Mares de Sesimbra nº 36

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MARES de SESIMBRA

A Informação que conta

Al b e rto Ze g re N e to Director: João Augusto Aldeia

Administrador: José Gabriel

Foto: João Augusto Aldeia

19 de Novembro de 2016, nº 36

Alberto Zegre Neto pertence a uma família que teve um papel importante em duas actividades económicas emblemáticas de Sesimbra: como banheiros e como industriais

conserveiros. A sua fábrica de conservas, A Primorosa (popularmente conhecida como fábrica da Caveira, devido à localização junto ao cemitério), encer-

rou portas em 1 961 , mas os emblemáticos toldos da família Zegre Neto, os mais antigos de Sesimbra, continuam a colorir a "praia das crianças".

Testemunha das profundas mudanças por que a vila piscatória passou nas últimas décadas, Alberto Zegre Neto partilha connosco as suas memórias.


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Foto: João Augusto Aldeia

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Al b e rto Ze g re N e to Nasceu em Sesimbra?

Nasci em Sesimbra, vivi e vivo em Sesimbra – embora tivesse um período em que estive em Setúbal, derivado à ida do meu pai para aquela cidade, depois do fecho das fábricas de conservas de peixe em Sesimbra. Andei a estudar em Setúbal, na Escola Industrial e Comercial, de 1 962 até 1 970. Mas vinha todos os fins-desemana a Sesimbra, só estava em Setúbal de 2ª a 6ª feira. Houve um período em que deixei de estudar de dia, passei a estudar à noite e ia trabalhar de dia, lá em Setúbal. Depois, em 1 970, voltei para Sesimbra e comecei a trabalhar aqui. Quando é que foi fundada a empresa de banhos de praia?

Começaram em 1 860, com os meus dois bisavós, o Xavier da Silva Neto e o Manuel Serafim Zegre, pai do meu avô e pai da minha avó. Sei que o meu avô me disse várias vezes que tinham falado com o pai dele a incentiválo para ele montar barracas, porque já vinham pessoas para Sesimbra e queriam ir ao banho, e não tinham assistência e então foi incentivado a montar barracas. Na altura como era só necessário tirar uma carta de banheiro, que na época era uma coisa simples – eu lembro-me que a minha foi das

coisas mais simples de toda a minha vida, e já foi muito mais tarde, já foi em 1 967, salvo erro. Não sei se foi por um saber que o outro ia montar barracas, que entendeu também fazer o mesmo. E assim ambos tiveram a iniciativa de montar barracas: um, em frente à rua D. Sancho I – havia ali um chalet e um deles montou aí. E o pai do meu avô montou frente à Fortaleza, onde também havia um chalet, foi nessa zona da praia que ele montou as barracas. Não havia toldos, não havia cadeiras, eram só barracas. As famílas Zegre e Neto ainda montaram separados durante uns anos, não muitos, e depois fizeram uma sociedade entre eles. Mas o casamento que juntou as duas famílias não foi o motivo para isso, porque eles começaram a namorar já depois da sociedade estar constituída. Formaram a sociedade e depois é que houve o namoro entre o meu avô e a minha avó: Abel da Silva Neto e Maria Júlia Zegre. Depois, nos anos 30, começaram a aparecer os toldos e as cadeiras, antes disso eram só barracas, nem era o actual formato de barracas, na época eram só de duas abas, depois é que começaram a ser de quatro abas. As barracas eram mais para as pessoas se despirem e vestirem.

Também não havia o hábito de apanhar sol.

Evidentemente. Iam ao banho, vestidas, porque na época não havia fatos de banho. Depois é que começou a haver os fatos de banho para os homens, com alças, conforme depois apareceu para as senhoras. Depois veio os calções com pernas e com cinto, depois então é que veio os calções de banho vulgares que hoje há.

não conseguia, eles na época também não conseguiam de maneira nenhuma. Sei é que o meu trisavô paterno, Xavier Neto, era marítimo. Quem poderia saber isso era o meu tio Manuel, mas já não está cá. No seu caso, quando começou a trabalhar aqui em Sesimbra, foi em que actividade?

