

Re lexões sobre o treinamento em trauma vascular Adenauer Marinho de Oliveira Góes Junior1,2,* 1 2

Universidade Federal do Pará Centro Universitário do Estado do Pará

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O cirurgiã o vascular é o mé dico especialista no tratamento cirú rgico das condiçõ es que acometem a circulaçã o perifé rica. A formaçã o de um cirurgiã o vascular passa por uma residê ncia em cirurgia geral, com duraçã o de 2 anos, e que serve de pré -requisito para a residê ncia em cirurgia vascular, cuja duraçã o é de mais 2 anos.

Mas quanta experiê ncia em traumatismo vascular os cirurgiõ es brasileiros estã o acumulando durante a sua formaçã o atualmente? Quais as competê ncias mın ́ imas estes mé dicos devem apresentar?

A cirurgia vascular é uma á rea tã o vasta que os livros-texto da especialidade tê m di iculdade de abordar os temas de trauma, com uma profundidade semelhante à quela de livros especı́ icos sobre trauma vascular. E, provavelmente, a maioria dos residentes nem chega a consultar estas referê ncias, já que durante sua formaçã o, a enorme variedade de conteú do sobre as condiçõ es vasculares nã o traumá ticas, com as quais os futuros cirurgiõ es precisam se familiarizar, di iculta esse aprofundamento.

O mesmo raciocın ́ io se aplica aos congressos mé dicos, jornadas e similares: sã o tantos os temas venosos, arteriais e linfá ticos, que o espaço destinado ao “trauma“ nã o tem como ser vasto.

Mas entã o. “Por que estudar trauma?”; “Por que estimular o treinamento em trauma ?”

Algumas re lexõ es: O trauma é uma verdadeira epidemia, cujas vıt́imas mais frequentes incluem pacientes jovens, na fase mais produtiva da vida. Lesõ es vasculares estã o entre as principais causas de morte e amputaçõ es em pacientes traumatizados. Esses desfechos tê m grande impacto, nã o apenas sobre os pró prios pacientes e suas famıĺias, mas també m do ponto de vista social e eco-

_________________________________ * Correspondência: Avenida Nazaré , 630 Belé m – PA – CEP: 66.035-170 e-mail: adenauerjunior@gmail.com doi:org/10.21876/rcsfmit.v7i1.638

nô mico, sobrecarregando toda a sociedade.

O problema acontece justamente quando o cirurgiã o vascular, que nã o está acostumado a lidar com o trauma, precisa operar estes casos. Os prontos-socorros com frequê ncia representam o primeiro emprego do cirurgiã o egresso da residê ncia e aı,́ somam-se dois fatores crıt́icos: a inexperiê ncia do jovem cirurgiã o e a complexidade dos traumatismos. Essa equaçã o tem um potencial devastador de resultados clın ́ icos desfavorá veis.

Os programas de residê ncia mé dica, talvez com raras exceçõ es, nã o conseguem prover treinamento satisfató rio, nesta á rea de atuaçã o, e a educaçã o continuada tradicional por congressos e similares, costuma ser representada por escassas “mesas redondas“ e oportunidades pontuais de “curso pré -congresso“.

Mas como ajudar a resolver o problema?

Fora do Brasil nã o é difıćil encontrar oferta de cursos especı́ icos como o endovascular hybrid trauma and bleeding management, (http://www.jevtm.com/evtmsymposium/), o ESTARS course – Endovascular Skills for trauma & resuscitative surgery (http://vasculartrauma.com/estarscourse.html), o ASSET- Advanced surgical skills for exposure in trauma (https://www.facs.org/qualityprograms/trauma/education/asset).

Em cursos de imersã o e curta duraçã o como esses, a capacidade de aprendizado com experiê ncia hands on é potencializada.

Mas, no Brasil, cursos nesses modelos nã o estã o disponıv́eis regularmente. Talvez, seja chegada a hora das sociedades cientı́ icas das especialidades mé dicas, que lidam com pacientes vıt́imas de trauma vascular, se unirem e implementarem um curso nesse estilo.

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___________________________________________ ARTIGO ORIGINAL

Análise da resistência às quinolonas e sulfametoxazol-trimetoprim em uroculturas positivas para Escherichia coli em infecções do trato urinário comunitárias no período de 2010 a 2014 em Itajubá - MG Analysis of quinolones and trimethoprim-sulfamethoxazole resistance in positive Escherichia coli urucultures in urinary tract infections in a community environment from 2010 to 2014 in Itajubá - MG Flávia Coura da Silva1,*, Gabriela Soares Costa1, José Hilário Ribeiro Grilo1, Bruno Michel e Silva1 Faculdade de Medicina de Itajubá - FMIt.

1

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INFORMAÇOES GERAIS _________________________________

RESUMO __

Recebido em: setembro de 2016 Aceito em: março de 2017

Introdução: As infecçõ es do trato uriná rio (ITU), de origem comunitá ria, sã o diagnó sticos muito prevalentes a nıv́el ambulatorial, sendo uma grande causa de uso de antibioticoterapia. Seus agentes etioló gicos mais prevalentes sã o os bacilos gram-negativos da famıĺia Enterobacteriaceae, em especial a Escherichia coli (E. coli). Visando este agente, as terapias antimicrobianas empıŕicas mais utilizadas no Brasil sã o o sulfametoxazol-trimetoprim, quinolonas, cefalosporinas de 1º e 2º geraçã o, amoxicilina e nitrofurantoın ́ a.

Objetivos: Tendo em vista o aumento da antibioticorresistê ncia a estes medicamentos, demonstrado na literatura mé dica mundial, e a importâ ncia do conhecimento deste dado pela comunidade mé dica local, este artigo pretende traçar o per il de resistê ncia à s quinolonas e ao sulfametoxazol-trimetoprim pelas cepas de E. coli isoladas de uroculturas de ITU comunitá ria, encaminhadas para um laborató rio de aná lises clın ́ icas, de uma cidade do sul de Minas Gerais, no perıo ́ do de 2010 a 2014. Métodos: Estudo descritivo e retrospectivo por meio de pesquisa em banco de dados, no perıo ́ do de 2010 a 2014. Foram realizadas aná lises de urocultura e antibiograma, com cá lculo estatıśtico utilizando-se o teste qui-quadrado. Resultados: Foram obtidas 14870 uroculturas, tendo crescimento bacteriano maior que 105 unidades formadoras de colô nia (UFC) em 3073 amostras, das quais 2203 foram cepas de E. coli e 870 de outras bacté rias. A taxa global de resistê ncia nos 5 anos de todos os antibió ticos foi de 24,46%, sendo que a de sulfametoxazoltrimetoprim em especı́ ico foi de 19,65% e a do grupo quinolonas, 19,2%. Observou-se aumento da resistê ncia ao longo dos 5 anos (p<0,0001) e que é mais incidente em mulheres e em maiores de 65 anos. Conclusão: As taxas de resistê ncia à s quinolonas e ao sulfametoxazol-trimetoprim atingiram nıv́eis pró ximos do limiar permitido para seu uso empıŕico. A idade e o gê nero mostram-se fatores importantes na antibioticorresistê ncia, especialmente nos maiores de 65 anos e no gê nero feminino. ________________________________

________________________________ Palavras-chave: Infecçõ es uriná rias Farmacorresistê ncia bacteriana Infecçõ es comunitá rias adquiridas Quinolonas Trimetropima-sulfametoxazol

________________________________ Keywords: Urinary tract infections Drug resistance bacterial Community-acquired infections Quinolones Trimethoprim-sulfamethoxazole

________________________________ * Correspondência: Rua Joã o Puliti, 410, AP 02 Itajubá - MG - CEP: 37500-094 e-mail: lavia_coura@hotmail.com doi:org/10.21876/rcsfmit.v7i1.640

ABSTRACT ________________________________ Introduction: Communitarian urinary tract infections are frequently diagnosed ambulatorily, and they are the most important cause for using antibiotic therapy. Its most common agents are gram-negative bacils from the enterobacteriaceae family, especially Escherichia coli (E. coli). Focusing on this bacterium, the empiric antibiotic therapies which are mostly used in Brazil are trimethoprim/sulfamethoxazole, quinolones, 1st and 2nd generation of cephalosporin, amoxicillin, and nitrofurantoin. Aims: Foreseeing the intense growth of antibiotic therapy resistance to these drugs shown in the world's medical literature and the importance of local medical community having knowledge of this data, this article proposes the research of quinolones and trimethoprim-sulfamethoxazole combination resistance to E. coli bacteria isolated in community-acquired UTI urocultures, from a clinical analysis laboratory, in the period from 2010 to 2014 in a southern city of the state of Minas Gerais. Methods: Retrospective and descriptive study by database research in the period from 2010 to 2014. Urocultures and antibiogram analysis were done, and the statistic calculous were made by using qui-square's test. Results: 14870 urocultures were studied.

