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NAÇÃO

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Para bom começo, é importante lembrar que falar de industrialização ou da indústria transformadora em Moçambique não é a mesma coisa que abordar o mesmo tema nos países onde o processo começou logo após a primeira Revolução Industrial no Séc.XVIII – com epicentro na Inglaterra –, e que hoje estão ao nível de projectos industriais muito mais evoluídos do ponto de vista de utilidade e sofisticação tecnológica. Ao contrário disso, por ser um país pobre e jovem, Moçambique tem processos relativamente primitivos e atrasados de industrialização, mas que nem por isso deixam de ser importantes para o crescimento económico sustentado e inclusivo, podendo elevar a produtividade e o emprego.

Assim, devido às características da sua muito pequena estrutura de produção, o sector industrial moçambicanodesde cedo que se concentra em sectores relacionados com a agricultura. Segundo um estudo do economista Carlos Nuno Castel-Branco, logo após a independência, em 1975, 67% da produção da indústria transformadora provinha de três ramos da indústria ligeira, nomeadamente alimentos, bebidas e tabaco (54%); têxteis, vestuário e couro (7%); e madeira e mobiliário (6%). Nessa altura, todos estes ramos eram altamente importadores de matéria-prima, sem contar que 80% da mão-de-obra na indústria transformadora era analfabeta e 85% não qualificada, o que constituiu, desde cedo, um sério obstáculo à modernização e desenvolvimento do sector e à melhoria rápida da gestão, produtividade e disciplina laboral. “Ou seja, no seu conjunto, a indústria transformadora não contribuía para a captação de divisas, visto que as receitas de exportação dos produtos primários pré-processados eram inferiores aos gastos totais de importação de factores de produção para o sector, o que é característico de um sector frágil e subdesenvolvido”, caracteriza o estudo, intitulado “Problemas Estruturais de Industrialização – Indústria Transformadora”.

Evolução muito lenta Ao longo dos anos, pouca coisa mudou. Basta olhar para os dados da Política e Estratégia Industrial 2016-2015, que aponta que os sectores mais contribuidores para a produção da indústria transformadora nacional são a Metalúrgica (35%), Alimentar (25%), Bebidas (13%), Minerais não-metálicos (10%), Tabaco (8%), e as restantes com 9%.

A madeira é um dos potenciais que Moçambique tem em termos de recursos importantes para a indústria, mas que é subaproveitado ao ser exportado em bruto

De acordo com este documento, o sector industrial moçambicano é composto, fundamentalmente, por empresas de micro e pequena dimensão que correspondem a mais de 90% do mercado industrial, sendo as micro-indústrias correspondentes a 63% do sector, as pequenas 31%, as médias 3% e as grandes apenas 3%. Todos estes dados elucidam a fraca base de sustentação da indústria transformadora moçambicana e legitimam todo o esforço que o País tenta realizar rumo a uma melhor estruturação do sector. Más há também que lembrar que a industrialização não é o sonho de um País principiante. Moçambique já deu passos que pareciam promissores quando, nas décadas de 1980 e 1990, chegou a ter indústrias respeitadas na região e no continente, como a fábrica de pneus MABOR, a indústria de vidros Vidreira de Moçambique, a indústria têxtil, além de outras unidades de sectores electrónicos, como a fábrica de montagem de aparelhos televisores e de rádio. Todas elas falidas durante as crises relacionadas com a guerra civil dos 16 anos (1976-1992), e que, apesar de inúmeras tentativas, nunca se conseguiu recuperar.

Os Determinantes Da “Pobreza” Industrial Todos os nossos entrevistados convergem em relação aos aspectos que perpetuam o subdesenvolvimento do sector industrial. A Política e Estratégia Industrial 2016-2025 resume-os da melhor maneira, agrupando-os em cinco factores, nomeadamente o reduzido nível de infra-estruturas adequadas que geram o encarecimento dos custos operacionais, caracterizados por condições de acesso precárias a alguns mercados; o preço de transporte praticado relativamente alto; o fraco acesso ao financiamento bancário, caracterizado por elevadas taxas de juro; a inexistência de linhas de crédito específicas para o ramo industrial e instituições bancárias orientadas para o financiamento da indústria; o reduzido nível de força de trabalho com qualificações adequadas (sendo que a existente é onerosa); deficiência no fornecimento de energia eléctrica e água e com custos elevados comparativamente aos países da região, apesar da existência das Zonas Económicas Especiais (ZEE) e das Zonas Francas Industriais (ZFI); a pouca atractividade do sistema fiscal devido às altas taxas de cobrança existentes comparativamente aos países da região; e ainda a prevalência de taxas aduaneiras elevadas, demora no desalfandegamento dos produtos e custos portuários elevados. Sobre os elevados custos de investimento na indústria, o Presidente do Pelouro da Indústria ao nível da CTA – a maior organização das empresas do sector privado nacional –, Evaristo Madime, avança o exemplo do IVA, que em Moçambique está nos 17%, sendo mais elevado do que em vários países da África Austral que praticam 14%. Lembra ainda que Angola já está a aplicar uma das taxas de IVA mais baixas, em 7%, “que está perfeitamente ajustada à realidade dos países com este nível de rendimento”. Quanto ao IRPC, que é um tipo de imposto sobre o rendimento, está nos 32%, mas nos vários países ronda nos 20%. É isto que tem de mudar.

Já se tentou resolver mas… Agora é a sério! Depois de vários instrumentos aprovados a tentarem responder aos desafios da industrialização, mas sem resultados, eis que uma iniciativa do Presidente da República, o Programa Nacional de Industrialização (PRONAI), lançado em Agosto passado, vem reacender a esperança de um futuro risonho. O sector privado – que muitas vezes discorda da postura das iniciativas do Governo – e os académicos acreditam, desta vez, no mérito deste instrumento. O que dizem? A Associação Industrial de Moçambique é a primeira a suspirar de alívio com a introdução desta iniciativa, mas os aspectos particulares do seu posicionamento estão na entrevista ao seu presidente, Rogério Samo Gudo, nos artigos subsequentes desta edição. Evaristo Madime vê a iniciativa como “bastante pertinente, representando o fortalecer da aposta na industrialização com linhas muito importantes que o Governo está a trazer”. Por seu turno, Edson Chichongue, director-executivo da Associação de Comércio, Indústria e Serviços (ACIS),

