Mares de Sesimbra nº 33

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MARES de SESIMBRA

Director: João Augusto Aldeia

Foto: João Augusto Aldeia

7 de Julho de 2016, nº 33

A Informação que conta Administrador: José Gabriel

O Núcleo de Espeleologia da Costa Azul (NECA) acaba de publicar o livro " Arrábida por Fora e por Dentro", que foi também o tema duma ex-

F ra n ci sco Ra ste i ro

posição que decorreu em Sesimbra. Nesta entrevista, Francisco Rasteiro – membro do NECA e um dos autores deste projecto – faz o ponto

de situação do estado do grande indefinição e, no caso Ambiente na Arrábida, e da gruta do Zambuja, de particularmente das grutas do destruição. Zambujal e do Frade, que Página 2 continuam a ser vítimas de

A Peq u en a P e s ca

Promovido por diversas organizações ambientalistas, teve lugar em Sesimbra um seminário sobre a Pequena Pesca e sobre o seu potencial contributo para a sustentabilidade ambiental. Página 5


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2 Foto: João Augusto Aldeia

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Esta esposição e este livro sobre a Arrábida, surgiram agora porquê ?

Nós começámos por publicar o livro da flora, depois havia a ideia de fazer o da fauna, e o de todo o património, um volume para cada tema. Só que depois do livro da flora houve a crise económica e a Câmara teve que recuar na continuidade do lançamento dos livros. Entretanto passaram-se vários anos, e nós vimos que tínhamos tanto material, surgiu a oportunidade desta exposição, que foi [inicialmente] um pedido dum senhor do ICN que me tinha pedido para fazer uma exposição ali para o Museu oceanográfico na Arrábida e daí surgiu a ideia de fazer esta exposição. Depois mostrámos ao presidente da Câmara, que gostou e disse que queria também a exposição para Sesimbra, e aí nasceu também a possibilidade do livro, porque várias pessoas que viram a exposição disseram: “Ah isto se estivesse em livro era lindo”, e nós pensámos: “Porque não?” Temos este material há tantos anos guardado, à espera de ser lançado, já que não se consegue fazer o específico para cada um, então lança-se um geral. E é bom para o turismo de Sesimbra, vêm tantos estrangeiros e as pessoas não

sabem o que é que existe. Nem tudo se pode visitar, é certo, há sítios que são complicados, mas ficam a saber que existe aquilo tudo em Sesimbra, e acho que isso é importante, não só para os turistas como também para os de Sesimbra. Muitas vezes vão para outros países ver coisas bonitas, mas cá temos coisas tão bonitas, ou mais, do que nos outros lados. Vivemos numa região em que há uma grande diversidade de paisagem, desde a Arrábida ao Cabo Espichel, toda a área muda muito duns sítios para os outros. No Cabo é tudo do tipo mais deserto, com aquela vegetação baixinha, quase deserto, e vai-se para a zona da Arrábida é tudo mais floresta. Essa diversidade, associa­ da a uma certa acessibili­ dade e próximo de zonas densamente povoadas, não é um problema potencial, ou mesmo já real?

É um problema real, porque a pressão humana notou-se muito nos últimos dez anos, com um aumento dramático, principalmente de bicicletas. Ou seja, há uma perturbação constante da Natureza. E eu vejo pela minha experiência, de vinte e tal anos de campo, e de há dez anos para cá – até me-

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nos de dez anos – começase a ver sempre gente na serra. Antigamente não: nós íamos para as grutas e não víamos uma única pessoa no campo, ou quando via eram apenas pessoas que trabalhavam no campo, ou um pastor. Hoje em dia, não: qualquer dia da semana, ou há bicicletas, ou pessoas a passear. A maior parte delas, felizmente, não fazem mal, mas há muitas pessoas que são inconscientes, deixam lixo, estamos sempre a apanhar lixo, constantemente.