However, only 3073 samples had signi icant bacterial growth (bigger than 105CFU). From this result, 2203 were E. coli samples and 870 were from other bacteria. The global resistance in this 5 year study for all antibiotics was 24,46 %. Furthermore, trimethoprim-sulfamethoxazole combination resistance was 19,65% and the quinolones group was 19,2%. Through research, we have noticed an increasing resistance through these ive years (p<0,0001), thus, having bigger incidence in woman and in people older than 65 years old. Conclusion: Antibiotic resistance rates almost reach unacceptable levels for therapeutic use.

Age and gender demonstrated importance at antibiotic resistance, especially for people older than 65 years of age and the feminine gender.

CC BY-NC-SA 4.0 2017 RCSFMIt

Revista Ciê ncias em Saú de v7, n1, 2017

Introdução As infecçõ es no trato uriná rio (ITU) sã o as infecçõ es hospitalares mais prevalentes, perdendo apenas para as infecçõ es do trato respirató rio1 e constituem uma das principais causas pelas quais homens e mulheres procuram atendimento mé dico.2 Sã o responsá veis por 5 milhõ es de consultas por ano nos EUA,3 sendo que no Brasil as ITUs sã o consideradas as infecçõ es bacterianas mais frequentes nos ambulató rios, correspondendo a 8% dos diagnó sticos.4 Destas infecçõ es, os principais agentes causadores relacionados sã o os bacilos gram-negativos da famıĺia Enterobacteriaceae, em especial a Escherichia coli (E. coli).2,5,6 O diagnó stico de ITU só é con irmado pela urocultura, considerada o padrã o-ouro. Com esta, é possı-́ vel isolar o agente etioló gico e estudar sua sensibilidade aos antimicrobianos atravé s do antibiograma.7 No Brasil, sã o utilizados na terapia empıŕica para ITU comunitá ria, causada por E. coli: sulfametoxazoltrimetoprima (SMX/TMP), quinolonas, cefalosporinas de 1º e 2º geraçã o, amoxicilina e nitrofurantoın ́ a.8 Sabe-se que o per il de sensibilidade mın ́ ima para justi icar o uso empıŕico de um antibió tico, para determinado pató geno, deve ser maior que 80%. No estudo realizado por Camargo et al., demonstrou-se aumento das taxas de resistê ncia antibió tica, sendo a ampicilina (44%), SMX/TMP (33,3%) e cefalotina (33%) os que mais apresentaram resistê ncia.9 A associaçã o SMX/TMP foi introduzida por Bushby e Hitchings em 1968, sendo combinadas para atingir em seu espectro antimicrobiano E. coli, Staphylococcus aureus, Staphylococcus saprophyticus, Streptococcus pneumoniae, Haemophilus in luenza e Moraxella catarrhalis. Em 1970, seu uso se consagrou pelo seu amplo espectro para bacté rias aeró bias, seu baixo custo e alta e icá cia, sendo considerado de eleiçã o para tratamento de infecçõ es uriná rias, trato respirató rio superior e gastrointestinal. No entanto, em trabalho publicado por Masters et al, houve aumento na resistê ncia bacteriana a este antibió tico nas ú ltimas duas dé cadas. Tal resistê ncia pode se dar por quatro mecanismos: 1) desenvolvimento de barreiras na permeabilidade da membrana; 2) bombas de e luxo; 3) modi icaçõ es nos locais de ligaçã o à s enzimas e 4) desregulaçã o na expressã o dos genes que codi icam as enzimas alvo.10 Na dé cada de 80, perıo ́ do no qual as quinolonas foram introduzidas no mercado, acreditava-se que devido à s suas caracterıśticas farmacoló gicas, como boa biodisponibilidade, amplo espectro de açã o, excelente tolerâ ncia via oral e sensibilidade de bacté rias multirresistentes, seria raro o surgimento e disseminaçã o de resistê ncia bacteriana a essas drogas.6 A introduçã o do lú or na posiçã o seis do anel quinolô nico melhorou a atividade antimicrobiana, recebendo a denominaçã o de luorquinolonas.

Estas sã o indicadas na terapê utica de ITU, doenças sexualmente transmissıv́eis, infecçõ es gastrointestinais e abdominais, infecçõ es do trato respirató rio, infecçõ es ó sseas e articulares, da pele e suas estruturas, infecçõ es sistê micas e na prevençã o ou erradicaçã o da colonizaçã o. Contudo, observou-se que com o decorrer do tempo algumas cepas vê m apresentando resistê ncia6,9 e, em alguns casos, apenas sensibilidade intermediá ria à E. coli.5 Supõ e-se que tal fato ocorra de uma das seguintes formas: 1) alteraçã o da enzima-alvo (mutaçã o da DNA-girase ou topoisomerase IV); 2) mutaçã o das porinas. Ena et al. advogam que as

taxas de resistê ncia à s luorquinolonas sã o mais elevadas em paıśes em desenvolvimento. Isso dar-se-ia em funçã o da utilizaçã o de quinolonas menos potentes, como o á cido nalidıx́ico, ou ainda pelo uso de regimes incompletos de compostos mais potentes, como o cipro loxacino. Já em paıśes desenvolvidos, o aumento de resistê ncia estaria ainda associado ao crescimento no consumo geral de quinolonas, infecçõ es uriná rias complicadas e ao amplo uso de caté ter vesical.

Estudos com dados brasileiros demonstram que a classe de antimicrobianos que vem apresentando maior aumento da resistê ncia sã o as quinolonas (cipro loxacino e nor loxacino), justamente por esta ser a mais recomendada no tratamento empıŕico de ITUs comunitá rias, e, portanto, mais exposta a essas bacté rias. E notá vel a importâ ncia de dados epidemioló gicos serem periodicamente divulgados com a intençã o de auxiliar a comunidade mé dica local, uma vez que algumas variaçõ es regionais podem ocorrer especialmente no que diz respeito ao padrã o de sensibilidade antimicrobiana desses agentes.

Desta maneira, propõ e-se investigar o padrã o das uroculturas/antibiogramas de pacientes com diagnó stico suspeito de ITU comunitá ria em Itajubá – MG, observando o grau de resistê ncia ao tratamento com quinolonas e SMX/TMP.