O MELHOR CENÁRIO DO FUTURO DA INDÚSTRIA

Mesmo com incertezas quanto aos requisitos que vão tornar exequível o PRONAI (o financiamento é um deles), o Governo fixa metas ambiciosas sobre o seu impacto na economia, nomeadamente:

SUBIR O PESO DA INDÚSTRIA NO PIB…

Em uma década, o Executivo quer que o PRONAI torne a indústria transformadora responsável por até 14% do PIB

Em %

8,8 9,8 11,8 14

2019 2024 2027 2030

… AUMENTAR EXPORTAÇÕES…

Uma vez alcançada alguma capacidade de produção interna e de transformação, a grande filosofia assentará na aposta da exportação

Em %

0 5 10

2019 2024 2027 15

2030

… SUBSTITUIR IMPORTAÇÕES…

Gradualmente, a estrutura dependente de importações irá dar lugar à capacidade interna de alimentar a industrialização

Em %

100 90 88 85

2019 2024 2027 2030

… AMPLIAR POSTOS DE TRABALHO

Será o resultado de toda esta movimentação. A meta é ambiciosa, indicando um aumento de quase 2,5 vezes no número de empregos

Em milhares

215

88 118 159 organização que congrega 400 membros efectivos e 700 registados, entende que “o PRONAI, sob ponto de vista teórico, tem uma abordagem que pode produzir algum impacto no desenvolvimento da indústria em Moçambique. Na mesma linha, Cerina Mussá, do Ministério da Indústria e Comércio, revelou que este programa distingue-se por ser prático, com um novo paradigma, que representa uma mudança na forma de pensar, de agir, de conceber a produção e de olhar para os mercados nacional e internacional. “Procurará resolver os entraves ao nível da logística com a preocupação de aproximar as fontes de matéria-prima e a indústria. Além disso, toma em consideração a industrialização no modelo de cluster o que traz a necessidade de sustentabilizar as pequenas empresas para que estabeleçam ligações com as de maior dimensão e fazer o uso dos diversos corredores de desenvolvimento espalhados pelo País”, defendeu a economista e assessora do ministro da Indústria e Comércio, Carlos Mesquita. A alimentar este optimismo estão, entre outros factores, as ambiciosas metas a serem alcançadas em apenas uma década (ver gráficos).

Mas... quem garante que desta vez vai funcionar? A experiência do passado encarrega-se de alimentar dúvidas. O Estudo do Instituto de Estudos Sociais e Económicos, elaborado pelo economista Carlos Nuno Castel-Branco, elucida esta questão. Segundo o documento, após a Independência, o estado da indústria transformadora foi influenciado por diferentes estratégias: até 1984/85, por

ONDE ESTÁ O POTENCIAL DE INDUSTRIALIZAÇÃO?

As prioridades de industrialização foram definidas tomando em consideração factores nos quais o País apresenta vantagens, o que, no entender do Governo, acabaria por facilitar a implementação dos projectos e torná-los competitivos. Entre os vários factores destacam-se a geração de emprego e a fonte de matéria-prima.

ALIMENTAR E AGRO

Moçambique é um país fértil para o desenvolvimento deste tipo de indústria. Várias iniciativas têm dado provas de que há espaço para a sua consolidação.

METALURGIA

O País tem também potencial de fabrico de produtos metálicos que pode ser capitalizado internamente e substituir importações.

VESTUÁRIO, TÊXTIL E CALÇADO

Será a revitalização de projectos industriais que não são propriamente novos no País, mas que, por razões diversas, entraram em falência.

MINERAIS NÃO METÁLICOS

Fazem parte desta indústria as pedras preciosas e semi-preciosas que abundam no solo moçambicano, mas que estão subaproveitados.

PAPEL E IMPRESSÃO

Tem a particularidade de poder utilizar, como matéria-prima, os recursos florestais que são abundantes em Moçambique.

PROCESSAMENTO DE MADEIRA

Não é novidade que muita madeira nacional é contrabandeada ou exportada em bruto, resultando em perdas significativas de divisas.

QUÍMICA, BORRACHA E PLÁSTICOS

Há aqui um histórico de indústrias que operaram nesta área, pelo que poderá tratar-se, também, da revitalização destas actividades.

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A indústria das cervejas é uma das poucas grandes referências de Moçambique, a par de outras gigantes. Quase todas são do ramo alimentar ou de bebidas

uma estratégia teoricamente assente na alocação administrativa de recursos por via da planificação centralizada, com o Estado como centro de acumulação e com novos investimentos de raiz como prioridade. A partir de 1986/87, por uma estratégia teoricamente caracterizada pela liberalização das operações dos mercados e pela privatização das empresas estatais e intervencionadas, com o sector privado como centro de acumulação e com investimentos na reabilitação do parque industrial existente como prioridade. E a questão é: por que motivos tais estratégias, embora teoricamente tão diferentes, produziram o mesmo padrão de resultados? Quais as alternativas para uma industrialização sustentável da economia moçambicana? A verdade é que a indústria transformadora nacional mantém, ao longo do tempo, uma estrutura subdesenvolvida e desequilibrada que requer a alteração dos objectivos do sector e das suas ligações com os restantes sectores da economia, o que é desafiante num contexto de escassez de recursos. Daí os avisos quanto à estratégia mais recente.

A transformação está na capacidade de realizar Um documento vale o que vale, mas a acção vale muito mais. “É necessário que se invista muito na forma como esses instrumentos se devem operacionalizar”, defende Edson Chichongue, cuja dúvida encontra argumentos na constatação de que “não só os instrumentos do sector industrial, mas no quadro geral de políticas de desenvolvimento do País, verificam-se várias descontinuidades ocasionadas pelas variações dos ciclos governativos. Isto é, as prioridades são interrompidas e mudam conforme os governos se vão sucedendo”. Junta-se a este o representante do sector industrial nacional ao nível da CTA. Evaristo Madime sugere que pelo facto de o sector privado liderar o desenvolvimento industrial em termos propriedade, de iniciativa, de inovação e de acção no terreno, a unidade de implementação do PRONAI a ser estabelecida deve garantir que este sector privado esteja bem representado. “Isso vai assegurar que a sensibilidade dos industriais quanto aos requisitos da aceleração da industrialização seja levada em consideração”, acrescentou, explicando que a partir daqui seria possível, por exemplo, encontrar formas de reduzir as elevadas taxas de impostos, através de acções coordenadas de alargamento da base tributária, conferindo maior atractividade e competitividade à actividade industrial. Da parte do Governo, Cerina Mussá assume que entre os riscos e desafios está a necessidade de melhorar o ambiente de negócios, aprimorar a coordenação institucional e a capacidade de pesquisa, melhorar as infra-estruturas com enfoque nos transportes e reduzir os seus custos para estimular investimentos industriais.

