CONTEÚDO LOCAL
“Não Será Uma Lei que Vai Determinar o Sucesso do Conteúdo Local” Enquanto o Governo, o sector privado e a sociedade civil exigem a aprovação urgente da Lei do Conteúdo Local, o especialista no assunto, Elmar Mourão, defende que, por mais que esta seja criada, sem regras, metodologias e fiscalização, não será possível maximizar o aproveitamento interno da posse de recursos naturais Texto Nário Sixpene • Fotografia Mariano Silva & D.R
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lmar Mourão é um profissional com mais de 30 anos de carreira no sector do Oil & Gás. É representante credenciado e actua como membro do Comité de Conteúdo Local dos Organismos de Certificação na ANP – Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustível. Trabalhou em empresas do ramo petrolífero actuando em diversas refinarias, plataformas de produção, plataformas de perfuração e completação, terminais e estações de petróleo e gás. É especialista em Conteúdo Local. Portanto, uma voz que, baseada na experiência do Brasil e de outras partes do mundo, fala com propriedade o que muito poucos disseram até agora: a preocupação da sociedade moçambicana não tem de ser a criação de uma Lei e, sim, de uma entidade que vá trabalhar com o Conteúdo Local no sector do Oil & Gas. Que diferenças é que nota em Moçambique desde que veio pela primeira vez? Quando cá estive pela primeira vez, em 2018, estava a discutir-se a minuta da Lei de Conteúdo Local. Tinha recebido o draft, num primeiro evento que foi realizado pela embaixada do Brasil. Estava presente o ministro dos Recursos Minerais e Energia e outras autoridades do Governo. Era o momento em que se estava a discutir a ideia e eu percebi que não havia muitos avanços naquela altu-
ra. Agora, sinto que o assunto já é debatido, mas ainda sem uma base já definida. Na minha óptica, o Conteúdo Local requer detalhes que têm de ser definidos e que devem ser comuns, não só para o Governo, como para os agentes reguladores, concessionárias e empresas locais. Isso tem de estar definido independentemente de existir ou não uma lei. Por exemplo, o Brasil não tem uma lei de Conteúdo Local, mas existem regras e fiscalização das mesmas. É que uma lei sem regras e respectiva fiscalização não surte nenhum efeito. Por isso, o meu entendimento é o de que, hoje, é o momento de se criar regras e metodologias, independentemente de haver ou não uma lei, e que nela podem, ou não, estar inseridas. Enquanto especialista, creio que tais regras não devem estar, necessariamente, inseridas na lei, porque esta não é susceptível de mudar com facilidade para acompanhar a dinâmica da rápida mudança dos mercados no sector do Oil & Gas. Ou seja, a lei não determina tudo, só enquadra. Depois há normas que dependem da área, é isso? Sim. Se se optar por criar uma lei de Conteúdo Local, num cenário em que há necessidades e posicionamentos diferentes, então, esta não vai alcançar todos os posicionamentos, pois estará incompleta. Isto acontece porque a lei é rígida. Como é que se altera? Tem de ir de novo à Presidência e enfrentar todo um processo complexo, longo e demorado,
“Uma lei sem regras e fiscalização não tem efeito nenhum. O meu entendimento é o de que hoje é o momento de se criar regras e metodologias”
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ao passo que um instrumento instrutivo não. Uma agência pode publicar um novo instrutivo. O que é o “Instrutivo”? Cada país tem um termo, um nome. Em Angola (de onde regressei recentemente), o nome aplicado é ‘instrutivo’. No Brasil , chamamos de ‘resolução’. Indo à explicação, posso dizer que, por exemplo, em Angola, temos, no petróleo, a Agência Nacional do Petróleo. Imaginemos que o Governo decide que quem vai cuidar do segmento do petróleo é esta agência e que cada agência reguladora do seu segmento é que toma decisões no sector a que diz respeito. Então, na agricultura será a agência ou o ministério que responde pela agricultura. A partir daí, imaginando que no petróleo seja o INP, então este certamente terá algum instrumento legal, judicial, etc., que seja publicado. Não sei qual é o termo que usam aqui em Moçambique, mas diz respeito à metodologia publicada e que é utilizada numa determinada área. Moçambique caminha muito para a questão da Lei nos últimos anos. Está a debater-se a falta de uma lei e tem-se referido, aliás, que é por culpa disso que ainda não há Conteúdo Local propriamente dito. Afinal, isto não é bem assim… Não, não é. Tanto que no Brasil não existe Lei de Conteúdo Local, mas as normas são muito bem institucionalizadas. Lá funciona por segmentos. Por exemplo, a ANP (Agência Nacional de Petróleo) é que coloca essas metodologias e regras, chamadas de ‘resolução’. Recentemente, foi feita uma resolução que é constantemente ajustada. Repito: se fosse uma lei teríamos de passar pelo Congresso Nacional por ser infinitamente mais rígida. www.economiaemercado.co.mz | Agosto 2022