Eu em Setúbal comecei a trabalhar num escritório de construção civil, mas pouco As barracas que foram tempo. Depois vim para Semontadas frente à rua simbra, vim trabalhar para a D. Sancho eram de Instaladora Sesimbrense, que que família? Eram da família Zegre. E ficava ali onde é que é agora os Neto montaram frente à a Saúde Mar. Fortaleza. Era uma empresa de quê? Era de canalização e Como as barracas eram electricidade. Depois fui para montadas apenas numa a tropa. Quando vim da tropa, parte do ano, eles tinham já não regressei para lá, eles que ter outra actividade entretanto tinham metido ouprofissional? Eu, francamente, não te- tra pessoa. Fui pedir trabalho nho ideia do que é que eles à antiga Casa dos Pescadofaziam. A única coisa que eu res, depois do Verão. Em Sesei é que ambos tinham carta tembro, estava lá em baixo na de arrais, agora se de facto praia quando o Manuel Peexerciam a profissão da pes- dro, cunhado do Mário Águas, ca, eu francamente, não sei. me foi chamar, e no dia 1 de Agora, que eles não viviam Outubro comecei a trabalhar daquilo, não viviam de certe- na Casa dos Pescadores. za. Aquilo era sazonal e não dava de maneira nenhuma Cujas instalações ficavam para eles viverem. Por expe- aqui próximo da Câmara? riência própria eu sei que, quando eu tomei as rédeas do estabelecimento, sei perfeitamente que era impossível eles viverem daquilo. Se eu


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Sim, sim. Depois houve a integração na Segurança Social. Ali também houve uma história, os pescadores estavam a ser lesados e não estavam a dar por isso. Estavam a pagar na lota, como ainda hoje pagam, o desconto para a Segurança Social e ao mesmo tempo estavam a pagar uma cota mensal na Casa dos Pescadores, para assistência médica – o que estava errado, porque a própria Segurança Social já lhes dava assistência médica. Estava errado e foi corrigido. Na altura foi criada a Caixa de Previdência e Abono de Família dos Profissionais da Pesca, que tinha a sua sede em Pedrouços, e as suas delegações, que eram as Casas dos Pescadores. A Junta Central das Casas dos Pescadores foi extinta, as Casas dos Pescadores foram extintas, e passaram todas para as sedes distritais. Isto ainda antes do 25 de Abril, mas ainda continuando a haver Direcções das Casas dos Pescadores.

Banhistas no lado poente da vila.

Eu sempre trabalhei na praia. Com 5 anos já ia para a praia, às 7 horas da manhã, com a minha irmã, pôr ganchos e espelhos nas barracas todas, isto em frente da armação da Cova e da Agulha. Cada barraca tinha A integração na Segurança dois ganchos e um espelho. Social ocorreu ainda antes E em determinadas barrado 25 de Abril de 1974? A integração na Seguran- cas, onde a família era maiça Social foi a 9 de Setembro or, tinham quatro ganchos e um espelho. de 1 970. Mas a Casa dos Pescadores continuou a existir com aquelas funções de controlo da lota?

Sim. Na altura era Marcelo Caetano o primeiro-ministro, foi ele que criou a Segurança Social para os pescadores. Tem ideia porque é que não chegou a ser construída em Sesimbra uma sede da Ca­ sa dos Pescadores, como chegou a estar previsto?

Sim, chegou a estar previsto. Era tudo tratado a nível superior, mas o que me era dado conhecer na altura, é que nunca houve uma vontade grande da Direcção. O Mário Águas, que era o chefe aqui em Sesimbra, recebia instruções directamente de Lisboa, ia todas as semanas a Lisboa. Legalmente, o Presidente da Casa dos Pescadores de Sesimbra era o Delegado Marítimo, mas ele nunca lá ia. Na Junta Central das Casas dos Pescadores, o Tenreiro é que punha e dispunha, e quando não era à vontade dele, não havia nada para ninguém. Mas também ajudava na empresa da família?