Os desafios da competitividade Também não valerá o esforço na ausência dos requisitos de competitividade. A principal aposta, segundo os dois representantes do sector privado que já citámos, deveria ser em acções de transferência de tecnologia porque a maior parte das tecnologias que precisamos já existem. Mas este exercício, em si, não é tão fácil quanto parece, porque

AFINAL, TAMBÉM TEMOS CÁ BOAS REFERÊNCIAS!

São poucas, mas o País tem uma indústria transformadora com perfil internacionalmente reconhecido no que se refere ao padrão de investimento, empregabilidade, pujança financeira, acesso a meios tecnológicos de ponta e aumento de exportações. Mas, pela natureza da própria base produtiva nacional, a maior parte delas é do ramo alimentar

CERVEJAS DE MOÇAMBIQUE

Desde 2016 faz parte do Grupo AB InBev, o maior grupo cervejeiro do mundo. Um dos seus maiores investimentos dos últimos tempos é a construção da nova fábrica no Distrito de Marracuene, província de Maputo, num investimento avaliado em 180 milhões de dólares e que permitiu a criação de mais de 1800 empregos na fase de construção e hoje emprega cerca de 235 pessoas.

MEREC

Fundada em 1998, é hoje uma referência nacional nas farinhas de milho e trigo, massas alimentícias, bolachas, farelos e derivados para alimentação animal. Possui unidades industriais de elevado padrão tecnólogico, com equipamentos modernos e recursos humanos qualificados, que asseguram a reconhecida qualidade de excelência dos seus produtos.

COMPANHIA INDUSTRIAL DA MATOLA

É das mais antigas indústrias nacionais do ramo alimentar e das poucas que resistiram às falências que se assistiram. Fundada em 1948, até 1980 tinha uma forte intervenção do Estado. Mas em 1995, com a sua privatização, foi criada a Empresa Industrial da Matola (CIM) SARL. Actualmente emprega mais de 800 trabalhadores.

MOZAL

Não é nacional, mas assume relevância por ter sido vista pelo Governo como aquela que poderia ajudar a recuperar a economia devastada pela guerra civil. Instalou-se no Parque Industrial de Beluluane, província de Maputo, e começou a actividade de fundição de alumínio exclusivamente para a exportação em 2000. Foi o primeiro grande investimento estrangeiro no País.

CIMENTOS DE MOÇAMBIQUE

A Cimentos de Moçambique é a maior empresa do sector de construção no País, tendo iniciado a sua operação em 1924. Hoje está presente nas três regiões de Moçambique. A empresa produz e comercializa um leque alargado de produtos, nomeadamente cimento, cal hidráulica, betões, agregados e argamassas secas, de acordo com as necessidades específicas dos mercados.

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AS ETAPAS DA INDUSTRIALIZAÇÃO

Num percurso de dez anos, Moçambique estabeleceu como meta implementar um total de 293 projectos industriais, esperando que já em 2024 comece a produzir

AGOSTO DE 2021

Lançamento do PRONAI

FEVEREIRO DE 2022

Arranque do PRONAI

JUNHO DE 2024

130 projectos aprovados

JUNHO DE 2027

227 projectos aprovados

JUNHO DE 2030

293 projectos aprovados

FONTE Ministério da Indústria e Comércio

A indústria de plástico, que até já movimenta muita actividade em Moçambique, também está dentro da matriz das apostas e deverá crescer ainda mais

exige a capacitação das empresas a buscarem essa tecnologia o que, por sua vez, exige um conjunto de requisitos, sobretudo os recursos financeiros. Mas, para que Moçambique não seja um mero replicador de tecnologias já desenvolvidas, pode complementar através de processos relativamente mais demorados, que consistem em utilizar conhecimentos desenvolvidos pelas instituições académicas, que também têm uma palavra a dizer no apoio à industrialização. Os custos de todos destes processos, infelizmente, ainda não foram estudados. Além disso, há a grande tarefa de fazer um mapeamento rigoroso sobre as importações e exportações para conhecer os principais produtos de importação e exportação e valores envolvidos, os principais agentes do comércio externo. Assim, segundo os industriais, será fácil desenvolver os mecanismos de protecção das indústrias para produzirem localmente e aprovar os melhores pacotes de incentivos para atrair investimento industrial nacional e estrangeiro. Por incentivos, além da redução já referida da carga fiscal, deve-se entender um conjunto de aspectos que incluem o acesso à água e energia a preços razoáveis e com melhor qualidade, ter uma banca preparada para prover produtos adequados para um sector da indústria, considerando o seu ciclo produtivo relativamente longo, entre outros aspectos. Por onde começar num país pouco produtivo? Michael Sambo, economista e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), explica que, geralmente, as economias que se industrializaram rapidamente partiram de uma fraca produção. Singapura é um bom exemplo. Para o economista, este caminho começa com o desenvolvimento do capital humano, o que requer investimento público. “Se isto não for feito, continuaremos com fraca produtividade e com recursos que têm de aprender tudo de zero”, avisa o responsável, acrescentando que são estas competências que encabeçam as iniciativas de pesquisas e desenvolvimento e que facilmente absorvem a tecnologia. A sugestão de Michael Sambo é que a formação de quadros, dentro da estratégia definida para a industrialização, deve focar-se nos sete sectores que o País quer atacar (ver infografia), através do desenho de currículos que sejam condizentes com as necessidades internas. Este exercício - prosseguiu - pode não necessitar da importação de conhecimentos, já que “temos gente com competências dentro do País, embora seja pouca. Mas a vantagem é que as competências são transferíveis”. Além disso, “grande parte das instituições externas, cujos modelos podemos querer importar, estão mais avançadas e podem trazer o risco de haver desfasamento com a realidade nacional em termos de desenvolvimento”. Sambo sugere que a formação do capital humano vai além de um plano ou estratégia industrial, mas deve estar dentro de uma estratégia nacional de desenvolvimento. “Parece haver um esforço contrário ao desenvolvimento do capital humano quando assistimos à degradação dos sistemas de formação”, criticou.

