Mares de Sesimbra nº 38

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MARES de SESIMBRA

13 de Maio de 2017 – nº 38

Director: João Augusto Aldeia

A Informação que conta Administrador: José Gabriel

J osé J oã o Ca rva l h o


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MARES DE SESIMBRA

Foto: João Augusto Aldeia

A "loja do Zé João", na rua Cândido dos Reis, é um museu vivo do antigo trato comercial sesimbrense, tanto no modo de apresentar as mercadorias, como no atendimento personalizado. Dir-se-ia uma loja de companha, um porto de abrigo, onde as histórias das pessoas se misturam com a História de Sesimbra. Quase a fechar portas, fomos ouvir o seu arrais.

J osé J oão Ca rva l h o Quando e onde nasceste?

Eu nasci em 1 945, na freguesia de Santiago, na rua Amália, que agora é rua 2 de Abril. Era uma das ruas mais emblemáticas de Sesimbra, era de um bairro, sem ser camarário, mas onde morava um aglomerado de gente com famílias numerosas, que depois diminuiu. Tinha por alcunha a Herdade. Fala­me dos teus pais.

para Sesimbra aos sete anos. Fugiu para Sesimbra, sozinho. Foi moço do sr. Búzio, Zé Búzio, que ele adorava, e o primeiro trabalho dele foi transportar peixe da lota para o aterro. Porque as duas Bedfords que o velho Búzio tinha, não tinham motor de arranque e não arrancavamV só arrancavam no aterro. E ele voltou a contactar a família?

Não. Tem uma família nuOs meus pais não eram de Sesimbra. O meu pai era merosa em Arrentela, no Seinatural da Arrentela, emigrou xal. A família por vezes é que

o procurou a ele. Algumas vezes apareceram aqui primas e sobrinhas. E chegaste a falar com al­ guns desses familiares?

Cheguei. Tinha um primo direito no Seixal, que gostava muito do meu pai.

Toda. Os pais, e ela veio também, com dois anos. A primeira casa da minha mãe foi o Calhau da Cova, na rocha. A primeira casa que eles tiveram foi no Calhau da Cova, que o meu avô era o mestre da Cova.

Qual era o apelido da famí­ lia dele?

Mas o Calhau da Cova era o melhor de todos os ca­ lhaus.

E qual é o teu nome com­ pleto?

Família Loureiro!

Braga. Na Amora.

José João Pinto Matos Carvalho. Braga era apelido. O meu pai chamava-se João Matos Carvalho, conhecido pelo “Braga”. E a tua mãe?

A minha mãe era a Rosa Ançã Pinto, natural de Ílhavo. Veio para Sesimbra na saga das armações. O homem do mar de Sesimbra só sabia pescar ao anzol. Mas ela veio com toda a família?

Era. Da família Francisco Sanchez. Loureiro, Francisco Sanchez. Foram contratar o meu avô a Salvaterra de Magos, o meu avô já não estava em Ílhavo, estava ao sável, nos esteiros de Salvaterra de Magos. Quando apareceram as primeiras armações à valenciana, foi a primeira vez que houve empresários de terra a explorar o mar, e tiveram grandes dificuldades em ar-


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MARES DE SESIMBRA dum sargento da GNR. E durante a escola primá­ ria, trabalhavas?

ranjar companha, porque o pescador de Sesimbra era genuíno no anzol e pouco percebia de redes, até pelo contrário, era adverso às redes, era antagónico às redes, e então eles sentiram necessidade de ir [buscar pessoal] ao Algarve. O meu avô, o Bogalheira, algumas sete famílias de Ilhavenses que havia aqui em Sesimbra, ligados ao mar. Era mandador?

Mandador! Depois, mais tarde, teve a primeira traineira motorizada que houve em Sesimbra, foi dos Pintos, a primeira traineira, que era a Santa Rita, que foi ao fundo no tsunami, que a malta chamava o Ciclone, e depois mais tarde teve a Flor da Baía. As instalações eram por baixo do Hotel do Mar, ainda lá está o Arco dos Pintos, que é na praia, e a Roda dos Pintos, a firma chamava-se Pin­ tos & Bem.