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Nessa altura os banheiros também ensinavam as pessoas a nadar?

Sim. Na época não havia nadadores-salvadores, havia os banheiros. E os banheiros tinham a possibilidade de ensinar as pessoas a nadar, tanto faz crianças como adultos. Eu, por exemplo, cheguei a passar sete horas durante o dia, quatro horas de manhã e três à tarde, a ensinar a nadar. Chegou a uma altura em que eu já estava farto de água. Os pais dos miúdos, os clientes, não tinham a consciência de saber se a água estava fria, se estava névoa, se havia ondulaçãoP Eles queriam é que os filhos aprendessem a nadar. Nós estávamos ali, com a água pela cintura, horas e horas infinitas, a ensinar crianças e adultos a nadar. Aquilo chegava a um ponto em que já nos enjoava. Depois começou a existir os nadadores-salvadores e eles próprios podiam ensinar a nadar – os Cabos de Mar, na altura, fechavam os olhos, e os nadadores-salvadores ensinavam a nadar, mas ouve uma altura em que foi mesmo proibido aos na-

dadores-salvadores ensinarem a nadar. Nós ensinávamos assim às escondidas, tirávamos a camisola e os calções de nadador-salvador e íamos para dentro de água, mas houve uma altura em que de facto tivemos mesmo que parar. Era uma coisa que se dava gratuitamente aos cli- entes. Além disso, nós – o estabelecimento Zegre – já em 1 935-1 936 tínhamos dez “charutos”, que eram embarcações como os actuais caiaques, só com uma pessoa e com um remo de duas pás. Eram construídos em madeira. E devem ter acabado nos anos 60, ou principio de 50. Antigamente, de onde é que vinham os turistas que procuravam a praia de Sesimbra?

Vinham principalmente do Alentejo. Pessoal de Évora, Portalegre, Montemor, principalmente dessas zonas. Vinham alguns também da zona da Atalaia, vinham outros da zona do Barreiro, Pinhal novo, daí dessas zonas. Embora tivéssemos também clientes, e em grande número, de Lisboa, e de outras localidades. Lembro-me que antes do 25 de Abril de 1 974, o Governador Civil de Lisboa era nosso cliente, por exemplo. Depois chegou a vaga de estrangeiros?

Os estrangeiros começaram a vir em maior número a partir de 1 957, a partir do Hotel Espadarte, principalmente os Suíços, depois é que começaram a vir de outros países.

E actualmente são principalmente Portugueses?

Continua a haver estrangeiros. Temos alguns clientes estrangeiros, embora a grande maioria sejam portugueses, e com a criação deste novo Hotel, o Sesimbra Spa, aí cresceu mais, até porque nós temos um contrato com o próprio hotel, em que temos uma zona da praia reservada com toldos e cadeiras para o hotel, e aí temos bastantes estrangeiros. Quantas zonas da praia chegaram a ocupar?

Três. Já no tempo do meu pai, tivemos barracas em frente às armações da Cova e da Agulha, que é agora o Hotel do Mar. E as zonas da praia eram divididas pelas rampas de acesso à praia, e ali havia três rampas. Aí tínhamos três recintos com barracas e toldos, mas considerávamos uma única praia. Tínhamos outra praia, que é onde estamos actualmente, e tínhamos ainda uma outra a nascente da Fonte da Califórnia. Tínhamos essas três zonas. Depois começou a fraquejar, a praia começou por encurtecer, com a construção do outro molhe – não deste novo – e começou-se por diminuir o número de toldos, porque o mar chegava aos toldos. Até que chegou ao ponto em que acabámos com a praia em frente ao Hotel do Mar, em 1 974. Depois, em 1 975, acabámos também com a praia em


