DIÁRIO DE SANTA MARIA QUINTA-FEIRA, 9 DE AGOSTO DE 2007
VÔO 3054
Rio Grande
de luto Estudante de Pedagogia sepultada ontem em Santa Maria ensinou a todos a importância de lutar MARILICE DARONCO
| 12 | GERAL DESPEDIDA As duas últimas vítimas da tragédia da região a serem reconhecidas foram enterradas
Leila ensinou a ter sonhos FOTOS LAURO ALVES
um futuro melhor. – Não, meu Deus, não! Eu não quero que levem a minha filha – disse Celina ao ver o caixão ser carregado pelo cortejo fúnebre até o local onde ela foi enterrada, no mesmo cemitério. Depois disso, a mãe se abraçou à foto de formatura do magistério da filha com tanta força que parecia que conseguiria fazer mágica e dar vida àquele porta-retratos. Celina chorou o tempo inteiro. Chorou de tristeza, dor, desesperança, medo. Como ela, quem estava na capela também caiu no pranto. A irmã de Leila, Karmen Kessler dos Santos, passou o tempo todo da cerimônia de encomendação do corpo abraçada à mãe, ao irmão, João, e à filha Natália, 11 anos. A sobrinha de Leila por pouco não foi mais uma das vítimas do vôo JJ 3054. Ela viajaria com a tia, mas acabou não indo. Ontem, a garota tentava ser forte para dar consolo à família, apesar da pouca idade.
Com a mão trêmula, Celina Lima dos Santos, acariciava o caixão lacrado onde estava o corpo da filha, a santa-mariense Leila Maria Oliveira dos Santos, 35 anos, como se estivesse tocando, suavemente, o rosto dela. O carinho era um misto de proteção – ela se recusava a acreditar que ali estava a lutadora que subiu num vôo rumo a São Paulo para defender crianças pobres – e de revolta de se ver velando a filha. Celina não se conformava. Para ela, aquele não era o sentido natural da vida. Ao seu lado, no velório na capela do Cemitério Santa Rita, dezenas de amigos davam adeus à estudante de Pedagogia. Não era apenas o fim Não, meu Deus, de uma vida, mas o sepultamento Anjo – Na noite não! Eu não quero de um sonho pelo anterior ao sepulque levem a qual Leila lutou tamento – a mesminha filha com toda força. ma em que Leila Juntos, famiCelina Lima dos Santos, e Eliane Dornelliares, amigos e mãe de Leila les (leia texto na colegas da vítima página 13) foram rezaram uma Aveidentificadas Maria, a mesma oração que Leila –, Karmem sonhou. No sonho, a irmã gostava de repetir para pedir forças era levada por um anjo. É nisso que para conquistar o que considerava a todos querem acreditar. Que a estugrande missão: construir um centro dante de sorriso largo continua com a de atendimento para crianças po- alegria que contagiava a todos. bres de Santa Maria. De família hu– Ela estava sempre brincando, milde, Leila aprendeu cedo que, na com um sorriso no rosto. É assim que vida, é preciso lutar para atingir os vamos lembrar dela para sempre – sonhos. E ela tinha um grande orgu- disse uma das amigas, Aline Marzari. lho de cada vez ousar ir mais longe. Quando o caixão de Leila foi dePrimeiro foi o magistério. Depois, o positado no solo do Santa Rita, facurso de Pedagogia que, com a ajuda miliares jogaram pétalas de rosas. A de uma bolsa do Centro Universitá- única coisa que aliviava o sofrimento rio Franciscano (Unifra), cursou até era saber que mais uma vez, mesmo o quinto semestre. sem escrever na lousa, a professoO acidente com o avião da TAM bo- ra tinha deixado seu ensinamento: tou um ponto final no desejo de vestir ninguém pode desistir de sonhar. mais uma vez a toga e se formar. Pior, Era isso que a professora tentava diimpediu que Leila voltasse à sala de zer às crianças. Era isso que a filha aula do projeto das Aldeias SOS, onde repetia à mãe. Lute por seus sonhos alfabetizava crianças que, em comum foi a mensagem que ela deixou, não com ela, tinham não só o fato de não escrita, mas numa história de 35 terem muito dinheiro, mas o de te- anos de vida. rem sonhos. O maior deles era o de marilice.daronco.diariosm.com.br
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AMPARO Karmen Kessler dos Santos teve o consolo da filha, Natália, 11 anos, para agüentar a dor da despedida da irmã
MAIS
Identificação
INCONSOLÁVEL Irmão de Leila, João era um dos mais abalados ontem
Ontem, o IML identificou mais oito corpos de vítimas da tragédia da TAM. Até agora, são 178 vítimas reconhecidas, num total de 199 vítimas. Não há mais mortos sem identificação na região
ORAÇÃO
DESPEDIDA
Mãe da vítima, Celina, buscou nas preces um consolo
Karmen se ajoelhou para dar adeus ao caixão da irmã