Não. Mas quando fiz dez anos, comecei logo a trabalhar. Era assim: embora agora se diga que há desemprego, naquela altura havia o mar, que dava emprego a toda a gente, isso não havia problemas para trabalhar no mar, e depois havia os terristas. Em terra, ser mecânico, ou ser ajudante de mecânico, era preciso ter uma cunha da cunha. Eu nunca consegui ser mecânico, embora nascesse na rua das oficinas, que era a rua Amália: Care-

Tive uma promoção monetária, mas já não se encanava, era o Sanches. Eles andavam ao peixe-espada e o fio do peixe-espada era um fio de arame de aço, amarelo. E Depois de estar aí num espaço de relativamente pouco tempo, fui para o “Não-teirrites”, cujo proprietário era o sr. Virgílio Coxo, de apelido, com uma sociedade com o Xico, que tina uma taberna nas costas do Clube Naval. O velho de terra era um gentleman, era o Delfim Cofinhas. Que idade tinhas?

Onze, dozeV

Então isso foi rápido, essa

1 3 de Maio de 201 7 do do Filipe, onde está agora uma casa de fruta. A Casa Loureiro?

A Casa Loureiro.

Que era a mesma família que era dona das armações Cova e Agulha?

Exactamente. Ele tinhame prometido que me dava trabalho ali – a Internet estava longe, a técnica estava longe, então havia um miúdo na Casa Loureiro, com uma pasta muito bonita de couro, que ia ao comércio e a todo o sistema, dar um aviso da letra que se ia vencer no dia tal. Era o empregado da agência bancária, com uma

Tinha relação com a arma­ ção?

Não, foi depois da armação. Ganharam dinheiro e depois estabeleceram-se por conta própria. O teu pai, que profissão ti­ nha?

Quando nasci, o meu pai era pescador. Andava na traineira do meu avô. Tinha uma cédula marítima, andava na traineira. Depois foi comprador de peixe. Uma pausa comercial para cantar uma canção dos Galés. A minha mãe era doméstica. A minha mãe fazia a escrita da traineira. Sabia ler, na tas e Covas. O meu pai nun- promoção? época, o que era importante. Até aos 1 3 anos foi rapi- pastinha, todo bem vestidica conseguiu que eu fosse mecânico. Então aos 1 0 dinho. Depois daí, a minha nho. E a escola, como foi? Mas o Alfredo, que agora anos disse para a minha mãe uma aversão a que eu A escola, tirei a quarta- mãe: não quero que o rapaz fosse para o mar, como o di- está no Algarve, tinha o 2º classe. esteja na vadiagem, e fui pa- abo tinha da cruz. Era um pu- ano da Escola Comercial de ra moço de barca de apare- to muito estimado, posso-te Setúbal, e eu tinha a 4ª clasEm que escola? lho, aliás era o destino fatal mostrar a fotografia. Era mo- se, e a mãe dele era coziNa escola, como é que se para a maioria dos putos da ço de terra. Eu, o Aginha que nheira do Filipe, que era chamava, aquela lá de cima, minha idade. assava peixe ali no Filipe, porta com porta com a Agênjunto à avenida, que era a esque já faleceu, e o outro ir- cia, foi o Alfredo, e o João ficola da Câmara. mão, o Abel, que faleceu no cou de fora. Qual era a barca? Mas depois o sr. Augusto Olindo Correia. Sede no [naufrágio do] Menino Deus, E professores? jardim, e com uma mulher a que era moço de mar. O Agi- Covas arranjou-me para traA minha professora foi a ser a velha de terra: a Tomá- nha moço de terra, ou seja o balhar no comércio de fazenDona Odete, filha do Simões, sia. das no irmão, que era o Egas Zezinho. da loja de fazendas, e a Dona Isso é a minha fase marí- Cunha Pinto Covas, na rua Sara, filha do João Alemão, Mas era da família? tima. Depois, a minha mãe, do Forno, mas mais tarde feque era o apontador da Casa Não. Era uma namorada como tinha aversão que eu chou a loja. E o meu trabalho, dos Pescadores. E depois, do velho Olindo. E eu ga- fosse para o mar, pediu ao sr. antes da falência, era ser redurante um ano em que a Do- nhava ¼ de parte. Augusto Covas, que era o na Sara esteve doente, tive gerente, do correspondente aulas com uma alentejana Era pouco bancário (não havia nenhuns que era a Margarida, filha Os moços ganhavam ¼. bancos em Sesimbra) ao laE a tua mãe?


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cebedor: fazia um molhe de facturas para eu dar a volta à vila, desde Argéis aos bairro operário que tinha sido inaugurado [Bairro Infante D. Henrique], ao Bairro dos Pescadores. Pessoas que tinham com­ prado a crédito?