Métodos Foi realizado um estudo descritivo e retrospectivo das uroculturas de pacientes com suspeita de ITU adquirida na comunidade, encaminhadas a um laborató rio de aná lises clın ́ icas numa cidade do sul de Minas Gerais, no perıo ́ do de 01 de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2014. Os resultados das uroculturas de tais pacientes foram concedidos pelo referido laborató rio mediante apresentaçã o de autorizaçã o pelo Comitê de Etica em Pesquisa (CEP), pelo nú mero do parecer: 907.941. Tal laborató rio possui certi icaçã o do sistema de gestã o da qualidade pela norma ISO 9001:2000, atestado pela BRTUV, organismo certi icador credenciado pelo INMETRO. Foram analisadas 14870 uroculturas, com crescimento bacteriano signi icativo em 3073 amostras, das quais 2203 foram cepas de E. coli e 870 de outras bacté rias. Foram consideradas como uroculturas positivas aquelas cuja placa evidenciou crescimento acima de 105 UFC/mL11,12 para a cultura de E. coli. Para tal, sã o utilizados meios Ágar II Chromogenic (CPS), Ágar Borlacin (CLED) ou galerias lio ilizadas Bio Merieux® ou similar, utilizando-se uma alça calibrada de 1 µL. As placas sã o incubadas em estufa bacterioló gica por 24h e a leitura é realizada ou manualmente ou no ATB expression®. No antibiograma, sã o utilizados os reagentes Agar Mueller-Hinton e Discos para Antibiograma, sendo que estes sã o armazenados em temperatura entre 2 e 8ºC e os discos de Antibiograma a menos de 25ºC. O controle de qualidade é feito utilizando materiais fornecidos pela SBPC. A determinaçã o da resistê ncia bacteriana é realizada in-vitro, sendo que sua validaçã o é feita por meio do RDQ-MI-0003 – Controle de Meios de Cultura e RDQ – MI-0012 – Controle de Validaçã o Antibiograma.

Revista Ciê ncias em Saú de v7, n1, 2017

Foram incluıd ́ as na amostra todas as uroculturas positivas para E. coli que apresentaram antibiograma para as quinolonas: nor loxacino (NOR), cipro loxacino (CIP) e levo loxacino (LEV); e para sulfametoxazoltrimetoprim (SMX/TMP). Foram aceitas apenas uroculturas de origem comunitá ria (Pronto Atendimento, unidades bá sicas de saú de e postos de coleta do referido laborató rio), sendo excluıd ́ os resultados de exames em duplicata, do mesmo paciente em menos de 3 meses, amostras de urina coletadas por sonda e exames de pacientes que estiveram internados há menos de 3 meses da coleta ou exames coletados apó s 48 horas de internaçã o.12-15 Apó s o levantamento das uroculturas positivas para E. coli e de seus respectivos antibiogramas, també m foram aferidos dados epidemioló gicos como gê nero e idade da amostra, alé m de quanti icar os casos de uroculturas positivas para outras bacté rias. Em seguida, selecionaram-se as amostras que apresentaram antibiogramas para SMX/TMP, para o grupo quinolonas e para cada antibió tico deste grupo em especı́ ico: NOR, CIP e LEV. Para a

formulaçã o do grupo quinolonas, bastou um dos antibió ticos deste apresentar resistê ncia para que o grupo fosse considerado resistente.

També m foi quanti icada em porcentagem e em nú mero absoluto a ocorrê ncia de resistê ncia na amostra, correlacionando estes dados entre os anos, os gê neros e faixa etá ria. Calculou-se a taxa global de resistê ncia, na qual bastava existir resistê ncia a um dos antibió ticos estudados para ser incluso nessa estatıśtica.

Foi feita aná lise estatıśtica dos dados obtidos por meio do programa Bioestat® 5.0, utilizando o teste quiquadrado4,12-15 e mé dia aritmé tica, sendo relevantes à pesquisa p<0,05.11-14

Resultados Foram analisadas 14870 uroculturas. Destas, houve crescimento bacteriano signi icativo (acima de 105 UFC) em 3073 amostras, das quais 2203 foram cepas de E.

Tabela 1. Frequê ncia das bacté rias isoladas das uroculturas positivas de janeiro de 2010 a dezembro de 2014.

ORDEM

BACTÉRIA

FREQUÊNCIA (N)

PORCENTAGEM (%)

1°

Escherichia coli

2987

77,44

2°

Klebsiella sp

408

10,57

3°

Enterococcus faecalis

167

4,32

4°

Staphylococcus aureus

86

2,22

5°

Proteus mirabilis

70

1,81

6°

Proteus sp

42

1,08

7°

Staphylococcus saprophyticus

39

1,01

8°

Pseudomonas sp

28

0,72

9°

Proteus vulgaris

11

0,28

10°

Pseudomonas aeruginosa

07

0,18

11°

Outras

12

0,30

Duas mil e vinte mulheres e cento e oitenta e trê s homens tiveram uroculturas positivas para E. coli, sendo a mé dia de idade encontrada de 46 anos, com idade má xima de 101 anos e mın ́ ima de 2 dias. Houve diferença entre a mé dia de idade entre os sexos (p=0,005), sendo 45 anos a mé dia feminina e 51 anos a mé dia masculina. Quatrocentos e cinquenta e cinco (22,52%) mulheres e oitenta e quatro (45,90%) homens encontraram resistê ncia a pelo menos um dos antibió ticos estudados. A taxa global de

resistê ncia nos 5 anos de todos os antibió ticos foi de 24,46%, sendo que a de SMX/TMP em especı́ ico foi de 19,65% e a do grupo quinolonas, 19,20%.

Quanto à faixa etá ria, foram positivas para E. coli no grupo de menores de 12 anos cerca de 235 amostras (10,66%). No grupo de 12 a 64 anos, 1364 foram positivas (61,91%), e no de maiores de 65 anos, 604 foram encontradas (27,41%).

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Tabela 2. Uroculturas positivas de acordo com a idade.

Idade

Uroculturas positivas

Menores de 12 anos

235 (10,66%)

12 a 64 anos

1364 (61,91%)

Maiores de 65 anos 604 (27,41%) ____________________

Ao se analisar os antibiogramas das uroculturas positivas para E. coli, foi observado que houve resistê ncia das cepas aos antibió ticos em estudo. Essa aná lise foi feita por ano e com valores absolutos (sem discriminar o sexo e idade dos pacientes das amostras estudadas).

A resistê ncia encontrada ao sulfametoxazoltrimetoprim foi de 21,78%, 12,08%, 20,33%, 20,85% e

24,65% nos anos de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014, respectivamente. No grupo quinolonas, os valores encontrados foram de 6,60%, 16,00%, 22,53%, 21,85% e 25,34% para os mesmos respectivos anos. També m foi estudada a resistê ncia de cada antibió tico do grupo das quinolonas em especı́ ico, o que pode ser visualizado na Figura 1.

Figura 1. Prevalê ncia de resistê ncia antimicrobiana do ano de 2010 a 2014.

Ao se veri icar a taxa de resistê ncia entre anos consecutivos, percebe-se que esta aumentou de 2010 a 2012.

O mesmo é observado ao se comparar o ano de 2010 com o de 2014, mostrando o aumento da antibioticorresistê ncia

ao longo dos anos de forma altamente signi icativa (p<0,0001). Entre os anos de 2012 a 2014, entretanto, nã o se observou aumento nas taxas de resistê ncia (Tabela 3).

Tabela 3. Comparaçã o entre os anos da resistê ncia por antibió tico.

2010x2011

2011x2012

2012x2013

2013x2014

2010x2014

SMX/TMZ

0,0007*

0,0008*

0,8674

0,1934

0,3667

QUINOLONAS

<0,0001*

0,0067*

0,8012

0,2454

<0,0001*

NOR

0,0106*

<0,0001*

0,7880

0,1027

<0,0001*

CIPRO

0,0002*

0,0027*

0,3724

0,0681

<0,0001*

LEVO

0,0005*

0,0033*

0,8753

0,1170

<0,0001*

*p<0,05 foi considerado signi icativo

Revista Ciê ncias em Saú de v7, n1, 2017

Foram comparados os grupos de antibió ticos entre si, por ano. Obteve-se diferença signi icativa entre as taxas de resistê ncia apenas no ano de 2010 entre todos os grupos avaliados, mostrando que a resistê ncia ao sulfametoxazol-trimetoprim foi superior a todos os demais antibió ticos. No ano de 2013, entretanto, houve diferença

apenas entre sulfametoxazol-trimetoprim e quinolonas, demonstrando sua maior resistê ncia, o que nã o se repetiu ao comparar este primeiro aos demais antibió ticos do grupo quinolonas isoladamente. Nos demais anos nã o houve diferença signi icativa (Tabela 4).