OPINIÃO

Localização Industrial: Uma Ferramenta de Competitividade

João Gomes • Partner @ JASON Moçambique

Vem este artigo a propósito de um desafio recente que me foi colocado para encontrar a “melhor localização industrial” (adiante “MLI”) em Moçambique. Na sequência, peço aos leitor@s que comigo analisem a função da geografia como uma ferramenta de construção e reforço da competitividade empresarial. Não cuidaremos aqui de analisar as seguintes situações extremas de localização, por serem óbvias as soluções: - O caso da indústria extractiva, para a qual a total proximidade em relação à fonte da matéria-prima é condição sine-qua-non1 de sucesso na equação da “MLI” das respectivas unidades. - O caso da chamada indústria quaternária2, para as quais a total proximidade em relação ao mercado é condição sine-qua-non de sucesso na equação da “MLI” dos respectivos estabelecimentos. - Nem tão pouco veremos o caso da “indústria footloose3” (v.g.

Diamantes, chips de computador e fabrico móvel) cujas unidades podem ser colocadas em qualquer local, por isso neutras aos efeitos da localização dos factores de produção, tais como terra, mão-de-obra e capital. Postos de lado os três casos extremos de localização, e com o foco centrado na indústria transformadora (v.g. cimentos, têxtil, de abate e processamento de frangos, etc.), vejamos sucessivamente:

1) Que vantagens competitivas as empresas transformadoras pretendem obter ao se estabelecerem nas áreas de “MLI”?

Objectivamente, a decisão do investidor/a em colocar a sua unidade na “MLI” fundamenta-se principalmente nas seguintes razões: a) Obter significativa redução dos custos4 de investimento (Capex5); e de exploração (Opex6). b) Obter a maximização do lucro7 . c) As anteriores razões e, em adição, fazer crescer o negócio8, através da obtenção das vantagens de escala associadas às economias de interdependência ou aglomera-

ção9, por exemplo, instalar a unidade próxima de outra unidade industrial, da qual seja fornecedora (v.g. indústria de fornecimento de componentes automóveis).

2) Quais são os factores que mais tendem a influenciar a “MLI”?

Cada sector apresenta especificidades, mas elencamos os sete factores de avaliação obrigatória e cuja disponibilidade - em qualidade, quantidade, proximidade e custo - deverá ser cuidadosamente analisada pela equipa de projecto10, de modo a assegurar a “MLI”. A ordem de apresentação dos factores equivale, de acordo com a nossa experiência, ao grau de dificuldade de obtenção dos mesmos em Moçambique. a) Terra: Títulos válidos (DUATE11) cobrindo a totalidade do período de vida útil da unidade industrial; terra plana, com características morfológicas adequadas, e com acessibilidade assegurada. b) Energia: Ainda que o “Programa Nacional de Energia para Todos” esteja a avançar, sendo o objectivo fixado até 2030, este é um dos maiores “calcanhares de Aquiles” em

Moçambique. Na procura da segurança de fornecimento energético haverá que assegurar que não será necessário proceder a investimentos adicionais, quer na linha de transporte, quer no posto de transformação. c) Força de Trabalho: A proximidade e fácil acesso ao capital humano, que garanta níveis de produtividade acima da média, com vontade e habilidade para aprender, continuam a ser um dos mais potentes factores de competitividade industrial. d) Matéria-prima: Na procura de segurança de abastecimento de matéria-prima, esta deverá estar disponível em qualidade, quantidade, preço competitivo e fornecimento seguro e atempado. A proximidade da matéria-prima continua a ser um dos mais potentes factores de competitividade industrial. e) Mercado: Uma clientela próxima (distância física e emocional) – volumosa e com necessidades e com poder de compra do nosso produto - continua a ser um dos mais potentes factores de competitividade industrial.

Na procura de segurança de abastecimento de matéria-prima, esta deverá estar disponível em qualidade, quantidade, preço competitivo e fornecimento seguro e atempado

No caso da indústria extractiva, a total proximidade com a fonte da matéria-prima é crucial para a sua competitividade

f) Transporte (in e out): Elevado grau de portabilidade da matéria-prima (input), e do produto intermédio ou final (output), quer em volume, perecibilidade, perigosidade, fragilidade, a par da redução da distância e do custo do frete, continuam a ser um dos mais potentes factores de competitividade industrial. g) Política Governamental: A disponibilidade de incentivos financeiros, de benefícios fiscais, de assistência técnica e de uma atitude de abertura e amigabilidade face ao investidor/a privado, por parte do Estado, de modo a tornar mais atractiva a localização do investimento numa determinada região, continuam a ser dos mais potentes factores de competitividade industrial. Propositadamente, e dada a experiência negativa12, não falamos nos chamados “distritos industriais”13, o que no caso Moçambicano significa instalar-se numa zona de livre comércio e exportação (v.g. numa Zona Económica Especial (ZEE), ou numa Zona Franca Industrial (ZFI)14 .

Conclusão

O necessário esforço de “substituição das importações” constitui uma rara oportunidade para o empresariado Moçambicano considerar o caminho da industrialização (em especial a indústria manufactureira) como uma opção viável. Neste contexto, avaliámos o papel que a “Melhor Localização Industrial” (MLI) pode ter como ferramenta de construção e reforço de vantagens competitivas na indústria manufactureira. E destacámos sete factores que condicionam a distribuição da “MLI” entre i) a proximidade face à matéria-prima; ii) ou a proximidade face ao mercado. O factor capital, dada a sua actual extrema mobilidade, deixou de fazer parte do inventário obrigatório da “MLI”, mas sem que se lhe neguemos a relativa importância. Destacamos, i) pela positiva o factor capital humano, por influir decisivamente na produtividade, esta considerada pela escola New Economy Geography como a mãe de todos os factores “MLI”; ii) e pela negativa, em Moçambique, a ausência de atractividade geográfica dos “distritos industriais” (v.g. ZEE e ZFI). Não considerar a localização industrial como um factor de competitividade industrial é criar as condições para termos uma indústria manufactureira que seja “prisioneira da geografia”15 .