A crédito. Uns, agressivos, que eram as pessoas que se esqueciam de pagar, outros muito simpáticos, que ele precisava de dinheiro, que a letra ia para protesto às quatro e meia, ali na rua da Fortaleza, na dona Bárbara. E depois fui trabalhar para a praia. Tive dois patrões. Tive o Manuel da Graça, que era um homem que tinha um problema de pulmões, e depois fui transferido para o sr. Américo Laureano. Enchia uma selha de água e arrumava os peixes-espadas que ele comprava. Para a Cova da Piedade, para Almada, para o Seixal, e por aí fora. Nesse espaço de tempo, tinha 1 3 para 1 4 anos, o sr. Jaime Carapinha Carvalho, que era o frequentador assíduo a comprar peixe na lota, convidou-me para vir aqui para a loja, porque o sr. Mário Cagica casou com a filha do sr. Simões, e houve espaço aqui para um rapaz aqui

na loja.

li, na minha vida.

Foste então para a loja do senhor Adelino José de Carvalho?

Esse trabalho no Central, já foi em que ano?

Sim, que era a catedral da moda aqui de Sesimbra. Foi aí que eu comecei a fazer-me um profissional desta coisa, com um homem excepcional, que era o velho Adelino José de Carvalho, um homem com um saber da vida e experiência de vida levada da breca, e então estive por ali até aos 23 anos. Aos 23 anos, estava no serviço militar em Lisboa, viajava para Sesimbra diariamente, e pedi trabalho ao sr. António Luis, ao sr. Hernâni, e ao sr. Candinho Augusto, proprietários do Café Central, para trabalhar em part-time como empregado de mesa, isto durou dez anos. Em part­time, ao mesmo tempo que estavas na loja?

Saia da loja, ia fazer os fins-de-semana, as noites, no Café Central, que era o ex-libris de Sesimbra, com três indivíduos a trabalhar na esplanada: o Almeida, que era funcionário camarário, que já faleceu, também em part-time; o irmão do Carlos do Mero, que era empregado no Diário de Notícias, mas que se queria casar e queria ganhar dinheiro; e o José João, que era eu. Dominávamos a esplanada, os três, com 1 4 mesas distribuídas a cada um. Foi o melhor livro que eu

Ora, eu fui para a tropa em 1 966 - foi nos anos 67, 68, 69. Quando Sesimbra estava cheia de turistas?

Sesimbra tinha muita gente, mas uma gente diferente do que há agora. Uma grande parte alentejanos, que alugavam casa aqui, e depois começaram a aparecer os chamados hippies, os beatles, os teddy boys, e quem usava o cabelo do tamanho do meu era um teddy boy, um cabelo assim um bocadinho grande. E o Adelino não te chateava?

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do se servia do mar. Eu tinha cédula marítima desde o tempo em que fui moço, e comprei uma aiola, primeiro emprestada e depois então, contra a vontade da minha mãezinha, e aos 27 anos, eu não sabia remar, mas como tinha um feeling do mar, depressa aprendi a fazer aquilo que me atraiu sempre, que foi o mar. Mas sempre aqui na loja. Que pesca fazias?

Aprendi a andar às lulas, aos chocos e aos polvos, mas o que eu era perito era no marisco, em que os homens do mar se admiravam como é que eu, sem ser habituado ao mar, passava uma noite sozinho a trabalhar nos covos, para equilibrar o meu orçamento familiar, grandemente: camarões, lagostins, navalheiras. Desde a Arrábida ao Baptista, ao Cozinhadouro, por aí fora. Todos os fins-desemana lá ia eu, na minha rotina, aos chocos, às lulas, ao que tivesse na altura arribado. Depois acabei por ser quase semiprofissional porque comecei a ir com os homens ao sul. Os pescadores antigos, que vão pescar em Pinheiro da Cruz, em Sines.

O Adelino José de Carvalho não gostou muito, que eu fosse trabalhar para o Café Central, porque fiz sentir que ele me pagava mal. Porque se ele me pagasse razoavelmente, eu não tinha ido para o Café Central como empregado de mesa. Embora o Adelino José de Carvalho gostasse muito de mim. Depois, aos 27 anos, fizme pescador semiprofissional. Tive uma aiola de pesca durante algum tempo, primeiro emprestada pelos pescadores, não havia licenças, ia Em que as aiolas vão em para o mar quem queria, já o cima de uma barca? Sim, com a minha aiola. Raul Brandão dizia isso, Sesimbra tinha essa faculdade, Pagava a parte que me os barbeiros, os terristas, tu- competia ao dono da barca, ao Joaquim Macedo, ao António da Olímpia.

