“O maior carnaval do mundo”: discursos e repertórios no carnaval de rua do Rio de Janeiro

Page 180

179

Quanto mais os blocos de rua se estabelecem como um modelo oficial de comemoração do carnaval carioca, menos intensas ficam as manifestações nos espaços em que não há nada organizado. Assim, ao mesmo tempo em que o carnaval de rua vai se tornando um modelo de comemoração oficial, e os desfiles vão se tornando mais organizados, é possível observar o surgimento de novas performances, como a prática do topless nos blocos, que surge no carnaval de 2016 e se intensifica em 2017. Como uma etnografia de um processo ainda em curso, esta tese termina apontando para um movimento. A relação do carnaval com o espaço público é dinâmica, e contingente. O processo atual de ocupação do espaço público guarda muitas semelhanças com o ocorrido no início do século XX, onde é possível destacar a relação com uma mudança no tipo de regime político, e um processo de reurbanização da área central da cidade. Em ambos os casos a marcha carnavalesca figurou como um elemento simbólico entre os elementos discursivos de destaque na ocupação do espaço público. Em um primeiro momento, associada a um ideal de organização, como um elemento identitário ligado a extratos sociais mais abastados, e atualmente associada a um ideal de tradição. A ocupação do espaço público com uma práxis sonora é um elemento que articula diferentes vetores e se estabelece em diferentes níveis simbólicos. E neste processo, pode alterar ou legitimar os entendimentos hierárquicos sobre a cidade, e seus diferentes espaços. Com isso, é possível pensar também, mesmo que de forma esquemática e parcial, em como determinados elementos práticos e discursivos, que compõem a práxis sonora, articulam elementos simbólicos, em processos de distinção/identificação no contexto do carnaval de rua atual. Desta forma, é possível estabelecer um caráter central do conceito de práxis sonora, para o entendimento de que as possibilidades discursivas, identitárias e políticas da prática musical se constituem justamente da interelação destes diferentes vetores, que atuam em diferentes níveis. Sob esta perspectiva, é possível pensar que, quando o carnaval carioca, atuando como práxis sonora, altera as possibilidades de ação em relação ao cotidiano, ele possibilita, não a inversão, mas a oposição à ordem. A disputa. Com isso, surge espaço para novas formas de ação, improviso, e a possibilidade de novos repertórios de ação, que se estendem socialmente. Assim, pode-se observar que o espaço público é ressignificado de maneira intrinsecamente ligada a formação de um campo de produção musical, e comportando


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.