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frente ao Espadarte e frente à rampa, a praia estendia até essa zona; acabámos também com a praia a nascente da Fonte da Califórnia. Tínhamos que ter um nadador-salvador diário, tanto faz frente ao Hotel do Mar, como a nascente da Fonte, e só apurávamos dinheiro ao fim-de-semana, com as excursões. Portanto não havia rentabilidade, e eu disse logo: temos que acabar com isto, porque não dá. E então ficámos só com aquela zona onde estamos agora, embora já reduzida porque as autoridades entenderam que os concessionários deviam reduzir o espaço, no comprimento, o que eu acho que é um erro, porque há mais espaço para chapéus-de-sol – as pessoas é que não se apercebem, mas há mais espaço para chapéus-de-sol do que para áreas concessionadas. Mas entenderam reduzir as áreas concessionadas, para colocação de chapéus. O que é que acontece? Acontece que há menos praia vigiada. Porque só há praia vigiada onde há concessões. Se formos a ver, há um nadador-salvador que vigia desde o meu estabelecimento – que agora é uma sociedade com os meus genros – até à Fortaleza. Mas esse nadador-salvador é pago por nós, para vigiar as pessoas que – desculpe o termo – só deixam lixo em Sesimbra. São os dos chapéus. Do lado poente, também

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I n d ú stri a , si n d i ca l i sm o e p ol íti ca

Com início ainda no século 1 9 (década de 1 880) a indústria conserveira de Sesimbra dos primeiros anos foi dominada por investimentos externos, na sua maioria de origem francesa: Companhia Nacional

de Conservas (Sucessora de F. Ponçon), Leon Del­ peut, Ferdinand Garrec, Ouisille & C.ª, Etablisse­ ments Saupiquet.

Foram estes fabricantes que trouxeram para a vila piscatória, a tecnologia e o know­how, formando gerações de sesimbrenses. Alguns dos operários destas fábricas, nomeadamente os que tinham sido soldadores, aventuraramse mais tarde a instalar as suas próprias unidades fabris, e foram os seus estahá um nadador-salvador, pago pelo concessionário, que vigia até à Fortaleza, zona também de chapéus. Os concessionários têm menos terreno e estão a vigiar as zonas de chapéus-de-sol! Além de ainda permitirem que entre as concessões se montem chapéus-de-sol. Eu não condeno que as pessoas não paguem, porque antigamente as pessoas tinham que tirar uma licença na Delegação Marítima para

belecimentos que dominaram as últimas décadas da indústria conserveira de Sesimbra. Estão neste caso Artur Borges (mais conhecido em Sesimbra como Artur Cândido, apelido do pai), que começou por ser soldador, no início o século 20, e acabaria por instalar a fábrica Bela Vista, no lado nacente da vila, onde hoje se encontra o edifício Atlântico. Foi também o caso de Abel da Silva Neto, soldador no início da sua carreira profissional, e que viria a ser um dos fundadores da empresa Pereira, Neto & C.ª, proprietária da fábrica A Primorosa, popularmente conhecida como " fábrica da Caveira", devido à sua lo-

montar o chapéu na praia. É do meu tempo. E depois houve um período em que deixaram de pagar licença na Delegação Marítima e pagavam ao concessionário. Ainda me lembro que eram 25 tostões por meio-dia, e 5 escudos o dia todo. Mas depois isso também acabou. A pessoa chega, monta o chapéu onde quer e lhe apetece – em frente às concessões é que não pode, e pronto, está lá o dia todo à

Barracas de banho a nascente da Fortaleza.

calização junto ao cemitério. Mas a política também teve o seu papel neste contexto, pois aqueles soldadores formaram-se politicamente no sindicalismo operário, integrando-se na corrente política da oposição republicana. Com a implantação da República, em 1 91 0, adquiriram proeminência política, papel que terá contribuído para a sua afirmação na sociedade sesimbrense, e para a sua ascensão social, desde operários até industriais conserveiros. A Primorosa e a Bela Vista foram as últimas fábricas de conservas de Sesimbra, encerrando portas, respectivamente, em 1 961 e 1 962. vontade. A vossa empresa, além dos tradicionais toldos e cadeiras, tem também um serviço de bar?