1 “Sine qua non” é uma locução adjectiva, do latim, que significa “sem a qual não”. 2 “Basicamente inclui actividades como geração e compartilhamento de informação, telecomunicações, educação, pesquisa e desenvolvimento, planeamento, consultoria e outros serviços baseados no conhecimento”. Wikipedia.. 3 Estas indústrias têm frequentemente custos espaciais fixos, o que significa que os custos dos produtos não mudam, apesar do local onde o produto é montado. Trata-se, em geral, de indústrias não poluentes. 4 Esta é a tese da Escola do Custo Mínimo, representada por WEBER, Alfred (1929) “Theory of the Location of Industries”. The University of Chicago Press. 5 Do inglês Capex - Capital expenditure. 6 Do inglês OPEX - Operational expenditure. 7Tese de LOSCH, August (1945) “The Economics of Location”. Yale University Press. 8 Tese da New Economic Geography (NEG), representada por KRUGMAN, Paul 1991a. “Geography and Trade”. Cambridge: MIT Press. 9 “De acordo com o modelo da Weber, a aglomeração refere-se à concentração espacial da indústria, resultante da percepção de que o agrupamento de diferentes unidades de produção, num local comum de produção, resulta em custos mais baixos por unidade de produção”. SPINOLA, Noélio. “Business location: strategic factor for the development of regions? One approach on industrial location policy of Bahia”. 10 Estudo de Localização Industrial. 11 “DUATE - Direito de uso e aproveitamento de terra. 12 Conferir o artigo” “Elefantes brancos” em quatro Zonas Económicas Especiais em Moçambique”, em https://tinyurl. com/4b7229xz. 13 Autor do conceito, MARSHALL, A. 1920. “Principles of Economics”, 8th edn. London, Macmillan. 14 Para uma distinção entre ambas conferir ROCHA, Paula Duarte “Zonas Económicas Especiais e Zonas Francas Industriais: Aspectos a Realçar” - Revista Economia & Mercado”.

NAÇÃO

ENTRE O POTENCIAL E OS FALHANÇOS… ÁFRICA SEGUE LENTAMENTE

Quem estudar as características, desafios e oportunidades da industrialização em Moçambique fica a precisar de muito pouca informação para conhecer a situação de todo o continente: os problemas são os mesmos

Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R

AorgAnizAção pArA A cooperAção e desenvolvimento económico (ocde) é uma das poucas entidades mundiais que estudam continuamente a evolução dos mercados em África, e que tem procurado identificar os pontos críticos para a industrialização. Uma contextualização feita pela OCDE, viaja na História para explicar uma série de fenómenos actuais e fazer perspectivas futuras. Começa por revelar que os anteriores governos africanos, que trabalharam para a industrialização dos respectivos países, muitas vezes não tiveram grande sucesso. Na sequência da sua independência, muitos procuraram industrializar-se para evitar a dependência económica em relação aos antigos colonizadores. Mas as suas políticas industriais assentavam em grandes empresas públicas e defendiam indústrias transformadoras de capital intensivo, servindo-se da substituição de importações para as proteger. Como resultado, a indústria transformadora cresceu rapidamente entre 1960 e 1975. No entanto, avança a OCDE, as estratégias fracassaram por uma série de motivos, já que muitas delas focavam-se em indústrias de capital intensivo, que não correspondiam às vantagens comparativas dos respectivos países. Além disso, a falta de responsabilização e os regimes de incentivos provocaram enormes défices às empresas públicas que encabeçavam o processo de industrialização, mas “era, porém, difícil eliminá-las”, acrescenta. A indústria africana, estrategicamente, empregava uma grande proporção da mão-de-obra e as elites industriais que as dirigiam tinham bastante poder político. “Deixar que as grandes empresas públicas se afundassem seria uma admissão de fracasso das políticas. O subsequente período de programas de ajuste estrutural levou ao desmantelamento dessas empresas após 1975. Por conseguinte, os sectores da indústria transformadora decresceram”, explica o documento. E prossegue: desde meados da década de 1990, as políticas económicas nos países africanos têm, em larga medida, seguido o “Consenso de Washington”. Isto é, os governos centraram-se, sobretudo, na melhoria do ambiente empresarial. Apesar de estas políticas terem tido impactos positivos, os progressos têm sido lentos. Assim, a OCDE sugere que as novas estratégias de industrialização têm de aprender com os sucessos e os fracassos do passado e que poucos países africanos foram bem-sucedidos nas suas estratégias de industrialização. As Maurícias e a Tunísia fazem parte dos poucos bem-sucedidos. Criaram Zonas Económicas Especiais (ZEE) e atraíram Investimento Directo Estrangeiro (IDE) para as indústrias exportadoras. Tais estratégias elevaram as Maurícias e a Tunísia ao estatuto de países de rendimento médio. Trata-se de uma estratégia que Moçambique vem seguindo há alguns anos, mas que ainda não deu resultados visíveis. Até hoje, o Governo procura formas de tornar as ZEE atractivas a investimentos industriais.

O fracasso Um conjunto de aspectos, até certo ponto óbvios, têm sido determinantes no atraso da industrialização do continente. Primeiro, as estratégias subestimaram a importância das vantagens comparativas, ou não conseguiam oferecer os incentivos necessários aos empresários. A protecção do comércio deu origem a um aumento do preço das importações e dos bens de substituição de importações em relação aos preços mundiais. Os mercados fragmentaram-se e a concorrência de empresas estrangeiras diminuiu. As taxas de câmbio sobrevalorizadas reduziram a competitividade dos empresários locais nos mercados interno e de exportação. Em segundo plano, as instituições com desempenhos medíocres exacerbaram a corrupção, a burocracia, a falta de direitos formais de propriedade e um Estado de direito débil. A má gestão das rendas provenientes dos recursos em muitos países, ba-

África continua a ser a região menos industrializada do mundo, com apenas um país em todo o continente, a África do Sul, actualmente classificado como industrializado. O consenso é que isso tem de mudar

seados em recursos naturais, enfraqueceu as instituições já de si frágeis. Esta situação provocou um ambiente empresarial arriscado, que desencorajou o investimento produtivo e o empreendedorismo. Em terceiro lugar, as tentativas de industrialização africana também sofreram com as exportações da Ásia Oriental para os mercados africano e internacional a preços que desafiam a concorrência global. Foi o consumo e não o investimento interno que provocou o aumento das importações, enquanto o crescimento se manteve reduzido. E, por último, os pequenos mercados internos de muitos países africanos impediram o desenvolvimento de economias de escala, especialmente nos países de menores dimensões ou sem litoral. A lenta integração regional provocou várias restrições relativas a normas, a medidas de protecção diferentes e a outras políticas, reduzindo as dimensões do mercado para a industrialização.