Tabela 4. Comparaçã o entre a frequê ncia da resistê ncia entre o antibió tico sulfametoxazol-trimetopim e demais grupos analisados neste estudo no perıo ́ do de 2010 a 2014.

Antibióticos

2010 (p)

2011 (p)

2012 (p)

2013 (p)

2014 (p)

SMX/TMZ versus QUINOLONAS

<0,0001*

0,1167

0,3525

0,0001*

0,7682

SMX/TMZ versus NOR

<0,0001*

0,4508

0,7879

0,8609

0,8747

SMX/TMZ versus CIPRO

<0,0001*

0,3284

0,5232

0,6591

0,937

SMX/TMZ versus LEVO

<0,0001*

0,6512

0,9685

0,7922

1,000

_____________________________________ *p<0,05 foi considerado signi icativo

Quando se observou a taxa de resistê ncia em relaçã o ao gê nero, foi possıv́el perceber a superioridade da resistê ncia no sexo feminino, em relaçã o ao masculino em determinados anos, como de 2011 a 2014, sendo possıv́el

concluir tais fatos sempre que o valor de p fosse signi icativo. Houve algumas exceçõ es em que nã o se apresentou diferença entre os gê neros, como mostra a Tabela 5.

Tabela 5. Per il de resistê ncia por gê nero e por antibió tico por ano.

2010 (p)

2011 (p)

2012 (p)

2013 (p)

2014 (p)

SMX/TMZ

0,3006

0,2427

0,9065

0,0025*

0,0350*

QUINOLONAS

0,8596

0,01*

0,0002*

0,1179

0,0067*

NOR

0,7355

0,0254*

0,0222*

0,1343

0,0158*

CIPRO

0,7985

0,0044*

0,132

0,0996*

0,0141*

LEVO

0,7355

0,0084*

0,0161*

0,2563

0,0125*

*p<0,05 foi considerado signi icativo

No ano de 2010, a idade maior que 65 anos foi fator determinante para a resistê ncia antimicrobiana, quando comparado à s outras faixas etá rias (excetuando-se a resistê ncia ao SMX/TMZ, em que nã o se obteve diferença signi icativa). Em 2011, tais parâ metros variaram, pois aqueles maiores de 12 anos obtiveram diferença signi icativa (p<0,05), entre a taxa de resistê ncia em relaçã o aos menores dessa faixa etá ria, sendo que a populaçã o maior que 65 anos obteve maior signi icâ ncia (p<0,0001). Isso indica uma maior taxa de resistê ncia conforme o avanço

da idade. Em 2012, apenas os maiores de 12 anos foram determinantes para a resistê ncia ao grupo quinolonas. Já em 2013, a idade nã o foi fator decisivo para a resistê ncia ao SMX/TMZ, sendo que nos demais esta foi alternante, di icultando a aná lise de tais dados. Em 2014, a populaçã o maior que 65 anos foi a que apresentou maiores taxas de resistê ncia do que quando comparado à s outras faixas etá rias (p<0,0001), reforçando mais uma vez que a resistê ncia tende a aumentar conforme a idade.

Quando analisado o gê nero dentro de cada faixa

Revista Ciê ncias em Saú de v7, n1, 2017

etá ria, observou-se que em 2010 nã o houve discrepâ ncias. Entre 2011 e 2014, apenas o grupo dos 12 aos 64 anos obteve diferença signi icativa (p<0,05) na taxa de resistê ncia à s quinolonas, sendo mais prevalente em mulheres.

Aqueles maiores de 65 anos sofreram in luê ncia do gê nero (feminino) em todos os antibió ticos analisados apenas em 2014.

Discussão Este estudo é a primeira aná lise de resistê ncia bacteriana em infeçõ es do trato uriná rio de origem comunitá ria, realizada na microrregiã o de uma cidade do sul de Minas Gerais. Tendo em vista que tais taxas vê m aumentando em outros locais do Brasil e do mundo,16-19 vê -se a necessidade de tal estudo em â mbito local para nortear um tratamento clın ́ ico mais adequado. Já foram realizados, em escala multicê ntrica, estudos semelhantes. O mais signi icativo destes foi o SENTRY20 realizado na dé cada passada, que analisou a taxa de resistê ncia aos antibió ticos na Amé rica Latina e Brasil, em pacientes internados, tanto para infecçõ es do trato uriná rio, quanto para outros sıt́ios de infecçã o. Seus resultados, desde entã o, já vê m demonstrando resistê ncia à antibioticoterapia prescrita e, no que diz respeito à s ITUs os antibió ticos SMX/TMP obteve mais que 45,0% de resistê ncia e as quinolonas, 17,5-18,9%.

No presente estudo foram analisadas 14870 uroculturas, sendo que apenas 3073 apresentaram crescimento bacteriano acima de 105 UFC (20,66%).9,11 Isso pode indicar um nú mero excessivo de pedidos de uroculturas, o que onera o sistema de saú de;11 problemas pré -analıt́icos, resultando em um nú mero maior de falsos negativos; ou antibioticoterapia iniciada antes da coleta, negativando uma amostra potencialmente positiva.

A bacté ria mais encontrada foi E. coli (78,37%), o que corrobora com outros estudos.1,2,5,6,9,11,16-21 Em seguida, tem-se Klebsiella sp, Enterococcus faecalis e Staphylococcus aureus, resultado esse variante quanto à literatura.7,9,11 As taxas de infecçã o foram maiores em mulheres, na faixa etá ria de 12 a 64 anos, sendo que a incidê ncia de resistê ncia aumentou com a idade e de acordo com o sexo (també m mais incidente em mulheres), tendo resultados altamente signi icativos em pacientes com mais de 65 anos.9,22 Nã o é possıv́el a irmar que a idade, como fator isolado, possa in luenciar nas taxas de resistê ncia, devido à inexistê ncia de um padrã o ao longo dos anos, por vezes signi icante e por outras nã o. Contudo, na populaçã o maior que 65 anos houve uma tendê ncia de maiores taxas de resistê ncia. Isso concorda com a literatura, a qual a irma que a resistê ncia tende a aumentar conforme a idade, provavelmente devido à maior exposiçã o ao uso de antibió ticos, que o paciente teve ao longo da vida e a fatores de risco associados ao envelhecimento.1,23,24 Quando se compara a taxa de resistê ncia entre os

antibió ticos, viu-se uma diferença signi icativa entre o antibió tico SMX/TMP e os outros do grupo quinolonas no ano de 2010,1 o que nã o se repetiu nos anos consecutivos até 2014. Uma explicaçã o para isso seria o aumento do uso clın ́ ico deste grupo, quinolonas, devido à alta resistê ncia pré via encontrada com o SMX/TMP. Desta forma, o grupo quinolonas sofreu uma maior exposiçã o à s bacté rias, levando a um aumento das taxas de resistê ncia que o equipararam à do SMX/TMP.23,24 A taxa global de resistê ncia encontrada foi de 24,46%. Sabe-se que o per il de sensibilidade mın ́ ima para justi icar o uso empıŕico de um antibió tico para determinado pató geno deve ser maior que 80%.1,9 Desta forma, o tratamento mais utilizado para o combate dessas infecçõ es na regiã o estudada, já nã o se encontraria dentro dos padrõ es de sensibilidade aceitá veis pela literatura mé dica. Contudo, nã o se pode realizar tal a irmativa sem se levar em consideraçã o as limitaçõ es deste estudo. Pode ter ocorrido um vié s de seleçã o na amostragem, pois utilizouse dados aferidos de uroculturas e antibiogramas, exames estes usualmente reservados para ITUs complicadas; falta de dados nas uroculturas coletadas, o que impossibilitou a aná lise de outros fatores que in luenciam na antibioticorresistê ncia, como uso pré vio de antibió ticos, urolitıáse, prostatismo, entre outros; ser um estudo restrospectivo e transversal, o que impossibilita um seguimento clın ́ ico adequado da amostra estudada.