E tinhas tempo, sendo em­ pregado aqui?

Ia nas férias, nos feriados, nos domingos. Foi uma vida sempre assim. Sem folgas, nem aos domingos, nem aos feriados. Cheguei a ter as mãos lapudas. Ah! E há qui um intervalo. E como fui amanuense no serviço militar, o velho Adelino, como nunca deu a escrita a fazer a ninguém, era ele que a fazia manualmente, pediu-me ajuda para eu lhe ajudar a fazer a escrita. Pagava-me mais qualquer coisa. Depois os velhos Adelinos faleceram, trespassaram a casa aos três empregados. Isso foi em que altura?

Ora, eu estou aqui á 21 anosV foi aí no ano de mil novecentos e oitentaV para aíV


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E ficaram os três em socie­ dade, com as duas lojas?

Ficámos. Depois tivemos uma separação, e eu fiquei com esta loja, estou aqui há 23 anos. Eles ficaram com a loja do Adelino José de Carvalho. Que era uma loja mais fina.

Emblemática, com roupa de marca. E aqui era mais retrosaria.

Esta casa foi feita para uma retrosaria, pelo velho Elias carpinteiro. Manualmente, tudo manualmente, o velho Elias carpinteiro que era amigo pessoal, republicano, do Adelino José de Carvalho, fez-lhe esta loja toda manual. Mas essa loja, na mão dos teus outros colegas, aca­ bou por ir à falência?

Depois eles ali não geriram bem a coisa, ou a coisa não correu bem, eles faliram, e eu continuei. E agora, esta loja tem a marca de retrosaria, mas não é só uma retrosaria.

Depois eu, quando vim para aqui, como estava habituado a vender artigo de homem e pronto-a-vestir, nunca acabei com a retrosaria, mantive a retrosaria, embora menos evidente, mas ela está cá e tenho clientes para ela e modifiquei a loja ao meu jeito, mais à base do artigo de homem. Mas isto foi feito exclusivamente para uma retrosaria, porque havia quarenta e quatro costureiras em Sesimbra, com mais umas vinte e tantas no campo, e tudo vinha ao Adelino comprar os acessórios. Estas prateleiras foram feitas para as caixas dos botões, isto aqui [atrás do balcão] eram tudo botões. As caixinhas foram fitas para os fechos, para as linhas e tal. Mas ainda tens muito stock de botões, que ainda vi outro dia.

Mantive tudo isso, nada alterei. As caixas e o metro [vara métrica] são tão antigas como a loja. Estes metros têm 80 anos de existência, mantive, não os alterei, e estas caixas [de botões] foram feitas propositadamente à medida da pra-

teleira [ou o inverso, as prateleiras feitas à medida das caixas, fornecidas pelos fabricantes de botões]. Esta rua Cândido dos Reis, era o centro comercial de Sesimbra. Havia lojasV sapatarias, sete lojas de fazendas, mercearias, o velho restaurante do Chagas, a pastelaria Marzul (o Tomé), a Casa MateusV era a rua número um de Sesimbra. Era aqui que as pessoas se abasteciam, desde a mercearia às sementes do João Rasteiro, pra semearem a terra; ao senhor Guerra, que tinha um papel importante com as pessoas do concelho. O posto de turismo também estava localizado na rua Cândido dos Reis. A loja onde eu trabalhei, o Adelino José de Carvalho, era uma loja histórica, era a loja mais emblemática em relação a fanqueiro. A Loja do Povo. Estava sempre cheia. Chegámos a ser 11 empregados.

homem a Isidora, a Mariana Garanga (que era a número um), etc., etc. Depois havia as de fato de senhora: também havia a Clotilde Mendes, a mulher do senhor João do GazcidlaV As costureiras eram quase uma indústria de Sesimbra: era a mestra e mais dez ou doze raparigas, que trabalhavam com salários baixos, eram as aprendizes. O turismo, inicialmente, te­ ve muita influência no co­ mércio?