Ênfase no empreendedorismo Apesar desta base mal-sucedida, a OCDE reconhece que, nos últimos tempos, os países africanos estão a fazer esforços consideráveis para desenvolver uma visão para a industrialização. Actualmente, cerca de metade dos países africanos (são 54 ao todo) dispõem de estratégias de industrialização (incluindo Moçambique, claro) muitas das quais destinadas a melhorar o empreendedorismo. Mas poucas se referem, realmente, ao papel das empresas com elevado potencial de crescimento, sobretudo Pequenas e Médias Empresas jovens. “As estratégias têm de visar mais eficazmente tais empresas, que são importantes para a industrialização. Aquando da concepção de estratégias, os governos devem considerar certas políticas industriais e aprender com as experiências do passado”, recomenda, sublinhando que a própria implementação de estratégias de industrialização ainda constitui um desafio para muitos países. “Estratégias bem-sucedidas exigem uma forte liderança política e o empenho total de todos os níveis de Governo. A participação dos governos nacionais pode ajudar a criar políticas que se adaptem melhor às necessidades locais das empresas, desde que tenham as capacidades necessárias e possam assegurar transparência. A coordenação entre organismos governamentais e a participação do sector privado no processo de decisão política pode ajudar a implementar as estratégias de industrialização de forma mais eficaz”, acrescentou. Por último, sugere a monitorização das políticas e a avaliação de impacto como passos cruciais para tornar as estratégias de industrialização mais eficientes. “Este tipo de avaliação pode servir para recompensar as instituições com

Vários governos africanos integraram eficazmente o desenvolvimento empresarial nas suas estratégias de industrialização. Os exemplos africanos mais citados são os de Marrocos, Costa do Marfim e África do Sul

bom desempenho e para rever políticas, mas são necessários dados fiáveis”, concluiu.

As políticas bem-sucedidas Vários governos africanos integraram eficazmente o desenvolvimento empresarial nas suas estratégias de industrialização. Um exemplo disso é o Industrial Acceleration Plan (PAI) 2014- 2020, de Marrocos. Estabelece medidas especiais para apoiar o crescimento do empreendedorismo por meio de cinco pilares: criação do estatuto de emprego independente, segurança social, financiamento, fiscalidade e apoio directo aos empresários, que inclui aconselhamento empresarial, aconselhamento personalizado, financiamento e digitalização. O PAI criou um fundo de 2,2 mil milhões de USD para identificar e colmatar o défice de financiamento no desenvolvimento industrial. O Governo também atrai IDE para as indústrias de apoio, de modo a reduzir gradualmente a dependência de mercadorias importadas que a indústria transformadora manifesta e para adquirir os conhecimentos e a experiência que as empresas nacionais precisam. Outro exemplo é o Plano de Desenvolvimento da Costa do Marfim para o sector das TIC, que promove a criação de novas empresas reduzindo os custos de arranque, investindo nas infra-estruturas e melhorando o quadro jurídico. Esta iniciativa ajudou o país a subir para a 142ª posição, melhorar substancialmente o ambiente de negócios e atrair grande volume de investimento externo. Na África do Sul, os Industrial Policy Action Plans (IPAP) servem para diversificar a economia além do sector mineiro. Dão prioridade a sectores de valor acrescentado médio a elevado e de mão-de-obra intensiva, como a transformação agrícola, os veículos, os têxteis e a energia ecológica. Além de promover o comércio e atrair IDE, os IPAP fornecem incentivos e coordenam acções de reforço das competências e capacidades industriais e científicas.

A força do dividendo demográfico Com a expectativa de que sua força de trabalho de 500 milhões aumente para 676 milhões de trabalhadores até 2030, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), África pode tirar vantagens do dividendo demográfico se corrigir os seus fundamentos, incluindo um maior apoio da política governamental para o desenvolvimento industrial, de acordo com a IndustriALL Global Union, uma federação sindical que trabalha nas cadeias de suprimentos dos sectores de mineração, energia e manufactura ao nível global. Segundo esta organização, “a industrialização sustentável tem potencial para criar empregos, especialmente nos sectores de manufactura das economias africanas. Com mais empregos decentes que paguem salários dignos, acreditamos que a pobreza será erradicada. Actualmente, a África Subsaariana tem os níveis de pobreza mais altos, especialmente em países de baixa renda e afectados por conflitos. Também tem o maior número de trabalhadores pobres. O desemprego continua alto, especialmente para os jovens, com a maioria deles a ganharem a vida no sector informal. A industrialização sustentável pode reverter isso e virar a fortuna dos trabalhadores”, disse Valter Sanches, secretário-geral do IndustriALL Global Union. Com menos de 10% do PIB, a manufactura global da África continua atrás da de outros continentes. Está concentrada apenas em alguns países, que incluem África do Sul, Egipto, Nigéria e Marrocos. A manufactura pesada do continente consiste em veículos de transporte, electrodomésticos, electrónicos e equipamentos industriais.

O mercado comum, uma oportunidade As Nações Unidas, à semelhança de todas as entidades que estudam o fenómeno da industrialização do continente, entendem que é preciso haver uma mudança fundamental na estrutura das economias das nações africanas. A indústria, especialmente a manufactura, terá de ser responsável por uma parcela muito maior do investimento, da produção e do comércio nacionais. Assim, espera que o acordo da Área de Livre Comércio Continental Africana, que se tornou operacional recentemente, dê início a novas e dinâmicas oportunidades, aumentando o comércio intra-africano e promovendo um ambiente que pode desbloquear o Investimento Directo Estrangeiro no continente. Há também a perspectiva de que muitos dos 100 milhões de empregos intensivos em mão-de-obra, que devem deixar a China em 2030, sejam realocados para os países africanos. O Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) também acredita que o acordo da Área de Livre Comércio Continental Africana constitua uma oportunidade. “A AfCFTA constitui uma grande oportunidade para a industrialização do continente africano, porque tem potencial para permitir que produtos primários e intermédios sejam transformados no continente”, disse o seu representante em Moçambique, Pietro Toigo. Para o responsável, “uma maior integração das economias africanas vai criar economias de escala e levar a uma pressão positiva para a transformação de bens e equipamentos no continente”, sublinhou, contrariando as vozes que temem que, com a abertura dos mercados, os países com estrutura produtiva fraca irão sucumbir.