Propõ e-se que sejam realizados outros estudos, com metodologia longitudinal, prospectiva e que se utilize de questioná rios. Sugere-se que este ú ltimo seja utilizado de forma a selecionar a populaçã o da amostra, delimitando-a em grupos como “pacientes com infecçõ es de repetiçã o” ou “pacientes com uso de antibioticoterapia recente”.

Desta forma, espera-se que tais limitaçõ es encontradas neste estudo sejam sanadas, proporcionando maior esclarecimento sobre a taxa de resistê ncia e seus fatores associados na regiã o.

Conclusão O agente mais frequentemente isolado nas uroculturas analisadas foi a E. coli, seguido por Klebsiella sp, Enterococcus faecalis e Staphylococcus aureus. As taxas de resistê ncia à s quinolonas, ao longo dos 5 anos estudados, foram se equiparando aos nıv́eis previamente altos do antibió tico sulfametoxazol-trimetoprim, ambos chegando pró ximos ao limite permitido para seu uso empıŕico, no ano de 2014. A idade e o gê nero mostram-se fatores importantes na antibioticorresistê ncia, especialmente nos maiores de 65 anos e no gê nero feminino.

Declaração de inanciamento e con lito de interesses Declaramos nã o haver con lito de interesse.

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___________________________________________ ARTIGO DE REVISÃO

Dor articular: in lamatória ou neuropática?

Joint pain: in lammatory or neuropathic pain?

Juliana Barcellos de Souza1,* 1

Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor. Membro da diretoria Gestão 2016-2017. Hospital Universitário – UFSC. _

INFORMAÇOES GERAIS _________________________________

RESUMO __

Recebido em: novembro de 2016 Aceito em: março de 2017

Neste artigo de revisã o narrativa atualizam-se alguns conceitos de dor articular. A prevalê ncia da dor articular aumenta com o avanço da idade, assim como os custos no tratamento das limitaçõ es e incapacidades. Compreender as diferenças entre dor aguda e dor crô nica permite melhor abordagem das dores articulares, onde a primeira representa um sinal de alerta e a segunda é considerada uma patologia em si. As causas da croni icaçã o da dor ainda sã o incertas, poré m, alguns modelos sã o propostos e discutidos, como a sensibilizaçã o central por excesso de informaçã o nociceptiva, seja esta de origem in lamató ria, traumá tica ou outra. Em dores crô nicas in lamató rias - como nas Artrites reumatoides – destaca-se a importâ ncia de iniciar o tratamento precoce de forma agressiva para inibir o processo in lamató rio e as deformidades estruturais. Osteoartrites, embora sejam predominantemente descritas por suas alteraçõ es degenerativas nas articulaçõ es, tê m atualmente reconhecida sua fase in lamató ria inicial. A dor articular tende a ser abordada predominantemente sob o ponto de vista biomecâ nico e in lamató rio, contudo, a ausê ncia da abordagem do componente neuropá tica da dor crô nica, nas fases iniciais, é uma das causas de elevados custos e de grandes deformidades articulares. Finalmente abordase a importâ ncia do movimento e da educaçã o do paciente com dor articular com base no modelo biopsicossocial de saú de e dor. __

________________________________ Palavras-chave: Dor articular Artrite reumatoide Osteoartrite Dor in lamató ria e neuropá tica

________________________________ Keywords: Joint pain Rheumatoid arthritis Osteoarthritis In lammatory and neuropathic pain

ABSTRACT __ This article is a joint pain update. Prevalence rates, incapacity, and social and economic burden of joint pain increase with the advancing age. Understanding differences about acute and chronic pain could improve therapeutic approaches. Negligence early treatment of acute joint pain can increase costs of treatment and joint deformities. Rheumatoid arthritis guidelines propose an aggressive initial approach of treatment with the aim to protect joint structure from in lammation and deformity. In addition to in lammatory joint pain, the neuropathic pain was also explained; central sensitization and neuropathic pain associated to joint pain. Finally, the importance of motion and education of patients with chronic pain were addressed following the pain and health biopsychosocial model.

CC BY-NC-SA 4.0 2017 RCSFMIt

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Introdução As dores articulares estã o entre as mais prevalentes na populaçã o adulta e idosa. Entre elas, a articulaçã o do joelho e a coluna vertebral sã o as mais investigadas. Estima-se que ao questionar adultos sobre a presença de dor no joelho, 30% responde de forma a irmativa, e esta porcentagem aumenta para entre 60% e 85% quando questionados sobre a presença de dores nas costas, nos ú ltimos trinta dias.1 As articulaçõ es consistem no eixo do movimento - quando saudá veis - garantem a funcionalidade e autonomia do ser humano, por meio de movimentos como a locomoçã o e a pró pria respiraçã o. Desta forma, as limita________________________________ * Correspondência: Rua Deputado Antô nio Edu Vieira, 58 Florianó polis - SC - CEP: 88030-361 e-mail: juliana.barcellos@ufsc.br doi:org/10.21876/rcsfmit.v7i1.639

çõ es geradas pela dor articular classi icam-na como a segunda maior causa de incapacidade fıśica e a quarta maior de impacto na saú de geral da populaçã o mundial, quando considera-se a associaçã o entre incapacidade e morte.1 Alé m disto, com o aumento da expectativa de vida da populaçã o, estima-se um incremento na incidê ncia e prevalê ncia mundial de dor articular crô nica.

Em 2016, durante a 66a sessã o do Comitê Regional da Europa da Organizaçã o Mundial da Saú de,2 houve o lançamento do Plano de Açã o para prevençã o e controle de doenças nã o transmissıv́eis. Neste plano, a OMS aborda de maneira enfá tica os problemas de saú de musculoesquelé ticos em todas as idades. Dores no sistema musculoesquelé tico estã o associadas aos há bitos de vida e motivam a promoçã o de programas de saú de ocupacional, em escolas e residê ncias de longa permanê ncia. Recomendase medidas integrativas precoces para favorecer o empo-

Revista Ciê ncias em Saú de v7, n1, 2017

deramento no controle dos sintomas e perdas de funçã o.

Paralelamente, a Associaçã o Internacional para o Estudo da Dor (IASP) e a Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED)3 lançaram o ano mundial de combate a dor articular, estimulando gestores, pesquisadores, clın ́ icos e a populaçã o em geral à conscientizaçã o da problemá tica.

Alé m do custo econô mico elevado das dores articulares para a sociedade, em funçã o do alto grau de incapacidade, a negligê ncia à abordagem terapê utica de dores agudas també m é descrita como uma causa do elevado custo à sociedade.4 A dor aguda é um sinal de alerta de uma lesã o real ou uma ameaça potencial à integridade do corpo e promove alteraçõ es neuro isioló gicas, mudança de comportamento, compensaçõ es articulares e uma busca por tratamentos especı́ icos para inibir ou aliviar o sintoma.

No entanto, quando as dores tornam-se persistentes, elas nã o se caracterizam mais como sinal de alerta. Em dores crô nicas há alteraçõ es neuro isioló gicas que alteram mecanismos de modulaçã o da dor, reduzindo a inibiçã o e facilitando o sinal nociceptivo.5 Nestes casos, os tratamentos sã o mais complexos, exigem abordagem multidisciplinar para o manejo da dor e conduzem, muitas vezes, a cirurgias de alto custo, como por exemplos as colocaçõ es de pró teses articulares.4 As artralgias mais comuns sã o aquelas que acometem a coluna lombar e os joelhos, assim como sã o as mais investigadas. Dentre as lombalgias veri ica-se uma etiologia multifatorial e nã o necessariamente associada à s osteoartrites (degeneraçã o articular, reduçã o do espaço intervertebral, entre outros). Dentre as dores nos joelhos, as causas mais comuns sã o as doenças in lamató rias reumatoló gicas como artrites, relacionadas a condiçã o autoimune de respostas mal adaptadas ao reparo articular.1 Para diagnó stico da dor articular recorre-se a exames laboratoriais e exames de imagem. Observa-se valores de testes especı́ icos e nã o especı́ icos para determinar componente in lamató ria como causa da dor. Assim como, atenta-se aos alinhamentos articulares, á reas de reabsorçã o, deformidades e escleroses ó sseas em busca de imagens que justi iquem a causa das dores. Contudo, estudos demonstram a baixa associaçã o entre esses achados e a intensidade da dor e a incapacidade associada a ela. Na avaliaçã o da pessoa que sofre de dor articular crô nica deve-se priorizar a anamnese, avaliaçã o de sinais e sintomas, alteraçõ es biomecâ nicas sem negligenciar a perda de funçã o e as limitaçõ es causadas pela dor.4 Diante da abrangê ncia epidemioló gica, do impacto socioeconô mico e da complexidade diagnó stica e terapê utica precoce, representada pela inabilidade de pro issionais de saú de no manejo de dores articulares, enfatiza-se a importâ ncia da compreensã o da dor articular.