toda a gente tivesse este pensamento – compensar tudo o que se tira – não haveria problemas na Natureza. O problema é que as pessoas tiram, tiram, tiram, e deixam lá lixo. E nós vemos as coisas a degradarem-se, vemos um Parque Natural cheio de entulhos por todo o lado, pessoas que vão limpar carros para campo e deitam o lixo todo para o campo, pessoas que cortam árvores à balda, e caçam animais à baldaQ Quer dizer, não compensam nada. É como os pescadores: Mas a tendência será para vão para o mar, tiram o peixe aumentar? e deixam lá as pilhas, deixam lixo. Eu até não me imExactamente, para au- porto de quase não apanhar mentar. peixe, quando vou à pesca, se só alimentar o peixe, já E como é que se pode não é mau, até fico contente: resolver esse problema? pelo menos estou a ajudar o ecossistema. Posso não leAcho que o problema já var nada para casa, mas vem de base, que é a educa- nunca fico triste. ção. A educação é tudo. Se as pessoas forem educadas Um dos pontos mais mar­ para usar a Natureza, que cantes da actividade do faz parte de nós, e não é NECA foi a descoberta da apenas uma coisa que está gruta do Frade. Mas conti­ ali ao nosso lado. Se fizer- nua a ser dos sítios de mos mal a ela, fazemos mal mais difícil acesso. Isso a nós: se as pessoas sentis- deve ter aspectos positi­ sem isso, teriam um respeito vos e aspectos negativos? diferente pela Natureza. Por exemplo: eu tiro chás da Natureza, mas também planto árvores. Acho que temos de compensar tudo o que tiramos da Natureza. Se


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MARES DE SESIMBRA Foto: Valdemar Capítulo

Pois, é como tudo. Por um lado está preservada, porque é uma gruta sensível – e era bom que fosse estudada.

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E não tem sido estudada?

Foto: Francisco Rasteiro

Tem sido a conta-gotas. A gente vai arranjando uns especialistas, que vão fazendo algumas coisas, mas não há um trabalho concreto. Tivemos aquele projecto de investigação do sistema do Frade, aquilo era apenas uma primeira fase, dum conjunto de 4 ou 5 fases, mas depois acabou, ficou só pela primeira. Fizemos o levantamento de toda a gruta, de inventariação, depois deveria seguir-se o trabalho de especialistas para continuar o estudo, o problema é que as coisas correram mal e o Estado depois não quis apoiar mais e as coisas ficaram assim, “em águas Gruta do Zambujal, descoberta em 1 978, após um de bacalhau”, o que é pena, rebentamento efectuado numa pedreira próxima do Ribeiro eu senti que aquele projecto do Cavalo. foi quase deitado fora. Quando as coisas não se fazem com princípio, meio e fim, sentimos que há um vazio. uns anos, mas entretanto Zambujal até tinha muito enferrujou e caiu, e ninguém mais condições, não precisaTemos a outra gruta desco­ quis saber. Frequentemente va de grandes alterações paberta antes, a do Zambujal, vou lá com a bióloga fazer a ra ser visitável, porque é uma onde se apostou no apro­ contagem dos morcegos, e é gruta horizontal – não é coveitamento do potencial tu­ rara a vez em que não veja mo o Frade, cuja entrada é rístico, chegando­se a coisas partidas, pessoas que pelo mar, que tem buracos formar uma empresa – co­ vão lá para dentro brincar e muito estreitos, e que são mo é que está este caso? pintam as paredes. Aquela coisas que não dá para altegruta, realmente, foi um rar, porque iria alterar o clima Essa gruta está completa- grande potencial que Sesim- interior e a gruta perderia mente ao abandono, e a ser bra perdeu, em termos turís- aquele esplendor. destruída todos os dias, não ticos, porque aquela gruta A gruta do Zambujal tamsó pelas pessoas que vão lá era uma mina de ouro, como bém tinha as suas caracterís– foi colocado um portão há se fez na Serra d’Aire. A do ticas, porque antes de ser

aberta, não havia saída nenhuma para a superfície, era quase como um mineral gigante que estivesse ali, sempre cheio de água; assim que se abriu a gruta e se fez a ligação ao exterior, a água desapareceu e daí começou a secar. Depois não se pôs uma porta. Nós quando abrimos o Frade, alteramos também o clima, para entrarmos, mas colocámos logo uma porta e deixámos só a dimensão dos buracos que já tinha antes, para tentar manter as coisas o mais intactas possíveis. No Zambujal, se tivesse sido colocada uma porta dessas logo de início, a gruta mantinha o seu esplendor. E na altura, por causa dos outros projectos, porque já se faziam muitas grutas com a colocação de escadas, e fazer lagos artificiais, para ter beleza, levaram essa visão, que também é errada, para o Zambujal. O Zambujal já tinha beleza suficiente, não precisava que se fizessem alterações nenhumas. Eu cheguei a ver um projecto que foi feito para a exploração turística, e aquilo eram lagos e mais lagos, partindo formações geológicas para pôr lagos, o que não fazia sentido. A gruta em si já era tão bonita, para que é que se ia fazer uma gruta nova dentro da mesma? A candidatura da Arrábida a património da Unesco não correu bem, e agora estão a retomar, mas com um outro projecto. Conhece essa no­ va candidatura?