NAÇÃO

“PRECISAMOS DE UMA NOVA PERSPECTIVA SOBRE COMO FAZER A INDÚSTRIA”

Rogério Samo Gudo, PCA da Associação Industrial de Moçambique, AIMO, gosta da abordagem transformadora da nova iniciativa presidencial, PRONAI, mas avisa que será preciso muito trabalho para levantar voo nesta era digital

Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R

AAimo é umA AssociAção que representa as empresas industriais, fundada em 1989 por homens de negócios em representação de empresas líderes de mercado, que pretendiam que a indústria se unisse para melhorar as condições de negócio em Moçambique. Actualmente, conta com mais de 300 associados, sendo a maior parte industriais de todas as dimensões (pequenos, médios e grandes), como a Vale Moçambique, a Mozal, a Cervejas de Moçambique, a Sumol+Compal, etc. Também comporta membros não industriais, mas que actuam neste segmento, como alguns bancos e empresas prestadoras de serviços, entre as quais consultoras. Tem membros em todas as províncias, e em diversas áreas de actividade (electromecânica, construção, produção de materiais de construção, bebidas, alimentação, madeira, entre outras.) Dos seus grandes objectivos constam os de estimular o aumento da produção industrial nacional, da produtividade e da competitividade; promover um sector industrial sólido, unido e coeso que olhe como subsectores chave a indústria extractiva, a agro-indústria e a indústria transformadora; desenvolver sinergias com outros sectores da economia, em particular com o sector agrário e extractivo; promover a diversificação da produção; e promover a agregação de valor às matérias-primas nacionais. Com uma visão relativamente maior sobre os desafios e oportunidades do sector industrial nacional, o Presidente do Conselho de Administração desta organização, Rogério Samo Gudo, manifesta grande optimismo quando aos resultados do Programa Nacional de Industrialização (PRONAI), já que nele vê o ponto de inflexão, rumo à reorganização da produção. Mas lamenta o facto de Moçambique ainda estar “muito longe” dos patamares de competitividade que seriam satisfatórios.

Como é que o sector industrial está? Em que medida terá ou não resistido aos efeitos negativos da pandemia do novo coronavírus?

Como deve imaginar, todos os sectores experimentaram impactos negativos. É óbvio que a área industrial, que também engloba a área de processamento de alimentos, não tenha tido um impacto tão grande quanto o das outras áreas, mas estamos a ter constrangimentos relacionados com a redução da procura no mercado. Mas a maior de todas as dificuldades é global e diz respeito ao deficiente fornecimento dos materiais para o funcionamento das indústrias. Ou seja, há uma ruptura de stock no mundo, que foi ocasionada pelas limitações na mobilidade de pessoas. Temos grandes deficiências na recepção de peças industriais e isso dificulta os processos de manutenção dos equipamentos e a produção. Além disso, temos um problema constante que é o acesso ao dinheiro. O custo do dinheiro é muito elevado, sobretudo nas circunstâncias em que vivemos. As indústrias precisam de financiamentos especiais para poderem recuperar a estabilidade. Tudo isto faz com que o sector se ressinta de cumprir as suas obrigações, quer com a banca, quer com fornecedores ou com o fisco.

Conta que o sector industrial também é afectado pela instabilidade na África do Sul…

De facto. Primeiro foi a crise da vandalização que houve durante as manifestações, e depois veio a crise do sindicato da indústria metalo-mecânica que interrompeu o fornecimento de stock de equipamentos a este segmento em Moçambique. E agora temos problemas de energia, que regista cortes constantes. Portanto, não é só o covid-19 a impactar negativamente. Há um conjunto de

Hoje em dia, qualquer jovem pode ser industrial. Basta ter um computador, um produto e um mercado nas redes sociais. Pode fazer a encomenda numa indústria, elaborar a sua marca e expandir

outros aspectos que dificultam a nossa capacidade de dar a volta aos problemas do dia-a-dia. Mesmo assim, os industriais estão firmes, comprometidos e satisfeitos por compreenderem que o Governo também tem a mesma visão que, aliás, está veiculada no recém-lançado Programa Nacional de Industrialização (PRONAI), que constitui uma plataforma que vai facilitar ainda mais o processo de industrialização do País. Temos estado em actividades com o Governo e com outros parceiros e desenvolvemos iniciativas com as comunidades para assegurar que as discussões ao nível do PRONAI possam permitir progressos no sector industrial.

Por falar no PRONAI, nota-se o facto de o País estar a funcionar simultaneamente com dois instrumentos de política para o desenvolvimento industrial: o próprio PRONAI, lançado em Agosto último, e a Política e Estratégia de Industrialização 20162025. Isto não é sintomático de que algo está a falhar ao nível da própria concepção das prioridades?

O PRONAI é um quadro legal que contém planos e estratégias. Mas sentimos que ainda precisamos de rever algumas linhas, pelo que ainda não está fechado. Portanto, o mérito do PRONAI é o facto de chamar a si a intervenção de todos os actores, sem deixar ninguém de fora. Ou seja, tem a preocupação de identificar todos os actores principais do processo de industrialização, porque tem a particularidade de envolver uma enorme cadeia de intervenientes. Ora veja: tudo começa nos actores primários, que são os que extraem os recursos da terra ou cultivam alimentos. Se estes não fizerem isto, não haverá processo de industrialização. Mas é preciso notar que os processos não acabam com a intervenção da indústria transformadora, uma vez que depois vem o Comércio, e depois os Serviços, incluindo os financeiros que são transversais. Então, enquadrar todos estes actores dentro dos processos industriais é o mérito do PRONAI. É aqui onde está toda a visão sobre o que precisamos de extrair, transformar e como devemos expor-

tar os recursos, o que, em princípio, passa por adicionar valor às matérias primas para atrair riqueza adicional para o País. Estas foram as discussões que fizemos no processo de elaboração do PRONAI, porque já não faz sentido um país como Moçambique, em plena era digital e de uma sociedade de informação, continuar a optar por métodos tradicionais de fazer a indústria, promovendo o crescimento dos outros países através da exportação de toda a capacidade que temos para resolver os nossos problemas.

E quanto à Política e Estratégia de Industrialização 2016-2025, para que serve este instrumento se o PRONAI assume a função de guião da industrialização?