Este artigo de revisã o narrativa tem o objetivo de discutir os principais avanços isiopatoló gicos da dor, e conceitos aplicados à dor articular. Artralgias sã o geralmente descritas em termos de dores in lamató rias, contudo, alguns autores destacam a componente neuropá tica dessas dores. Ao concluir-se o artigo, aponta-se possıv́eis alvos terapê uticos de exercıćios e educaçã o do paciente para a abordagem da dor articular.

Desenvolvimento Dor aguda versus crônica A dor é de inida pela IASP/SBED em termos de uma “experiê ncia sensitiva e emocional desagradá vel, associada a dano real ou potencial de tecidos ou descrita em termos de tal dano”.3 Apó s a transduçã o do estım ́ ulo nociceptivo (estım ́ ulo de uma lesã o potencial ou real), o sinal é transmitido pelo neurô nio aferente ao sistema nervoso central (SNC). O sinal nociceptivo proveniente dos nervos perifé ricos ascendem ao SNC, pelo corno posterior da medula espinal, este sinal é submetido a mecanismos endó genos de facilitaçã o e inibiçã o até sua transmissã o ao có rtex cerebral, onde, en im, será percebido como dor. Logo, a dor é uma percepçã o e interpretaçã o do sinal nociceptivo nos centros superiores.6 A percepçã o da dor promove alteraçõ es comportamentais, ativa mecanismos de proteçã o neuroquım ́ icos e biomecâ nicos, em busca de estraté gias para suprimir o sinal de lesã o potencial ou real. Sob este ponto de vista, a dor aguda age a favor da integridade do corpo humano. Ao contrá rio da dor crô nica, onde o sintoma persiste mesmo na ausê ncia de lesã o tecidual que justi ique a causa da algia.5 A dor crô nica pode induzir uma cascata de sensibilidade à dor, temperatura e outros sentidos (audiçã o, olfato); uma sequê ncia de sentimentos de invalidez, depressã o e angú stia, mesmo que nã o haja mais sinal ascendente nociceptivo que justi ique tal comportamento.

No caso das lombalgias, aproximadamente 60% evoluem com dores que aliviam apó s algumas semanas, enquanto outras sã o de evoluçã o lenta e os sintomas de dor e incapacidade persistem.7 Quando a dor permanece por mais de trê s meses consecutivos, ela é entã o classi icada como crô nica.3 Contudo os mecanismos que explicam a croni icaçã o da dor ainda sã o incertos. Pesquisas com modelos teó ricos e experimentais buscam justi icativas para a persistê ncia da dor sem a presença do estım ́ ulo nociceptivo. E importante destacar que nos dias atuais, nã o se considera mais, a dor crô nica como um sinal de lesã o crô nica. Ao contrá rio, atualmente estabelece-se que a dor crô nica seja consequê ncia de alteraçõ es neuro isioló gicas. Ou seja, consideram-se alteraçõ es nos mecanismos endó genos de controle da dor ao nıv́el da medula espinhal, ao nıv́el do tronco cerebral, alteraçõ es na neuromatriz cortical, simultâ nea ou isoladamente. Caracterıśticas gené ticas assim como personalidade, dramatizaçã o da dor, medo da dor, resiliê ncia e outras caracterıśticas psicoló gicas do indivıd ́ uo podem in luenciar facilitando ou inibindo a percepçã o da dor.5,8 A negligê ncia no tratamento da dor, ao inıćio de sua apariçã o, pode induzir a sensibilizaçã o central, e esta seria uma das causas da persistê ncia da dor. Esse fenô meno é um dos mais estudados na croni icaçã o da dor, e ocorre por excesso de estimulaçã o nociceptiva de terminaçõ es nociceptivas ın ́ tegras no corno posterior da medula espinal. A liberaçã o contın ́ ua de neurotransmissores, aminoá cidos, citocinas, bradicininas, substâ ncia P, facilitadas pelo processo in lamató rio, podem sensibilizar e reduzir

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o limiar de excitabilidade das terminaçõ es nervosas livres, sensibilizando o neurô nio aferente primá rio.5 Este excesso de estimulaçã o nociceptiva pode, entre outros, ocorrer por processo in lamató rio de lesã o tecidual ou tramá tica. A plasticidade neuronal no corno posterior da medula espinal, que ocorre no processo de sensibilizaçã o central, é evidente quando as ibras aferentes do tipo C sã o ativadas prolongadamente durante lesõ es de nervos sensitivos ou pela atividade mantida dos nociceptores.5,8 Este fenô meno de alteraçã o no processamento central da sensibilidade mantido dinamicamente pelas aferê ncias nociceptivas manifesta-se por meio de sensaçõ es de hiperalgesia, alodın ́ ia ou parestesia.

Inibir fatores que predizem a dor crô nica seria dever de todos os pro issionais de saú de, ou seja: minimizar sensaçã o de vulnerabilidade frente a dor, desmisti icar crenças de dor, e proporcionar estraté gias farmacoló gicas e nã o farmacoló gicas para o manejo da dor, e isto desde sua primeira consulta. As expectativas do paciente sã o superiores aos mecanismos medulares na modulaçã o da dor. Melzack8 descreve que, a modulaçã o das expectativas de um paciente com dor, pode inibir ou aumentar a resposta do mecanismo de analgesia da teoria das comportas, descrita algumas dé cadas antes pelo mesmo autor, com a colaboraçã o de Patrick Wall.

Dor articular in lamatória As artrites sã o caracterizadas por in lamaçã o, dor e alteraçõ es estruturais nas articulaçõ es e atingem aproximadamente 22% da populaçã o norte americana. Contudo, a dor articular nã o é uma queixa unâ nime nesta populaçã o, aproximadamente 20% das pessoas entre 18 e 44 anos queixam-se de artralgia, e 35% daqueles entre 45 e 64 relatam dor associada à s artrites.1 A artrite reumató ide (AR) é uma condiçã o reumató logica crô nica, sistê mica, simé trica, autoimune que acomete prioritariamente o tecido sinovial, embora també m possa comprometer tecidos extra articulares. A dor é descrita principalmente durante a fase ativa da doença, quando a articulaçã o apresenta-se quente, edemaciada, rıǵida e á lgica ao repouso, com piora do sintoma ao movimento. Durante a fase ativa da AR agravam-se as deformidades, com perda de amplitude de movimento, desvios articulares, desequilı́brios musculares e instabilidade articular, ou seja, as caracterıśticas da articulaçã o na fase crô nica. Prevalente em 1% da populaçã o mundial está associada a elevados custos sociais e custos de saú de. A evoluçã o progressiva da AR promove destruiçã o da articulaçã o e tecidos adjacentes. A severidade na incapacidade funcional, gerada pela perda de mobilidade de mã os, dedos, joelhos e pé s, gera custos diretos e indiretos em saú de.9 O uso de medicamentos bioló gicos imunossupressores favorece a qualidade de vida dos pacientes que sofrem com AR, espondiloartrites e outras condiçõ es autoimunes. A medicaçã o deprime algumas vias do sistema imunoló gico dos pacientes, reduzindo a atividade in lamató ria autominue de destruiçã o da articulaçã o.