Também não conheço bem a fundo, sei que é do âmbito da Biosfera, uma coisa mais pequena. E qual é a sua opinião sobre a candidatura original e a recusa que teve por parte da Unesco?

Em relação à outra candidatura, nunca tive muita esperança nela. Participei, como cidadão, mas no fundo nunca acreditei muito, porque contacto todos os dias com a Natureza e vejo a realidade do que se passa no Parque Natural da Arrábida. Depois ainda fiquei mais chocado quando saíram os inspectores de cá e cortaram as florestas do Risco e da Achada, foi tudo dizimado. Como é que se vai apresentar uma candidatura, se no dia em que viram as costas a gente corta a floresta toda para faGruta do Frade, descoberta em 1 999 pelo Núcleo de Espeleologia da Costa Azul. De difícil acesso, só foi visitada ppor muito poucas pessoas.


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Foto: Francisco Rasteiro

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um bocadinho. Porque no caso de grutas com beleza, o que havia era o Zambujal, e foi uma pena. Está-se a fazer é o estudo, tem-se descoberto muita vida nova dentro das grutas, coisas novas para a ciência, mesmo a nível mundial, e têm-se revelado aspectos da agregação dos minerais que estão a despertar muita curiosidade nos especialistas. No fundo aquilo é um meio de estudo: um mundo desconhecido para nós e que estamos a tentar desvendar e, ao mesmo tempo, dar a conhecer à população. Qual é a actividade actual do Núcleo de Espeleologia da Costa Azul?

João Augusto Aldeia Foto: Francisco Rasteiro

tugueses? Em França eles Eu disse desportiva no obrigam as empresas a fazer sentido de que tem uma uma transferência dos lucros componente de esforço para uma conta, e assim, em físico. caso de falência, sempre há Sim, somos obrigados a zer dinheiro? Nunca compre- aquele dinheiro para a recuendi isso, e tentei divulgar, peração. Cá não se fez isso. muita agilidade, para andar mas foi abafado, para nin- É um outro problema que não naqueles sítios, mas não há foi lá muito bem gerido, logo competições. guém saber. desde o início. Aqui em Sesimbra, para fazermos coisas turísticas, Uma das críticas da Unes­ não há assim muito. Há co era sobre a falta de cla­ aquelas empresas que farificação da gestão da zona E a espeleologia enquanto actividade desportiva e cul­ zem turismo nas poucas lacandidata, nomeadamente tural, como está? pas que existem, mas não é por causa de terem defini­ nada por aí além, já que são do novos limites para que A espeleologia não é des- grutas que não têm nada paas pedreiras ficassem de portiva. Agora há é a nova ra oferecer para o turismo. fora? vertente da espeleologia tuÉ giro para os miúdos da escola, para irem lá rastejar Nunca percebi isso. Sem- rística. pre achei que as pedreiras eram um grande problema para aquela candidatura. Eles meteram de fora da candidatura, mas elas estavam lá dentro da área do Parque Natural, e muitas delas só davam garantias de recuperação para daqui a trinta anos. Nunca se vai fazer uma candidatura para uma coisa que só se vai fazer num futuro distante. Tinha que se apresentar provas de que já se estava a fazer algo para mudar, mas não. O que aconteceu entretanto foi que as empresas das pedreiras fecharam – só estão duas abertas neste momento – deram falência e ficaram os buracos abertos. Quem é que vai recuperar aquilo? Ou é com o nosso dinheiro dos impostos dos por-

Continuamos a fazer investigação espeleológica, até bastante a fundo, em conjunto com universidades, e com o apoio da Câmara. Também juntamente com a Câmara, estamos a tentar fazer na antiga escola primária das Pedreiras um Centro de Interpretação da Arrábida, que está um bocadinho atrasado, mas esperamos que a Câmara não se esqueça desse projecto, porque faz falta. Aquilo é bom para receber os turistas e para divulgar tudo o que existe. Temos trabalhado muito com universidades estrangeiras, cujos alunos vêm cá para fazer levantamentos de campo e identificação de animais e fauna. Tem sido um trabalho muito interessante.