Temos também um serviço de bar, que eu criei, salvo erro, em 1 991 . E foram os primeiros a ter esse serviço?

Sim, sim. Quer dizer, o Horta tinha um quiosquezinho pequeno onde só vendia gelados, mais nada. Eu, em 1 991 , alterei os barracões que tinha, fiz um barracão único – porque aqueles barracões já não se adaptavam à época – e nesse barracão montei um bar, e, por “exigência” dos clientes, à última da hora, tive que montar uma esplanada também. Queriam uma esplanada! Fui até no carro dum cliente, que tinha cartão da Makro, e aí comprei as primeiras mesas e as primeiras cadeiras para montar uma esplanada, porque eles queriam mesmo uma esplanada! Hoje já é um bar com alguma dimensão, já abre também à noite. Está bonito, está acolhedor. Já são três


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A Primorosa terá sido a mais bem equipada de Sesimbra?

pavilhões: um, que é o próprio bar e arrecadação do material do bar, outro para atendimento dos clientes, e outro para arrecadação do material de praia. Falamos agora das conservas. A fábrica

Era. A fábrica era composta por: mesas, onde as mulheres trabalhavam; máquinas de soldar e de cravar; tinham as máquinas de cozedura, onde o peixe era cozido; tinham uns tanques onde era feita a moura. A fábrica tinha por trás um quintal onde muitas vezes o peixe era colocado, para faFábrica de conservas A Primorosa, ou da Caveira, da empresa Pereira, Neto & Companhia zer o arrefecimento mais rápido, quando havia necessidade. Quando não havia necessidade, o peixe ficava dentro da fábrica e arrefecia ali. Se havia muito peixe, ou se havia muita necessidade em fazer escoamento da conserva, então iria para o quintal, para arrefecer e continuar a ser tratado e enlatado. Frente à fábrica existia um armazém, onde as latas eram escolhidas: se estavam bombeadas ou se não estavam bombeadas, ou seja, se tinham ar ou se não tinham ar. Já depois de fechadas, eram embebidas em serradura, eram batidas para ver se tinham ar, se não tinham ar. Isto por norma eram os homens que faziam. Se tivessem ar – estavam bombeadas – passavam para o lado. Se era uma coisinha insignificante, era feito um furo, saía o ar, era soldado, e a conserva saía. Mas se fosse uma quantidade de ar já razoável, era feito o furo, era soldado, e passava a ser conserva de segunda. Já não era conserva de primeira. A fábrica foi construída logo de origem com as instalações que sempre teve?

Foi feita logo de origem assim. E tinha uma grande variedade de espécies de conservas?

Publicidade de 1 940, com fotografia dos "charutos".

Sim. Tinha sardinha, cavala, albacora, atum, chaputa. A chaputa, não sei porquê, não podia usar esse nome, tinha que ser “brama ray”. Houve um período em que fizeram também caldeirada.

Tinha conserva em azeite, e em óleo vegetal. A diferença era no preço, a de azeite era mais cara. Era azeite virgem, não era do refinado. Havia sardinha em picante, ou sem picante. Havia sardinha em tomate, ou só em óleo ou só em azeite. A conserva em tomate era feita com a sardinha magra, era feita em tomate, recebia aquela gordura, e ficava boa. Quando se cortam as postas do atum e da albacora, ficam sempre aqueles fragmentozinhos, a isso chamavam eles os mietes, e então também fabricavam latas de mietes, que eram vendidas a um preço muito baixo. O sangue da albacora, ou do atum, não entrava na conserva, e era feita conserva desse sangue, que se chamava “sangacho”. Isso era usado na alimentação?