Embora o custo direto com o medicamento seja elevado,

há menor gasto com outros custos de saú de como hospitalizaçã o, baixa produtividade, consultas a pro issionais de saú de.10 Associado ao tratamento farmacoló gico é importante garantir a manutençã o da amplitude de movimento, a força, coordenaçã o e integridade das articulaçõ es, preocupando-se sobretudo com a funcionalidade de dedos e mã os, tornozelos e pé s, joelhos e demais articulaçõ es acometidas. A dor é um sintoma desagradá vel, poré m, em situaçõ es de dores crô nicas, a funcionalidade deve ser priorizada.11 Osteoartrites (OA), anteriormente conhecidas pelos termos de osteoartroses e artroses, hoje tem sua terminologia associada ao termo OA. No princıp ́ io, estavam associadas apenas à degeneraçã o da matriz ó ssea por aceleraçã o enzimá tica catabó lica induzida pela idade, sobrecargas e há bitos de vida. Atualmente, a OA tem sua componente in lamató ria em fase inicial bem descrita, com envolvimento de toda a articulaçã o. Em particular, consideram-se as interaçõ es entre osso subcondral e cartilagens, causadores de degeneraçõ es e calci icaçõ es ó sseas e das alteraçõ es em lesã o de cartilagens como causa central da OA. Há evidê ncias de manifestaçõ es bioquım ́ icas e biomecâ nicas à progressã o da doença/sın ́ drome AO.12 Vá rios fatores de riscos sã o propostos incluindo obesidade, fraqueza muscular, caracterıśticas ocupacionais, alimentaçã o, esporte de alto rendimento entre outros. Contudo, de forma geral, ainda há baixo nıv́el de evidê ncia cientı́ ica na causuıśtica.12,13 Outra condiçã o de dor in lamató ria nas articulaçõ es, de elevada prevalê ncia, sã o as lesõ es por esforço repetitivo, geralmente associado à s caracterıśticas ocupacionais ou esportivas. Estas lesõ es acometem articulaçõ es com quadro in lamató rio no sistema musculoesquelé tico (lesõ es nã o associadas a traumas). Nos Estados unidos da Amé rica representam 23% das hospitalizaçõ es de causa musculoesquelé ticas.1 Dor articular crônica: componente neuropática?

A dor crô nica foi brevemente abordada sob o conceito de persistê ncia do sintoma, devido a alteraçõ es em mecanismos endó genos de modulaçã o da dor. Estas alteraçõ es també m se aplicam a dor crô nica articular. Alé m das alteraçõ es neuro isioló gicas vale ressaltar a importâ ncia do entendimento da dor dentro do modelo biopsicossocial, onde fatores psicoló gicos e sociais in luenciam e podem ser in luenciados pelo sintoma á lgico facilitando ou inibindo mecanismos corticais e medulares de modulaçã o da dor.8,14 As dores crô nicas podem estar associadas à s comorbidades como depressã o, distú rbios de ansiedade, distú rbios do sono, entre outras.14 De forma geral algumas lombalgias já sã o largamente aceitas como dores mistas, ao contrá rio das AO, cujos estudos para demonstrar a sensibilizaçã o central ainda sã o recentes.

A dor neuropá tica é de inida pela IASP como: “dor iniciada ou causada por lesã o primá ria, disfunçã o ou perturbaçã o transitó ria do Sistema Nervoso Central (SNC) ou Perifé rico (SNP)”. A inclusã o do termo “disfunçã o” é a que nos permite classi icar em dores habitualmente nã o consideradas neuropá ticas como, por exemplo, ibromialgia,

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lombalgia crô nica e osteoartrites, pois embora a lesã o do nervo esteja ausente, estas patologias apresentam alteraçã o no funcionamento do sistema nervoso somatossensorial. Vale destacar que esta de iniçã o ainda é controversa, pois alguns consideram vago do termo “disfunçã o”, assim como classi icam como pouco especı́ ica a referê ncia ao sistema nervoso.15 Por outro lado, inú meros pesquisadores defendem a croni icaçã o da dor como uma disfunçã o do sistema nervoso, perimindo assim, discutir a croni icaçã o da dor pelos mecanismos de sensibilizaçã o central da dor entre outros.

Dores crô nicas na regiã o lombar apresentam manifestaçõ es clın ́ icas complexas, heterogê neas onde estimase que os mecanismos envolvidos sejam nociceptivos in lamató rios e neuropá ticos. Enquanto 5% das lombalgias crô nicas sã o de causa neuropá tica, ou seja, por lesã o compressiva ou traumá tica de nervos; estima-se que 55% de lombalgias tenham um componente de dor neuropá tica, ou seja, por uma disfunçã o no sistema nervoso somatossensorial.16 Do ponto de vista clın ́ ico, as lombalgias persistem com uma abordagem terapê utica centrada na nocicepçã o (causa in lamató ria, biomecâ nica e bioquım ́ ica) subtratando as caraterıśticas neuropá ticas perifé ricas e centrais da dor. Alé m da variaçã o na aceitaçã o da prevalê ncia de dores neuropá ticas nas lombalgias, a metodologia dos estudos també m varia, inclusive na escolha dos instrumentos para avaliar a dor neuropá tica.16 A dor é a principal queixa de sintomas da OA, cujo componente de dor in lamató ria foi previamente abordado.12 Estudos recentes acrescentam o envolvimento de mecanismos neuro isioló gicos central e perifé rico para a persistê ncia do sintoma á lgico na OA, sensibilizando o neurô nio aferente primá rio, corno posterior da medula espinal. Ao nıv́el perifé rico descreve-se a transduçã o da dor pelas terminaçõ es nervosas livres do tecido ó sseo, tendõ es e capsula sinovial, destaca-se a ausê ncia destas na cartilagem.17 A dor crô nica está associada a mudanças plá sticas, as quais podem alterar o processamento da informaçã o no SNC. No SNC, os estım ́ ulos nã o nociceptivos sã o interpretados como dor por um processo de aprendizagem contın ́ ua, por meio do excesso de informaçã o nociceptiva, que ascende a este sistema.17 Recentemente, sã o reconhecidas as alteraçõ es neuroplá sticas na dor crô nica, bem como sua componente neuropá tica. Sã o igualmente identi icadas as abordagens terapê uticas comportamentais, motoras e farmacoló gicas para seu tratamento, e a componente de dor neuropá tica central, induzida pelas modiicaçõ es da persistê ncia de sinal nociceptivo no SNC. Uma revisã o sistemá tica18 explora a hiperexcitabilidade do SNC nas OA. O fenô meno de sensibilizaçã o central també m pode ser desencadeado pelo componente in lamató rio das dores articulares reumá ticas. O excesso de informaçã o nociceptiva in lamató ria promove as alteraçõ es plá sticas no sistema nervo, amplia o sinal nociceptivo no SNC, tanto pela somaçã o temporal (repetiçã o do estım ́ ulo no tempo) quanto pela somaçã o espacial (estı-́ mulo nociceptivo proveniente de extensa superfıćie somá tica) da dor.5,18 A sensibilizaçã o pode ocorrer ao nıv́el espi-

nhal, assim como nas vias de inibiçã o descendente (tronco cerebral), pela precá ria ativaçã o no mecanismo antinociceptivo, pela excitabilidade da neuromatriz da dor no có rtex cerebral ou pela potencializaçã o neuronal no có rtex cingulado anterior.18 Assim como em outras patologias com dores crô nicas, como por exemplo na ibromialgia, 19 propõ em-se subgrupos de pacientes. A manifestaçã o clın ́ ica é complexa e heterogê nea, estima-se que 30% dos pacientes com OA apresentem sensibilizaçã o central, ou seja, componente dor neuropá tica central. Pacientes com dores crô nicas apresentam comorbidades como distú rbios do sono, distú rbios do humor (como ansiedade e depressã o), distú rbios no trato digestivo (como sın ́ drome do intestino irritado), entre outras. Poré m, assim como a sensibilizaçã o central, estas manifestaçõ es clın ́ icas apresentam-se em uma parcela de pacientes.