Quando começaram a aparecer os primeiros turistas estrangeiros – franceses, nórdicosV havia duas coisas que eles compravam: eram as mantas regionais, e eram os escoceses, o tecido a metro. Vinham a Sesimbra propositadamente para comprar o escocês, porque ouve uma moda, nessa altura, que eram os chamados kilts, em que as mulheres começaram a fazer saias pregueadas e casacas do escocês, e as camisolas dos pescadores O que é que vendiam? de Sesimbra. Isso foi um suDe tudo um pouco. Uma cesso, na altura. Comprasecção de retroseiro, uma vam metros e metros de secção de pronto a vestir – escocês, para confeccionar. mas, quando eu comecei a trabalhar, ainda não havia pronto-a-vestir, compravam Mas agora a situação é fazenda a metro e a respecti- muito diferente? va retrosaria, com os acessóA vida deu uma volta terrios: era a base do vestuário rível. Com a chegada dos das pessoas: comprava-se, “centros comerciais” e com a confeccionava-se, era feito chegada das novas tecnolopor medida. E havia 44 costu- gias, e dos chineses, altereiras em Sesimbra, posso rou-se completamente. O até citar o nome: em fato de comércio a retalho tem ten-

dência para o desaparecimento. Se não houver alguma mudança, que não vejo hipótese, é a extinção. Na tua loja ainda encon­ tramos muita coisa desse tempo do tecido a metro e da retrosaria.

Encontras porque há ainda uma clientela envelhecida, que há-de morrer lentamente, e que se abasteciam aqui na minha casa. Mas essas pessoas estão a ficar muito velhas, e outras vão-se embora, que é a lei da vida, e os novos têm hábitos completamente diferentes, não há volta a dar: compram on-line, têm transporte próprio e vão aos centros comerciais, portanto a vida modificou-se duma maneira radical. Enquanto na época que eu relatei anteriormente, as pessoas vinham da freguesia do Castelo abastecer-se a Sesimbra, hoje sucede precisamente o contrário: é a freguesia do Castelo que tem uma oferta comercial moderna, com estacionamento – que é um grande problema do comércio de Sesimbra, o estacionamento. Porque o estacionamento é pago, e embora digam que é barato, as pessoas evitam gastar dinheiro no estacionamento, e o comércio da freguesia do Castelo oferece o estacionamento. Uma das razões pelas


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vir à minha loja, mas noto que a diminuição é mais que evidente. É de ano a ano, de mês a mêsV Antes, em Janeiro, com os saldos, facturava-se. Agora há uma lei criada pelo Goquais o nosso mercado mu- verno, em que as lojas dos nicipal está às moscas, é o grandes centros, fazem salestacionamento. Ninguém dos no mês de Natal, com vai parar o carro em frente 80%, 70%, nem sei dizer o ao Ginásio-Sede, no estaci- nomeV Black Friday, e autoonamento grátis, e vai levar maticamente matou o saldo uma alcofa com 20 quilos na tradicional, que era baixar o mão, até ao estacionamen- stock com 30 ou 40 %. Acato. bou completamente. O turismo aqui compra só coisas de circunstância: compra a toalha e o calção A tua loja também se de banho que se esqueceu distingue que é pela de pôr na mala. Alguns es- decoração das montras, trangeiros, por vezes, con- quase um pequeno museu da vida somem uma coisa ou outra. sesimbrense. Para já, tenho uma meMas a tua loja ainda é da­ mória histórica e gosto de quelas que atrai turistas pôr em evidência. E, em seestrangeiros. Tenho conseguido sobre- gundo lugar, faz parte dum viver, ao longo do tempo, te- cero marketing, que as pesnho clientes que gostam de soas gostam de parar, de

ver, de observar, e por tabela podem ver os artigos que eu ponho na montra. E o mestre, o velho Adelino José de Carvalho, mudava montras semanalmente, não pelo facto da mercadoria não se estragar com o sol e com o ar, como pelo facto de estar sempre a mostrar ao cliente, a rodar o stock que existe em casa. Herdei isso e tento manter. Antigamente também se faziam montras temáticas?

As montras temáticas foi mais uma criação minha. Antigamente, ia-se mudando o stock, mas sem grandes panos de fundo. Gosto de pôr em evidência as fotografias antigas, algumas histórias, imaginar, colocar uma guitarra e dizer: "Este fado é outroV” EnfimV

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E também já vi tocares gui­ tarra aqui para os clientes.

Isso fui eu que meti na cabeça, depois de velho, aprender uns acordes com o Reinaldo Nunes. Já tenho quatro mil visualizações, só numa semana, dum vídeo que coloquei na Internet, no Facebook. Há até um comentário duma sesimbrense, que diz: “Que linda música que você cantou. É da sua autoria?” E eu respondi: “A música é do poeta Mário Regalado, poeta popular que viveu em Sesimbra nos anos 60 e que fundou o conjunto " Os Galés”. Coloquei isto no Domingo, e teve um impacto da breca.

João Augusto Aldeia


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