Na alimentação. Eu comi muito – hoje acho que isso já não há, acho que deitam o sangue fora, mas eu comi muito, e se era bom! Faziase com cebola, ao lume, misturava-se o sangacho, era da ponta da orelha! Havia também vários tipos de latas?

Havia latas que se chamavam um quarto de clube, que era a lata de 1 25 gramas. Houve uma lata que era, não bem oval, mas rectangular com os extremos redondos. Havia uma redonda, de 250 g, e ainda outra redonda, de 500 g.


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A maioria eram mulheres de pescadores, embora também houvesse mulheres de terristas. E também chegaram a exportar?

Sim, recebiam encomendas do estrangeiro. Lembra­se de quais eram os países?

Não. Quem fazia essas viagens era o chamado administrador, que era o Hernâni Cardoso Baptista. E o pessoal da fábrica, era todo de Sesimbra, ou tinha de vir de fora?

De fora, não. Havia pessoal suficiente em Sesimbra. Os homens eram relativamente poucos, 8 a 1 0 homens. Mulheres é que eram muitíssimo mais: 1 00, 1 50, 200. E até mais. Nem todas trabalhavam diariamente. Cada fábrica tinha uma sirene e, quando havia peixe, a sirene tocava, e as mulheres iam: nem que estivessem a almoçar, a sirene tocou, vamos embora para a fábrica!

E eram de qualquer idade?

Eram de qualquer idade. Só depois é que veio a lei que determinou que só a partir dos 1 6 anos é que podiam ir trabalhar. Quando eu era miúdo, havia lá “mulheres” com 1 3, 1 4, 1 5 anos, a trabalhar. E muitas vezes, iam elas, iam os filhos, chegava a lá estar a família inteira. Chegava a acontecer terem que trabalhar pela noite dentro?

Sim, sim. Podiam trabalhar até às 2, 3, 4 da manhã. Não digo a noite toda, mas chegavam a trabalhar até de madrugada, porque o peixe que entrava na fábrica tinha que ir todo para os tanques e ficar todo preparado para no dia seguinte começarem a trabalhar com ele. Nunca houve conflitos laborais?

Não. Que eu me lembre, nunca houve assim nada de especial. Não é do meu tempo, mas Sesimbra chegou a ter umas 1 0 ou 1 2 fábricas de peixe. Mas foi decaindo, até que sobreviveram duas.

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E qual terá sido a justificação para esse desaparecimento?

Nessa época também começaram a aparecer outras indústrias, como a do tijolo, e outras. O peixe também começou a ser mais valorizado E essas duas chegaram a e o pescador passou a gajuntar­se? nhar um pouco mais e a muChegaram a juntar-se, lher já não necessitava de em 1 961 . A fábrica Primoro­ estar a perder noites na fábrisa (ou da Caveira) com a ca, porque o marido já gaBela Vista. nhava um pouco mais Fizeram uma sociedade, Não sei se teria tido inmas foi uma sociedade que fluências de terceiros, o certo só durou alguns meses. A é que começou a haver mePrimorosa fechou em finais nos pessoal para ir trabalhar de Janeiro de 1 961 . Mas ha- para as fábricas, talvez por via pena disto acabar em não pagarem bem, poderia Sesimbra e então juntaram- acontecer não pagarem o suse as duas, fizeram uma so- ficiente, e o trabalho era um ciedade. bocadinho duro, chegavam a Nessa altura o Amadeu ter noites e noites a trabalhar. Nero já tinha colocado a sua E o escoamento também cofábrica em Setúbal e acaba- meçou a diminuir, e começou do com a de Sesimbra, por- a não ter, para os proprietárique já não estava a dar a os, a rentabilidade que desse rentabilidade que ele preten- para os encargos que tidia. nham. Entretanto, no fim de Fechou primeiro a fábrica 1 962, com o encerramento lá de cima, A Primorosa, e da Bela Vista, acabou mes- depois fechou a Bela Vista. mo a indústria conserveira em Sesimbra. João Augusto Aldeia

Operárias da fábrica de conservas A Primorosa.


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