É um documento bem estruturado, mas está desenquadrado. Precisa de ser actualizado e ajustado ao momento que estamos a atravessar. De 2016, ano da sua entrada em vigor, para 2021, passam seis anos e este documento permaneceu estático. Por exemplo, na lista das indústrias prioritárias a indústria farmacêutica é fundamental, mas não está prevista neste documento. Hoje, a pandemia do covid-19 veio mostrar que é importante para qualquer país instalar uma indústria farmacêutica, que até tem sido estimulada: já produzimos material de protecção como o álcool em gel, alguns medicamentos e até equipamentos hospitalares. É tão prioritário que não faz sentido que continuemos a importar estes produtos, por serem elementos extremamente básicos e que respondem, inclusive, aos desafios da pressão populacional, sendo, por isso, uma oportunidade que não deve ser ignorada. Além disso, temos sido vítimas das mudanças climáticas, daí que a nossa indústria tem de prever materiais de construção que sejam resilientes. Temos de trabalhar muito neste segmento industrial para que respondamos a estas preocupações. No fundo, há várias questões que devem ser actualizadas no novo contexto.

Mas um dos grandes pontos fracos é também o acesso ao financiamento e o desenvolvimento da capacidade interna em termos de pesquisa e inovação. Como é que se vai conseguir construir um sector industrial forte se não forem definidas regras exequíveis a este respeito?

Moçambique compete com as economias da região e a primeira com que nos comparamos é a da África do Sul. Obviamente que quando falamos do acesso ao financiamento, em comparação com as economias à nossa volta, vemos que estamos extremamente fora da competitividade. As nossas taxas são extremamente altas, não temos mecanismos apropriados para financiar a indústria e este é um grande dilema para o sector. Mas também não nos podemos esquecer que temos a agravante de termos uma carga de impostos muito mais elevada que a dos nossos vizinhos. Estes factores retiram a nossa competitividade, porque ainda dependemos

Um dos aspectos que me saltam à vista na questão da facilitação do investimento privado é a instalação das Zonas Francas Industriais (ZFI), estratégia para a qual o Governo apostou já há alguns anos. Resulta?

É uma das ideias acertadas. Nas ZFI está, de facto, criado o ecossistema apropriado para a produção industrial (energia, estradas água, entre outros meios adequados, incluindo a proximidade dos portos para o escoamento da produção). São, de facto, importantíssimas. Por exemplo, nós, AIMO, temos estado a trabalhar na zona especial de Beluluane, enviando os nossos membros para lá se estabelecerem. Mas, ao mesmo tempo, sentimos que o potencial destas zonas, ao nível nacional, ainda está subaproveitado, o que significa que, apesar de muito já ter sido feito, há ainda muito trabalho pela frente para capitalizar estas iniciativas. Não podemos tentar revitalizar a indústria fazendo da mesma maneira que fazíamos no passado. Temos de estudar o contexto actual, que é de sinergias. Moçambique pode ter condições adequadas para produzir um determinado processo de um produto, mas temos de pesquisar até encontrar esse produto. Por exemplo, hoje em dia fala-se muito de viaturas com componentes eléctricas e aqui temos matéria-prima que pode ser utilizada para a produção de baterias. Em vez de pensarmos em exportar, podemos pensar e compor apenas um processo da bateria e sermos conhecidos no mundo como pessoas que fornecem aquele produto específico. Quanto à Mabor, por exemplo, já há várias indústrias pelo mundo que produzem pneus e se aperfeiçoaram de tal maneira que não conseguiremos obter a tecnologia nem investimentos para estarmos no patamar daquelas indústrias. Outra questão é que temos muitas indústrias a trabalharem abaixo da sua capacidade e queremos que elas continuem a fazer as mesmas coi-

sas. Hoje em dia, qualquer jovem pode ser industrial. Basta ter um computador, ter um produto ou mercado por via das redes sociais. Pode encomendar o seu produto numa determinada indústria e elaborar a sua marca e expandir. É este novo mindset que os jovens precisam de desenvolver. Por exemplo, na indústria de calçado pode ser dispensável que o jovem crie uma fábrica de calçado. Só precisará de desenhar o modelo, fazer a marca e procurar parceria com uma fábrica que vai abrir a linha de produção da sua marca. A indústria, hoje em dia, está a mudar e temos de olhar o que está a acontecer no mundo. Esta é a nova indústria que temos de criar. De jovens que não precisam de ficar muitos anos a estudar engenharia porque são criativos. Estão numa sociedade de informação. É possível Moçambique fazer parte deste jogo e os nossos parceiros têm de compreender esta nova forma de estar.

Não temos mecanismos apropriados para financiar a indústria e temos a agravante de termos uma carga de impostos muito mais elevada do que a dos nossos vizinhos. Este é um grande dilema para o sector...

em grande medida de produtos importados. Temos de partir de algum lado e vejo no PRONAI um instrumento que poderá abordar este pensamento, trazendo, como disse, todos os actores, incluindo a ciência e a tecnologia para encontrarmos um modelo que nos possa tirar do nível em que estamos, que é muito baixo. Quando tínhamos a economia centralmente planificada era fácil decidir o que se devia fazer neste tipo de objectivos. Hoje, com a economia de mercado, qualquer operador, incluindo o próprio Estado, pode decidir que quer comprar fora. Então, mesmo que haja vontade de investir por parte do sector privado, se faltar vontade por parte dos outros parceiros, aquele investimento não terá resultados. Ou seja, mesmo se o dinheiro fosse barato, se não houver vontade política ao nível da política tributária e política macroeconómica propícia para estimular o investimento privado industrial, será muito difícil conseguirmos processar o que produzimos. Será sempre mais fácil e mais barato comprar fora. Isto para dizer que há muito trabalho que deve ser feito internamente pela competitividade da nossa indústria.

Outra questão é a necessidade de revitalizar as indústrias que já tivemos (Mabor, Vidreira, etc.), o que se afigura muito difícil, basta olhar para as inúmeras tentativas feitas nesse sentido. É mais um sintoma da nossa fragilidade? Qual é o plano?

As barreiras estão no mercado. Estão na nossa competitividade. As condições primárias para que os investimentos possam andar por si próprios não são satisfatórias. Acredito que as oportunidades para Moçambique são imensas, pela posição geográfica e pela sua população que, mesmo não sendo muito preparada, tem muita vontade de aprender. É possível fazer-se muita coisa em Moçambique.

Dito isso, que futuro para a indústria nacional, num ambiente marcado por uma evolução tecnológica muito rápida e que estamos, de alguma forma, a tentar acompanhar?

Temos de trazer uma nova perspectiva sobre como fazer a indústria.