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Seminário

A Pequena Pesca: potencial para a sustentabilidade

Várias organizações não governamentais Portuguesas organizaram seminário dedicado à sustentabilidade da pequena pesca, o qual decorreu nos dias 29 e 30 de junho em Sesimbra, juntando mais de 1 50 participantes de diferentes partes interessadas para discutir a sustentabilidade da pequena pesca e as possibilidades que existem nos novos fundos comunitários para a por em prática, a nível ambiental, social e económico. O evento foi organizado pela PONG-Pesca (Plataforma de Organizações Não Governamentais portuguesas sobre a pesca), plataforma da qual fazem parte oito ONG de ambiente a trabalhar em Portugali, e contou com a coorganização da Câmara Municipal de Sesimbra e da Mútua dos Pescadores. Foram ainda parceiros do evento a Docapesca – Portos e Lotas, SA, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), a Rede Europeia das Zonas de Pesca (FARNET) e a Low Impact Fishers of Europe (LIFE). “A pequena pesca foi desde o início uma das principais preocupações da PONG-Pesca, pois para além de ser muito representativa da realidade da pesca nacional, possui um enorme potencial de sustentabilidade, tanto a nível ambiental, como económico e social. Num momento em que o novo Programa Operacional para o Mar – PO Mar 2020 – está a ser lançado, quise-

mos organizar um evento que permitisse informar todas as partes interessadas das oportunidades de financiamento disponíveis e iniciar o desenvolvimento de ideias e candidaturas”, disse Gonçalo Carvalho, coordenador da PONG-Pesca. Foram abordados de forma detalhada e efetiva vários temas importantes, como a comercialização e valorização dos produtos da pesca, a diversificação de atividades, a colaboração de pescadores e cientistas na investigação ligada à pequena pesca, o associativismo e a higiene e segurança no trabalho. Participaram nos dois dias de trabalhos mais de 1 50 pessoas, de vários grupos interessados na pequena pesca e na conservação do meio marinho, desde os pescadores e os seus representantes, responsáveis pela tutela, investigadores, empresários, autarcas, gabinetes de ação local, entre outros. Os objetivos principais do evento foram: i) Apresentar casos de sucesso nacionais e internacionais em diversas áreas, tais como projetos de valorização e inovação dos produtos da pesca, diversificação de atividades e parcerias entre pescadores e cientistas, entre outros; ii) Dar a conhecer o Fundo Europeu dos Assuntos Marinhos e das Pescas, PO Mar 2020 e outras ferramentas de financiamento, sobretudo no que toca às rubricas

dedicados e disponíveis à pequena pesca e iii) Identificar e analisar os principais desafios de gestão sustentável da pequena pesca, delinear projetos passíveis de financiamento e contribuir para a criação de sinergias e parcerias entre os stakeholders da pequena pesca. Durante o seminário os participantes foram convidados a identificar os principais desafios relativos ao futuro da Pequena Pesca em Portugal, tendo sido selecionados os seguintes: i) Sustentabilidade dos recursos; ii) Sustentabilidade social das comunidades piscatórias; iii) Valorização; iv) Desburocratização e legislação adequada; v) Monitorização e recolha de dados; vi) Ordenamento do es-

ções de conservação do meio ambiente, a prioridade será sempre a sustentabilidade ambiental, pois para nós se essa não estiver garantida, nunca será possível assegurar a sustentabilidade económica e a social. A Política Comum de Pesca atualmente em vigor tem metas ambientais ambiciosas, e estamos certos que a pequena pesca pode claramente ajudar a atingi-las.”, disse Gonçalo Carvalho na abertura do Seminário. “No entanto, temos consciência que há grande necessidade de trabalhar efetivamente todos os pilares da sustentabilidade, pois se forem superadas determinadas questões económicas e sociais, mais facilmente será possível avançar em termos de conservação dos ecossistemas e das espécies. E portanto, por termos convicções mas também uma grande capa-

paço marítimo; vii) Contribuição dos Grupos de Ação Local Pesca (GAL-Pesca); e viii) Quotas pesqueiras. No último painel foram criados grupos de trabalho que tiveram como objetivo discutir e gerar ideias para lidar com cada um dos principais desafios. A PONGPesca pretende agora dar continuidade a estes grupos, num formato ainda a definir. “Para a PONG-Pesca, constituída por organiza-

cidade de diálogo e de cooperação, sabemos que podemos ser um ator construtivo nas discussões e na gestão da pesca em Portugal. Assim, esperamos que com este seminário mais uma vez provar que a PONG-Pesca não quer apenas alertar para os problemas da pesca, mas também participar na sua resolução, em colaboração com os restantes intervenientes no sector.” completou o mesmo responsável.


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