O tratamento das artralgias deve ser adaptado à manifestaçã o clın ́ ica do paciente, ajustado conforme as comorbidades identi icadas na anamnese e ao logo do acompanhamento terapê utico do paciente. Propõ em-se abordagem com terapia manual, TENS, tratamento cirú rgico para colocaçã o de pró teses, terapia cognitivo comportamental, medicaçã o, exercıćio terapê utico.18 Ou seja, a abordagem terapê utica do paciente com OA, lombalgia crô nica e demais artralgias deve considerar as mú ltiplas in luencias do ambiente na modulaçã o e percepçã o da dor.

Fatores psicoló gicos, relacionados direta ou indiretamente com a dor articular, devem ser abordados para terem sucesso terapê utico.5 Pro issionais de saú de devem estar atentos à s alteraçõ es e manifestaçõ es clın ́ icas de alteraçã o nos mecanismos de modulaçã o da dor, por exemplo, a presença de alodın ́ ea (relato da dor apó s um estım ́ ulo nã o nociceptivo) e hiperalgesia (relato de dor intensa apó s um estimulo nociceptivo leve).

Ação do movimento sobre a articulação comprometida Privilegiar a recuperaçã o da funçã o sobre os esforços de analgesia é a tendê ncia na reabilitaçã o do paciente com dor.11 De um lado, a abordagem da AR defende a premissa de ser agressivo na abordagem farmacoló gica precoce, para inibir o processo in lamató rio, aliviar os sintomas, prevenir deformidades e lesõ es articulares para minimizar efeitos a longo prazo e prevenir deformidades articulares.20 Por outro lado, nas OA21 e AR22 a associaçã o do exercıćio terapê utico é destacada por seu fator de proteçã o à manutençã o da funcionalidade.5,21,23 As limitaçõ es articulares, assim como a fraqueza musculoesquelé tica, coordenaçã o, propriocepçã o e outras propriedades neuromecâ nicas do movimento devem ser acessadas na avaliaçã o inicial dos pacientes.

Desta forma, o processo de reabilitaçã o será facilitado pelo planejamento de exercıćios terapê uticos, ajustados à correçã o de alteraçõ es no padrã o de movimento. Alteraçõ es biomecâ nicas e neuromusculares estã o diretamente relacionadas a dor, assim como induzem a reorganizaçã o do có rtex somatossensorial e motor, podendo sensibilizar os mesmos, assim como, a persistê ncia do sinal nociceptivo sensibiliza as vias aferentes.24 Desta forma, estipula-se

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que exercıćios especı́ icos possam melhorar o controle da dor crô nica neuropá tica, embora a maioria dos estudos que demonstram este efeito sejam realizados em modelos animais.25 Os exercıćios visam, primeiramente, proporcionar melhoras em propriedades estruturais e funcionais dos tecidos moles, adjacentes as articulaçõ es comprometidas.

Classi icam-se os exercıćios em: aeró bicos e condicionamento cardiovascular e cardiorrespirató rio; força e resistê ncia muscular; melhorar e manter amplitude de movimento; controle e coordenaçã o da funçã o neuromuscular.

Investiga-se també m os benefı́cios adicionais destas modalidades combinadas na resposta de in lamaçã o e de modulaçã o da dor.23,26 Assim como em pacientes com dor articular, nos pacientes com dor neuropá tica també m visa-se recuperar a funcionalidade do movimento. Contudo, no caso da dor neuropá tica, destaca-se a especi icidade da funcionalidade do có rtex somatossensorial, motor e na representaçã o corporal. Visa-se sobretudo reduzir a expansã o da representaçã o cerebral de dor e suas interaçõ es na malha cortical, que originalmente nã o estavam associadas a dor.24 A incapacidade associada a dor e a fraqueza muscular sã o frequentes nas OA, contudo, sã o condiçõ es reversı-́ veis.23 Exercıćios adaptados à s caracterıśticas e respeitando suas comorbidades de cada caso sã o efetivos ao alıv́io da dor e melhora da funcionalidade, ganho de força muscular, propriocepçã o e equilıb ́ rio principalmente quando associados ao tratamento farmacoló gico.21 A promoçã o de exercıćios funcionais, que aumentam a autoestima e autonomia, pode ajudar na adesã o do tratamento. Estimular a participaçã o ativa do paciente, na tomada de decisã o para o planejamento do tratamento, també m favorece a aderê ncia à s atividades propostas, informar e orientar o paciente é fundamental para seu empoderamento. Destaca-se a necessidade de: (a) reformular crenças que prejudicam o prognó stico do paciente, por exemplo, a catastro izaçã o, vulnerabilidade frente a dor; (b) recontextualizar a dor e a incapacidade; (c) apresentar estraté gias adaptativas; (d) proporcionar mudanças nos há bitos de vida; (e) dissociar a dor crô nica de uma lesã o crô nica.

Educação do paciente com dor articular Recomendaçõ es internacionais indicam a educaçã o de pacientes com dores crô nicas. A proposta educativa é de forma geral simples, efetiva e de custo baixo. Justiicam-se pele necessidade de empoderamento do paciente que convive rotineiramente com a dor e incapacidade funcional. Há vá rios modelos teó ricos para o tratamento da dor articular crô nica, aqueles baseados na terapia cognitivo comportamental;27 os fundamentados no construtivismo que utilizam a terapia breve, terapia sistê mica;28 e modelos explicativos, como o modelo bioló gico de educaçã o ou explaining pain.26 Embora as teorias que fundamentam a mudança no comportamento, sejam distintas entre os programas de educaçã o de paciente com dor, de forma geral, visa-se quebrar crenças e mitos que prejudicam a participaçã o ativa do paciente no tratamento, recontextu-

alizar a dor e a incapacidade, adotar estraté gias adaptativas, proporcionar mudanças nos há bitos de vida, entre outros.29 A mensagem fundamental que os pacientes (e proissionais da saú de) devem adquirir é a dissociaçã o da dor crô nica, com uma lesã o crô nica. A causa da persistê ncia do sintoma deve-se a alteraçõ es bioló gicas no sistema nervoso central, mudanças de comportamento e participaçã o social. Para o tratamento da dor crô nica, nã o se deve seguir o modelo biomé dico de causa-consequê ncia, ao contrá rio, deve-se visar mudanças de comportamento dentro de um modelo biopsicossocial. Em 2001, a Organizaçã o Mundial de Saú de propô s um modelo teó rico para melhor adaptaçã o e compreensã o de recursos e de iniçã o de objetivos terapê uticos no tratamento do indivıd ́ uo. O Modelo da Classi icaçã o Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saú de abrange a reabilitaçã o em um contexto amplo ao considerar caracterı́sticas estruturais, corporais, funcionais, de participaçã o social, caracterıśticas ambientais e pessoais complementadas a condiçã o patoló gica do doente.30

Conclusão A dor articular é prevalente, incapacitante e associada a um elevado ô nus socioeconô mico mundial. As principais patologias com sintoma de artralgia sã o as OA e AR, sendo joelhos e coluna vertebral as regiõ es corporais mais acometidas. De forma geral, essas dores e patologias sã o abordadas por sua etiologia in lamató ria e biomecâ nica, contudo, há evidê ncias que demostram a componente neuropá tica no caso de dores crô nicas. A somaçã o temporal e espacial do sintoma á lgico promove alteraçõ es nos mecanismos endó genos de controle da dor, sensibilizando o sistema nervoso, no corno posterior da medula, no có rtex somatossensorial, có rtex motor, entre outros. Vale ressaltar que nã o se deve apenas investir em substâ ncias que reduzam o sinal nociceptivo in lamató rio, mas també m, devem-se procurar entender melhor os mecanismos que induzem a croni icaçã o da dor e investir em estraté gias que auxiliem na dessensibilizaçã o da dor crô nica.

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